domingo, 21 de abril de 2013

Tiradentes e Machado de Assis


neste 21 de abril, vale reportar à importante ilação que o escritor construiu com uma das figuras primordiais da história nacional –  retratada  em um significativo conjunto de crônicas machadianas escritas a propósito de Tiradentes.
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Provavelmente [eu tenho certeza ...] nenhum dos escritores do século XIX admirassem, reverenciassem e cultuassem Tiradentes como Machado de Assis : um vínculo respeitoso ,que remonta à sua postura política durante a década de 1860 , pelo qual Machado investiu Tiradentes com algo semelhante “a aura cristã do martírio e sacrifício” . Só que justamente essa aura,de ‘martírio e sacrifício’, e a loa machadiana ao “homem do povo que sofrera por sua visão de um Brasil  independente”  foram os fatores, ou motes, determinantes ,cruciais para tornar Tiradentes um ‘símbolo republicano’ – suprema ironia : Machado de Assis, monarquista convicto e crítico da República, foi quem no fundo provocou a assunção do inconfidente  a ícone anti-monarquista , dele ‘apropriando-se’ o novo regime e instituindo o dia 21 de abril  como feriado nacional.
Machado fez de Tiradentes  tema em várias crônicas . A começar pelos ácidos comentários críticos à edificação da estátua de d. Pedro I  no Largo do Rocio (atual praça Tiradentes, no centro da cidade do Rio de Janeiro), que se constituiu em um dos maiores conflitos  políticos em torno da figura do alferes : no lugar onde fora enforcado ‘o mártir’, o governo imperial erguia uma estátua ao neto da rainha que o condenara à morte ; o líder liberal mineiro Teófilo Otoni  chamou a estátua de “mentira de bronze”, e Machado participou intensamente dos protestos. 
Na crônica de  1 abril de 1862, publicada no Diário do Rio de Janeiro, a propósito da festiva  inauguração da estátua, Machado escreveu :
Está inaugurada a estátua eqüestre do primeiro imperador.
Os que a consideram como saldo de uma dívida nacional nadam hoje em júbilo e satisfação.
Os que, inquirindo a história, negam a esse bronze o caráter de uma legítima memória, filha da vontade nacional e do dever da posteridade, esses reconhecem-se vencidos, e, como o filósofo antigo, querem apanhar mas serem ouvidos.
Já é de mau agouro se à ereção de um monumento que se diz derivar dos desejos unânimes do país precedeu uma discussão renhida, acompanhada de adesões e aplausos.
O historiador futuro que quiser tirar dos debates da imprensa os elementos do seu estudo da história do império, há de vacilar sobre a expressão da memória que hoje domina a praça do Rocio.
A imprensa oficial, que parece haver arrematado para si toda a honestidade política, e que não consente aos cidadãos a discussão de uma obra que se levanta em nome da nação, caluniou a seu modo as intenções da imprensa oposicionista. Mas o país sabe o que valem as arengas pagas das colunas anônimas do Jornal do Comércio.
O que é fato, é que a estátua inaugurou-se, e o bronze lá se acha no Rocio, como uma pirâmide de época civilizada, desafiando a ira dos tempos.
O Rocio vestia anteontem galas e louçanias desusadas.
As ruas por onde passou o préstito estavam ornadas de bandeiras e colchas, e juncadas de folhas odoríferas, segundo as exigências oficiais.
Mas sabe o leitor quem teve grande influência na festa de anteontem? O adjetivo. Não ria, leitor, o adjetivo é uma grande força e um grande elemento . (......)
Foi o adjetivo quem fez as despesas das arengas escritas anteriormente em defesa da estátua.(.....)
  
