sábado, 26 de outubro de 2013

Aos que vão ao ENEM (IV)

Lima Barreto, contista,cronista,romancista : essencialmente um pensador

Em essência, Lima Barreto sempre tratou mais de política do que qualquer outro tema. Ninguém como ele, em seu tempo, escreveu tanto sobre o tema e, por extensão, sobre  questões sociais. Sua ‘literatura militante’, assim por ele definida, determina o caráter marginal de sua obra: sua visão crítica da sociedade o fez enveredar concreta e irreversivelmente no caminho da luta social; nos jornais e revistas investiu contra todos os signos do poder, nos textos ficcionais denunciou as profundas injustiças da sociedade brasileira.
Toda a obra barretiana desenvolve-se a partir  e em torno de um tema nuclear: o poder e seus efeitos discricionários — o poder  visto e descrito por ele como “o variado conjunto de elementos, vetores e procedimentos encadeados no interior da sociedade, compondo grandes e pequenas cadeias, visíveis e invisíveis, tendentes a restringir e constringir o pensamento dos homens, coibindo-lhes as possibilidades de afirmação, pessoal, cultural, profissional, social, e a justa inserção social”. Tinha a visão verticalizada, analisando desde as estruturas políticas como o governo e as ideologias, e as instituições culturais como a imprensa e a ciência, até os modelos determinantes do comportamento coletivo e do relacionamento cotidiano. Lima Barreto era, acima de tudo, um anti-patrimonialista.
Crítico implacável da pretensa modernidade que se queria implementar com a República, avesso a todas as formas de assimilação de valores estrangeiros (no bojo, p. ex. de sua resistência ao futebol, ao cinema e à cultura importada ), defensor ,por vezes intransigente, de uma brasilidade que sustentava devia permear a “autêntica língua nacional”, foi no entanto opositor ativo do  nacionalismo ufanista surgido no final do séc. XIX e início do XX,a começar por  questionar as imagens errôneas que o Brasil fazia de si mesmo, levando ad absurdum os clichês e mitos nacionalistas e os desmascarando um a um.(no romance Triste fim de Policarpo Quaresma  parodia implicitamente o opúsculo patrioteiro de Afonso Celso, filho de seu protetor, intitulado Por que me ufano do meu país (1901), livro muito popular no começo do século XX, que deu origem ao termo ufanismo e foi traduzido para diversas línguas na época, inclusive o alemão. Lima Barreto inclusive alertava para o que denominava “um dos mitos mais perigosos,o do patriotismo : no fundo, os patriotas grandiloqüentes de plantão não passam de traidores da pátria, pois a usam para a sua própria autopromoção e enriquecimento (...), a sociedade de classes e o Estado  a instrumentalizarem o patriotismo e o nacionalismo em favor do interesse das elites.”. Na contrapartida, procurou esboçar um patriotismo social, com consciência histórica e respeito pela cidadania, ancorado na cultura própria, resistente ao cosmopolitismo e de reconhecimento da mestiçagem – étnica,social e cultural --no Brasil.
 Para ele, a nova sociedade ,caracterizada  pelo binômio cosmopolitismo, inspirador das ações da elite do país , e bovarismo[1], “atitude mistificatória de o homem se conceber outro que não é, entre o que é e o que acredita ser”, era um sistema que premiava o egoísmo, o banal, a decadência dos costumes, o preconceito, lastreada nos valores máximos da elite – a fruição do conforto material, os privilégios, a superioridade, gerando discriminação e sectarismo.  “A nossa República se transformou no domínio de um feroz sindicato de argentários cúpidos, com os quais só se pode lutar com armas na mão. Deles saem todas as autoridades, deles são os grandes jornais, deles saem as graças e os privilégios; e sobre a Nação eles teceram uma rede de malhas estreitas, por onde não passa senão aquilo que lhes convém[2]
Desde os primeiros anos do século XX apenas  Lima Barreto (Euclides da Cunha morrera em 1909) mantinha , entre os escritores, uma postura participativa – de natureza crítica -- nas coisas da política , uma vez que os demais literatos se afastaram  do envolvimento e da militância a que se entregaram ainda durante as campanhas abolicionista e republicana, nas últimas décadas do século XIX e início do século XX : frustrados a expectativa e o entusiasmo iniciais despertados pela República , os intelectuais desistiram da participação política ativa, militante, que muitos tiveram no advento do novo regime e passaram a se concentrar na literatura e em parte no jornalismo ‘croniquesco’, dedicando-se  a produzir uma literatura de  linguagem empolada, o ‘clássico’ calcado em expressões cediças e de figuras de efeito, cheia de arabescos estilísticos — uma literatura  impregnada de vocábulos garimpados do virtuosismo lingüístico e verborrágico,expressão da frivolidade dominante. Uma literatura como “o sorriso da sociedade” de que falava Afrânio Peixoto e contra a qual Lima Barreto lutava com denodo.
 No lado oposto, além da ferrenha oposição à escrita aristocrática predominante , destoando e substancialmente contrário aos estilos vigentes, Lima Barreto por essa época já era respeitado como articulista e cronista e reconhecido como excepcional escritor mercê dos elogiados romances publicados Recordações do escrivão Isaias Caminha(1909) e Triste fim de Policarpo Quaresma (1915)—que rejeitava terminantemente fazer de tanto de seu trabalho jornalístico como de sua obra literária, fosse ficcional ou não-ficcional, “instrumento de propaganda do sonho republicano de falso progresso e falsa civilização”. Sustentava ele que fazia “uma literatura militante, de obras que se ocupam com o debate das questões da época (...), por oposição às letras que, limitando-se às preocupações da forma, dos casos sentimentais e amorosos e da idealização da natureza”.
 Assim, na contrapartida ao aristocratismo da escrita de então, aos nefelibatas da linguagem, tinha-se em Lima Barreto um registro da  língua ‘brasileira’ do início do século XX e um ritmo genuinamente nacional  que prenunciava a linguagem modernista.  Contrariamente à maioria de seus contemporâneos,  Lima Barreto conferia à sua obra ficcional o sentido militante de uma “missão social, de contribuir para a felicidade de um povo ,de uma nação, da humanidade” Em sua concepção, a literatura tinha de ser “militante”, com objetivo concreto e definido, como sentencia em entrevista a A Época,18.02.1916 : “(...)não desejamos mais uma literatura contemplativa, cheia de ênfase e arrebiques ,falsa e sem finalidade, o que raramente ela foi; não é mais uma literatura plástica que queremos, a encontrar beleza em deuses para sempre mortos, manequins atualmente, pois a alma que os animava já se evolou com a morte dos que os adoravam; digamos não a uma  literatura puramente contemplativa, estilizante sem cogitações outras que não as da arte poética, consagrada no círculo dos grandes burgueses embotados pelo dinheiro, de amplo emprego por pretensos intelectuais,bacharéis e políticos”  (...) “a obra de arte tem por fim dizer o que os simples fatos não dizem. Este é meu escopo. Vim para a literatura com todo o desinteresse e toda coragem. As letras são o fim da minha vida. Eu não peço delas senão aquilo que elas me podem dar: glória!”
 Dono de obra ficcional e não-ficcional com vigoroso fulcro ideológico, Lima Barreto buscava na politização da literatura um sentido sobretudo ético.Na única conferência literária que faria, mas não o fez — “O destino da Literatura” [publicada na Revista Souza Cruz,Rio de Janeiro, 1921 , em cujo número também apareceu trecho do romance O cemitério dos vivos ], em Rio Preto, São Paulo, em fevereiro de 1921 — foi explícito :“A Beleza não está na forma, no encanto plástico, na proporção e harmonia das partes, como querem os helenizantes de última hora . A importância da obra literária que se quer bela sem desprezar os atributos externos de perfeição de forma, de estilo, deve residir na exteriorização de um certo e determinado pensamento de interesse humano(...) E o destino da literatura é tornar sensível, assimilável, vulgar esse grande ideal de fraternidade e de justiça entre os homens para que ela cumpra ainda uma vez sua missão quase divina. Mais do que qualquer outra atividade espiritual da nossa espécie, a Arte, especialmente a Literatura, a que me dediquei e com quem me casei; mais do que ela, nenhum outro qualquer meio de comunicação entre os homens, em virtude mesmo do seu poder de contágio, teve, tem e terá um grande destino em nossa triste humanidade.”

