segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

a síndrome de Próspero


mais do que necessária reflexão para o fim deste 2007 e lumiar de 2008, vale observar o quanto de relevante , para uma vida (de cada um ) que se pretenda cultural-- isto é regida pela proeminência da saúde intelectua -- é o que denomino 'síndrome de Próspero'.

a referência é à peça de Shakespeare, A tempestade, representada em 1 novembro de 1611, diante do rei Jaime I, na Inglaterra: o ponto central do drama é a cena em que Próspero,duque de Milão, prefere a companhia dos livros ao invés e em vez de se dedicar à prática do governo, permanecendo muito mais tempo no estudo e na leitura do que nos deveres de Estado-- "para mim, pobre homem,minha biblioteca é um ducado bastante grande"(ato I,cena 2, versos 109-10). numa das mais densas tramas (entre tantas) do bardo mestre -- ícone máximo da cultura ocidental, síntese humana de todo saber-- a atitude de Próspero gera desordens políticas, a ponto de Antonio, seu irmão, tomar-lhe o governo e destruir a cidade; ante a usurpação humana, a natureza se revolta e produz a tempestade. Próspero, dotado de alto poder intelectual e espiritual,provido pelo saber, confinado a um reino distante e exilado em ilha desconhecida, tem os livros por toda parte, à sua volta -- mas cumprindo um papel paradoxal: na mesma medida em que dão força a quem os possui,podem fazer perder um trono, quiçá a própria cabeça, a própria vida. O terrível,catastrófico dilema shakespeariano : a restauração do poder pede a renúncia aos livros,ou seja somente com a abdicação do saber atinge-se e detém-se o poder.

Questione-se esse dilema, por favor. Refute-o sob todas as formas. Não abra mão de sua intelectualidade em prol de benefícios ou confortos materiais, não privilegie a abastança financeira p. ex. em detrimento da riqueza cultural. Não destitua o conhecimento, a sabedoria,o embasamento, para dar lugar a vãs ,inócuas e irrisórias 'conquistas' mundanas.

Não se deixe confinar num 'reino distante,desconhecido, inóspito', e preserve o Próspero que tem de existir dentro de cada um.

domingo, 30 de dezembro de 2007

mulheres alencarinas


Não há como encerrar o ano sem registrar o sesquicentenário (150 anos) de publicação de uma das primeiras obras ficcionais de José de Alencar – A Viuvinha, à qual está acoplada, por assim dizer, Cinco minutos que imediatamente lhe antecedera,um ano antes(1856).


Ambas , longe de expressaram apenas os exercícios literários iniciais de um estreante, exibem de modo insofismável — inclusive por suas inovações temáticas e formais — as extraordinárias aptidões, o incomparável talento do ‘patriarca do Romantismo brasileiro’, o criador profícuo de obras em praticamente todos os gêneros.Alencar foi novelista, romancista, dramaturgo, ensaísta, articulista, polemista,político e sobretudo intelectual empenhado no fomento e sedimentação de uma língua literária brasileira, envolvido na formação de um verdadeiro nacionalismo cultural.Suas múltiplas atuação intelectual e manifestações literárias tiveram especificamente no denominado ‘romance urbano’ uma de suas vertentes mais criativas e dinâmicas, afinado com o tempo do Romantismo incipiente advindo do processo de Independência política do País e as alterações dos modus econômico e social -- em sintonia, sim, mas suplantando o tônus comum aos primeiros romances com um teor de crítica aos novos valores e paradigmas comportamentais.Nas duas novelas já se encontram esboçados os contornos do típico romance urbano alencariano , seu olhar e sua leitura sobre personagens femininas, seus característicos “perfis de mulher”, seu estudo sobre os modos, costumes e vícios da sociedade patriarcal da época e sobre as relações sociais — desenvolvidos depois em Lucíola, Diva , em A pata da gazela e em Senhora . Em ambas aparecem exercícios inovadores não apenas de temática mas também de forma — dialogicidade interna, metaficção e intertextualidade — praticados pela primeiríssima vez na literatura brasileira e que somente muitos anos depois seriam utilizados por outros escritores,notadamente Machado de Assis.

Ode ao amor nos perfis femininos

“Cinco minutos e A Viuvinha têm mais força que O guarani."

do bibliófilo José Mindlin


Em meados do século XIX, o Romantismo implementado no País, as mulheres da burguesia costumavam socializar as obras literárias por meio da leitura coletiva de jornais. Enquanto bordavam, em grandes salões, se emocionavam com o simples e mágico ato de ler em voz alta e por meio dessas leituras, autores românticos penetraram na sociedade através desse público ouvinte para quem, gradativamente, se habituavam a escrever. Esses momentos exalavam prazer, soluços, risos e gozo, sentimentos provocados pelos romances românticos e seus personagens marcantes. José de Alencar, ao desvelar as várias faces de um Brasil recém independente, em busca de suas singularidades para delinear e sedimentar a identidade nacional, iniciar os brasileiros no conhecimento da realidade de seu país adentrava na intimidade burguesa da cidade do Rio de Janeiro.No pano de fundo histórico universal em que veio a se desenrolar matizes do Romantismo brasileiro, a ascensão da burguesia e a Revolução Industrial— advindas da Revolução Francesa, que fortaleceu o desenvolvimento das idéias liberais — reforçaram as bases do capitalismo, e em meio a isso, a degradação da classe dominante e dos que desejam ascender socialmente a qualquer preço. Em função da ânsia de ganhos que começa a prevalecer na mente das pessoas, para um certo segmento da sociedade surge o sentimento de frustração, de perda de valores, já que o homem começa a degradar-se para conseguir uma boa posição social. E nisso reside o cerne do teor crítico imprimido por Alencar , em maior ou menor grau, a seus romances urbanos, —como por exemplo as vicissitudes do personagem Jorge em A Viuvinha, que “(...) começou a viver essa vida dos nossos moços ricos, os quais pensam que gastar o dinheiro que seus pais ganharam é uma profissão suficiente para que se dispensem de abraçar qualquer outra, essas esterilidades a que se condenam homens que, pela sua posição independente, podiam aspirar a um futuro brilhante (...), (...) essa descuidosa existência da gente rica, apesar do novo progresso econômico da divisão do trabalho, que multiplicou infinitamente as indústrias, e por conseguinte as profissões, a questão ainda é bem difícil de resolver para aqueles que não querem trabalhar (...), (...) em uma época em que dominava a vertigem do suicídio”No contraponto a esse cenário de realidade social, se Alencar o denuncia e critica, não deixa de, como todos os românticos e seu ideário ficcional, pretender o predomínio da emoção sobre a razão, a liberação dos sentimentos dos sentimentos, a redenção e superação do materialismo pelo amor, a resistência “a todas as seduções do mundo, sucumbir à força poderosa do amor puro e desinteressado”.

Escritor romântico por excelência, José de Alencar insiste na idéia de que o amor é um instrumento eficaz contra a despersonalização capitalista.Alencar soube como ninguém desnudar o modo de vida na Corte, retratar o cotidiano do Segundo Império , denunciar a burguesia negociando casamentos e amor, dramas morais e afetivos, tipos femininos imersos nos problemas de amor e do casamento, sob o manto do patriarcalismo ou do matriarcado, os costumes morais, sociais e políticos da sociedade burguesa da Corte do Segundo Reinado como o centro do romance urbano — mas sob enredo sempre idealista, concebido segundo a imaginação e o sentimentalismo romântico. Mesmo ao adotar o modelo balzaquiano de composição romanesca e observação social, Alencar conserva em sua obra um certo ranço moralista inexistente na visão de mundo de Balzac.

José de Alencar jamais perde a visão de conjunto de sua narrativa. Se a ação de seus personagens faz surgir acontecimentos que parecem bordejar o inverossímil, isso se dá por um momento fugaz,como brilhante recurso narrativo — afinal, alerta ele tanto em Cinco minutos como em A Viuvinha, “é uma história curiosa a que lhe vou contar, minha prima. Mas é uma história, e não um romance" ; “não escrevo um romance, conto-lhe uma história. A verdade dispensa a verossimilhança”.E tudo acaba por explicar-se convenientemente, e o leitor termina ‘pacificado’.Este processo de compensação, presente e permeante em toda sua obra, começou a ganhar foro de estilo (o ‘estilo Alencar'’) a partir justamente dessa primeiras experiências de romance urbano (seus “ romancetes”). Em ambos utiliza o expediente, inédito à época, da figura da “prima D...”, condutora do desenrolar das intrigas das novelas, interlocutora privilegiada, nomeada como responsável pela fé depositada no escritor , com quem inclusive o autor ‘dialoga’, a la Machado de Assis (bem antes deste) — “perdão, minha prima; não zombe das minhas utopias sociais; desculpe-me esta distração; volto ao que sou, simples e fiel narrador de uma pequena história”.

Nessas duas novelas precursoras, a história em contraposição ao romance, inovador ainda é o elemento metaliterário utilizado em Cinco minutos quando envia à ‘prima’ a cópia de um hipotético manuscrito realizada por ele e Carlota "nos longos serões das nossas noites de inverno " — a ficção dentro da ficção, inaugurando elemento somente muitos anos depois utilizado na literatura brasileira.O narrador em ambas as novelas,como quase todo narrador romântico, procura criar a impressão de que o seu relato é verídico: teve existência real antes de assumir a forma literária. Esse narrador, enfim, confunde-se com um outro "eu" inventado por Alencar em seus romances urbanos, a tonalidade de voz assumida na transmissão de Cinco minutos e A Viuvinha, depois em Lucíola, é semelhante à de Senhora —todos muito diferentes do acento narrativo de Iracema ou de O guarani.Já nessas duas obras iniciais Alencar põe mais alta a essência da feminilidade, mas traçando o perfil da “mulher cordial,romântica, idílica”—distinto da “mulher cerebral”, depois desenhado em Lucíola e mais adiante com rigor e plenitude em Senhora— perfil inerente tanto a Carlota (sobretudo), de Cinco minutos como a Carolina , de A Viuvinha (embora esta também contenha “vivacidade e malícia”), ambas por sinal preponderante mulheres “em vestido de seda preta”.Em Cinco minutos, o narrador em primeira pessoa — relatando sua estória em carta à “prima D...” —é um típico ‘herói romântico, apaixonado, arrebatado por um amor irresistível’: um exemplo clássico do Romantismo ao mostrar ‘o amor puro, casto, duradouro e curativo, sentido por duas almas gêmeas perfeitas, com o destino interpondo-se no caminho e resolvendo-se no final’.Em A Viuvinha, narrada em terceira pessoa —também à “prima D...” — o personagem principal é moldado, a princípio um pouco distante daquilo que se espera de um herói tipicamente romântico : Alencar desfila seus olhos pelas mazelas morais que são fruto do capitalismo nascente e do culto ao perdularismo advindo da acumulação financeira, mas como homem de seu tempo , não dá a Jorge as dimensões funestas dos personagens que seriam típicos mais tarde no Realismo, espicaçando-lhes os desvios de comportamento, ao contrário acaba por redimi-lo. Lapidar romântico que era, procura, na realidade, preservar a altivez e a pureza de seus heróis e no caso de Jorge, usa o subterfúgio do amor verdadeiro que este sente por Carolina para garantir a redenção do herói no final, com um mistério antecedendo a resolução que é uma característica dos românticos.

