domingo, 19 de maio de 2013

Lima, Machado : Diferentes,divergentes -- mas próximos, muito próximos

para encerrar a 'Semana LIMA BARRETO(13.05.1881)'
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Diferentes,divergentes -- mas próximos, muito próximos

Lima Barreto e Machado de Assis, verdadeiros, natos, parentes literários. Po-los ‘frente a frente’, vis a vis, qual espelhos paralelos, .exibir seus elementos em comum – que existem,e significativos -- mas também e em especial suas diferenças – que são marcantes -- é o que se propõe neste estudo.
 Mais do que dois grandes escritores, dois epígonos da literatura brasileira, essencialmente semelhantes  em concepções filosóficas, temas, influências, pontos de vista – ainda que sob formas,modos e discursos distintos. De modo convergente, mas de forma e modo divergentes, analisaram os cenários políticos, históricos, institucionais,sociais,culturais de suas épocas e a existência do homem – importando menos o tipo diverso de sociedade em que viveram do que a similitude de seus procedimentos e o modo de observar as reações dos indivíduos entre si.: Machado, privilegiando as nuances, dissecando-o em sua essência,revelando sutilezas, contradições e ambigüidades psicológicas; Lima, sem linhas e focos enviezados, desnudando suas fraquezas, insuficiências, submissões, condições sociais.
Ambos muito próximos de várias maneiras – ainda que bastante diferentes. Resisto (mas não de todo, até porque bastante sedutora...) à tentação de insinuar uma especulação literária-filosófica-ideológica a partir de suas similares origens – étnicas e sociais – face ao mundo em que viveram, almejaram e que Machado conquistou, Lima não. Simetria e paralelismo social os criaram em ambientes que não os dominantes, os colocaram em situação inicial desfavorável e os elevaram, não sem esforços e afinco idealístico, ambiciosos, plena e lucidamente conscientes de seus talentos e méritos, desejosos de superação e ascensão – muito mais em Machado do que em Lima -- mas gradativamente tomados, ambos em igual teor, pelo ceticismo, pelo desencanto,pela desilusão , progressivamente se afastando das convivências, do ambiente social dominante , se isolando, a observarem, cada um a seu tempo e modo, a dissolvência de mundos vinculados e correlatos – Machado, com serenidade e conciliação; Lima, com a consciência convulsiva da ‘automarginalização’.
Claro que aproximar o criador de Policarpo Quaresma do autor de Dom Casmurro é tarefa audaciosa, a exigir cuidados especiais e um trabalho de profundidade. A começar por tentar estabelecer paralelismos e confrontos entre um escritor do século XIX e outro do século XX, como que o transplantar (ou ‘transcorrer’ temporalmente) -- mas com a certeza de que,em se tratando de Machado, seria\é possível , tão lúcido,anunciador, antecipador como era, desconfiando e denunciando ainda nos oitocentos a sociedade fragmentada, desequilibrada, injusta, que existia e,pior, se projetava para o século seguinte – na qual Lima viveria e se debateria, com sofrimento e agressividade, veemente e vigoroso no discurso militante. Nessa linha e raciocínio, não temo errar: Machado de Assis precursor de Lima Barreto – unidos historica e indissoluvelmente, escritores do fim de um século e do começo de outro, da passagem do XIX ao XX. Ambos pouco,ou quase nada, crédulos do progresso, da ciência, da razão, descrentes das transformações e das reformas, anunciadas e nunca efetivamente realizadas; ambos denunciando as formas vigentes e futuras de dominação e injustiça.
Tidos como viventes de dois mundos quase que distintos, distantes, opostos – mas não é tão verdade assim. Sob muitos aspectos não há tanta distância entre as sociedades imperial e republicana do Rio de Janeiro, por extensão do Brasil, entre o boêmio de Todos os Santos e o recluso do Cosme Velho.
Praticamente nada contemporâneos: Machado nascido em 1839, Lima em 1881, só viveram ‘em comum’ por cerca 27 anos; Machado morre em 1908, Lima em 1922 – a considerável diferença no nascimento já não é tanta na morte. Não coincidem os respectivos períodos de vida literária , mas o projeto literário, muito -- tantos os temas em comum: o indivíduo, a vida, a morte, o amor, a mulher, a sociedade, o poder, a injustiça. Porque, assim como Lima, Machado,  embora em outras forma, formato, estilo, linguagem e foco, também fez, a seu modo, da literatura “missão”.
 Por trás das aparências distintas encontram-se afinidades significativas. Socialmente, o ambiente refinado a que Machado se esforçou para ascender espelha-se e é revertido no ambiente rude em que Lima cresceu e optou conscientemente por viver. Cultural, filosófica e ideologicamente, Machado ‘infiltrado’ no estamento social e político dominante para dissecá-lo, denunciá-lo, miná-lo pela ironia menipéica, pela sátira sarcástica, retrata os poderosos, os esnobes, os inúteis,os ociosos, os tolos; Lima, ‘automarginalizado’ do sistema social e econômico para criticá-lo,rejeitá-lo,repudiá-lo pelo discurso militante, pelo grito panfletário, mas da mesma forma pela ironia satírica, pela alegoria sarcástica, desenha os dominadores,os títeres, os opressores, os oprimidos,os ridículos.
Machado, testemunha do crepúsculo do Império e o estertor da escravidão, bem como o alvorecer da República – conservado,imune, o patriarcalismo; Lima, vivente do ascenso de um novo regime, a sedimentação do patrimonialismo, o fortalecimento do poder – mantido,intocável,o patriarcalismo. Em Machado, a dissolução de um mundo já esvaziado das formas de prestígio tradicionais, receptáculo de forças novas e estranhas, uma dinâmica desconhecida e inquietante; em Lima, a formação de um mundo carregado de novas relações e padrões, pleno de forças avassaladoras, a eclosão de uma opressiva dinâmica.
Em Lima Barreto, a tirania republicana-aristocrática-burguesa assoma nos ideais de modernização e progresso, do mesmo modo que em Machado de Assis a violência escravocrata se infiltra capilarmente na elegância e nos bons modos da sociedade oitocentista – provocando em ambos a necessidade, obrigatoriedade de uma espécie de desagravo, que um procura camuflar com o tom ameno e prosaico de sua escrita, o outro ao contrário, denuncia incondicionalmente com vigor e acidez.
Machado, retratista dos proprietários, dos que vivem de renda, dos senhores e patrões, dos elegantes e aristocratas, dos fúteis e fugazes poetas, literatos e artistas,também dos serviçais, dos agregados, dos inquilinos; Lima, desenhista dos bovaristas, dos arrivistas, dos despossuídos, dos espoliados, dos destituídos, dos doutores, dos falsos sábios, dos nefelibatas. Ambos, acima de tudo,dois grandes comentaristas da espécie e da condição humanas : não tanto o indíviduo isolado, mas sua conduta social e sobretudo a sociedade que os abrigava.
Como a literatura capta muito – ou tudo -- da realidade social, tanto em Lima como em Machado é possível encontrar manifestações de um mesmo processo com efeitos diversos e característicos - um denominador comum, uma linha de continuidade, nos contos e nos romances, nas crônicas e nos artigos. Em contato, ou em confronto, as respectivas obras exibem processos similares e relacionados, cada um se revelando e desdobrando no outro, como  espelhos que se refletissem. Os elementos, vetores e forças que atuam nas obras de Lima e de Machado exprimem e expõem um mesmo movimento recorrente, um ritmo cíclico, o percurso da realidade à fantasia, e vice-versa, da ilusão à desilusão, por via da política e da história, do amor e do sentimento, da memória e da reflexão, com os recursos do humor e da ironia (crítica).
Ambos perceberam nitidamente que os efeitos nunca se desvinculam das causas, e isso presente e atuante em suas obras, coerente com suas respectivas origens, vivência e estratificação social. No universo autoral de Lima e Machado, política, história e sociedade estão intensamente presentes – intimamente  entranhadas em muitas situações ficcionais e em praticamente todas nãoficcionais, a impulsionarem enredos, monitorarem a escrita, situarem-nos em seus respectivos contextos históricos.
Três esferas que se integram, se intertextualizam, se interativam e desdobram-se,fragmentam-se em correlações estruturais, conferem o tom geral a suas obras e suas linhas narrativas e temáticas mais intensas. Esferas capitais que condicionam e determinam a existência do indivíduo no ambiente social de suas épocas, inclusive fazendo-o ter de utilizar artifícios de compensação para superar as adversidades que lhe são impostas. Esferas tão dominantes, quase onipresentes, indispensáveis, inevitáveis, imprescindíveis para as próprias essências, viços e grandiosidade das respectivas obras. Desde o início, a experiência autoral forneceu a Lima e a Machado a percepção da correlação estrutural dessas esferas e da sua funcionalidade histórica e literária, perceberam como uma se prolongava na outra, como se articulavam em um equilíbrio dinâmico e renovável., nelas se dando exemplarmente as interações entre indivíduo e sociedade.
Ao dotarem suas obras desses elementos, nitidamente compatíveis e associados, nada mais fizeram do que esclarecer no plano da literatura as exigências que as sociedades em crise de seus respectivos tempos demandavam às condutas interior e exterior dos indivíduos e ao modo como estes reagiam. Ambos se tornaram mestres em construir, flagrar e analisar a complementaridade e a intercambialidade intrínseca desse processo – a política reflexo da história, uma e outra determinante dos rumos da sociedade.
Sob tais esferas, em Lima o estilo e linguagem vibrantes, pulsantes, irregulares em seu ritmo discursivo, contra os padrões, as normas, as convenções,destoante do ambiente cultural de seu tempo, atentória à prática textual aristocrática de então, sem subterfúgios ou camuflagens. Contraposto a  Machado, de escrita fina, equilibrada, a prosa elegante, algo refinada, sob os ritos do respeitável e por todos aceita, obedecendo aparentemente as convenções da sociedade – algo aqui e ali sutilmente desobediente, ‘subversivo’ -- mas feita também de silêncios e cesuras, de não-ditos e reticências.
Por meio dessas esferas que se explicam de forma recíproca, Lima e Machado puderam observar a grande mutação histórica do país de um século para outro e suas ação e conseqüências na existência, vida e interioridade, do indivíduo. Diferentes, nos dois, os enfoques, ou focos, ou oscilações, entre mundo exterior e interior – mas em comum ambos retratam o exterior (o meio, a sociedade, a realidade), a partir do interior (o indivíduo, a pessoa, a mulher).
Em ambos, malgrado os subterfúgios machadianos, a obra dotada e fadada a ostentar sólidas conotações política e social.: Lima, colocado literariamente sob um regime autoritário, a aristocracia em relativo declínio integrada a uma ascendente burguesia, despótica, que se diz progressista,.utiliza o discurso franco e forte, algo panfletário, acoplado ao alegórico a que se liga o simulacro; Machado, posto literariamente no horizonte do mundo patriarcal , familial e escravocrata, vale-se do ceticismo e da ironia, do subterfúgio, de disfarces e dissimulações.
Na seara ficcional, mister observar a figura feminina em um e em outro. Em ambos, irrestritos defensores dos direitos femininos de toda ordem, aparecem mulheres notáveis; em ambos, quase todas elas superiores aos homens: em Lima, se dependentes dos homens e submissas ao casamento e à moral que lhe era imposta pela sociedade, carentes de educação e oportunidades profissionais, são muito mais fortes, em sua maioria ostentam atitude e comportamento progressistas,avançados; em Machado, sem serem propriamente heróicas, edificantes ou modelares, são marcantes, mesmo quando fúteis,frívolas, volúveis.
Entre elas, e entre personagens masculinos, diálogos e relações possíveis,  bastante plausível uma conversibilidade entre personagens – a ficção de um e de outro, em confronto, permitem especular: Olga e Capitu, Clara dos Anjos e Virginia, Edgarda e Sofia, Cló e Flora, Adélia e Marcela, a Lívia barretiana e a Lívia machadiana. Tudo indica que Gonzaga de Sá, por exemplo, veria Aires; Policarpo Quaresma ficaria satisfeito em conversar com Quincas Borba; Numa e Brás Cubas,parceiros e cúmplices, trocariam confidências indiscretas, compartilhariam amantes, tramariam ações escusas. .
 De modo geral, os personagens de Lima e Machado se não freqüentam, em tempos diferentes, os mesmos tipos de ambientes sociais – é claro poder-se afirmar que transitam pela seara comum da ficção literária – circulam, nas respectivas em épocas distintas, por um mesmo cenário urbano : a cidade do Rio de Janeiro, Lima e seus “amados subúrbios” (crítico das áreas nobres,em especial Botafogo) , Machado e o Centro e certos bairros da hoje zona sul. A cidade carioca, espaço geográfico inerente a um e a outro autor, revelando semelhanças e similaridades, convergências e confluências, identificabilidades e igualações.
Incontestável, que a par do parentesco literário, de pontos e elementos em comum, persistem neles diferenças e divergências, contrastes e confrontos – os quais, reflitamos, poderiam menos desmentir um Lima oposto de Machado, e vice-versa, e mais uma complementaridade. Sob tal ótica e lente, procurei encontrar em Lima e Machado possíveis e plausíveis conexões dessa complementaridade lastreada na convergência das divergências – ou valendo-se da expressão do compositor popular, nos reflexos ‘do avesso do avesso do avesso’.



