quinta-feira, 23 de agosto de 2012

o digital faz crescer os índices de leitura no Brasil !

para arrematar esse meu tríduo-texto a propósito da Bienal do Livro,do Livro em si e -claro! - também de e-book:

quando sustento que lê-se muito mais no meio digital do que revelam as simples(e simplórias) estatísticas sobre vendas , e
leitura, de e-books, se já não bastasse citar o quanto de textos,obras e narrativas literárias que se abrigam,e são consultadas e 'downloanizadas' por milhares de pessoas diariamente, nos portais e sites de literatura, nos blogs -- posso falar 'de cadeira' devido ao que veiculo neste  meu Caixa de Pandora aqui -- no Facebook -- outra vez menciono com pleno' conhecimento de causa',pelo que nele  exponho i de matéria literária -- nas redes sociais como um todo.outro exemplo, “Frankenstein”, de Mary Shelley, ganhou uma versão em aplicativo para iPad e iPhone -- de resto, empreitada a que me dedico há mais de 1 ano,constituindo e programando meus "conteúdos literários digitais",que já têm até sigla, "CLD',para aplicativos em tablets (e também para e-books,portais e sites).

saibam o seguinte- se é que já não sabem: a editora Intrínseca vem publicando diariamente, em seu Twitter, o texto “Caixa preta”, da americana Jennifer Egan, escrito originalmente em bloquinhos de até 140 caracteres -- no que,aliás, Claudio Soares fora pioneiro, ao 'tuitar', ainda em 2006, fragmentada em pedacinhos, sua (excelente) obra "Santos Dumont número 8".

as ações e realizaçõres 'pessoais' em meu blog e em meu Facebook, essas ações no Twitter e em outras redes sociais constituem exemplos claros, taxativos de algo que vem sendo chamado de narrativas digitais, literatura eletrônica ou narrativas em rede, uma 'literatura eletrônica" caracterizada basicamente por interatividade, hipertextualidade,a não linearidade, a multimídia -- contundente,e inquestionável prova de como o criar textos literários, construir narrações,contar histórias vem sendo remodelado com e pelas novas tecnologias,gerando em especial novos,e nunca tão dinâmicos na história cultural,modos,meios e formas de leitura,conhecimento.aprendizado,entretenimento, lazer e de novos comportamentos.
[e principalmente estimulando o ceticismo com relação a tantas estatísticas que proliferam pela aí...]

domingo, 19 de agosto de 2012

"fiasco"?... onde,como ? ora,ora


e-books : verdades e ... nuances  

Malgrado meu ceticismo com relação a estatísticas sobre índices de leitura e de produção e vendas do setor editorial, que expressei anteriormente [“Esqueceram do digital ?.....”], pesquisa da Câmara Brasileira do Livro- CBL e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros- SNEL, corroborada pelo levantamento da FIPE , que cataloga o lançamento em 2011 de 5.235 títulos no formato digital, sustenta que começam a fazer presença no panorama editorial,cerca de 9% dos mais de 58 mil títulos totais lançados em 2011 – mas correspondem a um faturamento diminuto,coisa de R$ 870 mil.
Bem, relutei um pouco em comentar o que se segue – temente de que venham a clamar tratar-se de duas realidades e contextos sócio-econômico-culturais distintos em todos os graus : e são mesmo...: nos EUA, nos últimos dois anos, o número de e-books vendidos mais que duplicou, passando de 125 milhões, em 2010, para 388 milhões, em 2011, passando a responder por 15% do mercado em 2011 ante 6% em 2010, de acordo com um relatório da Association of American Publishers e Book Industry Study Group, e as editoras, que já disponibilizam mais de 1m milhão de títulos em formato digital, viram a receita proveniente da comercialização de e-books chegar a US$ 2,1 bilhões; lá, os livros digitais mais que dobraram sua popularidade em 2011, e superaram as vendas dos livros de capa dura na categoria ficção para adultos, e no seguimento de livros infantis, o crescimento do faturamento foi de 475%. -books cresceram cerca de 50%. Já no seguimento de livros infantis, o crescimento do faturamento foi de 475% no mesmo período.

