terça-feira, 31 de março de 2009

Impasse no Le Monde Diplomatique Brasil


Demissão coletiva ameaça afastar do projeto instituição que lançou o jornal no Brasil, e toda a equipe que assegurou sua existência e ampliação nos últimos anos.
Antonio Martins
Uma série de fatos inesperados, cujo desfecho ainda é incerto, marcou a edição brasileira internet de Le Monde Diplomatique, nos últimos dias. Em 24 de março, a direção do Instituto Paulo Freire (IPF) dispensou, de uma só vez, a equipe que conduziu o jornal nos dois últimos anos. Fomos demitidos, além das redatoras Carolina Gutierrez e Marília Arantes, o editor, Antonio Martins, que introduziu o jornal no Brasil, em 1999. Um dia depois, quando a informação começou a circular, abriu-se uma possibilidade de negociação.
A demissão tem dois aspectos. O primeiro é interno ao IPF: embora traumático, está no âmbito da autonomia da instituição. O segundo implica o futuro de Le Monde Diplomatique no Brasil e, em seus desdobramentos, revelará bastante sobre os princípios e comportamento ético das instituições e pessoas envolvidas.
Lida a cada dia por cerca de 2 mil pessoas, que acessam 7 mil textos em média, a edição internet do Diplô é produto de uma parceria institucional e uma relação de trabalho, desde janeiro de 2007, Jornais nascem por meio de acordos, mas são feitos por gente em carne e osso. Embora reúna um número crescente de colaboradores, a versão digital de Le Monde Diplomatique é animada, há pelo menos um ano e meio, pela equipe que foi integralmente demitida, em 24/3. Carolina (que começou como estagiária), Marília (que atuou quase um ano como voluntária) e eu temos sido meio mambembes, meio visionários. Em outubro de 2007, cansados de apenas traduzir textos franceses e publicar eventualmente um ou outro artigo de lavra própria, bolamos o Caderno Brasil – que logo se transformou no centro de nosso trabalho. A intenção foi criar um espaço que, mantendo o mesmo espírito crítico e busca de profundidade característicos do jornal parisiense, fosse povoado... por brasileiros. O Caderno reúne hoje cerca de uma centena de colaboradores, que publicaram perto de mil artigos. O elenco inclui intelectuais renomados e pensadores emergentes, que a mídia conservadora oculta e a própria imprensa de esquerda tantas vezes não enxerga.
À mesma época, lançamos o
Blog da Redação. Alimentado desde então de forma às vezes errática (março marcou uma retomada, até o trauma do dia 24), ele visa abordar temas correntes, em que uma informação inédita, ou um ponto de vista incomum, fazem falta – e não podem esperar a elaboração de um artigo. Também precisa ser um canal para expressão dos colaboradores e dos próprios leitores ativos. Estamos trabalhando ativamente em sua reformulação, ao mesmo tempo em que apoiamos o lançamento de blogs sobre temas específicos. O primeiro vê a crise do capitalismo como oportunidade para questionar o sistema sob a qual vivemos, e intenficar a construção de novas lógicas sociais e relações entre o ser humano e o ambiente. O segundo será alimentado por quatro colaboradores que vivem em Paris, estão surpresos com a efervescência política (especialmente nas universidades) e querem narrá-la.

Que terá levado o Instituto Paulo Freire a demitir coletivamente a equipe que conduziu este trabalho? Questionados, os três diretores que participaram da reunião do dia 24 não apresentaram uma só razão política, editorial ou técnica. Alegaram que a Redação não se enquadrou nos métodos e normas do IPF. Neste aspecto, talvez estejam certos. Jamais aceitamos limitar nosso trabalho a um expediente das-nove-às-dezoito. Chegávamos e saíamos mais tarde; levávamos muito trabalho para casa e para a rua. Convidávamos, para dialogar e produzir conosco, pessoas não pertencentes aos quadros da instituição. Nos atrapalhávamos no preenchimento de inúmeros formulários e agendas.
O IPF, por seu lado, transformou-se numa organização de grande porte. Tem centenas de funcionários, em todo o país. Mantém convênios e parcerias com prefeituras e governos estaduais (diversos partidos), empresas e instituições de ensino, públicas e privadas. Em minha avaliação, o espírito criativo, que suas equipes conservam, choca-se crescentemente com uma estrutura que se assemelha à industrial, marcada por horários, disciplina e hierarquia cada vez mais rígidos.Os dirigentes do Instituto têm toda autoridade para julgar que práticas como as nossas destoam – ou mesmo perturbam – sua cultura institucional. Também podem, como consequência, não nos considerar desejáveis em seu quadro de funcionários. Só não tem o direito de usar estes fatos como pretexto para se apropriar unilateralmente do Le Monde Diplomatique e do Pontão de Cultura.

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