Três anos depois, a 25 abril 1865, publicou também no Diário do Rio de Janeiro uma crônica que é uma verdadeira ode a Tiradentes , inclusive prenunciando e acabando por vir a formalizar,tempos depois,  a mitificação do inconfidente – logo por Machado – e fomentar, depois de 1889, sua construção como signo da República :
“Os povos devem ter os seus santos. Aquele que os tem merece o respeito da história, e está armado para a batalha do futuro.
Também o Brasil os tem e os venera; mas, para que a gratidão nacional assuma um caráter justo e solene, é preciso que não esqueça uns em proveito de outros; é preciso que todo aquele que tiver direito à santificação da história não se perca nas sombras da memória do povo.
É uma grande data 7 de setembro; a nação entusiasma-se com razão quando chega êsse aniversário da nossa independência. Mas a justiça e a gratidão pedem que, ao lado do dia 7 de setembro, se venere o dia 21 de abril. E quem se lembra do dia 21 de abril? Qual é a cerimônia, a manifestação pública?
Entretanto, foi nesse dia que, por sentença acordada entre os da alçada, o carrasco enforcou no Rocio, junto à rua dos Ciganos, o patriota Joaquim José da Silva Xavier, alcunhado o Tiradentes.
A sentença que o condenou dizia que, uma vez enforcado, lhe fosse cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde seria pregada em um poste alto, até que o tempo a consumisse; e que o corpo, dividido em quatro pedaços, fosse pregado em postes altos, pelo caminho de Minas.
Xavier foi declarado infame, e infames os seus netos; os seus bens (pelo sistema de latrocínio legal do antigo regime) passaram ao fisco e à câmara real.
A casa em que morava foi arrasada e salgada.
Ora, o crime de Tiradentes foi simplesmente o crime de Pedro I e José Bonifácio. Ele apenas queria apressar o relógio do tempo; queria que o século XVIII, data de tantas liberdades, não caísse nos abismos do nada, sem deixar de pé a liberdade brasileira.
O desígnio era filho de alma patriótica; mas Tiradentes pagou caro a sua generosa sofreguidão. A idéia que devia robustecer e enflorar daí a trinta anos, não estava ainda de vez; a metrópole venceu a colônia; Tiradentes expirou pelo baraço da tirania.
Entre os vencidos de 1792, e os vencedores de 1822, não há senão a diferença dos resultados. Mas o livro de uma nação não é o livro de um merceeiro; ela não deve contar só com os resultados práticos, os ganhos positivos; a idéia, vencida ou triunfante, cinge de uma auréola a cabeça em que ardeu. A justiça real podia lavrar essa sentença digna dos tempos sombrios de Tibério; a justiça nacional, o povo de 7 de setembro, devia resgatar a memória dos mártires e colocá-los no panteon dos heróis.
No sentido desta reparação falou um dos nossos ilustrados colegas, nestas mesmas colunas, há quatro anos. As palavras dele foram lidas e não atendidas; não ousamos esperar outra sorte às nossas palavras.
Entretanto, consignamos o fato: o dia 21 de abril passa despercebido para os brasileiros. Nem uma pedra, nem um hino, recordam a lutuosa tragédia do Rodo. A última brisa que beijou os cabelos de Xavier levou consigo a lembrança de tamanha imolação.
Pois bem, os brasileiros devem atender que este esquecimento é uma injustiça e uma ingratidão. Os deuses podem aprazer-se com as causas vencedoras: aos olhos do povo a vitória não deve ser o criterium da homenagem.
É certo que a geração atual tem uma desculpa na ausência da tradição; a geração passada legou-lhe o esquecimento dos mártires de 1792. Mas por que não resgata o êrro de tantos anos? Por que não faz datar de si o exemplo às gerações futuras?
Falando assim, não nos dirigimos ao povo, que carece de iniciativa.
Tampouco alimentamos a idéia de uma dissensão política; conservadores ou liberais, todos são filhos da terra que Tiradentes queria tornar independente. Todavia, há razão para perguntar ao partido liberal, ao partido dos impulsos generosos, se não era uma bela ação, tomar ele a iniciativa de uma reparação semelhante; em vez de preocupar-se com as questões de subdelegados de paróquia e de influências de campanário.
Em desespero de causa, não hesitamos em volver os olhos para o príncipe que ocupa o trono brasileiro.
Os aduladores hão de ter-lhe lembrado que Tiradentes queria a república; mas o imperador é um homem ilustrado, e há de ver como se distancia dos aduladores o heróico alferes de Minas. Se os ânimos recuam diante de uma idéia que julgam ofensiva à monarquia, cabe ao príncipe sufocar os escrúpulos, tomando êle próprio a iniciativa de um ato que seria uma das mais belas páginas do seu reinado. Um príncipe esclarecido e patriota não podia fazer uma ação mais nobre, nem dar uma lição mais severa.
Uma cerimônia anual, com a presença do chefe da nação, com assistência do povo e dos funcionários do Estado, - eis uma coisa simples de fazer-se, e necessária para desarmar a justiça da história.
Não sabemos até que ponto devemos confiar nesta esperança; mas, ao menos, deixamos consignada a idéia.
Morro pela liberdade! disse Tiradentes do alto da forca: estas palavras, se o Brasil não reparar a falta de tantos anos, serão um açoite inexorável para os filhos do império.(......)