[excerto de estudo crítico da obra Cinco minutos e A Viuvinha,de José de Alencar : edição comentada, de Mauro Rosso]

sábado, 29 de dezembro de 2007

Brasil, monarquia


morreu ,na quinta-feira,27, d. Pedro Orleans e Bragança, que seria o herdeiro natural do trono brasileiro, se vivêssemos(ou se reativada—como propugnam alguns) numa monarquia.

¤ E se o Brasil fosse uma monarquia?

quem responde é Fábio Wanderley Reis, cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG : “pouco mudaria -- o Poder Moderador representaria custos a mais para o país, encenaria um papel apenas simbólico para a sociedade e seria mais um atrativo para a corrupção”.

como seria o Brasil se tivesse permanecido monárquico?
۩ Fábio Wanderley Reis - Não acredito que haveria grande diferença. Certamente os fatores que fazem a dinâmica econômica e social da vida brasileira não seriam afetados de modo importante. O que aconteceu na Proclamação da República, a monarquia pagando as conseqüências do fim da escravidão, provavelmente ocorreria em outras circunstâncias. Quando houve [em 1993] o plebiscito para escolher monarquia, de um lado, e de outro a disputa entre presidencialismo e parlamentarismo, havia gente defendendo a sério a monarquia, apontando o caso britânico como exemplo de democracia. Eu respondia: "Se me dessem a Inglaterra, não precisaria de monarquia nem de rei para fazer uma democracia". Com o legado complicado que temos, em particular o escravista, dificilmente teríamos um fator benigno na manutenção da monarquia.

há quem a defenda argumentando que a nobreza não tem interesse em corrupção. Ficaram exemplos disso?
۩ Fábio - Não acredito que a nobreza não seja corrupta por definição. Ser nobreza é garantia de uma condição socioeconômica, mas isso não a isenta. Eles não são feitos de outra massa, o sangue não é realmente azul. É uma questão de oportunidade.

o que seria diferente?
۩ Fábio - Teríamos um aparato estatal envolvendo a monarquia. A família real seria mantida pelo erário público, com alguma função simbólica. Mas a suposição de que duraria até hoje é precária; a monarquia era candidata perene a ser vítima das turbulências sociais e econômicas do período e posteriores.



sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Absurdo !


"Cineastas e produtores querem mais dias de obrigatoriedade de exibição de filmes brasileiros nas salas de cinema". [!!!]

Obrigar cinemas a exibir filme brasileiro é uma violência do poder público sobre uma atividade privada.
Decretos autoritários podem obrigar a exibi-los. Não podem obrigar o público a seguir essas ordens.
? Estaríamos de volta aos anos 1970 , em plena ditadura militar e quando, então, se culpava – melhor(pior),massacrava – os exibidores pelo fato de o cinema brasileiro não ser visto ? basta rever os filmes da época e se constatará a porcaria --tirante 2 ou 3 exceções, não mais -- que eram.
Não são os exibidores que fazem a qualidade da produção nacional, nem a obrigatoriedade de exibição fará do cinema que se produz no Brasil obra de qualidade. Quem determina a qualidade do filme brasileiro é quem o faz – e são poucos,muito poucos(entre cineastas,roteiristas,montadores,fotógrafos,atores,etc) aqueles que o fazem bem.
O cinema brasileiro precisa de mais público, sustentam os arautos de um ‘nacionalismo cultural’—mas também precisa, antes, de apuro qualitativo
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A bilheteria de cinema no Brasil fecha 2007 em queda : com público de 87 milhões de espectadores,foram vendidos 7% menos ingressos em relação a 2006. Mas apesar da redução de público, a renda arrecadada, de R$ 665 milhões, manteve-se estável em relação ao ano anterior -- estabilidade gerada pela alta do preço dos ingressos,também de 7%. Este é o segundo ano consecutivo de queda, depois de oito anos de crescimento, de 1998 a 2006, ano que continua com a marca de maior bilheteria do período de alta: 116,1 milhões de espectadores.
Um aspecto chama a atenção no ranking de 2007 :o aumento considerável do total de estréias brasileiras -- um crescimento de nada menos que 72% na quantidade de lançamentos nacionais .
Só que o aumento no número de filmes brasileiros produzidos não levou a um crescimento relevante de seu público: 83% dos filmes lançados tiveram um público inferior a 50 mil espectadores – e só 2 ‘blockbusters caboclos’: “A grande família” e “Tropa de elite”.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

contemporâneo da posteridade-II


(continuação)

A grande novidade foi justamente “o começo da análise científica aplicada aos aspectos mais importantes da sociedade brasileira”, o que coloca Euclides no lugar de “pai fundador da sociologia no Brasil”, pois segundo Antonio Candido “toda a onda [da voga sertaneja] vem quebrar em Os sertões, típico exemplo de fusão, livro posto entre a literatura e a sociologia naturalista, que assinala um fim e um começo: o fim do imperialismo literário, o começo da análise científica aplicada aos aspectos mais importantes da sociedade brasileira, no caso as contradições contidas na diferença de cultura entre as regiões litorâneas e o interior”.
Os sertões emblematiza ainda a retratação do cientificismo de Euclides, de seu determinismo geográfico e racial, emprestado do darwinismo social --- cientificismo ,de resto, comum a toda sua geração, emprestado do ‘darwinismo social’(gerado pela publicação do livro A origem das espécies, de Charles Darwin em 1859) , propugnante da tese de superioridade de raça,o conceito de raça ultrapassando o campo da biologia, se estendendo à cultura e à política . A vertente cientificista buscava encontrar as leis que organizavam a sociedade brasileira, que determinavam a formação do gênio, do espírito e do caráter do povo ; recorrendo à leis e métodos gerais, seria possível encontrar as especificidades da evolução brasileira e, assim, deduzir seu rumo. Ao lado da influência de Comte, o evolucionismo de Darwin e de Spencer dispôs Euclides a aceitar, com excessiva confiança, as "leis" sobre os caracteres morais das raças que tanto acabariam pesando na elaboração de Os sertões.
Euclides da Cunha já havia atingido um alto estágio de amadurecimento-- embora Os sertões fosse o seu primeiro livro -- revelando um perfeito domínio da língua e uma clara consciência da sua arte : o crítico Wilson Martins, por exemplo, reconhece que todos os elementos que formam o estilo euclidiano , e que em qualquer outro escritor”poderiam resultar em desastre”, salvam-se graças ao “poder transfigurador do grande artista da palavra que nele preexistia”. O crítico e ensaísta Alfredo Bosi sustenta que pode-se ler a obra principal de Euclides aproximando-a da prosa do seu tempo: naturalista no espírito, acadêmica no estilo”.Bosi argumenta ainda que Euclides não se teria tornado um dos nomes centrais da cultura brasileira pelo determinismo estreito das idéias nem pelo rebuscado da linguagem : Euclides implementou “uma consistência nova em nossas letras: o estatuto da contradição, expressa no livro em forma de opostos inconciliáveis”. Contradição e jogo de opostos, dicotomia tese/antítese que de resto constituem a essência mesma de toda a obra euclidiana __ os ‘contrastes e confrontos’(que deram título, aliás, a uma delas)
Para José Guilherme Merquior, “Os sertões. é o clássico do ensaio de ciências humanas no Brasil”, numa época, enfatiza, em que os estudos sociológicos ainda conservavam muitas afinidades com a formação humanística. É exemplo notável de uma “intelectualização da literatura”, num livro meio científico meio literário que abordou “alguns temas atualissimos da pesquisa antropológica”: um deles, da mística do advento do Reino de Deus por intermédio do messias Conselheiro __ e aqui surge o tema ( dos mais polêmicos) do messianismo e do sebastianismo. Ao reconhecer o entrosamento dos aspectos irracionais da personalidade do ‘profeta de Canudos’ com as aspirações e carências de uma comunidade rústica, sufocada por flagelos naturais e indiferença das camadas dominantes, Euclides “intuiu brilhantemente a natureza psicossocial da noção de loucura, dessa ‘zona mental onde se acotovelam gênios e degenerados’; sobre Antônio Conselheiro, cujo delírio místico traduzia o desespero de uma sociedade, Euclides afirmou que ‘foi para a História como poderia ter ido para o hospício’. Vale dizer, “o positivista Euclides suspeitava da existência de uma ‘sociologia do psiquismo’, do mesmo modo que o darwinista social constatara a força titânica das ‘raças inferiores’. Fulgurante pela transbordante energia poética de seu estilo narrativo, Os sertões sobrevive ad eternum também por seus inovadores vislumbres sociológicos __ inéditos e ‘revolucionários’ para a época, absolutamente válidos e instigantes hoje”, sublinhou Merquior.