O que eu acho : não adianta me ‘bombardearem’ com um alardeado – e discutível --“fiasco das vendas dos ebooks”[sic].Diante da dicotomia que no mercado brasileiro faz comemorar o “crescimento” -- apontei anteriormente certas nuances dos números -- das vendas de livros impressos, e nos EUA, celebrar o faturamento, cada vez maior, ano a ano, na venda dos e-books, prefiro, e proponho colocar em reflexão,prezados facebookianos, o seguinte : qual das duas situações deveria ser mais festejada?
Cá no Brasil, as livrarias que vendem e-book,notadamente Cultura, Travessa Saraiva [aliás, uma 'intensa' leitora de e-books,seja no kindle seja no iPad, me disse numa reunião social que os preços praticados pela Saraiva nos digitais é exorbitante, igual ao do livro impresso!], garantem que os resultados são "irrisórios" -- no que continuo a acreditar pouco: sabemos o quanto elas ainda não se ‘entregarem’ de todo (o termo é meu) aos livros digitais,de resto atitude também de editoras.
Concomitantente, as editoras deveriam estar atentas e agradecer pelo que os e-books estão a lhes proporcionar: dados fornecidos pelos aplicativos que os leitores de e-books usam,quanto a tipos de obras e autores,gêneros, frequência de leitura, extensão das obras,etc propiciam a livrarias digitais- e editoras -- definir estratégias de mercado:nos EUA,p.ex. a Barnes & Noble,com a coleta de dados sobre os leitores, decidiu lançar uma seção de livros curtos depois de ver que seus leitores costumavam abandonar obras longas de não ficção pelo meio; aqui,o Saraiva Digital Reader, aplicativo da livraria Saraiva para várias plataformas, coleta dados como o tempo de leitura e os dias da semana em que o usuário mais lê. Quer dizer: : ao contrário do livro impresso -- lido e manuseado pelo leitor na privacidade,sem oferecer indícios e elementos de seus hábitos,gostos e ritmos de leitura, os e-books tornam-se instrumentos fundamentais de formulação de estratégias e ações editoriais e comerciais por editoras e livrarias. fica a questão -- a que leitores de todos os matizes podem responder aqui : muito bom para elas, mas será isso bom para vc.? Considero isso ótimo: não vejo nenhum tipo ou grau de 'invasão de privacidade'(sic).




sábado, 18 de agosto de 2012

'esqueceram' do digital ? (ou é indolência ou inércia ?...)


Lê-se mais que as (incompletas) estatístcas apontam   

Bem, referi-me, ao comentar [post anterior] sobre a Bienal do Livro, e especificamente sobre a atual Bienal de São Paulo2012 e a conjuntura presente, “(...) os  parcos e raros leitores para os quais todas as pesquisas apontam a média de leitura de ... 2 livros por ano[!]” – o que de pronto provocou algumas reações (fortes, mas sensatas e ‘educadas’, mister frisar) e “reclamos de correção”,aqui mesmo no FB e por email : observam esses meus pacientes leitores que na verdade o índice de leitura do brasileiro,apontado pela recente pesquisa Retratos da Leitura no Brasil – e registrado no oportuno livro sob mesmo título, organizado por Zoara Failla,edição IPL e Imprensa Oficial,344 pgs, muito bem lançado nessa Bienal – é na verdade de 4(quatro) livros por ano,e não 2. sim, o número em ‘estado bruto’ é esse, mas excluídas as obras indicadas pelas escolas e aquelas compradas pelo governo para distribuição à rede escolar e bibliotecas , e consideradaapenas a LEITURA ESPONTÂNEA chegamos à  lamentável  marca que registrei.
 Aliás, aproveitemos a oportunidade e examinemos certos números e determinados fatos inerentes ao levantamento "Produção e vendas do setor editorial brasileiro", realizado pela Fipe por encomenda da CBL e do Snel . Por exemplo, se o mercado editorial cresceu 7,36% em faturamento em 2011, comparativo a 2010, computado o efeito da inflação (6,5% pelo IPCA), o aumento real foi de ...irrisório 0,81%; e – atenção ! --  o governo teve papel fundamental nos números do faturamento do setor, uma vez que as vendas de livros para programas e órgãos governamentais tiveram crescimento de nada menos do que 21,2% (valor não deflacionado), mas....ao se considerarem os dados de mercado (que engloba todas as vendas com exceção daquelas para governo), o cenário é diferente : o setor cresceu em faturamento 3%, mas, levando-se em conta a inflação, houve queda real de 3,27%. Enquanto isso, segundo a  Pesquisa LOF – O Livro no Orçamento Familiar, que utiliza dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, caiu, de 40,66% para 36,16%, a proporção de domicílios que adquiriram algum material de leitura: considerando apenas livros não didáticos, o aumento foi de mero 0,63%, passando de 7,47% a 8,10%, como também decresceu o valor médio anual despendido por família com material de leitura como um todo(em 19,4%)  e livros em particular (queda de 12,3%).