Em 1892, a propósito do centenário de morte de Tiradentes, Machado fez questão de marcar , o  início da importante série “A Semana”, publicadas na Gazeta de Notícias  de 1892 a 1900, escrevendo  em tom vibrante,pungente e patriótico no dia 24 abril  :
“(.....)
Para não ir mais longe, Tiradentes. Aqui está um exemplo. Tivemos esta semana o centenário do grande mártir. A ,prisão do heróico alferes é das que devem ser comemoradas por todos os filhos deste país, se há nele patriotismo, ou se esse patriotismo é outra cousa mais que um simples motivo de palavras grossas e rotundas. A capital portou-se bem. Dos Estados estão vindo boas notícias. O instinto popular, de acordo com o exame da razão, fez da figura do alferes Xavier o principal dos Inconfidentes, e colocou os seus parceiros a meia ração de glória. Merecem, decerto, a nossa estima aqueles outros; eram patriotas. Mas o que se ofereceu a carregar com os pecados de Israel, o que chorou de alegria quando viu comutada a pena de morte dos seus companheiros, pena que só ia ser executada nêle, o enforcado, o esquartejado, o decapitado, esse tem de receber o prêmio na proporção do martírio, e ganhar por todos, visto que pagou por todos..
Um dos oradores do dia 21 observou que a Inconfidência tem vencido, os cargos iam. para os outros conjurados, não para o alferes.. Pois não é muito que, não tendo vencido, a história lhe dê a principal cadeira. A distribuição é justa. Os outros têm ainda um belo papel; formam, em torno de Tiradentes, um coro igual ao das Oceânides diante de Prometeu encadeado. Relede Ésquilo, amigo leitor. Escutai a linguagem compassiva das ninfas, escutai os gritos terríveis, quando o grande titão é envolvido na conflagração geral das coisas. Mas, principalmente ouvi as palavras de Prometeu narrando  os seus crimes às ninfas amadas : Dei o fogo aos homens; esse mestre lhes ensinará todas as artes". Foi o que nos fez  Tiradentes. .
Entretanto, o alferes Joaquim José tem ainda contra si uma cousa, a alcunha. Há pessoas que o amam, que o admiram, patrióticas e humanas, mas que não podem tolerar esse nome de Tiradentes. Certamente que o tempo trará a familiaridade do nome e a harmonia das sílabas; imaginemos, porém, que o alferes tem podido galgar pela imaginação um século e despachar-se cirurgião - dentista. Era o mesmo· herói, e o ofício era o mesmo; mas traria outra dignidade. Podia ser até que, com o tempo, viesse a perder a segunda parte, dentista, e quedar-se apenas cirurgião.(....)