Factualidade, perenidade, atualidade.
Os sertões recebem, de Gilberto Freyre, uma interpretação que sublinham seu caráter ‘fundador e canônico’. O autor de Casa grande & senzala aponta “a eternidade e incolumidade” da obra diante de um movimento cada vez mais radical de mudança de eixo para interpretação dos fenômenos sociais: o conceito de raça, pelos idos de 1940, como explicativo para o social, estava sendo derrubado, e as ciências sociais proclamavam sua autonomia frente às ciências da natureza. “Como então Os sertões, que tinha em grande medida como quadro conceitual as ciências da natureza, mantinha-se [e mantém-se] atual, glorificado em edições e mais edições, traduções ? Como resistiu ao movimento de releitura da raça como fator de inferioridade, explicativo da sua gênese ?”, indaga Freyre, para ele mesmo responder : “porque Euclides da Cunha, ainda que resvale no pessimismo dos descrentes da capacidade dos povos de meio-sangue para se afirmarem em sociedades equilibradas e organizações sólidas, uma descrença lastreada no fatalismo da raça, no determinismo biológico,ao tentar compreender a psicologia do sertanejo, fez um ensaio revelador sobre a formação do homem brasileiro. Desmistificou o pensamento vigente entre as elites do período, de que somente os brancos de origem européia eram legítimos representantes da nação. Mostrou que não existe no país raça branca pura, mas uma infinidade de combinações multirraciais. Previu um destino trágico para o Brasil, se o país continuasse a não levar em conta as diversas raças que o formaram. Mostrou que o Brasil tinha contradições e diferenças étnicas e culturais extremas. Concluiu que havia uma necessidade imperiosa de se inventar uma raça. Caso contrário, o Brasil seria candidato a desaparecer”.
Apesar de imerso num contexto intelectual e sociológico onde predominava o determinismo biológico, Euclides teve, no entender de Freyre, a lucidez de perceber que “o movimento do Conselheiro foi principalmente um choque violento de culturas: a do litoral modernizado, urbanizado, europeizado, com a arcaica, pastoril e parada dos sertões. E esse sentido social e amplamente cultural do drama, ele percebeu-o lucidamente, embora os preconceitos cientificistas, principalmente o da raça, lhe tivessem perturbado a análise e interpretação de alguns dos fatos de formação do Brasil que seus olhos agudos souberam enxergar, ao procurarem as raízes de Canudos". Ao tecer o perfil de Euclides da Cunha como escritor além de seu tempo, intuindo o primado do fator cultural no estudo das sociedades num ambiente intelectual, sociológico e antropológico em que predominava a noção de raça como elemento explicativo do social, Gilberto Freyre propõe nova atualidade para o autor de Os sertões.
A atualidade e modernidade da obra __ mais: sua ‘eternidade’ __ está em ser entendido como verdadeiro fenômeno cultural, inserido no cenário de constituição e transformação do pensamento social sobre o Brasil. “Euclides da Cunha é o intelectual brasileiro que mais se interessou em conhecer mesmo o Brasil por dentro”, vaticina o crítico e ensaísta Luiz Costa Lima. ”Os sertões deixou um retrato, um cenário que não pode nunca ser esquecido”, completa .Costa Lima sustenta ser “Os sertões obra de estranhamento e paradoxos” , e especula : “pode uma obra ser ao mesmo tempo ficcional e não-ficcional? pode , na medida em que recicla e faz repensar o papel desempenhado pelo discurso científico e pelo discurso literário”. Lima argumenta que Euclides constrói na verdade ”uma dupla inscrição, uma estrutura narrativa que supõe o ajuste de um centro tematizado com bordas e molduras”. Nisso residiria exatamente o ‘estranhamento’ , porquanto “o texto se desgarra do centro férreo __ ‘cientificista’__ e se mostra sob a forma de ‘ilhas’, nas bordas em que uma espécie de representatividade teatral vence a intencionalidade autoral”. O que , no entender de Lima, entre muitos outros aspectos torna a obra absolutamente genial.Euclides da Cunha mostra-se sempre um intelectual preocupado em "pensar" o Brasil dentro de um momento histórico e complexo processo de formação de uma sociedade que fosse capaz de integrar os diversos grupos humanos (litoral e sertão) na definição da identidade nacional. Com toda justiça passou a ser reverenciado como o primeiro autor a escrever um ‘clássico’ no Brasil, uma obra de peso, científica, densa, consistente, vigorosa, que até então só podia ser encontrada em autores e livros estrangeiros. E ter um ‘clássico nacional’ adquiria valor especial : igualava-nos às nações civilizadas do mundo moderno da época.
A criação de Os sertões faz parte do rol dos ‘grandes momentos’ da história do Brasil, e não é por acaso que tenha atravessado um século como obra mater, ‘bíblia da nacionalidade’ e seja fadado à posteridade.
No lastro da posteridade porque , simbiose entre jornalismo,literatura,história, ensaismo, ciência, geografia, sociologia, antropologia, geologia, é obra de múltiplos atributos primordiais: factualidade, perenidade, atualidade.
Factualidade, por ser antes de tudo de uma obra jornalística (mas tão grandiosa que abriga outras características), livro de um jornalista, “o maior feito jornalístico das letras brasileiras ou o maior feito literário do jornalismo brasileiro”, ao retratar um dos episódios mais marcantes da história republicana, registrar o conflito “elite x povo”, “sertão x litoral”, “monarquia x república”, e sobretudo expor condições e situações sociais e culturais de contingentes populacionais, obra que é “uma epifania de brasilidade, uma fala do Brasil”.
Perenidade, em sendo um cânone literário, por constituir-se uma das obras fundadoras da nacionalidade, “a mais representativa da cultura brasileira de todas as épocas”, capaz de expressar importantes dilemas nacionais que extrapolam a própria narrativa da tragédia de Canudos; obra incluída entre os textos fundadores, fontes da historiografia literária : Euclides, ao lado de Manuel Bonfim e Gilberto Freyre, como um dos pioneiros grandes intérpretes do Brasil ; um dos textos básicos de “história e construção do pensamento brasileiro” , um acervo formado por obras de Gonçalves de Magalhães, Francisco Varnhagen, Marquês de Maricá, Joaquim Norberto de Souza e Silva , José do Patrocínio.
Atualidade por “chamar a atenção para os excluídos”, denunciar uma questão social, expor mazelas e injustiças, a miséria, a fome, registrar “tendências conflituosas da sociedade brasileira”, enfocar “um Brasil injusto e dividido”, anotar a religiosidade, a crendice, o misticismo e o messianismo __ algo sempre latente no cenário político brasileiro (a eterna expectativa pelo ‘pai da Pátria’, pelo ‘salvador da Pátria’).
Os sertões diz muito de um drama da história brasileira, e também de dramas dos tempos atuais.

Mauro Rosso
dez’ 2007

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

contemporâneo da posteridade-I


não se pode deixar o mês de dezembro se encerrar, e com ele o ano, sem o registro de 105 anos de publicação -- melhor dizendo, de vida (eterna) -- de uma das obras fundamentais da literatura brasileira,verdadeira opera-master,e o primeiro bestseller da história literária nacional : Os sertões, de Euclides da Cunha.


Só as obras bem escritas hão de passar à posteridade" :palavras lapidares escritas por um naturalista, o conde de Buffon (mais conhecido por uma frase que se tornou famosa :’le style c'est l'homme même’), ao tomar posse na Academia Francesa, em 1753.
Os sertões estão fadados à posteridade. A obra-prima de Euclides da Cunha, completa 105 anos celebrada por muitos, muitissimos motivos __ em especial por sua espantosa atualidade
Já se falou e escreveu __ vai-se falar e escrever sempre, ao que parece __ de sua linguagem difícil : o que não o impediu de ser o primeiro best-seller da história editorial brasileira , com três edições sucessivas no lançamento, a 2 de dezembro de 1902, (ou seja, cinco anos após o fim de Canudos), pela editora Laemmert, e de ser consensualmente considerado “o livro do Brasil”, “a obra número 1”. O que mais dizer de um livro que conta com mais de 30 edições em português, traduzida em 3 idiomas, em mais de 60 países__ em muitos deles foram feitas traduções sucessivas, em tentativa de contínuo aprimoramento? . Mas, por outro lado, é equivocado pensar que sobre Os sertões tudo já foi dito, lido,ouvido e escrito : muito há o que comentar, muito o que refletir, muito até mesmo o que de críticas e ressalvas ouvir e ler, muito o que debater e meditar.
O que fez ,e faz, Os sertões tão célebre?
A consagração de Euclides e de sua obra se de um lado foi, à primeira vista, um fato relâmpago e inesperado __ um anônimo engenheiro e pouco conhecido jornalista ter se transformado no mais celebrado escritor do país, na época __ de outro está sedimentado por dois fatores básicos: 1) a aceitação de alguns conceitos –chave de Os sertões relacionava-se com um longo trabalho de imposição de novas idéias e concepções e de novos valores que vinham sendo gestados no país há pelo menos 30 anos __ o cientificismo da ‘geração 1870’; 2) a consagração-relâmpago foi impulsionada por alguns dos críticos literários mais importantes do país, José Verissimo, Araripe Juniorr e depois Silvio Romero__ além de Roquette-Pinto. Todos enalteceram , insistindo em signos de raridade na obra, mostrando o quanto texto, tessitura, forma, estrutura e conteúdo escapavam do comum, do conhecido.__ e os ensaios críticos que vieram em sequência, ao longo dos anos(e até hoje), enfatizam esse caráter de descobertas de verdades fundamentais para o destino do país, como “a tese dos dois Brasis”, a necessidade de olhar para o interior, para “o Brasil real”. O consenso era de que Os sertões não podia ser comparado a nenhum outro livro: era “uma bíblia permanentemente aberta para interpretações, vindas de diversas áreas : literatura, história, geografia, geologia, política,biografia,matemática, engenharia”.Tanto Verissimo como Araripe sublinhavam a idéia de totalidade encontrada no livro, resultado da soma da arte com a ciência, do épico com o trágico e da emoção com a razão. Euclides produzira uma obra científica, uma obra histórica, mantendo “a continuidade da emoção, sempre crescente, sempre variada, que sopra rija, de princípio a fim, no transcurso de 634 páginas, um livro fascinante, resultado de um conjunto de qualidades artísticas e de preparo científico”. Eis aí uma das vertentes do aspecto ‘ fundador’ da obra, tão mencionado pelos críticos literários ao longo do tempo.