-- a significância de "Clara dos Anjos" na obra e na 'ideologia literária' barretiana

ainda pela 'Semana LIMA BARRETO (13.05.1881)'
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-Inflexão e definição de rumo literário de Lima Barreto : intextualidades entre "Clara dos Anjos", Isaias Caminha e Gonzaga de Sá

"Clara dos Anjos" é, per se, uma das mais importantes obras de Lima, de relevância ímpar – não (apenas) por ser sua primeira obra ficcional, mas por simplesmente representar, emblematizar e sintetizar a própria evolução literária barretiana (também o há em Lima—‘a la’ Machado,- nada sendo estanque ou isolado em sua produção ficcional, uma obra se sucedendo e integrando a outra,temática e tramaticamente :no caso específico, “Clara dos Anjos” no epicentro,em torno dela gravitando os romances seguintes) e constituir  um marco a determinar o rumo imprimido à sua ficção .
“Clara dos Anjos” aparece na obra ficcional de Lima Barreto, sob o mesmo título, em três versões, defasadas no tempo, e distintas entre si,nem tanto pelo enredo em si,este mantido essencialmente o mesmo (a mulata, de família humilde, no subúrbio do Rio de Janeiro,seduzida pelo homem branco e depois abandonada) mas pelos focos e enfoques temáticos que Lima imprimiu ao longo do tempo. A primeira versão é de 1904, um romance inacabado, com apenas quatro capítulos, inserido em Diário íntimo (depois da sedução, Clara, desonrada, é explorada por vários homens); a segunda, um conto publicado em 1919 e incluído na coletânea Histórias e sonhos (depois de seduzida, Clara assume sua desonra e leva a vida melancólica e pobre); a terceira, um romance ‘acabado’ (a narrativa centraliza-se nos mínimos detalhes da sedução), escrito entre dezembro 1921  e janeiro 1922, veiculado postumamente em 1923-34, em folhetins na Revista Souza Cruz.e publicado em livro somente em 1947 – sua derradeira obra fechando assim o ciclo ficcional do escritor.
As diferenças marcantes e importantes de uma versão para outra residem nos desvios de enfoques adotados por Lima – o que aponta mudanças em seu pensamento e sua ‘estética literária’ no decorrer dos anos: do foco sobre a situação dos negros na cidade do Rio,em 1904, ao foco menos projetado sobre a questão racial e mais enfático à miséria e injustiça social como um todo,independente de raça, sob cunho ‘romanesco’, o autor ressaltando os aspectos e o teor trágico que aflige indistintamente homens e mulheres desgraçados pela miséria, em 1921-22 – valendo observar,nesse sentido, uma diferença no tratamento dado por Lima ao trágico, sempre recusado por ele ,e assumido na obra derradeira. Da conotação eminentemente social-racial do primeiro texto a múltiplas conotações social,econômico e psicológico no último -- ainda que discriminação e preconceito raciais sejam elementos constantes em toda sua ficção.
“Clara dos Anjos” em suas três versões expressa crucial desvio de uma intenção inicial de enfoque temático nas questões de negritude e situação do negro no país – a concepção inicial da novela e o projeto historicista de elaboração de uma “História da escravidão no Brasil” -- para o romanesco,mas de cunho político,com foco no cenário institucional e na sociedade brasileiros (assim foi nos romances que vieram depois e nos contos).
Guinada que já se manifesta, de resto, em "Recordações do escrivão Isaias Caminha", também elaborado em 1904, e finalizado em 1905 -- assim como no romance "Vida e morte de M.J. Gonzaga de Sá",cuja composição se deu em paralelo, durante o mesmo período, ambos carregados de muitas intertextualidades temáticas (e filosófico-ideológicas). Lima [por razões que ora eu estudo] preferiu priorizar a publicação de "Isaias Caminha" , somente publicando "Gonzaga de Sá" em 1919(inclusive por insistência de Monteiro Lobato, que o editou ); vale dizer: Lima abandonou o projeto de romance histórico sobre a escravidão no Brasil para assumir a observação crítica, demolidora, da vida política e institucional inerentes à República – dela tornando-se ‘arqui-crítico’: o romance inacabado de 1904 (“Clara dos Anjos”)como que prepara os romances de 1905 (Isaias Caminha e Gonzaga de Sá) – no primeiro, da idéia inicial de obra sobre preconceito racial a obra psicológica,existencial, de obra denunciadora de discriminação social-racial a obra crítica-satírica ao mundo jornalístico e literário (trata-se na verdade de exemplo típico da “falácia intencional”,conforme o conceito cunhado pelo crítico francês Pierre Macherey em sua obra Pour une théorie de la production littéraire : intenções e decisões preliminares e apriorísticas do autor ao conceber uma obra podem não prevalecer e serem alteradas na confecção mesma da narrativa – como que o autor ‘descobrisse’ sua história ; na construção ficcional tanto de “Clara dos Anjos”, em suas três versões, como de "Isaias Caminha" --- e de" Gonzaga de Sá" -- Lima ‘descobriu’ o caminho a seguir em sua ficção.).O desvio da concepção original de “Clara dos Anjos para a narrativa que iria preponderar em Isaias Caminha e em Gonzaga de Sá forma o caminho que seguiria a partir daí até o fim da (curta) vida literária.
“Clara dos Anjos” (e em sua ‘esteira’, "Isaias Caminha" e "Gonzaga de Sá"),mais do que a evolução literária sintetiza a própria evolução filosófico-ideológica de Lima Barreto -- e aqui, essencialmente no desvio do foco étnico em favor do mundo romanesco,sem no entanto valer-se da superficialidade ou da “palavra oca,inócua”, deve-se apor a esse processo a insofismável conotação tolstoiana (de Tolstoi,e seu célebre ensaio "O que é a Arte ?", e a percepção religiosa da arte), de resto a maior,e crucial, influência absorvida por Lima do começo ao fim de sua obra,em especial no que tange à transformação de ideais literários e o imprimir de um novo rumo à sua temática ficcional, e a seus conceito e pregação da “literatura como missão” : mas isso faz parte de outra história...ou outro texto).