Um mês depois, Machado torna a referir-se ao alferes ,  utilizando-se do tom mais irônico que sua contumaz verve satírica poderia conceber. Na crônica de 22 maio, estampada no mesmo jornal, o sarcasmo machadiano chega a criar uma fantasia – cheia de significados -- ao construir impagável narrativa, exemplar insofismável do alegórico,  acerca de um embuste imaginário :
“Este Tiradentes, se não toma cuidado emr si, acaba inimigo público. Pessoa, cuje nome ignoro, escreveu esta semana algumas linhas com o fim de retificar a opinião que vingou, durante um longo século, acerca do grande mártir da Inconfidência. "Parece (diz o artigo no fim) parece injustiça dar-se tanta importância a Tiradentes, porque morreu logo, e não prestar a menor consideração aos que morreram de moléstias e misérias na costa d'África." E logo em seguida chega a esta conclusão: "Não será possível imaginar que, se não fosse a indiscrição de Tiradentes, que causou o seu suplício, e o dos outros, que o empregaram, teria realidade o projeto ?"
Daqui a espião de polícia é um passo. Com outro passo chega-se à prova de que  ele nem mesmo morreu; o vice-rei mandou enforcar um furriel muito parecido com o alferes, e Tiradentes viveu até 1818 de uma pensão que lhe dava D. João VI. Morreu de um antraz, na antiga rua dos Latoeiros, entre as do Ouvidor e do Rosário, em uma loja de barbeiro, dentista e sangrador, que abriu em 1810, a conselho do próprio D. João, ainda príncipe regente, o qual lhe ·se (formais palavras):
- Xavier, já que não podes ser alferes, ,ma por ofício o que fazias antes por curioso ; vou mandar dar-te umas casas da rua ,os Latoeiros ...
- Oh ! meu senhor I
- Mas não digas quem és. Muda de nome, Xavier; chama-te Barbosa. Compreendes, não ? O meu fim é criar a lenda que tu é que foste o mártir e o herói da  Inconfidência, e diminuir assim a glória de João Alves Maciel.
- Príncipe sereníssimo, não há dúvida que esse é que foi o chefe da detestável conjuração.
- Bem sei, Barbosa, mas é do meu real agrado passá-lo ao segundo plano, para fazer crer que, apesar dos serviços que prestou, das qualidades que tinha e das cartas de Jefferson, pouco valeu, e que tu é que vales tudo. É um plano maquiavélico, para desmoralizar a conjuração. Compreendes agora ?
- Tudo, meu senhor.
- Assim é bem possível que, se algum dia, quiserem levantar um monumento à Inconfidência, vão buscar por símbolo o mártir, dando assim excessiva importância ao alferes indiscreto, que pôs tudo de pernas para o ar, e a pretexto de haver morrido logo. Não abanes a cabeça; tu não conheces os homens. Adeus; passa pela ucharia, que te dêem um caldo de vaca, e pede por Sua Real Majestade e por mim nas tuas orações, Consinto que também rezes pelo furriel Como se chamava ? Esquece-me sempre o nome.
- Marcolino.
- Reza pelo Marcolino.
- Ah! Senhor, os meus cruéis remorsos nunca terão fim!
- Barbosa, têm sempre fim os remorso! de um leal vassalo!
E assim ficará retificada a história, antes de 1904 ou 1905, Tiradentes será apeadodo pedestal que lhe deu um sentimentalismo que se .lembra de glorificar um só porque morreu logo, como se não morresse sempre antes de outros, e demais, enforcado, que é morte Quanto ao esquartejamento e exposição da cabeça, está provado empírica cientificamente que cadáver não padece, e tanto faz cortar-lhe as pernas como dar-lhe calças. Mas ainda restará alguma coisa ao alferes ; pode-se-lhe expedir a patente de capitão honorário. Se está no céu, e se os mártires formam lá em cima, pode comandar uma companhia. Antes isso que nada. (.....)