A emoção e o espanto provocados pela obra de Euclides emite seus ecos até hoje. Quase todos os críticos se entusiasmaram, mas por força de seu ofício ficaram se perguntando: por quê? “É uma obra sem carteira de identidade. A natureza de seu ser, enquanto obra literária, permanece indecifrada. É impressionante verificar como sua realidade ontológica persiste incapturável pela crítica literária”, admitiu o escritor Franklin de Oliveira, que fez a si mesmo a pergunta até hoje ‘clássica’ : afinal, o que é Os sertões? É ficção, vaticinaram entre outros Tristão de Athayde e Afrânio Coutinho, que escreveu: “Trata-se de romance-poema-epopéia. Uma epopéia épica,narrativa heróica, da família de Guerra e paz, e cujo antepassado mais ilustre é a Ilíada.” O professor Leopoldo M. Bernucci , da Universidade do Colorado em Boulder,EUA, acredita que em toda a história da literatura brasileira nenhum autor conseguiu estabelecer, até agora, uma relação tão visceral com seus leitores como Euclides. “O sentimento do leitor é de assombro e perplexidade. É detestado e adorado. Tem acertos e deslizes, mas não deixa ninguém indiferente.”. Independentemente da sucesso de público e de crítica, sua perpetuação, sustenta a antropóloga, pesquisadora e ensaísta Regina Abreu, está relacionada a demandas sociais. Ao ser transformada em monumento, símbolo nacional ou fenômeno cultural, uma grande obra literária extrapola suas características iniciais, passando a desempenhar funções sociais que ultrapassam seu valor essencialmente literário. “O coroamento de Os sertões teve o mesmo efeito de um tombamento__ como ocorre com um bem arquitetônico”, ela explica; “ é como “semióforos”, dotados de um valor simbólico que ultrapassa o valor de uso; considerados preciosidades, estão investidos de valor sagrado. Tornam-se um culto”.
Na consagração de Os sertões, menciona-se o aspecto “fundador” da obra. Em que consiste essa fundação ? por inovar , por renovar, por revolucionar.... por tornar-se enfim um clássico, em meio a elementos histórico-político-sociológicos e literário-culturais específicos de um período de fortes mudanças no país__ não apenas pela substituição da monarquia pela república, que seria aliás interpretado como um dos motivadores da ‘rebelião de Canudos’.Euclides da Cunha nasceu e se criou na sociedade brasileira da segunda metade do século XIX __ uma sociedade monárquica dominada por grandes proprietários de terra e de escravos, em que vigorava o espírito da “sociedade de corte”.Na seara literária, era época da incipiência do naturalismo/realismo__ de um naturalismo com cunho cientificista __ ascendente sobre o romantismo(então representado sobretudo por Machado de Assis e José de Alencar); tempo ainda da proliferação da temática do sertão e do interior, de profusão de ‘escritores sertanejos’__ e nesse contexto, por força desse vetor, Os sertões encontrou ‘campo fértil’ de aceitação e, face à sua qualidade excepcional, de celebração definitiva.
Por outro viés, o momento de consagração de Os sertões, no início do século XX, pode ser considerado o coroamento de uma invenção que já vinha se processando há anos, ‘a invenção do sertão’. O sucesso da obra de Euclides veio afirmar __ e por ela foi ativada__ a positivação da temática sertaneja , do interior, entranhada na cultura literária brasileira. Os sertões, de resto, se inserem numa tradição literária privilegiante do rural e incentivou,insuflou e consolidou uma vertente que iria gerar o ciclo do romance regionalista da década de 1930.Mas Euclides também se distinguiu dos demais escritores da ‘voga sertaneja’ por vir apoiado em discurso científico, novidade na época, que deu ao livro ‘autoridade’ superior (ao mesmo tempo ‘legitimadora’ das demais obras sertanejas) e forneceu condições para que idéias e conceitos emitidos apenas como impressão ou opinião ganhassem estatuto de fatos ‘cientificamente’. O sertão tornou-se via privilegiada para uma leitura do Brasil tanto do ponto de vista literário e artístico quanto da tradição de estudos de etmografia e folclore : na esteira dessa via vieram Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Guimarães Rosa , até mesmo Glauber Rocha no cinema e Mestre Vitalino na arte popular artesanal.

(continua)

domingo, 23 de dezembro de 2007

laços de emoção pura

abro um espaço entre as palavras para uma das mais belas construções de imagens dos últimos momentos. um vídeo que dignifica a cultura e encanta corações e mentes.
http://br.youtube.com/watch?v=_2rnl0IzR_M

e aproveito para estabelecer um laço(hoje dito 'link') com Clarice,aí ao lado.

sábado, 22 de dezembro de 2007

estarrecedor- I


A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Superior - Capes\Mec reprovou nada menos do que 40 (!) cursos de mestrado e doutorado -- receberam notas 1 ou 2 numa escala até 5 para doutorado e até 7 no doutoradoe : todos serão fechados. Produção intelectual deficiente, sofrível formação docente, baixo número de formados e até dois casos de plágio em dissertações,envolvendo professores e alunos, estão entre os motivos. Se não bastassem o número (4 dezenas) e as causas (gravissimas), estenderam-se a instituições renomadas, como USP,Unicamp, UnB,UFRJ -- chega às raias do estarrecedorOs cursos funcionarão até formarem os estudantes já matriculados,mas não podem- desde já- receber novos alunos.
۩ [para conhecer o quadro geral dos resultados, acesse www.capes.gov.br]

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

tributo em meio ao caos


caos : assim pode-se caracterizar o inacreditável roubo das peças no MASP. tamanho o conluio de absurdos agora revelados que impossível seria que não acontecesse. bem, que o aqui se mostra não atenua, claro, mas talvez possa ser um certo bálsamo -- a poesia de Cândido Portinari [para quem não sabia,dei a conhecer em meu livro São Paulo,a cidade literária,de 2004,que realça a importância da cidade de São Paulo na história literário-cultural do Brasil, e mostra facetas e manifestações artísticas talvez desconhecidas de muitos dos autores que construíram essa história]

Não bastasse ser um gênio consagrado universalmente nas artes plásticas, Candido Portinari (1903- 1962 ) --artista do mais elevado quilate --criou poemas, os primeiros deles feitos ainda na terra natal de Brodósqui, poemas que ele denominava "meus escritos”.
O menino e o povoado [O circo]
(...)
Sentia-me feliz quando chegava um circo.
Vinha de terras estranhas.
Todo o meu pensamento se ocupava dele.
O palhaço, montando um burro velho, fazia
Reclame com a meninada acompanhando.
Eu assistia ao espetáculo e apaixonava-me pelas
Acrobatas de dez a quinze anos. Fazia
Planos para fugir com elas. Nunca lhes falei.
Por elas tudo em mim palpitava.
Minha fantasia.
Voltando à vida real, entristecia-me. Não era eu
Um príncipe? Nada disso. Roupas baratas,
Pobreza... Até as flores lá de casa pareciam
Murchas e sem perfume. Só nos achávamos
Bem rondando o circo. Quando partia para outra
Localidade, eu sentia tanta tristeza, chegava ao desespero,
Chorava silenciosamente; desolado ia ver o trem
Passar na direção onde estavam as acrobatas.
Talvez pensassem em mim
O trem seria meu emissário.
Nos encontraríamos mais
Tarde... O tempo deixava pequena lembrança
Até a chegada de outro circo...

O menino e o povoado [Não tínhamos nenhum brinquedo]

Não tínhamos nenhum brinquedo
Comprado. Fabricamos
Nossos papagaios, piões,
Diabolô.
A noite de mãos livres e
pés ligeiros era: pique, barra-
manteiga, cruzado.
Certas noites de céu estrelado
E lua, ficávamos deitados na
Grama da igreja de olhos presos
Por fios luminosos vindos do céu
era jogo de
Encantamento. No silêncio podíamos
Perceber o menor ruído
Hora do deslocamento dos
Pequenos lumes... Onde andam
Aqueles meninos, e aquele
Céu luminoso e de festa?
Os medos desapareciam

Sem nada dizer nos recolhíamos
Tranquilos...




quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

degeneração X evolução da Língua


a propósito da sinapse,aí ao lado, na mensagem anterior -- em que teci brevissimas considerações sobre a linguagem literária brasileira , tema relevante, objeto de um programa de pesquisa a desenvolver em 2008 numa universidade -- vale por ilação, o seguinte:


ultimamente tenho refletido -- e escrito, aqui e ali -- sobre a escrita\linguagem bastante comum hoje no cenário virtual, i.e. na internet, utilizada ad nauseam nas mensagens eletrônicos, i.e. emails – inclusive 'alertando' que devia-se ter cuidados e cautelas, senão controle, sobre isso, pois poderia ser grande,e extremamente danoso,o risco de uma absorção\assimilação inconsciente\subsconsciente na escrita comum, do dia a dia, na fala, na palavra, etc. . Embora observasse eu que ,por um lado, essa escrita\linguagem ‘internética’ retoma, para o bem, uma certa oralidade, de resto muito bem vista e aceita – até encorajada—nos meios quer lingüísticos quer literários.[oralidade,ressalto, que acaba reportando a...Lima Barreto]

estudo com afinco questões de linguagem -- aplicáveis não apenas para obras de referência (leia-se, dicionários) que tenho sempre em cogitações , projetos e ações [continuo trabalhando, nas horas ditas vagas[!] (sic...)em um “dicionário de teoria literária :termos,temas e expressões de ficção e não-ficção”, até porque está ele pautado para um dos programas de pesquisa ora em estudos,para decisão, numa universidade fluminense]– por isso permito-me aqui certas variantes nos comentários citados acima.

0 perigo “iminente”, segundo as análises apressadas, de uma degeneração da língua por força de alterações na escrita, vale dizer ortográficas – e nisso inclui-se a propalada e anunciada reforma a entrar em vigor,na comunidade lusófona do mundo, sabe-se lá quando – não existe em tão alto grau assim ; o risco “catastrófico” da tal absorção\assimilação, no escrever e falar corriqueiro, do ‘internetês’—“(...)a língua sofrendo ataques diários nos emails,blogs e chats(...)”, anunciam vozes alarmistas -- também não .
ambas, são asseverações fundamentadas em dois equívocos :
* primeiro, a ortografia não é um elemento central da organização das línguas, simplesmente porque uma língua define-se por um sistema fônico, uma gramática e um vocabulário : ainda que existam diferenças entre a maneira de compor um texto oral e um escrito, a ortografia é uma convenção por meio da qual se representam as formas faladas da língua , significando que nenhuma mudança ortográfica representa transformação da língua.
a internet está fazendo com que os textos sejam escritos de maneira mais informal,próximas da oralidade,como acentuei,o que não representa alteração da língua, apenas mudança na maneira de composição dos textos escritos – que de resto ocorre também, e em grande escala,maior do que se pensa ou imagina,na comunicação comercial, na correspondência entre empresas, etc, hoje muito mais informais, e até mesmo nos textos da imprensa,agora mais simples, objetivos, fluentes, despojados de vocabulário preciosista, rebuscado, etc..