O que eu acho: não é que não acredite, malgrado latente ceticismo que dispenso a estatísticas de modo geral,ainda mais as formuladas cá no Brasil (João Ubaldo Ribeiro,que estudou estatística,como afiança, quando do mestrado feito na Califórnia – e sendo “muito bom na matéria”, diz, é um veemente,vigoroso,contumaz crítico das estatísticas produzidas e divulgadas entre nós),  mas questiono esses cenários de um modo geral . Todos os levantamentos,pesquisas e computações retratam,reportam-se e registram, no tocante a índices de leitura, de produção, de vendas, de faturamente, etc, única e exclusivamente os dados inerentes a livros impressos – sem catalogar, até porque não existem ainda mecanismos para tal [por indolência e ‘inércia’,por certo relutância (sic) de editores,livreiros ‘et alii’, acredito, face a suas respectivas posturas diante do elemento a que vou me referir a seguir], esses mesmos  dados para os livros digitais e todas as formas e meios de leitura intensamente,e irreversivelmente, presentes hoje, nos tablets,iPads,iPhones,portais,sites, diversos links pela internet e demais plataformas digitais. Vou adiante para uma desafiadora conclusão : lê-se ,e produz-se e vende-se muito mais hoje no Brasil, e em todas faixas etárias e todos os tipos de textos !



um espectro entre novos modelos e conceitos


Bienal do Livro, esvaziada ?   

Assim parece, nesta Bienal do Livro de São Paulo,2012: e por parte e no seio do próprio meio editorial-livreiro, haja vista p. ex. grandes editoras estarem  ausentes,sob argumentação de "custos exorbitantes" e "parcos resultados" -- vale dizer, relações custos-benefícios passam a ser econometricamente avaliados (eu, em muitos anos de atividade em editoras nunca vira tão rigorosa preocupação...muito bom isso agora). A par disso,ou por isso e inerente a isso, é crescente o pensamento – crítico -- quanto ao tradicional "modelão”,ou "formatão" (assim são definidos pelos profissionais do ramo) da Bienal do Livro, ao mesmo tempo em que as atenções se voltam cada vez mais para os eventos regionais, essa profusão(benéfica,digo eu) de festas e feiras pelo país: Belém, Fortaleza,Recife,Ouro Preto, Paraty, Porto Alegre,Passo Fundo (estas duas últimas bastante tradicionais, já de longa data) . Persiste mesmo o intento, entre editores, livreiros e profissionais do setor, de fortalecimento e incremento a esses eventos regionais , os quais -- tanto por suas próprias concepções como pelas efetivas programações realizadas até aqui --têm oferecido os elementos de uma presente reflexão conceitual sobre a Bienal : constituir-se menos em cenários de venda e exposição de livros e mais de  incentivo a leitura : as feiras regionais com efeito oferecem,de resto, o que faz parte das proposições preconizadas pelos intentos de reformulação conceitual da Bienal, traduzida por maior incidência de painéis,mesas redondas,debates e oficinas em torno da literatura,do livro e da leitura.