domingo, 12 de maio de 2013

"nasci no 13 de maio, por isso sou negro e marginalizado(...)"

a bem da justiça e da riqueza cultural de um país que se pretende civilizado, o Brasil não deve deixar de comemorar o nascimento, em 13 de maio,dia , de um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos – que não chegou a ser um virtuose, mas produziu pelo menos três dos maiores romances da literatura nacional , um número significativo de pequenas obras-primas do conto e um conjunto excepcional de crônicas que representam um retrato da cidade do Rio de Janeiro e do Brasil como nenhum outro construiu em seu tempo; além de memoráveis obras de sátira.
São de Afonso Henriques de Lima Barreto (13.05.1881/01.11.1922) os três romances ímpares – Recordações do escrivão Isaias Caminha (1909)-- no ano presente, centenário de sua publicação em livro -- Triste fim de Policarpo Quaresma (1911), Vida e morte de M.J. Gonzaga de Sá (1919); saíram de sua pena muitas obras-primas contísticas-- como “O homem que sabia javanês”, “A nova Califórnia”, “A sombra do Romariz”, “O moleque”, “O número da sepultura”, “A biblioteca”, a série (quase inédita) “contos argelinos”, um conjunto (também semi-inédito) ‘contos políticos’ -- e as vigorosas crônicas publicadas em inúmeros jornais e revistas -- abrigadas nas coletâneas póstumas Bagatelas (1923),Feiras e mafuás (1953), Marginalia (1953),Vida urbana (1953) ; além de duas marcantes novelas --Numa e a ninfa (1915) ; Clara dos Anjos(1948) -- memoráveis obras de sátira – Aventuras do dr. Bogoloff (1912), Os Bruzundangas (1922) e Coisas do Reino de Jambon (1952) – memorialística -- Diário íntimo (1953) e O cemitério dos vivos (1953) -- e de crítica literária --Impressões de leitura (1953).
Tanto na ficção quanto na obra não-ficcional, virtuose não podia ser, porquanto a par de outros aspectos — um deles, criticado que foi por alguns (incautos) por força de um “estilo desleixado” e um texto “cheio de erros gramaticais”(sic) — era conscientemente praticante de uma escrita diferenciada de seus pares, até porque ele mesmo diferenciado literária,ideológica e socialmente de seus contemporâneos. Seus textos são exemplos de relações e interações entre modos tradicionais de narrar e as especificidades da escrita moderna : com seu estilo simples, direto e objetivo, que feria o convencionalismo literário da época, impregnado de falsas concepções estéticas, floreios , etc ,impôs os prenúncios do Modernismo logo a seguir irrompante na cultura brasileira, cujos primeiros elementos e formas apareceram justamente pela linguagem típica da escrita barretiana -- tanto que foi reverenciado, à época, pelos modernistas e hoje consagrado como um renovador (revolucionário) e autêntico formulador da linguagem literária brasileira que atravessou o século XX e tem sua expressão contemporânea no que se faz hoje na ficção urbana.
A problemática existencial de Lima Barreto, marcada sobretudo pela origem negra e pobre e por dramas familiares, enfim pela marginalidade, formaram, sedimentaram e conduziram sem dúvida o espírito de intelectual combativo,engajado, consciente ,atuante, fazendo-o destoar do cenário literário de seu tempo e forjaram uma temática ficcional e uma forma literária que rompe com os cânones da escrita de então. O tom de denúncia conferido por ele à sua literatura emerge com muita intensidade e frequência em todos seus textos , seja nos romances e contos seja nas crônica --- tematizantes em sua essência da discriminação racial e social, o preconceito de cor, o vazio moral, intelectual e ético dos políticos, a ganância e a ambição, o arrivismo, o bovarismo, a miséria e a opressão social .
Nos artigos e crônicas,nos romances e nos contos, Lima Barreto é um dos mais profícuos e instigantes analistas da realidade brasileira. Sua obra ficcional e não-ficcional desenvolvem-se em torno de cinco eixos temáticos : a política; a mulher; o cotidiano da cidade; o subúrbio; a vida literária – mas com um tema nuclear : o poder e seus efeitos discricionários — o poder visto e descrito por ele como “o variado conjunto de elementos, vetores e procedimentos encadeados no interior da sociedade, compondo grandes e pequenas cadeias, visíveis e invisíveis, tendentes a restringir e constringir o pensamento dos homens, coibindo-lhes as possibilidades de afirmação, pessoal, cultural, profissional, social, e a justa inserção social”.
Na ficção ,poucos, na literatura brasileira – nem mesmo Machado de Assis-- criaram e apresentaram um elenco de personagens tão variado e vasto – homens e mulheres despojados pela sorte, políticos empenhados unicamente com o poder , pseudo- intelectuais abarrotados de retórica e voltados para a futilidade, militares crentes da própria infabilidade e “ignorantes das coisas da guerra”, os donos de jornais venais e corruptos, os magnatas, banqueiros, empresários, fazendeiros do café, os burocratas ,pequenos burgueses, arrivistas,charlatães,almofadinhas, melindrosas,aristocratas, gente do subúrbio, operários, artesãos, vadios, mendigos,bêbados, meliantes, prostitutas,mandriões,subempregados, artistas, coristas, alcoviteiras, funcionários, moças casadoiras, noivas, solteironas, loucos, adúlteros, agitadores, usurários, estrangeiros.Sobretudo procurando dar voz e vida aos “humilhados e ofendidos”, aos excluídos sociais ,em especial ao negro : falava sempre em escrever “a História da Escravidão Negra no Brasil e sua influência em nossa nacionalidade” – que no entanto ficou apenas no projeto ; pensou também num romance descrevendo “a vida e o trabalho dos negros numa fazenda... uma espécie de Germinal negro [ referência à famosa obra de Èmile Zola], com mais psicologia especial e maior sopro de epopéia”, sustentando que seria sua “obra-prima” com a qual introduziria na literatura brasileira uma nova escola, o “negrismo”—que não levou adiante; mas em 1903 escreveu uma peça teatral em um ato, “Os negros”, que permanece praticamente inédita [oportunamente a publicaremos neste espaço, o que se constituirá em empreendimento histórico]. Esses ideais e projetos na verdade iriam em parte consubstanciar-se no romance que começou a escrever em 1904, “Clara dos Anjos” – originado do conto com mesmo título – não concluído e que veio a ser publicado postumamente (1948) como novela inacabada : nela, expõe como tema a humilhação não apenas da mulher mas de toda a população negra do Brasil – exatamente no dia 13 de maio a mulata Clara é seduzida e deflorada por um rapaz branco que recusa casar e a abandona ...
A Lima Barreto cabe o mérito de ter introduzido na literatura brasileira, de forma contundente,incisiva, consistente – como nem os autores do Realismo o fizeram – a temática social de modo crítico. O caráter militante de sua literatura adquire funções revolucionárias –inclusive tendo ele,ideologicamente se manifestado como um “maximalista”,que equivalia à época ser um misto de anarquista e socialista (em algumas crônicas enalteceu a Revolução Russa de 1917 e o novo regime implantado) – sua escrita combativa utiliza-se da ficção como meio de expressar os problemas sociais que enxerga na sociedade brasileira, especialmente na ordem republicana.
A rigor e na essência, Lima Barreto sempre tratou mais de política do que qualquer outro tema: ninguém como ele, em seu tempo, escreveu tanto sobre o tema e,por extensão, sobre questões sociais . Sua ‘literatura militante’, assim por ele definida, determina o caráter marginal de sua obra ; sua visão crítica da sociedade o fez enveredar concreta e irreversivelmente no caminho da luta social; nos jornais e revistas investiu contra todos os signos do poder, nos textos ficcionais denunciou as profundas injustiças da sociedade brasileira. As colaborações para revistas e jornais ‘alternativos’ da época, oposicionistas -- O Debate, O Careta, A Lanterna,
Rio-Jornal,A .B . C., Hoje -- constituem o conjunto de maior teor explícito de crítica política e social aos problemas do País e à República, da qual se fez opositor irascível e irreversível, implacável e demolidor : utilizando os recursos da sátira, da ironia, da caricatura, da crítica contundente, desmontou todo o esquema de sustentação do regime republicano recém-implantado. Crítico intransigente dos presidentes republicanos, da intervenção dos militares na política , de formas de governo autoritário e ultracentralizado ,de todo e qualquer tipo de violência na sociedade, das ideologias intolerantes , não se cansou de causticar por toda sua obra as mazelas do governo republicano, o grau de corrupção política e econômica que empestava o regime .
Ao mesmo tempo, nunca silencioso sobre seu tempo, Lima Barreto não poderia pois ficar alheio à situação da mulher na realidade social brasileira do início do século XX, época de tantas e profundas transformações na sociedade. Sempre deu à mulher espaço significativo em sua obra não-ficcional e ficcional. Retratou-a e a fez protagonista nos romances e novelas — haja visto Olga e Edgarda em Triste fim de Policarpo Quaresma; Clara e Castorina em Clara dos Anjos; Efigênia em O cemitério dos vivos; Cecília em Diário íntimo , Edgard e Ângela em Numa e a ninfa — e em contos como “Um especialista”, “O filho da Gabriela”,”Um e outro”,”Miss Edith e seu tio”,”Cló”,”Adélia”,”Lívia”,”Clara dos Anjos”,”Uma vagabunda”,”Uma conversa vulgar”,”O número da sepultura”,”Quase ela deu o sim, mas...”,”Numa e a ninfa”,”A cartomante”,”O cemitério”,”Na janela”, “A mulher do Anacleto” : em todos, as mulheres têm sempre atitudes e comportamento progressista e são superiores aos maridos.Em artigos e crônicas ,apontamentos e notas, comenta a situação da mulher perante o casamento, a moral que lhe é imposta pelos códigos sociais, o mundo da prostituição , as oportunidades educacionais e profissionais,os direitos femininos, o feminismo e o início do movimento feminista no Brasil, o voto feminino,a literatura feminina, a desigualdade de julgamento nos casos de adultério (célebres – e vigorosos -- são seus textos de protesto contra a absolvição de homens em casos de crimes de uxoricídio nos quais eram evocados o indefectível ‘legítima defesa da honra’...).
Em outro viés, no cotidiano da cidade, estão suas tiritatibes ficcionais e não-ficcionais contra a modernização, a reforma urbana, o cinema, o carnaval e sobretudo futebol — visto por ele como ‘instrumento e meio de estrangeirismo’, de assimilação de elementos, valores e hábitos copiados em prol de uma “pretensa,falsa, artificial e detestável progresso bem a gosto desta República de bacharéis e aristocratas”.