Marginalizado por suas origens e condição social, execrado por ser ‘passadista e contrário à modernização’, Lima Barreto enfrentou as marcas de seu tempo e da sociedade brasileira que lhe foi contemporânea. Seu projeto era um projeto para uma vida inteira de militância literária contra o preconceito, mas também “contra os falsos intelectuais, contra um academismo espelhado no modelo europeu, contra uma literatura só de deleite, como ornamento”. Para ele, a literatura era uma verdadeira missão. A pretensa beleza estilística, os atributos externos formais de perfeição, de forma, de estilo, de vocabulário, não poderiam prescindir da “exteriorização de um certo e determinado pensamento de interesse humano, que fale do problema angustioso do nosso destino em face do Infinito e do Mistério que nos cerca, e aluda às questões de nossa conduta na vida” [Bagatelas ; Empresa de Romances Populares, Rio de Janeiro,1923].
 Tanto nos romances e contos como nas crônicas e artigos, Lima Barreto  exerceu sempre uma crítica à cultura da modernidade contra a opressão social e a hipocrisia política — tal como se revelaram na implementação da República . A opção por uma literatura militante determinou o caráter marginal (e ‘revolucionário’, para muitos estudiosos) de sua obra : sua visão crítica da sociedade, da política e da cultura, renderam-lhe frutos amargos — desprezo do público, penúria econômica, alcoolismo e doença, internação em manicômio — mas nada o fez submeter-se aos ditames da moda e dos valores culturais da República.          A “esperança” mencionada por Lima Barreto na entrevista de 1916 alimentava-se na verdade da recusa impassível em transigir com o que demandava popularidade — o aburguesamento do escritor, por via da adesão aos temas da moda, que fortaleciam os interesses políticos, econômicos, sociais e culturais da República. Nada porém o fez submeter-se a esses valores.