 O que eu acho : ainda vejo extrema validade na Bienal -- mesmo sob as formas de seus  'modelão,formatão'; sendo como sempre frequentada pelos contingentes daqueles parcos e raros leitores para os quais todas as pesquisas apontam a média de leitura de ...  2 livros por ano(!); ainda que com as características de ‘feirão’,'mafuá',cenários circenses, etc  -- evidentemente admitindo, e concordando plenamente, com a necessidade de certas alterações, ajustes, como em especial o incentivo maior a realização de oficinas,painéis,debates, etc. A validade que sustento tem em vista o chamado 'grande público', por força do comprovado fato de a Bienal representar a contrapartida real,concreta, a um tipo de comportamento desse '(não)leitor comum': sua relação com a livraria, tida e vista por ele como uma espécie de 'templo sagrado', espaço de sacralização ---apesar de tudo em termos de atrativo,aconchego,utilidade, etc que as livrarias oferecem hoje (café,poltronas,ambientes de leitura,etc) -- a inibi-lo e refrear sua possibilidade de chegar ao livro. Na Bienal , justamente por seu ‘modelão’ -- que de resto permite uma exposição mais abrangente quase completa, do conjunto dos acervos de editoras -- por seus cenários  'populares' e  descontraídos[sic], propicia um sensível processo de dessacralização.
 Mas... por outro lado -- ou acima de todos os lados -- um espectro ronda (alvissareiramente, saúdo eu) a Bienal e as livrarias, por extensão as editoras, a totalidade do mundo editorial-livreiro : o e-commerce, notável em sua propriedade(benfazeja,enfatizo) de mudar a relação do leitor,e do produtor e do revendedor, com o livro -- dinamizando-a,enriquecendo-a,valorizando-a, aprimorando-a.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Sob um espectro vitoriano


a propósito da maratona shakespeareana em 2012 
cerca de 50 montagens de Shakespeare irão a cena no Brasil neste ano

Sob um espectro  vitoriano                       
[a compor a coletânea "Primeiros exercícios ficcionais do aprendiz Mauro Rosso"]

