terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Natal


de Arthur Azevedo : Conto de Natal [um dos textos até então inéditos em livro,apenas publicado no periódico da época, incluido (com outros seis contos nessa situação ) em minha obra Contos de Arthur Azevedo: os "efêmeros" e inéditos, 2009]




sexta-feira, 11 de dezembro de 2009


a propósito da conferência da ONU sobre as mudanças climáticas ,em Copenhague ,convém saber que uclides da Cunha -- sim, ele -- foi dos primeiros pensadores brasisleiros a se preocupar com a ecologia : pode mesmo ser considerado o primeiro ecologista do País.


a ecopolítica em Euclides
De olhar voltado prioritariamente para o interior do país , Euclides da Cunha foi rigorosamente o primeiro intelectual brasileiro a cultivar e externar preocupações com o meio ambiente, inclusive fazendo da ecologia um tema político, de propostas de ação política. Como não poderia mesmo deixar de ser , face à sua formação consolidada, é sob o prisma e lentes do positivismo que registra,observa e critica os embates entre uma civilização, sempre improvisada, com a natureza do país : críticas essencialmente liberais, que essencialmente lançavam as bases, inéditas no país , avançadas ao extremo em seu tempo e antecipadoras dos conceito e elementos do desenvolvimento sustentável , na permanente preocupação euclidiana no conciliar progresso com a preservação ambiental.
Ainda com 18 anos,lavrava um protesto em seu primeiro trabalho no jornal O Democrata de 4 abril 1884 –pequeno jornal dos alunos do colégio Aquino,onde estudava desde 1883, no qual inclusive foi aluno de Benjamin Constant,professor de matemática,que iria em 1886 reencontrar na Escola Militar e nele insuflar os ardores republicanos ; no artigo, externando o interesse e apreço pela natureza que estaria presente em toda sua obra,ao lado de descrever em viagem de bonde para o colégio as maravilhas do cenário natural que descortinava,as matas e florestas da cidade do Rio de Janeiro, criticava o progresso representado pela estrada de ferro que degradava a natureza
“(...)Ah ! Tachem-me muito embora de antiprogressista e anticivilizador, mas clamarei sempre e sempre: - o progresso envelhece a natureza, cada linha do trem de ferro é uma ruga e longe não vem o tempo em que ela, sem seiva, minada, morrerá! E a humanidade, não será dos céus que há de partir o grande "Basta" (botem b grande) que ponha fim a essa comédia lacrimosa(...)Tudo isto me revolta ,me revolta vendo a cidade dominar a floresta,a sarjeta dominar a flor!”
Escritor avançado para o Brasil dos 1890\ 1900, fortalecido pelo espírito científico,enriquecido pela cultura sociológica,esmerado pela especialização geográfica e geológica, Euclides viu os sertões com um olhar mais amplo,abrangente e profundo que o de um geógrafo puro, mais do que de um simples geólogo, muito mais que de qualquer antropólogo.Desenha,disseca e ‘interpreta’ – pioneiramente –o cenário dos sertões, descrevendo com rigorosa exatidão as formação, estrutura e nuances geológicas e climáticas da região– a “terra ignota” ; a partir daí, compõe sua reflexão sobre a seca , a incapacidade geral do país em resolver o problema – evocando exemplos bem-sucedidos de soluções corretoras dos efeitos das secas adotada por povos(“a exploração científica da terra,coisa vulgaríssima hoje em todos os países, é uma preliminar obrigatória do nosso progresso”) e em diversos escritos propõe soluções técnicas, como a irrigação, para a questão no Brasil : se é capaz de criar desertos, o homem poderia também extingui-los – e a utilização política da seca que tem servido para “a retórica de congressos e conferências,para projetos mirabolantes,para justificar uma burocracia voraz, perfeitamente digna de salvar o Nordeste nas esquinas da Avenida [assim] O Brasil não resolve seu grande problema,que não é apenas administrativo porque é igualmente moral,social e político”.
Depois, nos textos “Fazedores de Desertos”, publicado originalmente em 1901,em O Estado de S. Paulo , e “Entre as Ruínas”, em O Paiz,1904 -- cuja primeira versão, sob o título “Viajando” , é de 1903, em O Estado de S. Paulo – suas críticas não se dirigem particularmente a ninguém , muito menos a um governo,e sim ‘credita’ ao próprio avanço humano o efeito maléfico na vegetação, nos recursos hídricos, nos solos, no clima e por extensão,segundo ele,na própria civilização , provocado pelas queimadas provocadas por uma agricultura ainda com métodos herdados do período colonial (clamor que Monteiro Lobato também expressaria anos mais tarde,quase que com as mesmas palavras e discurso). Como na maioria de seus textos sobre o tema, Euclides confronta riquezas passadas e farturas naturais com uma realidade arruinada -- “temos sido um agente