* segundo, as línguas não decaem em conseqüência de agressões de seus usuários—i. e. os falantes – com os tais "ataques deformadores" que provocariam uma mudança lingüística a qual por sua vez seria atestado da degeneração da língua ; ao contrário, os falantes exercitam uma simplificação, tornando a língua mais prática , até porque por outro lado os idiomas têm mecanismos diversos para exprimir o que o falante deseja expor, mecanismos não necessariamente morfológicos, podendo ser sintáticos, por exemplo ; e os lingüistas sustentam que as línguas progridem, caminham em direção de formas mais aperfeiçoadas, pois permitem maior clareza e precisão na fala e exigem dos falantes menor esforço de memória e dispêndio de energia muscular.

de um modo geral – posso concluir -- mudança lingüística não é para ser vista nem como progresso, nem como degeneração mas sim processo pelo qual as línguas "passam de um estado de organização a outro". Como diz o pioneiro da lingüística no Brasil, e uma das maiores autoridades da matéria, Mattoso Câmara [de quem a Universidade Católica de Petrópolis-UCP mantém o Centro de Estudos Lingüísticos Mattoso Câmara], "a palavra evolução, em lingüística, pressupõe apenas um processo de mudanças graduais e coerentes".
a par, acima e além de preconceitos e equívocos (em que por vezes incorremos) , as línguas não decaem nem progridem, elas mudam. sempre interativadas com as transformações sociais e culturais, as inovações tecnológicas e científicas, os processos de antropologia social, a dinâmica da comunicação, a sedimentação da educação,a fala popular, a incorporação de estrangeirismos, etc.

resumo da ópera : há de se estar atento e cauteloso, sim, mas sem discursos ou posturas ‘catastrofistas’. a todos, só posso recomendar :exercitem sua escrita\linguagem afinada com a modernidade – considerando-se que .saberão utilizar as formas gramaticais,sintáticas,léxicas,vernaculares e ortográficas da maneira certa,no momento certo, no objetivo certo.




terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Réquiem a um gênio


antes que se encerre 2007,não se pode deixar de registrar os 85 anos de morte de um dos maiores escritores brasileiros. só que na verdade Lima Barreto não morreu em 1 novembro 1922 : Lima Barreto tem seu nome e sua obra imortalizadas no cenáculo mais elevado da cultura nacional. escrevi acima "registro", mas não é -- e sim uma homenagem,um tributo,um réquiem..


O conto em Lima Barreto
Como contista, Lima Barreto não chegou a ser um virtuose, mas produziu pequenas obras-primas da narrativa curta, como “O homem que sabia javanês”, “A nova Califórnia”, “A sombra do Romariz”, “O moleque”, “O número da sepultura”, “A biblioteca”. Virtuose não podia ser, porquanto a par de outros aspectos ,era conscientemente praticante de uma escrita diferenciada de seus pares, até porque ele mesmo diferenciado literária,ideológica e socialmente dos contemporâneos.
Seus contos, em maior ou menor grau, são exemplos de relações e interações entre modos tradicionais de narrar e as especificidades do denominado conto moderno. Fogem ,todos eles, a parâmetros estabelecidos para o gênero ; mantêm,sob a qualidade literária intrínseca , amplitude e coerência temáticas e estilísticas presentes de resto em toda sua obra ficciona l- nos romances e nas novelas – e em seus artigos e crônicas . Alta qualidade e perfeita coerência que combinadas, como se sabe, caracterizam todo grande Autor.
Impôs na ficção literária,em especial na seara contística — com seu estilo simples, direto e objetivo
[1], que feria o convencionalismo literário da época, impregnado de falsas concepções estéticas, floreios , etc — os prenúncios do Modernismo logo a seguir rompante na cultura brasileira, cujos primeiros elementos e formas apareceram justamente pela linguagem típica da escrita barretiana. Não à toa despertou interesse e respeito por parte de Mario de Andrade, do alto de sua ‘autoridade’ de contista e teórico da construção ficcional, e levou p. ex. Sergio Milliet a escrever “(...) Lembro-me da grande admiração que tinha por Lima Barreto o grupo paulista de 22. Alguns entre nós, como Alcântara Machado, andavam obcecados .O que mais nos espantava então era o estilo direto, a precisão descritiva da frase, a atitude antiliterária, a limpeza de sua prosa, objetivos que os modernistas também visavam. Mas admirávamos por outro lado sua irreverência fria, a quase crueldade científica com que analisava uma personagem, a ironia mordaz, a agudeza que revelava na marcação dos caracteres” [2]
Não mais fosse por outros argumentos, mormente por motivos ideológicos, foi criticado [por vezes e por alguns ainda é] pelas “imperfeições de estilo” e pelo “tom caricatural” com que retrata seus personagens. De uma vez por todas convém esclarecer que os exemplos de “erros gramaticais” apontados em sua obra ficcional não caracterizam necessariamente um desconhecimento das regras do escrever, e sim o que especialistas configuram como “concordância ideológica”. Segundo o professor e filólogo Silva Ramos defeitos e irregularidades em Lima Barreto decorrem não de uma ‘imperícia gramatical’ mas provêm de uma escolha feita pelo autor, dentre mais de um processo de expressão,que possibilita a tradução de seu pensamento ou sentimento : não são as palavras, a ordem em que são dispostas que valem, mas as idéias que exprimem, os sentimentos que fazem vibrar. “Lima Barreto não sabe é alinhar palavras vazias de sentido que só encantem pela sonoridade de expressão. Jamais consentiria ele que um vocábulo soasse oco e não revestisse uma noção. A verdade é que nos tempos que correm já se não compreende que alguém pegue uma pena se não tiver alguma coisa para dizer. É que não nos contentamos mais com palavras, queremos idéias ; e seus romances,novelas e contos obrigam a pensar” [ carta de 21.06.1919 ]. Para o crítico Antônio Arnoni Prado, “Lima Barreto sempre soube fazer uso abrangente da linguagem, rica de comunicação e de recursos expressivos, para a comunicação militante de sua arte, jogando com as palavras para delas extrair os efeitos estéticos ou funcionais que a natureza do texto exigisse”
[3]. Antonio Candido vaticina que em Lima Barreto vê-se “um projeto literário elaborado, pelo menos em tese, de forma bastante orgânica, ou seja, a escolha de uma forma determinada para o tratamento de temas específicos” [4]. Para Alceu de Amoroso Lima, “(Lima Barreto) escrevia literalmente ao correr da pena, porque fugia a todo vernaculismo intencional; a palavra lhe vinha sempre fácil e correntia,natural e transparente”[5]
A tal ‘superficialidade’, implícita no ‘tom caricatural de seus personagens’, encontra resposta à altura em Lucia Miguel Pereira
[6] , para quem Lima Barreto, tem sua escrita contística caracterizada por “explorações em profundidade, suas criaturas sempre indagando a existência” ;ela própria admite que Lima Barreto “logrou conciliar a agudeza analista e o sentimento poético porque possuiu a ambos em alto grau”.
Importante lembrar que a época era dominada por duas vogas literárias, de um lado o parnasianismo, inócuo, oco e ressonante, de outro, a linguagem empolada, o ‘clássico’ calcado em expressões cediças e de figuras de efeito, cheia de arabescos estilísticos — ambas, uma literatura impregnada de vocábulos garimpados, do virtuosismo lingüístico e verborrágico,expressão da frivolidade dominante.No Rio de Janeiro, os intelectuais e literatos,de certa forma alheios às contradições, logo se integraram ao processo de construção e aceitação dos novos ideais republicanos — no que, delinearam o movimento literário da chamada belle èpoque carioca, com sua conhecida ‘geração boêmia”, definida por “uma produção narcisista, descompromissada, escapista, aristocraticamente (pseudo-)refinada, de temática elitista”,e com aquela escrita aristocrática, tendo como escritores típicos, entre outros, Olavo Bilac, Coelho Neto
[7], João do Rio, Afrânio Peixoto, Elisio de Carvalho,Figueiredo Pimentel (é dele a conhecida frase “o Rio de Janeiro civiliza-se!”), Medeiros e Albuquerque. Praticava-se um estilo mundano, meio jornalístico, pretensamente sofisticado,como apregoado por Afrânio Peixoto : “A literatura é o sorriso da sociedade. Quando ela é feliz, a sociedade, o espírito se lhe compraz nas artes e, na arte literária, com ficção e com poesias, as mais graciosas expressões da imaginação(...)”.[8]
No pólo oposto ao aristocratismo da escrita de então e aos nefelibatas da linguagem, tinha-se em Lima Barreto um registro da língua ‘brasileira’ do início do século XX e um ritmo genuinamente nacional que prenunciava a linguagem modernista”. Segundo o historiador e ensaísta Nicolau Sevcenko, “chama muito à atenção quando se lê a obra do Lima Barreto, a atualidade dessa obra não só em termos de linguagem — uma linguagem bastante acessível, bastante próxima até da oralidade — pela qual foi muito criticado pelos seus pares e intelectuais da época. Mas não só por essa linguagem mas também pelos temas de que ele trata e pelo modo como os trata . Pode-se ir além porque muitos problemas de Brasil que ele pensa naquela época, que ele critica, e que ele, enfim, desenvolve como reflexão, permanecem absolutamente atuais”
[9].

Convictamente decidido a romper com o figurino estilístico e literário vigente, sua escrita simples, direta e objetiva nada tinha a ver com a pompa, o floreio da retórica de então, Lima Barreto era o anti-acadêmico por excelência, já então conhecido e reconhecido pela publicação das 2ª. edição e 3ª. edição (as primeiras feitas no Brasil : a 1ª. edição do livro foi impressa em Portugal, em 1909) de Recordações do escrivão Isaias Caminha e por Triste fim de Policarpo Quaresma ,, digno de admiração e respeito como um dos grandes autores da época, mesmo ostentando de certa forma a imagem e o conceito de ‘escritor maldito’. Exemplos claros da literatura diferenciada e de alta qualidade que fazia, Lima Barreto foi agraciado com extremas consideração e atenção por parte de intelectuais e escritores importantes , como p. ex. Monteiro Lobato, que a ele solicitou colaboração na Revista do Brasil e dele publicou a 1ª.. edição de Vida e morte de M.J. Gonzaga de Sá – o primeiro, talvez único de seu livros ,enquanto ele viveu, a receber tratamento editorial-gráfico de qualidade.