Em um dos corredores, antes de chegar ao caixa da delikatessen, espaçosa e  sofisticada , dotada em sua maioria de finos produtos importados, a mulher elegantemente vestida - um vistoso casaco de inverno cobrindo um corpo bem tratado, podia-se notar, muito bem conservado para a idade que realmente tinha, um belo complemento para o rosto  de feições atraentes, esteticamente maquiado, a tez acentuadamente morena – olha com atenção redobrada para os lados, certifica-se de estar segura, e disfarçadamente enfia em dos bolsos do casaco uma latinha de arenque dinamarquês defumado,em outro bolso uma barra do chocolate mais caro, e por dentro do casaco um potinho de caviar ucraniano : o clima frio de então na cidade impondo  o uso daquele tipo de casaco,cheio de bolsos grandes,  facilitava as coisas. Veio-lhe à mente o dizia aquele agiota: “Parcimônia é benção se não for roubada”.
 Certificou-se de que ninguém a vira, nenhum cliente nenhum funcionário, nem a gerente – principalmente esta: mulher é sempre mais observadora e atenta. Estava convicta de que a ação dera certo, tudo bem, o prazer de sempre em desfrutar daquelas delícias em casa...
O olhar sempre aguçado e certeiro do homem postado à frente de uma sedutora prateleira de doces viu tudo, quase que registrando a cena qual fotografia, ou vídeo; esgueirou-se sorrateiro entre outras pessoas, aproximou-se dela, e sussurrou-lhe: - para cada um deles, ceda-me um pedaço de seu corpo, não um naco qualquer de sua carne mas em peso de libras equivalente ao que tem nos bolsos.
 Mais do que o susto, a mulher aterrorizou-se em pensar no dilaceramento do corpo, que tão cuidadosa e dispendiosamente procurava preservar da implacabilidade do tempo, suprimido de pedaços do peito, ou do braço, ou da perna, ou das costas, da bunda – oh, não! - do pescoço – horror! horror!- o sangue esvaindo-se, aos borbotões, o rosto transformado numa horrenda máscara de dor e desespero, poderia até desfalecer, o sangue a jorrar pelo chão brilhante da delikatessen... "Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente." - lembrou-se que ouvira em uma peça, da qual naquele angustiante momento  esquecera  título e autor. Que maus ventos  trouxeram esse homem para cá ?
 A imagem a horrorizou, um fio gelado desceu da cabeça aos pés, por uma fração de segundos sentiu tudo rodar à sua volta, o homem segurou-lhe o braço para apoiá-la. Outro susto, sentindo-o ali, a segurá-la: vai me entregar, estarei perdida, e terei de devolver todas essas delícias, ah, não... Buscou reunir todas as forças – afinal, suas origem e ascendência vinham de seres rijos, resistentes, fortes diante das adversidades; fixou seus olhos amendoados de um castanho oriental no homem, que mantinha um leve sorriso nos lábios, ainda a apoiando, e observou-o : judeu,é judeu,conheço bem; desses saídos das páginas de Philip Roth, ou de Saul Bellow, não creio que  de Amais Oz. o que fará de mim? não  posso permitir, tenho de fazer alguma coisa.... Recuperou a cor das faces e o prumo do corpo, ajeitou  os cabelos pretos esmeradamente penteados presos numa tiara prateada. Empinou o nariz modelado pela plástica recente.
A fisionomia tranqüila e ironicamente risonha do homem não se alterou ao murmurar para ela, não mais segurando seu braço: --ingênua como uma moiçola apaixonada de clássicos romanescos vitorianos; minha cara, “devemos aceitar o que é impossível deixar de acontecer”. pelos deuses da dramaturgia, não poderá sair destas, distinta megera! eheh...”It is more worthy to leap in ourselves, Than tarry till they push us!."   
 -- Delineiam-se enredos, já se vê.
 A mulher procurou manter a serenidade – sua estirpe étnica e cultural assim preconizava, afinal. Falou ao homem da forma mais gentil – e dissimulada – possível que poderiam conversar um pouco sobre tudo aquilo em torno de um café ou de um licor, ali no coffee room do segundo andar.  O homem parecia indignar-se: “Para comer na casa que vosso profeta, o Nazareno, fez entrar o diabo por meio de exorcismos!” – posso até negociar convosco, “comprar convosco, vender convosco, falar convosco, e assim sucessivamentemas, nem comer ou beber convosco, nem orar convosco 
 Decididamente  a solução não seria,em hipótese alguma, fenecer sob o jugo desse  cretino , ter de devolver os preciosos produtos, humilhar-me perante todos – uma platéia certamente se formaria, como num teatro medieval ou renascentista, num átimo lembrou-se das temporadas no lendário Globe londrino, até a família real presente, e agora ali naquela situação,prestes à derrocada fatal,com aquele...aquele... Ah, vislumbrava agora com clareza, o judeu saíra de manuscritos mais antigos, muito mais antigos... Não, não, não, tinha de resolver aquilo de vez.