geológico nefasto e um elemento de antagonismo terrivelmente bárbaro da própria natureza que nos rodeia” – explica,algo didaticamente, o processo de agricultura itinerante que ia tornando a terra cada vez mais desabrigada e pobre,e evoca a história ao atribuir a devastação florestal,como um ciclo desde os primórdios, ao indígena brasileiro , continuada pelo colonizador,feito um “terrível fazedor de desertos”, fosse o garimpeiro, “atacando a terra nas explorações mineiras a céu aberto, esterilizando-a com o lastro das grupiaras,retalhando-a a pontaços de aluvião” ou lavrador,“eliminando, a partir do mau ensinamento aborígene [a queimada] as grandes extensões de matas e florestas e aviltando o clima”, tornados ambos herdeiros de um modelo nefasto de uso da terra, agravando-o a ponto de esterilizar sua fertilidade e tornar a paisagem uma ruína só, de natureza e de pessoas,inclusive desencadeando fenômenos climáticos e geológicos na formação de desertos e do regime das secas – as quais dissecaria como ninguém ao dedicar-se ao sertão..
Euclides contestava um modelo “peculiar e oportunista” de desenvolvimento,então incipiente com a implementação da República, que “povoa despovoando”, “não multiplica as energias nacionais, desloca-as”, fazendo “ avançamentos que não são um progresso” , indo “ao acaso, nesse seguir o sulco das derribadas, deixando atrás um espantalho de civilização tacanha nas cidades decaídas circundadas de fazendas velhas”. Sob todos os aspectos e ângulos, o engenheiro social transformava-se e assume o engenheiro ecológico
À “exploração científica da terra(...)preliminar obrigatória do nosso progresso”, Euclides preconizava acoplar uma ação técnica de engenharia para o saneamento geológico de terras,extinção de desertos, reordenação de grandes áreas e conformações geográficas, prospecção e inventário de recursos e riquezas naturais. E mais : sustentava a urgência de implementação de um grande projeto de integração viária , substituindo as vias naturais,caminhos rústicos,picadas, estradas estéreis , e em decorrência de povoamento e ocupação , entre as regiões norte,sul e a Amazônia – sobre a qual lançou um olhar pioneiro e absolutamente atual, diga-se de passagem.aliás, a Amazônia tornada rota e destino de fuga dos sertanejos assolados pela seca.
Ninguém antes de Euclides dedicou-se com tanta ênfase, profundidade e esforço – inclusive vivenciando graves vicissitudes – e em especial pioneirismo,à Amazônia.Foi o primeiro dos literatos brasileiros a expressar o efetivo intento de conhecê-la in loco e entre todos a,de um lado, retratar e revelar,dramaticamente, aquele “paraíso perdido” (um livro intitulado “Amazônia,um paraíso perdido” era um dos projetos mais acalentados por Euclides,que não chegou a realizá-lo ),de outro despertar,em textos ‘reivindicantes, vingadores’, o conhecimento e a discussão dos gritantes problemas que afligiam(afligem) a região – segundo ele um outro Brasil,aliás um novo Brasil . Suas conclusões de ordem sociológica e antropológica são consideradas revolucionárias para a época,e absolutamente atuais com relação à Amazônia – sob a indestrutível consciência euclidiana , de malefícios justamente provocados pelo homem na ocupação desordenada,ambiciosa e destruidora da região.
Sob o escopo de seu projeto de integração nacional, a Amazônia com a exuberância de seus espaços e riquezas naturais ainda inexplorada, seria o destino inevitável dos contingentes saídos de outras regiões por adversidades climáticas,geológicas,geográficas e especialmente sociais e econômicas,constituindo-se na “ mais dilatada diretriz de expansão de nosso território”, para seus olhos embevecidos o “deslumbrante palco onde mais cedo ou mais tarde se há de concentrar a civilização do globo” – daí vindo a ser um dia objeto de cobiça estrangeira, vítima do expansionismo e ambições territoriais das potências mundiais(“a expansão imperialista das grandes potências é um fato de crescimento... e a conquista dos povos é uma simples variante da conquista de mercados”), o que exigia, sustentava Euclides, imediata e eficaz ação por parte das autoridades e do Poder Público para completas defesa e integração da Amazônia .Em suma, atestado da atualidade de muitas de suas reflexões, prevendo o debate que iria surgir no mundo mais tarde, pleiteava uma civilização brasileira que confrontasse os interesse globais, pois temia que “a Amazônia, mais cedo ou mais tarde se destacará do Brasil, como se destaca um mundo de uma nebulosa”.
Na Amazônia, por Euclides, a ecopolítica recebe novas lentes : o olhar euclidiano sobre a região e seu ‘destino no Brasil e no mundo’ envereda e lança as primeiras luzes para a geopolítica,rigorosamente nos moldes,diga-se, dos mais atuais e importantes debates .