Contrariamente à maioria de seus contemporâneos, praticantes dessa escrita floreada e vazia, aristocrática e fútil, verdadeiros instrumentos literários do “sorriso da sociedade” , Lima Barreto conferia à sua obra ficcional o sentido militante de uma “missão social, de contribuir para a felicidade de um povo,de uma nação, da humanidade” Em sua concepção, a literatura tinha de ser “militante”, com objetivo concreto e definido : as idéias contidas no artigo “Amplius!”, publicado originalmente no primeiro número da Floreal , em 25.10.1907 , depois em A Época, em 18.02.1916, e incorporado como abertura da coletânea de contos Histórias e sonhos (em todas suas 3 edições), expressam suas concepções sobre a arte literária.
“(...)Parece-me que o nosso dever de escritores sinceros e honestosé deixar de lado todas as velhas regras, toda a disciplina exterior dos gêneros, e aproveitar de cada um deles o que puder e procurar, conforme a inspiração própria, para tentar reformar certas usanças, sugerir dúvidas, levantar julgamentos adormecidos, difundir as nossas grandes e altas emoções em face do mundo e do sofrimento dos homens, para soldar, ligar a humanidade em uma maior, em que caibam todas, pela revelação das almas individuais e do que elas têm em comum edependente entre si.A literatura do nosso tempo vem sendo isso nas suas maioresmanifestações, e possa ela realizar, pela virtude da forma, não mais a tal beleza perfeita da falecida Grécia, não mais a exaltação do amor que nunca esteve a perecer; mas a comunhão dos homens de todasas raças e classes, fazendo que todos se compreendam, na infinita dor de serem homens, e se entendam sob o açoite da vida, para maiorglória e perfeição da humanidade. (...) Não desejamos mais uma literatura contemplativa, o que raramente ela foi; não é mais uma literatura plástica, manequins atualmente, pois a alma que os animava já se evolou com a morte dos que os adoravam ; digamos não a uma literatura puramente contemplativa, estilizante sem cogitações outras que não as da arte poética, consagrada no círculo dos grandes burgueses embotados pelo dinheiro, de amplo emprego por pretensos intelectuais,bacharéis e políticos” (...) “a obra de arte tem por fim dizer o que os simples fatos não dizem. Este é meu escopo. Vim para a literatura com todo o desinteresse e toda coragem. As letras são o fim da minha vida. Eu não peço delas senão aquilo que elas me podem dar: glória!”
[10]
Além da ferrenha oposição à escrita aristocrática predominante, Lima Barreto rejeitava terminantemente fazer de seu trabalho jornalístico assim como de sua obra literária, ficcional ou não-ficcional, “instrumento de propaganda do sonho republicano de falso progresso e falsa civilização”. Sustentava que fazia “uma literatura militante, de obras que se ocupam com o debate das questões da época(...), por oposição às letras que, limitando-se às preocupações da forma, dos casos sentimentais e amorosos e da idealização da natureza”
[11]. Dono de obra ficcional e não-ficcional com vigoroso fulcro ideológico, Lima Barreto buscava na politização da literatura um sentido sobretudo ético.Na única conferência literária que iria pronunciar , mas acabou não fazendo — “O destino da Literatura”, em Rio Preto, São Paulo, em fevereiro de 1921 [12], por insistência de Ranulfo Prata — foi explícito :
“A Beleza não está na forma, no encanto plástico, na proporção e harmonia das partes, como querem os helenizantes de última hora. A importância da obra literária que se quer bela sem desprezar os atributos externos de perfeição de forma, de estilo, deve residir na exteriorização de um certo e determinado pensamento de interesse humano(...) E o destino da literatura é tornar sensível, assimilável, vulgar esse grande ideal de fraternidade e de justiça entre os homens para que ela cumpra ainda uma vez sua missão quase divina. Mais do que qualquer outra atividade espiritual da nossa espécie, a Arte, especialmente a Literatura, a que me dediquei e com quem me casei; mais do que ela, nenhum outro qualquer meio de comunicação entre os homens, em virtude mesmo do seu poder de contágio, teve, tem e terá um grande destino em nossa triste humanidade.”
Marginalizado por suas origens e condição social, execrado por ser ‘passadista e contrário à modernização’, Lima Barreto enfrentou as marcas de seu tempo e da sociedade brasileira que lhe foi contemporânea. Seu projeto era um projeto para uma vida inteira de militância literária contra o preconceito, e também “contra os falsos intelectuais, contra um academismo espelhado no modelo europeu, contra uma literatura só de deleite, como ornamento”. A pretensa beleza estilística, os atributos externos formais de perfeição, de forma, de estilo, de vocabulário, não poderiam prescindir da “exteriorização de um certo e determinado pensamento de interesse humano, que fale do problema angustioso do nosso destino em face do Infinito e do Mistério que nos cerca, e aluda às questões de nossa conduta na vida”
[13]
Esse ideal, entendia “ser impossível cumprir sob a égide acadêmica. Tanto nos romances e contos como nas crônicas e artigos, Lima Barreto exerceu sempre uma crítica à cultura da modernidade contra a opressão social e a hipocrisia política — tal como se revelaram na implementação da República . A opção por uma literatura militante determinou o caráter marginal (e ‘revolucionário’ ,para muitos estudiosos) de sua obra : sua visão crítica da sociedade, da política e da cultura, renderam-lhe frutos amargos — desprezo do público, penúria econômica, alcoolismo e doença, internação em manicômio.A “esperança”, mencionada naquela entrevista de fevereiro de 1916,alimentava-se na verdade da recusa impassível em transigir com o que demandava popularidade — o aburguesamento do escritor, por via da adesão aos temas da moda, que fortaleciam os interesses políticos, econômicos, sociais e culturais da República. Nada porém o fez submeter-se a esses valores.
Na obra de Lima Barreto, consciente como era das questões cruciais de seu tempo, a amplitude de temas é acoplada a uma função crítica, combatente e ativista de seus textos. Uma obra que inclui em seu temário: movimentos históricos, relações sociais e raciais, transformações sociais, políticas, econômicas e culturais, ideais sociais, políticos e econômicos, crítica social, política, moral e cultural, discussões filosóficas e científicas, referencias ao cotidiano urbano, a política nacional e internacional, a burocracia, análises históricas. Politizado, sua preocupação maior é abranger o mais que pode, no maior volume e amplitude possíveis, a realidade social brasileira, quer na literatura ficcional quer na não-ficional, distribuída por romances, contos, crônicas, sátira, epistolografia e memórias.
Quer na obra não-ficcional, quer em seus romances e novelas, quer nos contos — em que se denotam os mesmos eixos temáticos em torno dos quais desenvolve-se sua obra romanesca e sua obra não-ficcional : a política; a mulher; o cotidiano da cidade; a vida literária — Lima Barreto não deixa de perceber,registrar e comentar nenhum dos acontecimentos mais importantes da época,essencialmente as contradições da pretensa modernidade que se dizia ser implementada com o regime republicano brasileiro. Como um vasto painel desdobrado em quadros sucessivos, nos escritos de Lima Barreto estão os episódios culminantes da insurreição anti- Floriano, a campanha contra a febre amarela, a ação de Rio Branco, o governo Hermes da Fonseca, a I Guerra Mundial, as eleições, as greves operárias, a visita do Rei Alberto ,a Semana de Arte Moderna, a carestia da vida, o arrivismo, a especulação financeira, o capitalismo, a reforma urbana, o ‘bota-abaixo!’, o cotidiano da cidade, o futebol e o jogo-do-bicho, o carnaval, o cinema, os crimes ditos passionais, o advento do feminismo
[14].
Nos contos de Lima Barreto estão contidos os traços recorrentes de sua obra ficcional, registra Sevcenko
[15] : obsessão da origem, marcas da religiosidade, evocação do mistério e da surpresa , emocionadas descrições dos subúrbios cariocas, as periferias urbanas, a divisão de classes, a exclusão social, os pobres e os enjeitados, os traços da raça (nestes, suas denúncias ao contexto cientificista e darwinista predominante desde a década de 1870, teorias em crescente absorção por parte da maioria dos intelectuais, inclusive Euclides da Cunha, de uma “hierarquia entre povos e indivíduos apoiada por conceitos da ciência comprometida com pressupostos ideológicos, determinada por vetores da evolução natural e determinantes dos quinhões de talento, inteligência e senso moral”[sic]).