 Livrou-se da proximidade ameaçadora do algoz, bradou o mais alto que pôde : -- chamem a segurança! levem este homem! ele não é daqui,desta cidade, deste país, nem deste tempo! vem de longe e de um passado remoto,  sua origem é de escrita mais  antiga, ele não pode ficar entre nós ! é um impostor, e por cima cretino, queria mesmo é que todos soubessem da proposta que ele me fez, mas é tão absurda que não posso revelar em público...
 Uma platéia se formara à roda dos protagonistas, muitos gritaram, outros riram, alguns bateram palmas, uns mais entusiasmados pediram bis. Acudiram a gerente, dois funcionários, três  seguranças, afastaram os espectadores. Sob vaias, o judeu foi carregado com vigor pelos seguranças, as mãos atadas com força por trás do corpo, levado para fora.
“Palavras,palavras,palavras...”,vociferou o  homem, seguro firmemente pelos seguranças. -- ela se recusa a pagar, e usa palavras como moedas, valendo-se das claras e históricas relações  entre palavras e moedas, palavras como instrumento de troca intelectual e lingüística, moedas como instrumento de trocas financeiras e econômicas;  o teatro sempre foi usina criadora e de intercambio de palavras assim como de moedas, pois atividade comercial das mais lucrativas naquela época. A linguagem,a mais significativa moeda de todos os tempos, sempre foi  cunhada dentro do teatro.
Balançava o corpo, mesmo agarrado, e esbravejava : -- não vêem que essa mulher não passa de um Orlando,um amador, desafiando Charles, um profissional ?...
 Obviamente a maioria quase absoluta da platéia, nem os funcionários da casa, nem os seguranças entendiam o que aquele estranho homem, saído das páginas antigas como denunciara a mulher, queria dizer.  Um pouco afastados, a gerente ouviu com um isto de interesse e perplexidade; um homem, bem vestido, a seu lado, sorriu,parecendo entender tudo.
 A mulher agora quase que  gargalhava: “diz isso para justificar a usura; ou são carneiros sua prata e ouro ? Veio-lhe o gosto saboroso de vitória e de gula : já sentia o prazer quase erótico de degustar as delícias em casa, acompanhadas daquele vinho branco  especial safra 1978,ou seria melhor  a champanhe presenteada ao marido pelo príncipe da Dinamarca?. A sensação era orgástica, isso mesmo, não podia negar.
Livrei-me desse agiota de folhetim, idiota  metido a  moralista, olha só, veio parar aqui, depois do tanto que infligiu aos outros, lá em...
 -- Consolidam-se enredos, por certo.
 Viu-se de repente ladeada por três mulheres, todas jovens, bonitas, de ar europeu, porém robustas e musculosas como halterofilistas, e à esquerda por um homem bem vestido, terno bem talhado,suavemente perfumado,mas de aparência dura,sisuda, granítica,que lhe disse com genuína cortesia : -- acompanhe estas moças,por favor,com a mesma discrição com que  colocou as coisas furtadas nos bolsos de seu casaco. sou  delegado,e a senhora vai para a delegacia.
 Um delegado..vestido com fortuita autoridade, isso sim..., replicou a mulher.Conduzida para fora -- sentindo-se entre trovões e relâmpagos, com as Três Bruxas decidindo  seu próximo encontro com o thane de Cawdor e de  Glamis e rei da Escócia – diante dos aplausos de uma platéia ávida por desfechos, reclamou em voz alta : “de modo igual as nossas leis estão mortas\ a liberdade abusa da justiça. E completou : “onde vi fervilhar a corrupção\que mancha tudo ; há leis para todo crime\ mas crimes tão aceitos que essas leis\parecem regras de barbearia\que só servem para rir.”
Postada na porta, ao lado do delegado, a gerente sacudia a cabeça,  incrédula e ignorante acerca do que tanto ele quanto ela disseram, e   comentou : -- realmente há algo de podre no reino deste mundo e no círculo dos ricos e ultra-ricos : esposa de um milionário, banqueiro conhecido, mora na mansão branca a cem metros daqui,veja o carrão com  motorista que a esperava na porta,para carregar suas compras, pra quê isso ? não se trata de cleptomania,creio, porque nunca a vi fazer isso aqui. é, “a  vida não passa de uma história cheia de som e fúria contada por um louco significando nada" ,concluiu.
Mastigando uma pastilha que emanava agradável odor de hortelã, o delegado – que,seus pares e parceiros sabiam, professava admiração e conhecimento pelas letras e argots anglo-saxônicos – ironizou, como que esclarecendo a gerente, que tudo que se pronunciara ali estava a exigir um glossário, e  suspirando profundamente  : “As coisas andam fora dos eixos,infeliz fatalidade, a minha, de estar aqui para endireitar o mundo”. Arrematou - sure, my dear,”há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”....
 Ao sair, dirigindo-se ao carro preto a que a mulher fora levada pelas três policiais, olhou para a fachada e sorriu para a denominação da loja : Stratford-upon-Avon,delikatessen.
                                                                                   fim
(um glossário viria a ser oportuno...)