Não mais fosse por outros argumentos, mormente por motivos ideológicos, foi criticado (por vezes e por alguns ainda é) pelas “imperfeições de estilo” e pelo “tom caricatural” com que retrata seus personagens . Os exemplos de “erros gramaticais” apontados em sua obra ficcional não caracterizam necessariamente um desconhecimento das regras do escrever, e sim o que filólogos configuram como “concordância ideológica” : segundo o professor e filólogo Silva Ramos defeitos e irregularidades em Lima Barreto decorrem não de uma ‘imperícia gramatical’ mas provêm de uma escolha feita pelo autor, dentre mais de um processo de expressão,que possibilita a tradução de seu pensamento ou sentimento : não são as palavras, a ordem em que são dispostas que valem, mas as idéias que exprimem, os sentimentos que fazem vibrar. O segundo elemento, que absolutamente implica em ‘superficialidade’ , encontra resposta à altura por parte de Lucia Miguel Pereira , segundo quem Lima Barreto, assim como Machado de Assis, tem sua escrita contística caracterizada por “explorações em profundidade, suas criaturas sempre indagando a existência”.( in Prosa de ficção: de 1870 a 1920 )
Marginalizado por suas origens e condição social, execrado por ser ‘passadista e contrário à modernização’, Lima Barreto enfrentou as marcas de seu tempo e da sociedade brasileira que lhe foi contemporânea .Seu projeto era um projeto para uma vida inteira de militância literária contra o preconceito, mas também “contra os falsos intelectuais, contra um academismo espelhado no modelo europeu, contra uma literatura só de deleite, como ornamento”. Para ele, a literatura era uma verdadeira missão – ideal expresso categoricamente no artigo “Amplius!”., publicado originalmente no primeiro número da Floreal, em 25.10.1907 , depois em A Época, em 18.02.1916, e incorporado como abertura da coletânea de contos Histórias e sonhos ), em que sentenciava : “(...)A literatura do nosso tempo (...)possa ela realizar, pela virtude da forma,(...) a comunhão dos homens de todas as raças e classes, fazendo que todos se compreendam, na infinita dor de serem homens, e se entendam sob o açoite da vida, para maiorglória e perfeição da humanidade. (...).” Conferiu à sua obra o sentido militante de uma “missão social, de contribuir para a felicidade de um povo,de uma nação, da humanidade” – conceito reflexivo de felicidade também exposto nas páginas do romance Vida e morte de M.J.Gonzaga de Sá quando o protagonista conversa com o personagem Augusto Machado :
“(...) Imaginas tu que Mme. Belasman, de Petr6polis, tem um grande joanete, um defeito hediondo, com o qual sobremaneira sofre ; e o operário Felismino, da Mortona, orgulha-se em possuir um filho com talento. ( ... ) à vista disso, poderás dizer que todas as damas de Petr6polis são felizes e os operários da fundição são desgraçados? Há média possível para a felicidade das classes? N6s, os modernos, nos vamos esquecendo que essas hist6rias de classe, de povos, de raças, são tipos de gabinete, fabricados para as necessidades de certos tipos de edifícios l6gicos, mas que fora deles desaparecem completamente ( ... )”

MÃE -- em MACHADO, em ALENCAR

Mãe... por Machado de Assis
justamente sua primeira tradução (Machado foi um senhor tradutor, dos melhores e mais criativos que a literatura brasileira já teve : em sua concepção avançadissima de tradução, praticou ,antecipador, a ‘transcriação’—que somente adquriria ‘status’ contemporâneo com os irmãos Campos...

Minha mãe
(imitação de Cowper *)

Quanto eu, pobre de mim! quanto eu quisera 
Viver feliz com minha mãe tambéml 
C.A.de Sá 

Quem foi que o berço me embalou da infância 
Entre as doçuras que do empíreo vêm? 
E nos beijos de célica fragrância 
Velou meu puro sono? Minha mãe! 
Se devo ter no peito uma lembrança 
É dela que os meus sonhos de criança 
Dourou: - é minha mãe! 

Quem foi que no entoar canções mimosas 
Cheia de um terno amor - anjo do bem 
Minha fronte infantil - encheu de rosas 
De mimosos sorrisos? - Minha mãe! 
Se dentro do meu peito macilento 
O fogo da saudade me arde lento 
É dela: minha mãe. 

Qual anjo que as mãos me uniu outrora 
E as rezas me ensinou que da alma vêm? 
E a imagem me mostrou que o mundo adora, 
E ensinou a adorá-la? - Minha mãe! 
Não devemos nós crer num puro riso 
Desse anjo gentil do paraíso 
Que chama-se uma mãe? 

Por ela rezarei eternamente 
Que ela reza por mim no céu também; 
Nas santas rezas do meu peito ardente 
Repetirei um nome: - minha mãe! 
Se devem louros ter meus cantos d'alma
Oh! do porvir eu trocaria a palma 
Para ter minha mãe! 

[* William Cowper(1731-1800), poeta inglês 
in A Marmota Fluminense,2 setembro 1856]
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Mãe... por José de Alencar

Alencar foi ótimo dramaturgo – criador de 8 peças de alta qualidade e muitas delas carregadas de elementos significativos quanto a questões sociais, morais e psicológicas (teve a peça “As asas de um anjo”,1858, proibida pela censura, considerada “imoral”[sic], três dias após a estréia') : “Verso e reverso”,1857; “O crédito”, 1857; “O demônio familiar”, 1857; “ As asas de um anjo”, 1858; “Mãe”, 1860; “O que é o casamento?”,1861; “A expiação”, 1867; “O jesuíta”, 1875; e a opereta ““A noite de São João”.
[aliás, Alencar – como muito já expus em artigos, ensaios,palestas,entrevistas,etc – é autor que obrigatoriamente requer estudos cada vez maiores, intensos, expansivos e freqüentes, tanto seus inesgotáveis talento e criatividade – e tantas as características absolutamente notáveis (e ‘ousadas’) por exemplo.de seus romances [comentarei isso em outra oportunidade] 

--a peça “Mãe”


http://letterabrasilis.blogspot.com.br/2013/05/mae-de-jose-de-alencar_11.html

segunda-feira, 6 de maio de 2013

A Princesa, como ela era; O cronista, como ele não era


            Isabel Cristina de Bragança e Bourbon (depois unida por casamento a  Gastão de Orléans, conde d'Eu, e originando o nome Orléans e Bragança, exclusivo para seus descendentes), feita princesa Isabel do Brasil  -- retratada por lentes diferentes da ótica comum à historiografia oficial.
       Em O castelo de papel (ed. Rocco, 302 pgs), de Mary del Priore, a última princesa imperial e regente e a primeira senadora do país é mostrada em suas íntimas natureza atitudes e comportamentos, a relação com o conde d'Eu, sobretudo sua real postura pessoal com relação à escravatura e à abolição : quase nada ‘revolucionária’,não a figura progressista, abolicionista, mas uma mulher recatada, dedicada à jardinagem, à família, à religião, até com certo preconceito com relação aos escravos, “uma dona de casa, que se importava com regimes e com o conforto dos filhos".
     Mary é notável em relatos e retratos desse tipo: historiadora emérita – dedicada em especial a estudos sobre o Império brasileiro (autora, entre outras obras, de  A carne e o sangue: a Imperatriz D. Leopoldina, D. Pedro I e Domitila, a Marquesa de Santos;  Histórias íntimas: sexualidade e erotismo na História do Brasil; Condessa de Barral, a paixão do Imperador ; O príncipe maldito ;  História do amor no Brasil ; História das mulheres no Brasil ; Festas e utopias no Brasil colonial) – escritora de largos recursos estilísticos – lastreados em sólido embasamento literário: mesmo suas obras historiográficas guardam nítido,e atraente, estilo descritivo e comentado digno das melhores narrativas literárias (inclusive publica agora sua  primeira ficção, A descoberta do Novo Mundo ) -- foi professora da USP e da PUC-Rio.
                                                                   __________________
 Em torno da literatura e elementos e ‘cousas’ literários (e bibliográficos, editoriais, etc) regozijo-me em manter com Mary -- de minhas mais amáveis e queridas, lúcidas e inteligentes, interlocutoras -- gratificantes diálogos (digitais, vale frisar), que muito me enriquecem.
Este novo livro propicia-me mais uma prazerosa oportunidade de diálogos com ela – e: entre Isabel e ... Machado de Assis.