Sua obra contística – no mesmo diapasão da romanesca e da jornalística — constitui um conjunto de registros variados do Brasil , sempre emocionados e opinativos, geralmente irados, quase sempre sarcásticos, satíricos, irônicos — chegando à radical crítica alegórico-figurativa nos “contos argelinos”, nos textos de Os Bruzundangas e em Coisas do Reino de Jambon e especialmente nos “contos argelinos”.
[16] Sucedem-se nos textos barretianos flagrantes urbanos, o bovarismo das elites dirigentes e dos diplomatas (e do brasileiro em geral), as elites econômicas, a burocracia. Poucos escritores, na literatura brasileira , criaram e apresentaram um elenco de personagens tão variado e vasto – homens e mulheres despojados pela sorte, políticos empenhados unicamente com o poder , pseudo- intelectuais abarrotados de retórica e voltados para a futilidade, militares crentes da própria infabilidade e “ignorantes das coisas da guerra”, os donos de jornais venais e corruptos, os magnatas, banqueiros, empresários, fazendeiros do café, os burocratas , pequenos burgueses, arrivistas,charlatães,almofadinhas, melindrosas,aristocratas, gente do subúrbio, operários, artesãos, vadios, mendigos,bêbados, meliantes, prostitutas,mandriões,subempregados, artistas, coristas, alcoviteiras, funcionários, moças casadoiras, noivas, solteironas, loucos, adúlteros, agitadores, usurários, estrangeiros.
­­­­­­­ E como é inerente a um grande narrador/comentarista de costumes, o que nunca deixou de ser também nos textos ficcionais, Lima Barreto cria e recria situações da existência humana,desfila personagens insólitos, exóticos e comuns – mas intensos e vívidos -- e destila sua demolidora ironia em contos permeados ,uns de amarga crueza outros de franco lirismo, como os celebrados “A Nova Califórnia” e “O homem que sabia javanês”, como o antológico “O moleque”, como “Uma noite no Lírico”, “Como o homem chegou”, “Agarius auditae”, “Um músico extraordinário”, “Mágoa que rala”, “A barganha”, “O único assassinato do Cazuza”, “Manel Campineiro”, “Milagre de Natal”, “Foi buscar lã...”,”O jornalista”, “O tal negócio de ‘prestrações’...”, “O meu carnaval”, “Fim de um sonho”, “Lourenço, o Magnífico”, “O pecado”, “Um que vendeu sua alma”, “porque não se matava”, “Uma conversa”, “O caçador doméstico”, “Dentes negros e cabelos azuis”, “A indústria da caridade”.
Opositor irascível, implacável e demolidor da República, utilizando ad nauseam os recursos da sátira, da ironia, da caricatura, do humor cáustico,da crítica contundente, desmontou todo o esquema de sustentação do regime republicano recém-implantado.As mazelas do governo republicano, o grau de corrupção política e econômica que empestava o regime, não se cansou de causticá-las por toda sua obra. Crítico intransigente dos presidentes republicanos, da intervenção dos militares na política, de formas de governo autoritário e ultracentralizado e militarizado , de todo e qualquer tipo de violência na sociedade, das ideologias intolerantes, temas e itens como os “métodos de dominação surgidos na República, com aliança entre a aristocracia rural e os financistas da burguesia emergente”, a “atuação elitista da oligarquia cafeeira de São Paulo”, as “críticas à artificialidade e falso poder dos títulos acadêmicos, à futilidade da literatura ‘aristocrática” estão difundidos por 47 contos ,de explícito teor político(quase a metade de sua produção de narrativa curta) — entre eles, preciosidades como “Sua Excelência”,“Congresso Pan-planetário”, “O feiticeiro e o deputado”, “A matemática não falha”, “A sombra do Romariz”, “O falso Dom Henrique”, “Eficiência militar” — e em especial nestes “contos argelinos”, que destacam-se no conjunto por peculiaridades muito específicas.
Mauro Rosso
[extraído da obra do autor , Os “contos argelinos” : Lima Barreto, a política, o patrimonialismo, a literatura militante ]

[1] a escrita barretiana, baseada na oralidade, contrária ao rebuscamento estéril que caracterizava a época, teve apenas uma única exceção : no conto “Como o ‘homem’ chegou”, incluído no apêndice da 1a. edição de Triste fim de Policarpo Quaresma ( Typographia Revista dos Tribunais, Rio de Janeiro, 1915), utiliza propositadamente uma linguagem ‘empolada’, por vezes cansativa, repetitiva — só que sob evidente intuito de ironia e sátira, com “uma função anti-retórica,ou seja, complicada de propósito parece indicar ela mesma que o melhor caminho é a simplicidade”, observa o crítico Antonio Arnoni Prado(1980, p.81).
[2] artigo “Noticiário’, in O Estado de S. Paulo, São Paulo, 11.11.1948(p. D-5) : nas páginas da então incipiente revista Klaxon (1921), os modernistas paulistas se propunham também a ‘descoelhonetizar’ a literatura brasileira, rompendo com os cânones acadêmicos., objetivos bastante semelhantes da revista Floreal, que Lima criara em 1907 e só durou quatro números.
[3] Prado(1998,pp. 44-45).
[4] Candido (1976,p.D -3; 1987,p.63)
[5] Amoroso Lima (1949, p.51)).
[6] Miguel Pereira (1950, p. 184).
[7] como exemplo ilustrativo da frivolidade dominante ,proliferavam então as conferências literárias : eram de Coelho Neto ,de Olavo Bilac, Medeiros e Albuquerque, as mais concorridas conferências 11 , predominante a presença de senhoras e mocinhas para ouvirem palestras sobre “a água”, “o fogo”, “a noite”, “a tentação”, “o dia”, “a rua”, “a mão e o pé” (cf. Miguel-Pereira,op.cit., p.75) [. Em Recordações do escrivão Isaias Caminha , Lima Barreto refere-se às conferências de Coelho Neto, encarnado no literato Veiga Filho : “(...) – Veiga, disse Floc depois dos cumprimentos, gostei muito de tua conferência. Foi uma epopéia, uma ode triunfal ao grande corso !(...) E quanta gente ! Muitas senhoras, moças, gente fina... Estavam as Wallestein, as Bostocks, as Clarks Walkovers... Podes-te gabar que tens o melhor auditório feminino da cidade... Nem o Bilac (...)”
Coelho Neto então sobressaía como “a grande presença literária entre o crepúsculo do Romantismo e a Semana de 22 e de acordo com estudiosos da literatura brasileira ninguém como ele encarnou “mais dramaticamente” o problema da forma : romântico por inclinação e formação natural, realista em algumas obras, simbolista em outras, sobretudo parnasiano na essência da maioria de seus escritos, a Coelho Neto na verdade nunca faltou capacidade criadora, mas ele próprio a relegou a segundo plano em sua obsessão da escrita de efeito, obsessão que o levou a procurar seguir todas as correntes literárias das épocas em que viveu . Com tais ‘deficiências’ Coelho Neto morreu — sustenta José Veríssimo — “sem descobrir que querendo ser primitivo e heleno, colher motivos em lendas nórdicas e orientais, exprimir a natureza de sua terra e a gente contemporânea, fazendo isso tudo menos por curiosidade intelectual do que pelo prazer de ouvir soarem vocábulos exóticos ou onomatopaicos, só conseguia imprimir à sua obra um cunho falso de artificialismo” [Veríssimo ( 1916, p. 143)]
[8] Peixoto (1940, p.79)
[9] Sevcenko (1983,p.217 ).
[10] Histórias e sonhos(1920,p.5 ); Histórias e sonhos (1951,p.9); CLBFB,v. VI (1956,p.7)
[11] Impressões de leitura(1953,p.65); Coleção Lima Barreto,v. XIII (1956,p.7)
[12] publicada na Revista Souza Cruz,Rio de Janeiro, 1921.
[13] Bagatelas (1923, p.69); Coleção Lima Barreto, vol. IX (1956,p. 83).
[14] nunca silencioso sobre seu tempo, Lima Barreto por exemplo não poderia ficar alheio à situação da mulher na realidade social brasileira do início do século XX, época de tantas e profundas transformações na sociedade : escreveu sobre a mulher em artigos e crônicas [ainda que sob um caráter de ambigüidade,ora a criticando, por vezes atacando, ora a defendendo, muitas vezes enaltecendo ; dizia-se “antifeminista”, punha-se abertamente contra os movimentos feministas, mas defendia a necessidade de instrução para a mulher ; repelia o ingresso da mulher no serviço público (“... rendosos cargos para as mulheres das classes sociais mais favorecidas : e as reivindicações das operárias ?...”), mas era a favor do divórcio ; imbuído da moral do seu tempo, retratava a mulher pela ótica comum, mas denunciava sua “absurda” situação de dependência aos homens. Longe, muito longe portanto encontra-se ele da falsa, equivocadissima acusação de misoginia, posicionado na realidade contra o movimento feminista brasileiro — o que ele denominava “feminismo bastardo, burocrata”— não contra as mulheres,e sim como ojeriza aos signos do progresso republicano. Sempre deu à mulher espaço significativo em sua obra não-ficcional e ficcional : retratou-a e a fez protagonista nos romances e novelas — haja visto Olga e Edgarda em Triste fim de Policarpo Quaresma; Clara e Castorina em Clara dos Anjos; Efigênia em O cemitério dos vivos; Cecília em Diário íntimo , Edgard e Ângela em Numa e a ninfa — e em contos como “Um especialista”, “O filho da Gabriela”,”Um e outro”,”Miss Edith e seu tio”,”Cló”,”Adélia”,”Lívia”,”Clara dos Anjos”,”Uma vagabunda”,”Uma conversa vulgar”,”O número da sepultura”,”Quase ela deu o sim, mas...”,”Numa e a ninfa”,”A cartomante” “O cemitério”,”Na janela”, “A mulher do Anacleto” [ cf. Rosso ( 2005)].
em outro viés, no cotidiano da cidade, estão suas tiritatibes ficcionais e não-ficcionais sobretudo contra o futebol — visto por ele como ‘instrumento e meio de estrangeirismo’, de assimilação de elementos, valores e hábitos copiados em prol de um “pretenso,falso, artificial e detestável progresso bem a gosto desta República de bacharéis e aristocratas” : além de muitos artigos e crônicas, o futebol é criticado irônico-sarcástico-impiedosamente em contos como “A biblioteca”,”Quase ela deu o sim, mas...”, “A doença do Antunes” [ cf. Rosso(2006)].
[15] Op.cit., p.189.
[16] nesse particular ,vale observar que o início do século XX e o advento da República evidenciaram um nítido fim do que se poderia denominar ‘período artístico’ na literatura brasileira, a sutil ironia machadiana sendo substituída pela amarga sátira, uma sátira que não hesita em converter-se em impiedoso sarcasmo— mas ninguém, à época, assim o entendeu,assimilou e praticou como Lima Barreto.
se Machado Assis foi intérprete crítico do Império((mas não exclusivamente), Lima Barreto foi o crítico da República – ambos utilizando, em modos,formas e graus específicos, o humor , em ambos funcionando como o elemento-chave da construção formal, a ironia bem visível tanto na obra de Machado de Assis (neste, como uma reflexão pessimista relativa à vida como um todo) quanto na de Lima Barreto (nele, presente o que o crítico canadense Northrop Frye chamou de “ironia militante” )

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Literatura e gastronomia- I


o escritor português Camilo Castelo Branco (1825-60) tem no romance Amor de perdição talvez sua obra mais conhecida pelo público, mas foi ele autor de nada menos do que 50 obras, entre romances,novelas e contos, como p. ex. Onde está a felicidade? , O que fazem as mulheres , Doze casamentos felizes,
O romance de um homem rico,Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado ,
Amor de salvação ,O judeu,A queda dum anjo ,Os brilhantes do brasileiro, A mulher fatal,Novelas do Minho ,Eusébio Macário,A corja ,A brasileira de Prazins

na novela Coração, Cabeça e Estômago (1862) , sucedem-se ao longo da narrativa muitos almoços e jantares – entre eles uma lauta ceia de Natal.que oferece como um dos acepipes um atraente assado de nozes, cuja receita adaptada aos tempos modernos assim é :