E um ano depois, a 23 abril 1893,  menciona Tiradentes e sua coragem e disposição para sacrificar a vida –  ainda que graciosa e bem-humoradamente :
“(.....)
Para mistério, mistério e meio. Saí dali, corri à casa de um armeiro, onde comprei algumas espingardas e bastante cartuchame. Além disso, com o pretexto de saudar o dia 21 de abril, alcancei por empréstimo duas peças de artilharia. Assim armado, recolhi-me a 1 casa, jantei, digeri, e meti-me na cama. Naturalmente não dormi; mas também não vi a aurora, nem o sol de quinta-feira. Portas e janelas fechadas. Nenhum rumor em casa, comidas frias para não fazer fogo, que denunciasse pelo fumo a presença de refugiados. Ensinei à família a senha monástica; andávamos calados, interrompendo o silêncio de quando em quando para dizermos uns aos outros que era preciso morrer. Assim se passou a quinta-feira.
Na sexta-feira, pelas seis horas da manhã, ouvi tiros de artilharia. Ou é a salva de Tiradentes, disse à família, ou é a revolução que venceu. Saí à rua; era a salva. Perguntei pelos mortos. Que mortos ? Pelos acontecimentos. Que acontecimentos ? Nada houvera; toda a cidade vivera em paz. Assim se desvaneceram os sustos, filhos de boatos, filhos da imaginação. Assim se desvaneçam todos os demais ovos do marido de La Fontaine.
Só um fato se havia dado, como disse, o do coreto. Fui à praça ver os destroços, mas já não vi nada; achei a estátua e curiosos. Desandei, atravessei o largo de S. Francisco e desci pela rua do Ouvidor, ao encontro do préstito de Tiradentes. Soube que já não havia préstito. Era pena; esta cidade tem, para Tiradentes, não só a dívida geral da glorificação, como precursor da independência e mártir da liberdade, mas ainda a dívida  particular do resgate. Ela festejou com pompa a execução do infeliz patriota, no dia 21 de abril de 1792, vestindo-se de galas e ouvindo cantar um Te-Deum.
Espiando para casa , lembrei-me que esse dia 21 era ainda aniversário de outra tentativa política. O povo desta cidade e os eleitores convocados revolucionariamente pelo juiz da comarca, reuniram-se na praça do Comércio e pediram ao rei a constituição espanhola, interinamente. A constituição foi dada na mesma noite, contra a vontade de algumas pessoas, e retirada no dia seguinte, depois de alguns lances próprios de tais crises, não por ser constituição, - visto que, dois anos depois, tínhamos outra -- mas naturalmente por ser espanhola. De Espanha só mulheres, guitarras e pintores.(......)

As referências e menções a Tiradentes – como de resto os comentários e alusões feitas a diversas personalidades históricas, assim como a cobertura dos fatos políticos de sua época – constituem provas e exemplos eloqüentes do quanto Machado de Assis participava ativamente da história (política,institucional, econômica, social) e em nada – ao contrário da equivocada interpretação, que exige de uma vez por todas sua revisão – era alheio às questões de seu tempo.
Certamente pelo uso do subterfúgio, da dissimulação, da sutileza – e do disfarce e do enigma—Machado de Assis recebeu, indevidamente, a pecha de “despolitizado”, “alienado”, “alheio às questões políticas e sociais de seu tempo”.
Ledo e puro engano. Machado de Assis foi um crítico ‘avassalador’ da sociedade e das instituições brasileiras, e escreveu – ou a elas se referiu -- em crônicas e artigos, mesmo em  contos e romances e até na poesia. , sobre política (muito) [e,para surpresa de alguns, sobre economia (em menor monta)]. Machado de Assis tinha opiniões políticas — era um monarquista liberal, não apoiava a República, repudiava Floriano Peixoto (que ,apoiado em golpe de Estado em 1891, governava com poderes autoritários, levando o País à ditadura, à censura e à guerra civil) —  e por meio de sua obra é possível observar a política brasileira de sua época através do olhar literário. Raymundo Faoro (em A pirâmide e o trapézio ) sentenciou que pode-se vislumbrar toda a sociedade brasileira do século XIX na obra  de Machado : tanto na não-ficção quanto na ficção, arrancou da História a própria substância de suas narrativas e textos , utilizando uma série de categorias políticas - escravidão, liberdade, golpe de Estado, censura ,aparelho policial, autocracia absolutista,totalitarismo, etc – na elaboração,em sua  escritura literária, de uma  crítica da ideologia brasileira e de uma teoria política avançada,que no campo dos estudos literários não foi adequadamente percebida pelos especialistas.
As crônicas e artigos tratando de política são justamente aquelas que registram opiniões nunca expressadas por Machado com tanta clareza e coerência.