Isabel, Mary, Machado [e eu]

Em meus estudos machadianos, especificamente nas crônicas identifico e mapeio referências de Machado de Assis a Isabel (quase nada  ao conde d’Eu; muitas e muitas, obviamente, ao imperador Pedro II ).
Uma apreciação acerca de referências a Isabel, à família imperial e ao imperador Pedro II  teria necessariamente de se constituir e desdobrar, como um pano de fundo mais amplo e abrangente, em torno da própria postura, e atitudes, de Machado com relação à Monarquia, ao regime monárquico, ao governo imperial – especialmente aqui examinados sob duas claves,ou crivos, temporais: os anos de 1864 e 1888 . De resto, vieses que se colocam essencialmente no amplo espectro da relação machadiana com a política.  
Como descrevi e enfatizei em meu estudo – a se tornar livro – “Machado de Assis, crônicas: a política, a história brasileira do século XIX”, foi ele ativo observador e intérprete, participante e mesmo atuante, como nenhum escritor de seu tempo,  no que se refere a fatos, temas e questões políticas de seu tempo.
Machado de Assis recebeu indevidamente, numa das mais equivocadas avaliações da literatura brasileira, a pecha de “despolitizado”, “apolítico”, “alheio às questões políticas e sociais de seu tempo”. Ao contrário, foi um lúcido ‘relator’ da história brasileira e um crítico atento e severo da sociedade e das instituições do País: as crônicas  tratando de política,ou a ela se referindo – são 385, cerca de 52% do total das  738 publicadas por ele –  desmistificam taxativamente a injusta,indevida ‘chancela’.
Por meio de sua obra é possível observar a política brasileira da época através dos  olhar, lente e pena machadianos que se dedicaram a retratar, relatar, comentar, criticar ou parodiar, ironizar ou protestar, repudiar ou gracejar tanto os acontecimentos principais como os secundários, tanto os macro como os micro- eventos, tanto a história\vida pública quanto a história\vida privada –  conferindo a ambos a mesma importância e a mesma ‘grandeza’ nas linhas e entrelinhas de suas quase quatro centenas de crônicas tratando de fatos,homens e coisas da política, de que a ele pouco, muito pouco escapou. Seu testemunho croniquesco sobre a vida política do II Reinado e início da República, de  tão precioso e valioso , pode ser dado como indispensável para o conhecimento e interpretação do Brasil oitocentista.
Machado de Assis foi dado como um ‘monarquista liberal’, mas evocado como extremamente “respeitoso” ao imperador (“rei filósofo, de espírito superior, um homem probo, lhano, instruído, patriota” – em crônica de 01.10.1877, na Ilustração Brasileira), por extensão a toda família imperial.
O que não o impedia de, em diversas crônicas, tecer enfáticas, por vezes cáusticas, críticas a atos e decisões, políticas, administrativas, institucionais, econômicas, de Pedro II
Como p.ex. em maio 1863 , quando da decretação da dissolução da Câmara -- o imperador exercendo sua prerrogativa de “poder moderador” --, escrevendo na crônica de 15.05. em O Futuro 
       “Se me fosse dado escrever  uma crônica política, esta seria de todas as minhas crônicas a mais farta e a mais interessante. Com efeito, a situação a que pôs termo o decreto de 12 do corrente [1]marca, na história do Império, um dos mais graves e embaraçosos momentos; e a mais simples exposição do meu pensamento, em relação à gravidade do caso e ao alcance da medida, bastaria para encher o espaço de três crônicas.
       Os ingleses têm, entre outras manias, a mania de grandes e singulares apostas. Não menos ingleses foram muitos dos nossos políticos que, confiado cada qual na sua impressão ou na sua esperança, lançaram-se à aventura e ao azar da fortuna. Qual, apostava cem bilhetes da loteria afirmando a conservação da câmara temporária ; qual, punha a sua fortuna em jogo, se alguém a quisesse aceitar, afirmando a conservação do gabinete; e neste movimento escoaram-se os dias que mediaram entre a abertura do parlamento e a dissolução da Câmara.
       Os mais espertos, dos tais que vivem ... aux dépens de celui qui l' écoute, afirmavam, uns a dissolução, outros o adiamento, outros a queda dos ministros, isto com um ar de iniciados nos segredos de cima, que faria rir ao mais grave e sisudo deste mundo.
      O que é certo é que o ano de 1863 é, e há de ser fecundo em acontecimentos. Aguardemos o que vier, e deixemos a apreciação do decreto de 12 de maio, não sem registrá-lo como uma data de regeneração. (...)”
Ou antes, em janeiro 1859, no artigo “O Jornal e o Livro” no Correio Mercantil (10-12.01) – que a rigor embasa uma explícita postura ideológica relativa à Monarquia (no caso, contrária -- o que contrapõe ao desígnio contumaz de ter sido ele um ‘monarquista liberal’: liberal, sim, monarquista nem tanto....: o notável estudioso machadiano Jean-Michel Massa sustenta significar uma guinada radical, do “outrora convivente com a burguesia e elogioso de seu imperador agora predizendo a queda das realezas”[sic]):
   “[Graças ao jornal] completa-se a emancipação da inteligência e começa a dos povos. O direito da força, o direito da autoridade bastarda consubstanciada nas individualidades dinásticas vai cair. Os reis já não têm púrpura, envolvem-se nas constituições. As constituições são os tratados de paz celebrados entre a potência popular e a potência monárquica(...)”
Ainda para efeito de refletir quanto às relações de Machado com a Monarquia, importante notar, e anotar --  a par do escrito nesse  artigo  sua colaboração ao liberal Jornal do Povo, de vida curta( apenas 5 edições), em 1862 – colaboração efêmera, como a própria existência  do jornal –  certamente por concordar com os perfil,linha e ideologia do jornal, cujo editorial do 1º.  número,   em 07.04, apregoava
       “O povo antes do rei! O direito antes do privilégio! A lei antes da autoridade! No sistema representativo só o povo delega poderes. Todos os poderes são responsáveis perante a nação. Não há poder permanente senão a soberania nacional
e sustentava no 2º. número,  em 12.04
         “O governo paternal do Brasil é uma árvore mancenilha do Oriente. Destrói o que se abriga à sua sombra”
 ontudo, há de se fazer observar o quanto Machado manteve com a República – e antes de sua implantação, com a ‘idéia’ da República – uma relação, via de regra, de crítico ‘sofrido e perplexo’: haja vista um contundente  comentário.“(...)eu peço aos deuses (também creio nos deuses) que afastem do Brasil o sistema republicano porque esse seria o do nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais alumiou(...)”,a acidez de suas crônicas na série “A Semana”, na Gazeta de Notícias, de 1892 a 1900, quando sentia-se extremamente desalentado, desgostoso,em estado  da mais completa desilusão com os rumos da República e as endêmicas manifestações de um cenário de corrupção, inerente, para ele ao próprio regime republicano e seus projetos ‘modernizadores’.
Particularmente a Isabel dedicou várias manifestações de simpatia, a maioria das referências reportam-se ao ano de 1864 – de resto, ano de marcantes fatos nos cenários políticos e institucionais do país e particularmente relevante para Machado --  quando deram-se dois eventos importantes para ela – por extensão para o Império e para o país:  seu aniversário de 18 anos e seu casamento, este em especial recebendo de Machado ‘cobertura’  em algumas crônicas, e – acredito que  desconhecidos,ou pouco conhecidos,até mesmo surpreendentes – dois poemas (na verdade, típicos ‘versos de circunstâncias’) dedicados às núpcias imperiais.
    ⌂ O ano de 1864 foi um período significativamente intenso de fatos de política interior e exterior para o Brasil – todos, sem exceção, em maior ou menor grau, com mais ou menos intensidade e contundência, registrados, retratados, comentados e interpretados por Machado nas  crônicas que publicou no período. Ocorreram significativas trocas de Gabinetes  -- primeiro, em janeiro, ao do conservador Marquês de Olinda sucedeu o do liberal Zacarias de Góis Vasconcelos,que durou apenas até agosto, sob forte oposição parlamentar fomentada por Saldanha Marinho -- diretor do Diário do Rio de Janeiro, onde Machado escrevia, inclusive tecendo  críticas e se opondo a  Zacarias em várias crônicas,também naquelas que publicava na Imprensa Acadêmica ; depois, no final de agosto, para o também liberal  Francisco José Furtado,que durou até maio 1865 – deu-se o rumoroso caso ,na seara econômico-financeira, da falência da casa bancária Souto & Cia,que gerou pânico generalizado e inclusive crise política; ativaram-se as demarches para a célebre Questão Christie, que um anos antes puseram em confronto diplomático e político Brasil e Inglaterra; conflito da mesma natureza irrompido com o Uruguai em decorrência de uma guerra civil  eclodida em 1863 com graves  incidentes com brasileiros residentes; e por fim o aprisionamento, ordenado por Solano Lopez, do navio “Marquês de Olinda” e invasão do Mato Grosso, gestando os elementos  preliminares da Guerra do Paraguai, que se iniciaria em 1865 e geraria decisivas(porque.segundo historiadores, ‘acenderia o rastilho de pólvora que explodiria na implantação da República”) debilidades  política  e econômica do governo imperial.
Vale anotar que 1864  abrigou 25 crônicas de Machado tratando de política, dentro de um conjunto de 57 – basicamente, proporção semelhante à do cômputo geral.
     Para Machado, esse ano situava-se numa espécie de ‘epicentro’ de consciência e pensamento político entre o ápice do engajamento em 1862 -- sob a trajetória iniciada três ou quatro anos antes, ao se agrupar em torno dos portugueses e sobretudo do proscrito francês Charles Ribeyrolles, chegado ao Brasil em junho 1858, trocando “a lira [da produção poética,esta profusa,e da contística romântica dos primeiros anos de produção literária] pela pena de aço,sob o lema do ‘escrever era agir e lutar’”  – e o iniciar da ‘libertação literária’em 1867 – quando da decisão taxativa de dedicação primordial à literatura
      E o ano foi relevante também na seara literária de Machado – tendo como fato  primordial capital a marca-la a publicação de Crisálidas, sua primeira coletânea de poesia.
                                            