4 cebolas médias
5 tomates
2 cenouras médias raladas
3 fatias de pão (de preferência integral ) esfareladas
1/2 xícara de suco de legumes
100g amêndoas moídas
100g castanhas de caju moídas

refogue as cebolas na panela por 5 minutos. junte tomates, cenoura ralada,
farelo de pão, suco de legumes e cozinhe por 15 minutos. junte as castanhas
e amêndoas e despeje numa forma de pão. leve a assar por
meia hora

...............................................
por falar nisso...
vc. sabe a origem da ceia de Natal? conforme ensina a literatura, há centenas de anos, os europeus deixavam a porta de sua casa aberta no dia de Natal para que os peregrinos e viajantes entrassem e, junto com a família, confraternizassem nesse dia, inclusive comendo e bebendo iguarias e acepipes especialmente preparados para esse momento. E com isso estabeleceu-se ad secolorum o hábito, melhor a cultura, da confraternização natalina entre familiares e amigos .

domingo, 16 de dezembro de 2007

informe interessantíssimo


ainda sobre o que anunciei no “perfil”: não vou exclusivamente fazer circular aqui “textos e autores canônicos(...)obras clássicas da literatura brasileira, definidos como obras-primas que lastreiam e moldam a cultura nacional(...)”, mas procurar difundir
· textos e autores relevantes na historiografia literária, por sua temática, característica de reflexo de costumes, por sua técnica textual, importância no contexto literário de suas épocas;
· textos e autores que apesar de sua qualidade literária e de seu valor não receberam o devido destaque ou caíram no esquecimento;
· textos e autores marcados por ousadia e inovação, quer temática quer estilística, evocando temas tabus e desafiadores de preconceitos, que retratem a sociedade de suas épocas, contenham teor político e social__ mas também mundano e comportamental;
· textos e autores considerados contestadores, polêmicos, criticados e marginalizados em determinados períodos;
· textos e autores inovadores quanto ao gênero literário, à temática, ao estilo; títulos que mostram facetas e talentos pouco conhecidos de escritores consagrados;
e (importante !)
· obras de escritoras(mulheres) que inauguraram e fizeram uma ‘literatura feminina’, envolvendo questões, sentimentos e comportamento da mulher

a par de cânones – quaisquer que sejam os critérios pelos quais os se definam --estarão aqui aqueles esquecidos pela historiografia literária e pela crítica, ainda que tenham sido consagrados pelo público de suas respectivas épocas, aqueles que evoquem temas atuais e sejam polêmicos mesmo para os padrões de hoje, etc etc.

enfim, textos,obras e autores retirados do recôndito da... caixa de Pandora.

tenho o objetivo explícito de atingir todo tipo de público, é claro, mas irei me dirigir principalmente às pessoas interessadas, em sua essência, na literatura .isso é primordial.

►sem deixar de dizer que quero, sim, poder contribuir para a formação didática e paradidática de muita gente e conferir a este espaço um cunho de utilidade educacional..

pretensão em demasia ? talvez – mas desprovida daquelas empáfia e jactância detestáveis que tornam as melhores intenções repulsivas.
no final das contas este espaço lhes será útil e dele gostarão. assim espero e me esforçarei por servir e agradar a muitos.

quem me ler – e estiver preparado para o abrir da caixa [aberturas de caixas sempre exigem destemor, coragem, por vezes sorte ] -- verá . e viverá num mundo encantado.

sábado, 15 de dezembro de 2007

viva Niemeyer 100 anos !

para não dizer que não se falou de flores e amores, o recorrente "Poema da curva" expressa muito de Niemeyer,arquiteto-poeta de formas e contornos.
Não é o ângulo reto que me atrai,
Nem a linha reta, dura, inflexível criada pelo o homem.
O que me atrai é a curva livre e sensual.
A curva que encontro no curso sinuoso dos nossos rios,
nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida.
De curvas é feito todo o universo,
O universo curvo de Einstein .

mas há mais -- um 'dedinho' de prosa de Niemeyer :
Uma vez eu tive um sonho, eu sonhei que o Rio de Janeiro não tinha sido ocupado. Que a cidade tinha crescido mais junto aos morros entrando pelo interior. Então que eu tinha chegado na janela e tinha visto o mesmo panorama que o Cabral viu quando chegou, não é? A natureza fantástica, aquilo tudo, os pássaros, os bichos. E a cidade recuada olhando isso de longe. Seria um paraíso assim guardado no tempo né? Por isso é que um dia o Sartre disse: quem sabe que o mundo não seria melhor sem os homens.”

"O importante pra nós em todos os sentidos é a liberdade. Tem que haver fantasia, tem que haver uma solução diferente. Isso é que é importante na arquitetura. O que vai ficar da arquitetura, o que ficou, não foram as pequenas casas, muito bem tratadas...Foram as catedrais, foram as "voutes", foram os grandes balanços, né? Beleza é importante. Você vê as pirâmides... uma coisa sem menor sentido, mas são tão bonitas, são tão monumentais que a gente esquece a razão das pirâmides e se admira, né? Se você ficar preocupado só com a função, fica uma merda.”

Todos temos dentro de nós um ser oculto, que nos leva pra um lado ou pra outro. O meu é esse: ele gosta das coisas, ele gosta de mulher, gosta de se divertir, gosta de chorar, se preocupa com a vida. É um sujeito complicado, não é? E nós não somos responsáveis em parte pelas nossas qualidades e defeitos. O sujeito nasce branco, preto, amarelo, azul, rico, pobre, inteligente. Então a gente tem que aceitar as pessoas como elas são. De modo que quando eu vejo uma pessoa, eu sempre digo: é feito uma casa, uma casa que a gente pode pintar, consertar o telhado, as paredes, mas se o projeto for ruim, fica sempre a deficiência.”

"Eu sou pessoalmente pessimista. Eu tô na linha dos velhos pessimistas. Eu acho que a vida é um minuto. O ser humano completamente desprezado, nasce e morre. Então o sujeito tem que olhar pro céu e sentir que é pequenino, que tem que ser modesto, que nada é importante. A vida é um sopro, um minuto. Então não há razão pra esse ódio todo.“Eu acho que tudo vai desaparecer. O tempo cósmico é muito curto. Me perguntaram outro dia: “o senhor não tem prazer em saber que mais tarde o sujeito vai passar e ver o trabalho que você fez”? Ah, mais tarde o sujeito vai desaparecer também. É a evolução da natureza. Tudo nasce e acaba. O tempo que isso vai perdurar é relativo.“ “Você olha pro céu e fica espantado. É um universo fantástico que nos humilha e a gente não pode usufruir nada. A gente fica espantado é com a força da inteligência do ser humano, que nasceu feito um animal qualquer, e hoje pensa, daqui a pouco está andando pelas estrelas, conversando com os outros seres humanos que estão por essas galáxias aí. Mas no fim, a resposta de tudo isso é isso: nasceu, morreu: danou-se.

a esperança não é "a última que morre", a esperança é imortal



Caixa de Pandora é uma expressão utilizada para designar qualquer coisa que incita a curiosidade mas que é preferível não tocar , cuja origem está no mito grego da primeira mulher, Pandora, que por ordem dos deuses abriu um recipiente (diz-se ter sido ora uma panela, ora um jarro, um vaso, ou uma caixa tal como um baú…) onde se encontravam todos os males que desde então se abateram sobre a humanidade, permanecendo no fundo do recipiente somente aquele que destruiria a esperança.Pandora seria assim a mulher criada por Zeus como punição aos homens pela ousadia do titã Prometeu em roubar aos céus o segredo do fogo.Em sua criação os vários deuses colaboraram com partes; Hefestos moldou sua forma a partir de argila, Afrodite deu-lhe beleza, Apolo deu-lhe talento musical, Deméter ensinou-lhe a colheita, Atena deu-lhe habilidade manual, Poseidon deu-lhe um colar de pérolas e a certeza de não se afogar, e Zeus deu-lhe uma série de características pessoais, além de uma caixa, a caixa de Pandora.

…Filho de Jápeto, sobre todos hábil em suas tramas, apraz-te de furtar o fogo fraudando-me as entranhas; grande praga para ti e para os homens vindouros! Para esse lugar do fogo eu darei um mal e todos se alegrarão no ânimo, mimando muito este mal’. Disse assim e gargalhou o pai dos homens e os deuses; ordenou então ao início Hefesto muito velozmente terra à água misturar e aí pôr humana voz e força, e assemelhar de rosto às deusas imortais esta bela e deleitável forma de virgem; e a Atena ensinar os trabalhos, o polideláleo tecido tecer; e à áurea Afrodite à volta da cabeça verter graça, terrível desejo e preocupações devoradoras de membros. Aí pôr espírito de cão e dissimulada conduta determinou ele a Hermes Mensageiro Argifonte. Assim disse e obedeceram Zeus Cronida Rei. …Fala o arauto dos deuses aí pôs e a esta mulher chamou Pandora, porque todos os que têm olímpia morada deram-lhe um dom, um mal aos homens que comem pão. E quando terminou o íngreme invencível ardil, a Epimeteu o pai enviou o ínclito Argifonte veloz mensageiro dos deuses, o dom levando; Epimeteu não pensou no que Prometeu lhe dissera jamais dom do Olímpio Zeus aceitar, mas que logo o devolvesse para mal nenhum nascer aos homens mortais. Depois de aceitar, sofrendo o mal, ele compreendeu. Antes vivia sobre a terra a grei dos humanos a recato dos males, dos difíceis trabalhos, das terríveis doenças que ao homem põe fim; mas a mulher, a grande tampa do jarro alçado, dispersou-os e para os homens tramou tristes pesares. Sozinha, ali, a Expectação em indestrutível morada abaixo da bordas restou e para fora não voou, pois antes repôs ela a tampa no jarro, por desígnios de Zeus porta-égide, o agrega-nuvens. Mas outros mil pesares erram entre os homens; plena de males, a terra, pleno, o mar; doenças aos homens, de dia e de noite, vão e vêm, espontâneas, levando males aos mortais, em silêncio, pois o tramante Zeus a voz lhes tirou. Da inteligência de Zeus não há como escapar!...