quinta-feira, 18 de abril de 2013

LOBATIANAS

dia de LOBATO, dia do LIVRO INFANTIL; dia da CULTURA BRASILEIRA !
neste duplamente memorável dia -- de nascimento de Monteiro Lobato
; do livro infantil -- entrei (e milhões de crianças) no mundo dos livros exatamente por Lobato e suas obras para infantis... 
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em reverência e referência a Lobato e a mais pura e melhor literatura infantil que já se fez entre nós.[a notar que,em seguida à estória, Lobato apunha um complemento interpretativo,de cunho até mesmo 'didático',por meio de diálogo entre Emilia (sempre ela...) e dona Benta ]


O corvo e o pavão

O pavão, de roda aberta em forma de leque, dizia com desprezo ao corvo:
-- Repare como sou belo! Que cauda, hein? Que cores, que maravilhosa plumagem! Sou das aves a mais formosa, a mais perfeita, não?
-- Não á dúvida que você é um belo animal, disse o corvo. Mas, perfeito? Alto lá!
--Quem quer criticar-me! Um bicho preto, capenga,desengonçado e, além disso,ave de mau agouro...Que falha vê em mim, ó tição de penas ?
O corvo respondeu:
-- Noto que para abater o orgulho dos pavões a natureza lhes deu um par de patas que, faça-me o favor,envergonhariam até a um pobre diabo como eu...
O pavão, que nunca tinha reparado nos próprios pés, abaixou-se e contemplou-os longamente. E, desapontado, foi andando o seu caminho sem replicar coisa nenhuma.
Tinha razão o corvo: “Não há beleza sem senão”.
[in Fábulas, 1922]
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-- que quer dizer “senão”, vovó?
-- aqui nesta frase quer dizer defeito.
-- e por que não é defeito?
-- porque o modo de botar um defeito em alguém ou alguma coisa é sempre por meio do “senão” – e por fm essa palavra ficou sinônima de defeito.
-- mas será verdade, vovó, que não há mesmo beleza sem senão ?
-- a fábula diz que não há e as fábulas sabem...
-- são sabidinhas, sim! Confirmou Emilia. E a dos filhos da coruja é a mais sabida de todas. Quem é que andou inventando as fábulas, dona Benta? foram os animais mesmo ?
Dona Benta riu-se.
-- não, Emilia. Quem inventou a fábula foi o povo e os escritores as foram aperfeiçoando. a sabedoria que há nas fábulas é a mesma sabedoria do povo,adquirida à força de experiências.
-- mas não haverá mesmo beleza sem senão, vovó? Insistiu a menina.
-- há sim, minha filha. Para mim,por exemplo, você é uma belezinha sem senão.
Emilia torceu o nariz. Depois prometeu escrever uma fábula com o título “Os netos da coruja”.
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Em 2527 
No futuro, a obra literária será apresentada sob forma de essências em frasquinhos ou de alguma especial eletricidade acumulada em bobinas. . Sorvendo a essência ou pondo-se em contacto com o fluido, o 'leitor terá, desdobrado na tela da imaginação, o romance que o autor enfrascou •ou acumulou, e sentirá as mesmas emoções que o romancista, sentiu.
Já em nossos tempos o álcool, o ópio e outras drogas produzem visões e deliciosos estados d' alma. Indeterminados, porém, sem controle possível. No futuro. não. A seriação das imagens será perfeitamente ordenada pelo jogo dos estímulos.
Não se dirá como hoje : li um romance , e sim -- cheirei.
- Marieta, onde pôs você o Professor Jeremias que estive cheirando ontem?
- Caiu das mãos da Valeria e quebrou-se.
- Mande à farmácia comprar outro. E mais novos, Vida Ociosa, Condenados, por exemplo.
- Fluido ou comprimido ?
- Em comprimidos. Com a Valeria, impossível uma biblioteca fluida...
[in Mundo da Lua, 1923 [observe-se : 90 anos de publicação]

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Monteiro Lobato  e o futebol