Nestes textos, eivados e regados de fartos elogios e enaltecimentos, louvores e saudações, vai se ver – por certo, outra ‘surpresa’ – um Machado essencialmente diferente  dos  estilo,  teor,timbre,tom e tipo que já imprimia a seus textos na imprensa : importante lembrar que em 1864 Machado fez da maioria de suas crônicas ,quer as publicadas na Semana Ilustrada, na Imprensa Acadêmica – de São Paulo – no Diário do Rio de Janeiro, nas quais inclusive o cunho político, de comentários muitos deles críticos sobre política, eram acentuados.
Aparece aqui um Machado, mais do que simpatizante do imperador e da família real, um ‘súdito do Império’,inclusive eivado de patriotismo e espírito de ‘cidadania’. A bem da verdade, patriotismo – um patriotismo com lastros ideológicos e políticos, mister frisar – Machado sempre expressara, em diversas ocasiões, motivos e meios: por exemplo, quando da Questão Christie, 1863(em  crônicas em O Futuro e no Diário do Rio de Janeiro e no poema “Hino Patriótico”,na Semana Ilustrada);  e especialmente quanto à Guerra do Paraguai, enfocada e comentada, em muitas crônicas,desde seus primórdios em 1864 e 1865 (no Diário do Rio de Janeiro) – e muito especificamente ,um atestado de ‘patrotismo ardente’, o poema “A cólera do Império”,1865 -- e no decorrer dos anos de 1866 a 1870 (na Semana Ilustrada).
Não se pode – faço observar de imediato – imputar ao Machado que se lê nas apreciações sobre Isabel, a família real, o casamento, etc  a pecha de ‘chapa branca’, por favor – como a de ‘alienação política’ que nele absurdamente  colaram ...
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 O casamento da princesa imperial era tido como questão política, “um objeto de alta política, um negócio de Estado" – e cerca de dois anos antes já era assunto corrente no  noticiário, de registros prematuros na imprensa : Machado,em janeiro 1862,colaborador do Diário do Rio de Janeiro, com a série “Comentários da Semana”,inclusive de marcante teor político, alude  a artigos escritos por um cronista(que se assinava Scoevola) no Jornal do Commercio.
 7 de janeiro de 1862
DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO - Comentários da Semana[2]
(...)
 Parece que os arautos políticos da parte não oficial do Jornal do Commercio compreenderam bem.a situação, porque, desde então, nenhum mais apareceu no posto do costume. Um dia antes Scoevola havia começado uma série de artigos sobre o casamento da princesa imperial, prometendo discorrer para diante acerca da conveniência de diversos partidos de casamento, que se possam oferecer à herdeira da coroa brasileira. Até agora, nada.
Pois é pena ! Estava divertido com os seus protestos de queimar a mão, e com as mesuras repetidas que fazia diante do augusto assunto de que tratava. A mim, se me afigurou ver o cabeçalho de um Manual de civilidade cortesã.
Valha-os Deus ! Nisto primam eles, e à fé que não é mérito pequeno. Já não é pouco saber um homem como se há de haver nestas contingências e cortesias obrigadas. Pelo menos não se corre o risco daquele fidalgo da sociedade beata de D. João V, de que fala uma biografia-romance, o qual perdera muito no conceito dos seus por ter dado a toalha, em vez das galhetas, ao oficiante a quem servia de acólito.
Esperemos, entretanto, pelo final do discurso de Scoevola, que, como o de Tarquínio, na comédia portuguesa - Roma exige e tem de ser litografado. (...)                                                              M.A
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Em meados de 1864, Isabel completando 18 anos, por incrível que pareça ainda não se sabia ao certo  quem eram os noivos (!) – o que era ‘normal’, corriqueiro em se tratando de casamentos reais, como de praxe arranjados e obedientes a conveniências e necessidades entre as dinastias, as casas reais, as famílias da nobreza.
No caso de Isabel, há uma história – bastante ilustrativa de sua personalidade e determinadas atitudes ( a corroborar, de certo modo, observações  de  Mary del Priore quanto a nuances que apontam uma Isabel diferente da imagem comum e historicamente, até pessoalmente,a ela conferida – inclusive no que a mostra como  alguém “não tão generoso assim...").
Os noivos escolhidos pelos parentes europeus da família real brasileira para Isabel e sua irmão Leopoldina eram respectivamente o príncipe Auguste de Saxe Coburgo Gotha,de 19 anos, e seu primo o príncipe Luis Felipe Maria Fernando Gastão d’Orleans, o conde d’Eu,de 22 anos ; chegados ao Brasil em agosto e apresentados às princesas, foram simplesmente ‘trocados’ como nubentes : de imediato, Isabel externou a preferência,e o reclamou para si, pelo conde d’Eu – e tudo acabou por atender às suas exigências... 
As expectativas, injunções e preparativos para o casamento ocupavam lugar e tempo marcantes tanto na imprensa – e especificamente em crônicas de Machado – como na própria opinião pública.
 1 de maio de 1864
imprensa  acadêmica - Correspondência da Corte [3]
(...)
Já que falo em missão diplomática tocarei em outra de que se fala aqui muito baixinho. Dizem que dentro de pouco tempo estará nomeado embaixador para ir à Europa contratar o casamento da Princesa Imperial. Acrescenta-se que o escolhido será da família dos Coburg-Gotha. Sua Alteza completa dezoito em julho, o que me faz crer que não é verdadeira a parte do boato de que antes dos dezoito anos estará Sua Alteza casada.  Mas, como disse, isto é apenas boato, e como tal o menciono aqui.
(...)

17 de julho  de 1864
imprensa  acadêmica - Correspondência da Imprensa Acadêmica
(...)
Nada se sabe por ora do casamento de nossas augustas princesas. Sua Alteza Dona Leopoldina completa depois de amanhã 17 anos. A princesa Imperial está a fazer 18. Os  casamentos parece que se realizarão, com efeito, em outubro, mas quanto aos augustos noivos reina o mais absoluto silêncio. Todavia, corre o boato de que o Duque de Penthièvre e um Hohenzollern são os escolhidos. Nada se sabe.
(...)                                                                                                                            Sileno
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1 de agosto de 1864
diário   do rio de janeiroAo Acaso[4]
 A semana que findou teve duas festas: uma festa da dinastia, outra da indústria; nacionais ambas; ambas celebradas na quinta do Imperador.
Sua Alteza Imperial completou 18 anos; esta circunstância e a do seu próximo casamento deram ao dia 29 de julho maior importância ainda.
Sua Alteza está moça; chegou à idade em que lhe é preciso observar os acontecimentos, estudar maduramente as instituições, os partidos e os homens; enfim, completar como que praticamente a educação política necessária à elevada posição a que deve assumir mais tarde.
Se a esta circunstância ligarmos outra, a do próximo casamento de Sua Alteza, ter-se-á compreendido a máxima importância do dia 29.
Esta importância nada perde de si diante das instituições que nos regem - apesar de já ir longe o tempo em que o príncipe de Ligne, dizendo-lhe a imperatriz Catarina que ia consultar o seu gabinete, respondia: -- O gabinete de S. Petersburgo, bem sei o que é, vai de uma fonte à outra, e da testa à nuca de Vossa Majestade.
Se hoje não é assim, nem por isso o critério do imperante deixa de tomar parte no desenvolvimento e na prática das instituições.
(...)                                                                                                                          M.A.
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25 de setembro  de 1864
imprensa  acadêmica - Correspondência da Imprensa Acadêmica
(...)
Estão oficialmente pedidas as nossas princesas. Casa S.A. Imperial D. Isabel com o conde d'Eu, e S.A. D. Leopoldina, com o duque de Saxe. O casamento efetua-se a 15 ou 18 de outubro.
Os dois príncipes têm visitado tudo; são infatigáveis, o que vai perfeitamente com o espírito ativo de Sua Majestade o Imperador. O conde d'Eu, sobretudo, tem merecido as simpatias gerais. Supõe-se que D. Fernando vira até cá.
É por ora o que há de mais importante. Se ocorrer alguma coisa antes de partir o vapor ,  aqui lhe direi.
                                                                                                                             Sileno
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27 de setembro  de 1864
diário   do rio de janeiro - Ao Acaso
(...)
Os leitores já sabem que no dia 15 de outubro efetuar-se-á o casamento de S.A. Imperial com o sr. Conde d’Eu. A imprensa já comemorou a escolha do noivo e escreveu palavras de cordial respeito e firme esperança no consórcio que se vai efetuar. A ambição dos povos livres, neste caso, é que nos seus tronos se assentem príncipes honrados e ilustrados, capazes de compreender toda a vantagem que se pode tirar da aliança da realeza com o povo[6]. Assim o país recebe alegremente a notícia deste acontecimento.(...)                                                                                                                                                                                                                                M.A.
                                                         ______________

Logo em seguida, esmerou-se em enaltecimentos das festas em si e em ‘derramados’ louvores e elogios à noiva e à “alegria íntima, natural, espontânea, que o povo tributa à primeira família da nação”...