[excerto de meu livro Escritos de Euclides da Cunha : política,ecopolítica,etnopolítica – edPUC-Rio\Loyola]


quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

o extraordinário Paula Brito


não se pode,em hipótese alguma, deixar -se de enfatizar, neste 2 dezembro, o bicentenário de nascimento de um dos homens mais extraordinários do Brasil do século XIX ; mais : da própria história cultural do País.

Francisco de Paula Brito, "o primeiro editor digno deste nome que houve entre nós", em citação de Machado de Assis, exerceu papel fundamental no desenvolvimento da carreira literária de Machado – bem como de muitos outros escritores, em meados do século XIX. Inaugurou, na verdade, uma vertente histórica e uma linhagem de editores ou casas editoriais que se constituíram em ponto de encontro da elite cultural e de incentivo à produção literária (assim o foram , por exemplo, a paulistana Casa Garraux, de Anatole Louis Garraux, na década de 1870, a Livraria de B.L. Garnier, na década de 1860/70, a Livraria Francisco Alves, no final do século XIX, a Livraria José Olympio Editora na década de 1930).
Em 1854, aos 22 anos, Machado de Assis já rabiscara os primeiros versos e lia avidamente os poemas e romances-folhetins nos poucos jornais existentes na época.; e sonhava em enviar suas produções.Até que a 6 de janeiro de 1855 teve publicado em A Marmota Fluminense, de Paula Brito seu poema “A palmeira” , e seis dias depois o poema “Ela”; e na livraria, ponto de encontro dos jovens escritores da época, Machado foi também acolhido, por iniciativa do próprio Paula Brito. Figura extraordinária, esse impressor, editor,jornalista,autor e o maior incentivador da literatura brasileira naquela época. Até 1864 Machado colaborou com a revista de Paula Brito, publicando poesias no mais arrebatado estilo romântico de então, mas também trabalhos em prosa: “O passado,o presente e o futuro da literatura”, que marca sua estréia no ensaio crítico , em 1858, o conto “Bagatela” – que abriga dúvidas, quanto a tratar-se de uma tradução ou criação machadiana [vide meu livro Contos de Machado de Assis:relicários e raisonnés,2008] --- em 1859,nos folhetins de10 e 13 de maio,3 e 14 de junho,26 e 30 de agosto.Por esse tempo, teve ainda a amizade e acolhida de Manuel Antonio de Almeida, diretor da Imprensa Nacional onde Machado consegue o lugar de tipógrafo de 1856 a 1858., ano em que incorpora-se de vez ao grupo de A Marmota (o jornal passou a ter esta denominação a partir de 1857) e da Sociedade Petalógica, “sociedade lítero-humorística” fundada por Paula Brito – cuja loja era um verdadeiro cenáculo, um “ponto de encontro neutro,onde os conflitos partidários rendiam-se em favor das letras e das artes” frequenta­da pelas figuras de maior relevo daquele tempo, reunindo todo o movimento romântico de 1840-60, dos poetas Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Araújo Porto-Alegre e Laurindo Rabelo a romancistas como Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antonio de Almeida , Teixeira e Souza, dos compositores Francisco Manuel da Silva ao ator João Caetano, além da presença de personalidades como os ministros José da Silva Paranhos (barão do Rio Branco), Eusébio de Queiroz, o senador Francisco Otaviano, líderes da sociedade como Antonio Maciel Monteiro, os jornalistas Joaquim de Saldanha Marinho e Firmino Rodrigues. Até que em 1861, já escrevendo no Diário do Rio de Janeiro (de 1860 a 1867 publica em A Marmota, em abril-maio "Queda que as mulheres têm para os tolos" -- este,como se sabe, exemplo bem-acabado,malgrado as constatações de Jean-Michel Massa, dos 'mistérios' machadianos ,ao abrigar elementos de reflexão quanto a tratar-se de uma tradução ou criação machadiana [vide meu ensaio,2006] ; e no ano seguinte tem editado em livro,por Paula Brito, duas de suas primeiras peças teatrais “O caminho da porta” e “O protocolo”, encenadas em 1862 no Ateneu Dramático.