1. em carta a Godofredo Rangel, em 11.07.1904: "(...) E cá estou de novo em São Paulo, mas ainda atribulado. Mudei-me para um quarto de frente na rua Araújo 26, com um lampião de rua bem junto à minha janela. Tenho luz de graça. E defronte há uma vizinha janeleira que já piscou. Em vez de namorá-la, meti-me no futebol –‘Palmeiras !’ Joguei vários dias seguidos e fiquei mais derreado que com as léguas do sertão. Estou cheio de pisaduras e dodóis. Isto deve ser o que na Vida intensa o Th. Roosevelt quer. O futebol empolgou-me de alma e corpo; escrevo crônicas de futebol e jogo. Diz o Tito que é mania - e diz-lhe o Raul:’Jacques, tu es un âne’. Seja como for, asseguro-te que o futebol apaixona e contunde". 
2. num discurso em 1905 após assistir a jogos entre paulistanos e ingleses: "(...) Essa luta tinha para a população de São Paulo um significado moral dez vezes maior do que a eleição para um presidente do Estado (...) O último goal do Paulistano provocou a maior tempestade de aplausos jamais conhecida em São Paulo (...) É desta espécie de homens que precisamos. Menos doutores, menos parasitas, menos bajuladores, e mais struggle-for-life. Mais homens, mais nervos, mais corpúsculos vermelhos, para que um Camilo Castelo Branco não possa repetir que ele tem sangue corrompido nas veias e farinha de mandioca nos ossos".
3. no artigo "Os 22 da 'Marajó'",escrito e publicado em abril 1923 -- há 90 anos portanto: "Esse delírio que por aí vai pelo futebol tem seus fundamentos na própria natureza humana. O espetáculo da luta sempre foi o maior encanto do homem; e o prazer da vitória, pessoal ou do partido, foi, é e será a ambrosia dos deuses manipulada na terra. Admiramos hoje os grandes filósofos gregos, Platão, Sócrates, Aristóteles; seus coevos, porém, admiravam muito mais aos atletas que venciam no estádio. Milon de Crotona, campeão na arte de torcer pescoços a touros, só para nós tem menos importância que seu mestre Pitágoras. Para os gregos, para a massa popular grega, seria inconcebível a idéia de que o filosofo pudesse no futuro ofuscar a glória do lutador.
(....)
E os delírios coletivos provocados pelo combate de dois campeões em campo? Impossível assistir-se a espetáculo mais revelador da alma humana que os jogos de futebol em que disputam a primazia paulistanos e italianos em S. Paulo. .
(...)
[esses textos compõem meu estudo\projeto "Futebol e literatura"]

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Lobato, grande leitor grande formador de leitor
Monteiro Lobato, inquestionavelmente um grande formador de leitor, dos maiores da cultura brasileira: é um dos escritores ‘presentes’ – como não poderia deixar de ser – no estudo\projeto que desenvolvo [lido com dificuldades para concluí-lo de todo...] , significativamente designado “As leituras dos formadores de leitores”. Ao lado de Lobato, dois outros ‘senhores’ formadores de leitores: Machado de Assis e Lima Barreto. [deduz-se e induz-se o estudo propor-se a reunir e fornecer elementos para atividades de pesquisa, ensino e extensão sobre leitura e formação do leitor nos circuitos universitários, escolares, acadêmicos e de entidades, instituições e programas específicos desse teor; em sua constituição, levanta, identifica, mapeia, examina e interpreta as leituras e influências literárias de autores e de obras,brasileiros e estrangeiros, nos 3 escritores, por meio dos acervos de suas bibliotecas pessoais e de leituras e consultas regularmente feitas por eles em bibliotecas públicas e gabinetes de leitura, e por meio das citações, referências e recorrências praticadas por eles em suas obras, seus textos e seus escritos.]
--sob a 'inspiração', a égide magnífica e magnânima de Monteiro Lobato – quem, como Machado e Lima, foi grande escritor e grande formador de leitor porque muito leu e recolheu de autores e livros -- subsiste a mensagem, uma ‘moral da história’, a todos os contingentes etários,sociais,culturais : leiam muito , assim poderão se tornar grandes cidadãos,grandes profissionais, grandes pensadores...