17 de outubro  de 1864
diário do rio de janeiro - Ao Acaso
(...)
O Rio de Janeiro está em festas – festas realizadas anteontem e festas adiadas para 24 e 25. O casamento da herdeira da coroa é o assunto do momento. Um céu puro e um sol esplêndido  presidiram no dia 15 a este acontecimento nacional. A natureza dava a mão aos homens; o céu comungava com a terra. Não descreverei nem a festa oficial, nem a festa pública. Quem não assistiu a primeira leu já a relação dela nos andares superiores dos jornais; na segunda todos tomaram parte – mais ou menos – todos viram o que se fez, em arcos, coretos, pavilhões, iluminações, espetáculos, aclamações e mil outras coisas. E sobretudo  ninguém deixou de ver e sentir a melhor festa,que é a festa da alegria íntima, natural, espontânea, que o povo tributa à primeira família da nação. Uma das coisas que fez mais efeito nesta solenidade foi a extrema simplicidade com que trajava a noiva imperial. É impossível desconhecer o delicado pensamento que a este fato presidiu: na idade e na condição de Sua Alteza as suas graças naturais, as virtudes do coração e o amor deste país, são o seu melhor diadema e as suas jóias mais custosas.
(...)                                                                                                                        M.A.
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Não apenas em crônicas  Machado exibiu – espontânea ou convenientemente, assim especulo (talvez incentive reflexões e debates) – seu apreço pela princesa e um inusitado júbilo pelo casamento, não obstante suas importância e  repercussão serem  inerentes às  monarquias hereditárias, pelo que significava de continuidade da dinastia imperial. No próprio dia 15 de outubro, na Semana Ilustrada – da qual era também colaborador (e o foi até 1873,quando o jornal foi extinto – sucedido pela Ilustração Brazileira,do mesmo Henrique Fleuiss,onde Machado escreveu de 1876 a 1878 ) – publicou um poema (pode-se dizer que quase inédito em livro) : sob o mesmo espírito de enaltecimento às núpcias imperiais, exemplo típico de ‘versinho de circunstância’, particularmente convencional e despojado de maiores qualidades poéticas, tanto que assinados por pseudônimo.
            Estâncias nupciais
                 I
Que riso este ar encerra ?
Que canto? Que troféu ?
Que diz o céu à terra ?
Que diz a terra ao céu ?
                II
Do seio das florestas
Que aroma sobe ao ar ?
E que oblações são estas
Que a terra envia ao mar ?
               III
A peregrina Alteza,
A rosa matinal,
O sonho de pureza
Da mente imperial.
               IV
É noiva. A mão de esposa
Ao feliz noivo dá;
Era de amor ditosa
Esta hora lhe abrirá.
                V
Almas de luz unidas
Na pura candidez
O amor – de duas vidas
Uma só vida fez.
             VI
E a filha predileta
Do paternal amor,
A doce,excelsa neta
Do excelso Fundador,
            VII
Aumenta a nossa glória
No sólio imperial,
E a fúlgida memória
Da honra nacional.
                                                     Y
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Ainda sobre os esponsais, foi apresentada na mesma semana, no Teatro Lírico, uma cantata em homenagem aos nubentes, com música do maestro Besanzoni e versos de Machado – que a Semana  Ilustrada publicou na edição de 25 outubro :
Poema de simples, singelo,terno  patriotismo, -- não mais que isso.  
       
      Núpcias
 Do seio da espessura,
Ó virgem do Brasil,
Ergue radiante e pura
A fronte juvenil.

Tece com as mãos formosas
À noiva imperial
De lírios e de rosas
A coroa nupcial.

Flor desta jovem terra,
Em seu profundo amor,
Como um penhor encerra
Cândida,excelsa flor.

Vivo,fulgente emblema
Das glórias do porvir,
Que o régio diadema
Um dia hás de cingir;

Salve! Os destinos novos,
Novos, futuros bens,
Querida destes povos,
Em tuas mãos os tens.

Num juramento  unidas
Ante o sagrado altar,
As almas, como as vidas,
O céu veio aliar.

É vínculo precioso
Que o prende agora a ti.
Esposa, eis teu esposo;
Alegra-te e sorri.

Abram-se à nova história
As páginas leais,
Onde se escreve a glória
Da pátria e dos teus pais.

E a mão que não consome
Memórias tão louçãs,
De dois fez um só nome:
Bragança e Orleans !
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O nascimento do primeiro filho do casal em fevereiro 1878 não poderia deixar de ser comentado por Machado. Um varão (anteriormente Isabel perdera uma menina),por fim : viria a ser o príncipe d. Luís d’Orléans e Bragança , que escreveria a coletânea de contos Sous la Croix du Sud ,em 1912 – sem edição brasileira, hoje, obra rara, de alto valor  bibliográfico e comercial -- e que iria concorrer em 1915,sem sucesso, a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.

fevereiro de 1878
ilustração  brazileiraHistória de Trinta Dias[7]
(...)
Um novo príncipe enche de regozijo a família brasileira, cujo augusto chefe reúne às mais elevadas virtudes cívicas as mais austeras virtudes domésticas.
Sua Alteza a Princesa Imperial sente dobrarem-se-lhe inefáveis alegrias de mãe.
Ainda bem !
 Digna filha da virtuosa Imperatriz, saberá dar a seus amados filhos as lições que recebeu, e que a exalçam de nobilíssimas. virtudes ; lições iguais às que lhe transmitirá o ilustre príncipe consorte, educado na escola do velho rei que deu à França 18 anos de paz, de prosperidade e de glória.
                                                                                                                 Manasses
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A Isabel, sempre que o imperador estivesse ausente do país – e cada vez mais freqüentes eram suas viagens à Europa – cabia,como (interina) Regente a responsabilidade pela “Fala do Trono”,tradicional evento de reabertura das câmaras (isto é, Câmara dos Deputados e Senado): a cerimônia,e o discurso da princesa(elaborado  por Ferreira Viana), no dia 3 maio 1888 foi absolutamente especial  -- nela Isabel anunciou oficialmente a Abolição, que seria promulgada em lei no dia 13.
   ⌂ Também no que tange à escravatura, e do mesmo modo, absurdamente, evocou-se a  tese da ‘alienação’ machadiana. Mister  portanto esclarecer de vez : Machado nunca deixou de exprimir seu mais absoluto horror à escravidão – fosse como  funcionário da Diretoria da Agricultura do Ministério da Agricultura (órgão que tratava da política de terras e da aplicação da Lei do Ventre Livre, de 1871), na qual  emitiu centenas de pareceres e réplicas no sentido de fazer cumprir a Lei e o preceito de liberdade para os filhos de escravos nascidos , fosse em sua obra ficcional e não-ficcional. Fez da escravatura objeto crítico –  por vezes desenhada pelas ‘entrelinhas’, por vezes direta, nada oblíqua ou dissimulada – em dezenas de crônicas – notadamente aquelas da série “Bons Dias!”,na Gazeta de Notícias, em 1888-89,na qual inclusive  valeu-se de um ‘histórico’  anonimato -- em  poemas,  peças teatrais,  sobretudo contos, além de torná-la pano de fundo de alguns  romances, tanto os primeiros como aqueles pós-1880..
    Por outro lado, sustentava que a Abolição não iria representar em essência uma ‘revolução’ nem a liberdade  mas apenas a transferência de um regime opressivo para outro,  para um mercado de trabalho e uma convivência social sem perspectivas (em sua visão, aliás, o mesmo se dava com a  República, para  ele uma mera mudança de ‘rótulo’, a oligarquia continuando a governar...). Nesse ‘terreno’, mais do que nunca manejava ironias finas, como lhe era peculiar, para tratar criticamente de temas graves e delicados—nos  quais  suas posições o como de resto na política em geral oferecem  nuances e elementos passíveis de interpretações equivocadas, ou no mínimo precipitadas.
    O biênio 1888-89, sabemos,  foi  crucial para o Império,a Monarquia brasileiros,  para a história nacional – e  para Machado.Às complexidade e gravidade do momento histórico que o Brasil vivenciava, em plena efervescência dos movimentos abolicionista e republicano, gerando evidentemente preocupações e tensões gerais, não poderia Machado ficar alheio : inclusive por estar consciente da necessidade de,a seu modo e em sua seara literária, participar mais diretamente dos acontecimentos levou-o a interromper,até abruptamente, a (bem sucedida) série “Gazeta de Holanda”,1886-88 (crônicas em forma de poemas , os “versiprosa” segundo expressão cunhada por ele - antecipando em muitos anos a Carlos Drummond de Andrade...), iniciando, na mesma Gazeta de Notícias, a série “Bons Dias!,que publicou de abril 1888  a  agosto 1889, toda ela assinada por “Boas Noites” -– o que se constituiu em ‘histórico’ disfarce machadiano (como lhe era típico, aliás), pois somente identificado pelo dedicado estudioso José Galante de Sousa em 1952 (!) -- com crônicas de contornos e proporções mais densos , mais acentuadamente dramáticas, refletoras da comoção política irrefreável que tomava conta do país, carregadas de densidade,contundência e incisiva crítica ,  nas  quais  como nunca antes expressa opiniões políticas de tais forma, modo e grau,,inclusive com apreciações sobre a escravidão,a Monarquia e a iminente República.
4 de maio de 1888
gazeta    de notícias –  Bons Dias !
(...)
Entretanto, se alguma vez  precisei de estar de perfeita saúde, é agora, por várias razões. Citarei duas:
A primeira é a abertura das câmaras. Realmente, deve ser solene. O discurso da Princesa, o anúncio da lei de Abolição, as outras reformas, se as há, tudo excita curiosidade geral, e naturalmente pede uma saúde de ferro. O meu plano era simples; metia-me na casaca. E ia para o Senado arranjar um lugar, donde visse a cerimônia, deputações, recepção, discurso Infelizmente, não posso; o médico não quer, diz-me que, por esses tempos úmidos, é arriscado sair de casa; fico.
A segunda razão da saúde que eu desejava ter agora, prende com a primeira. Já o leitor adivinhou o que é. Não se pode conversar nada, assim mais encobertamente, que ele não perceba logo e não descubra. É isso mesmo; é a política do Ceará. Era outro plano meu; entrava pelo Senado, e ia ter com o senador cearense Castro Carreira,  e dizia-lhe mais ou menos isto:
— Saberá V. Ex.a que eu não entendo patavina dos partidos do Ceará.
(...)
— Há entre o céu e a terra mais acumulações do que sonha a vossa vã filosofia...
— Pode ser, mas isto ainda não me explica a razão desta mistura ou troca de grupos, parecendo melhor que se fundissem de uma vez com os antigos adversários. Não lhe parece?
— O que me parece, é que a princesa vem chegando.
Corríamos a janela; víramos que não, continuávamos o diálogo, a entrevia, à maneira americana, para trazer os meus leitores informados das cousas e pessoas. O meu interlocutor, vendo que não era a promessa, olhava para mim, esperando. Pouco ou nenhum interesse no olhar; mas é ditado velho, que quem vê cara não vê corações. Certo fastio crescente. Princípio de desconfiança de que eu sou mandado pelo diabo. Gesto vago de cruzes...— Há os Rodrigues, os Paulas, os Aquirases, os Ibiapas; há os...
— Agora creio que é a princesa. Estas trombetas. . . É ela mesma adeus, sou da deputação... Apareça aqui pelo Senado... No Senado, não há dúvidas...
(...)                                                                                                          BOAS NOITES
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No mesmo ano, em maio Isabel ainda era a Regente, pela ausência de Pedro II, e nessa condição  era a figura proeminente na cerimônia de missa campal celebrada no Campo de São Cristóvão,a 17 maio, em ação de graças pela Abolição, com a presença de muitas personalidades políticas,inclusive Cotegipe, até março presidente do Conselho, forçado a se demitir (sucedido pelo Gabinete de João Alfredo), antiabolicionista que era,  face à inevitabilidade de decretação da libertação total  de escravos.
Na crônica alusiva ao evento, Machado constrói uma clara paródia do Evangelho segundo João ( Cap 1,vrs. 1 : “No princípio era o Verbo,e o Verbo estava com Deus) -- era ele profundo conhecedor da Bíblia, aliás -- devidamente adaptado para o cenário político do Império. – e então aparece,ou reaparece, o cronista vigoroso,contundente,lúcido intérprete da realidade do país.