O fato de Paula Brito ter se tornado o livreiro preferido pela elite intelectual do Rio de Janeiro, bem como o principal editor da época -- sucedendo o ‘lendário’ impressor francês, estabelecido no Rio de Janeiro desde 1824, Pierre René Plancher -- exemplifica suas capacidade,energia,determinação e habilidade reconhecidas e incentivadas até a década de 1840 por Pedro I ,consolidada na admiração de Pedro II por seu empenho em estimular os escritores brasileiros. O próprio imperador foi o principal acionista da nova Imperial Typographia Dous de Dezembro, inaugurada neste dia de 1850, data do aniversário do imperador e de Paula Brito – e onde Machado foi trabalhar a partir de 1858 como revisor de provas e caixeiro. As publicações de Paula Brito, ao contrário do comum na época, que eram concentradas em administração, política e informações práticas para os homens de negócios, dirigiam- se muito mais para o “leitor comum” , fruto das marcantes mudanças ocorridas no Brasil entre a Independência e a maioridade de Pedro II, notoriamente os progressos sociais, no que tange à publicação de livros, advindos da valorização da condição da mulher , criando um público leitor feminino, ávido por literatura romanesca, influenciada pelos franceses,suficientemente numeroso para alterar as características do mercado.
O volume de publicações de Paula Brito dirigidas às mulheres, iniciado ainda em 1832 com a pioneira revista feminina A Mulher do Simplício, ou A Fluminense Exaltada ---- não se estranhe o título do jornal, pois era comum na época : em 1834 publicava-se O Tupinambá Pregoeiro e A Mutuca Picante ,como em 1822.,p. ex., existira O Periquito da Serra dos Órgãos e Malagute-- ,sucedida de 1849 a 1864 por A Marmota Fluminense,evidencia o quanto o editor era consciente da existência – e força --desse novo público leitor feminino. Paula Brito lançou ao todo 372 publicações , das quais 214 foram edições literárias ficcionais, 100 delas “dramas”, 43 libretos de ópera, 47 de traduções do italiano e do francês, e 24 edições de originais brasileiros. A literatura brasileira então era bastante incipiente, praticamente não existia (pelo menos como “sistema literário orgânico”, conforme a conceituação de Antonio Candido) — apesar das produções de Gonçalves Magalhães, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Teixeira e Souza, Gonçalves Dias, Araújo Porto-Alegre, Casimiro de Abreu : Paula Brito foi o primeiro editor a incentivá-la, o primeiro a publicar trabalhos de literatos brasileiros como ‘empreendimento de risco’ e não mediante pagamento por parte do autor, como se praticava na época. Pela primeira vez, um romancista ou um poeta brasileiro era publicado em livro e pago por isso. É de Paula Brito por exemplo a publicação do primeiríssimo romance brasileiro, O filho do pescador, de Teixeira e Souza, em 1843 ( um ano antes do equivocadamente considerado pioneiro A Moreninha, de Macedo); os Últimos cantos, de Gonçalves Dias,em 1851, a primeira peça essencialmente brasileira, “Antonio José,ou o poeta e a Inquisição” e A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães em 1857, além de comédias de Martins Pena e poemas de Casimiro e Abreu.

Mas não apenas na seara literária,ou editorial, Paula Brito foi notável : muito antes do próprio aparecimento e recrudescimento do movimento abolicionista, foi ele um ativo militante da causa, veemente crítico da escravidão e defensor da igualdade racial – até mesmo criando e editando, desde 1833,o jornal O homem de cor,pela primeira vez dando espaço ao negro e a questões raciais na imprensa brasileira.

Justamente nesse ano de 1857 tiveram início as dificuldades financeiras de Paula Brito, impossibilitado de remunerar os acionistas investidores nos 6% prometidos, e deu-se a liquidação da Imperial Typographia Dous de Dezembro, tornando-se simplesmente Typographia de Paula Brito. Continuou a publicar livros, mas a produção caiu para 11 títulos em 1857, 10 em 1858 e 1859, embora aumentasse para 15 em 1860 e em 1861, ano de publicação de Queda.... e da morte de Paula Brito(como também o trágico naufrágio que matou de Manuel Antonio de Almeida).