20-21 de maio de 1888
imprensa   fluminense –  Bons Dias ![8]
BONS DIAS!
Algumas pessoas pediram-me a tradução do Evangelho que se leu na grande missa campal do dia 17. Estes meus escritos não admitem traduções, menos ainda serviços particulares; são palestras com os leitores e especialmente com os leitores que não têm que fazer. Não obstante, em vista do momento, e por exceção, darei aqui o evangelho, que é assim:
1. No princípio era Cotegipe , e Cotegipe estava com a Regente, e Cotegipe era a Regente.
2. Nele estava a vida, com ele viviam a Câmara e o Senado.
(...)           
10. Passados meses, aconteceu que o espírito da Regente veio pairar sobre a cabeça de João Alfredo, e Cotegipe deixou o poder executivo e o poder executivo passou a João Alfredo.
(...)
24. E, tendo a Regente abençoado a João e seus discípulos, foram estes para as câmaras, onde apresentaram o projeto de lei, que, depois de algumas palavras duras e outras cálidas de entusiasmo, foi aprovado no meio de flores e aclamações.
25. A Regente, que esperava a lei nova, assinou com sua mão delicada e superna.
26. E toda a terra onde chegava a palavra da Regente, de João Alfredo e dos seus discípulos, levantou brados de contentamento, e os próprios senhores de escravos a ouviam com obediência.
(...)                                                                                                                    BOAS NOITES.
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 Em 28  setembro desse (histórico) ano,  Isabel foi condecorada com a Rosa de Ouro,  comenda oferecida pelo papa Leão XIII, por ter como regente concedido liberdade aos escravos, numa cerimônia das mais concorridas de então que constituiu-se em grande evento político com a presença de toda a família imperial, a alta nobreza,muitos deputados e senadores, diplomatas, autoridades eclesiásticas,e até mesmo republicanos como José do Patrocínio, vereador no Rio de Janeiro – o que parecia [sic] fortalecer a Monarquia naquele momento.

6 de outubro de 1888
gazeta   de notícias –  Bons Dias !
(...)
E vosmecês, como vão da sua tosse? Provavelmente não perderam o pique-nique (tenho lido esta palavra escrita ora pik-nik, ora pic-nic ; depois de alguma meditação, determinei-me a escrevê-la como na própria língua dela), nem sessões de câmaras, nem a entrega da Rosa de Ouro a Sua Alteza Imperial. E eu de cama, gemendo, sabendo das coisas pelas folhas. Foi por elas que soube da interpelação do sr. Zama, a qual deu lugar à Gazeta de Notícias proferir uma blasfêmia. Dizia ela que direito de interpelação degenera aqui, e chama-lhe válvula. (...)
BOAS NOITES.
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 Como um tipo de corolário a estas considerações – e fechar o exercício de ‘diálogo’ : do mesmo modo que Mary del Priore mostra e revela uma Isabel  algo diferente do retrato historiográfico oficial, como uma ‘mulher comum’, esposa dedicada e apaixonada, dona de casa e mãe, também apresenta-se – qual interface – um Machado de Assis distinto do cronista incisivo, do comentarista crítico, do contundente intérprete da realidade política,institucional,social, etc brasileira do século XIX : um esmerado louvador da família monárquica, simpatizante explícito da princesa e do casal imperial; um Machado formal,protocolar nas crônicas (exceto naquela de 20-21.05.1888), um patriótico poeta piegas.

Em suma: a princesa, como (realmente) era; o cronista, como (essencialmente) não era.

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[1] Decreto n. 3092, que dissolvia a Câmara dos Deputados e convocava “desde já outra”; acoplado ao de n. 3093, da mesma data, que convocava “para o dia 1 de janeiro do ano próximo futuro a nova Assembléia Geral Legislativa”.
[2] Com esse título, a série publicada por Machado, parte com pseudônimo Gil, parte com assinatura M.A, no Diário do Rio de Janeiro perdurou de novembro 1861 até maio 1862.   
[3] A Imprensa Acadêmica, cujo titulo completo era Revista da Imprensa Acadêmica, jornal “comercial, agrícola, noticioso e literário” dos estudantes da Academia de Direito de São Paulo, fundada em 1864 (circulou até 1871), publicação de acentuadissimos cunhos  literário e político, com ideologia de inspiração liberal : Machado  colaborou com crônicas e artigos de abril a outubro desse ano,e em 1868. [compõe obra que estou a preparar, preferencialmente para se editar e publicar em São Paulo].
[4] Com esse título, a série publicada por Machado, toda com assinatura M.A, no Diário do Rio de Janeiro, perdurou de de junho 1864 a maio 1865..   
[5] O cronista, aqui, procura expressar a ainda existência de  dinastias, embora não houvessem mais monarquias absolutas.
   Contudo, vale neste particular lembrar  o que Machado escrevera naquele artigo “O Jornal e o Livro”, de 1858, no Correio Mercantil.
[6] A expressão adquire seu significado exato sob o prisma do ‘monarquismo liberal’: o conde d’Eu era tido como de tendência liberal e se ligaria com o tempo a políticos liberais – a corroborar plenamente  Mary del Priore que o descreve como “muito mais ativo, buscando mais protagonismo”.
[7] Machado iniciara, na Ilustração Brasileira, a publicação de crônicas a cada duas semanas  com a série “História de Quinze Dias”, que foi de julho 1876 a  janeiro 1878, todas com o pseudônimo Manassés; a partir de fevereiro 1878, a periodicidade passou a mensal, alterado  o título da série para “História de Trinta Dias”,encerrando a colaboração ao jornal em abril 1878.  
[8] Apenas nesta crônica, e nesta única vez, Machado colaborou com a Imprensa Fluminense, jornal  de Niterói,estado do Rio de Janeiro, que defendia a Abolição : não se sabe exatamente os motivos e as circunstâncias para que levasse uma crônica da série, que era da Gazeta de Notícias, para esse jornal.