[1] bovarismo, conceito cunhado  pelo filósofo francês Jules de Gaultier em sua obra  Le Bovarysme, em 1892, advindo de Gustave Flaubert e sua Madame Bovary, seja em relação à figura do artista ‘sonhador irresponsável’ seja a um  comportamento artificial simbolizando um falseamento da vida,um desejo irreal de fuga –  o abismo que se abre entre as duas escalas, a da realidade e a do imaginário, conferindo-lhe  uma dimensão ao mesmo tempo trágica e irônica ; o termo é especialmente empregado também com o sentido da alienação intelectual que precede a construção de uma identidade cultural própria. Lima Barreto -- para quem o bovarismo era uma atitude mistificatória típica da nova elite, extremamente prejudicial para o país, “o  poder partilhado no homem de se conceber outro que não é, o afastamento entre o indivíduo real e o imaginário,entre o que é e o que acredita ser” -- aplicou esse conceito tanto literariamente – no romance Triste fim de Policarpo Quaresma e  nos contos “A biblioteca”, “Lívia” e “Na janela” aparece como a  própria essência dos textos – quanto socialmente : segundo ele, a República estava toda imersa em atitudes bovaristas e ,pior,  os próprios intelectuais, teoricamente dotados de maior capacidade e lucidez críticas, mergulharam desde o início numa militância ufanista,destemperada, de otimismo ingênuo ; e esse ufanismo bovarista era uma forma terrível de se alienarem dos graves problemas do  país.
[2] Sobre a carestia”, in O Debate, 15.09.1917.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Aos que vão ao ENEM (III)

Arthur Azevedo, conista;cronista                                           
                   
                                                      O conto em Arthur Azevedo

No conto,  foi  um inovador. Inventou um gênero ficcional : o conto-comédia, expressão cunhada por ele presente em boa parte de sua contística , unindo de forma e modo inéditos,e como ninguém, o teatro – do qual era autor profícuo e consagrado – e a prosa narrativa ,explorando ao máximo as identificação e intimidade de linguagem existente entre eles. À teatralidade, aliada à oralidade e ao coloquialismo, condimentados pelo anedótico  deve-se um (a par de outros fatores) porquê ter conquistado tantos leitores da época.
 Com sua narrativa -- explorando intensamente  a ironia crítica, a sátira, o sarcasmo, o anedótico, a paródia, e certa malícia, incorporando o mais autenticamente possível o linguajar do homem comum, valendo-se de verve ao mesmo tempo crítica e moralizadora. Azevedo forneceu a matriz para uma espécie de contística carioca , pois a caracterização dos personagens é sempre de forma a construir o perfil do habitante e da cidade : os contos são considerados os introdutores das classes médias na literatura nacional,  a oralidade com  papel preponderante nas narrativas -- todos seus escritos, a rigor, se aproximando da representação de uma comédia, muitos  sendo piadas transcritas (“Sou um contador de histórias e tenho que inventar um conto por semana”). Tudo o que se passava nas ruas ou nas casas lhe forneceu assunto para as histórias.
 Nesse sentido, o contista Azevedo interagiu – para usar um termo de hoje – seus protagonistas e personagens com os leitores, estes integrados à perfeição com aqueles. Pouquíssimos escritores ficcionais criaram e mantiveram por toda sua produção tamanha  intimidade com o leitor, como um rito ‘sem-cerimônia’ de identificação e confraternização solidária – outro dos porquês da notável popularidade conquistada por seus contos. Converteu o leitor num aliado, mercê da familiaridade  plena com os personagens, estes traçados e desenhados à imagem do homem comum habitante da cidade do  Rio de Janeiro na época, retratado nas histórias  sem disfarces,nuances, sutilezas ou retoques (e retoque, muito menos artifícios narrativos,estilísticos,temáticos, de trama, de escrita ou de linguagem ,como sabemos, foi um expediente ou ‘técnica’ de que Arthur Azevedo jamais se valeu...).
 Arthur Azevedo escreveu 238 contos, a grande maioria originalmente publicada  nos inúmeros periódicos nos quais trabalhou ou colaborou, ou dirigiu,  além daqueles que fundou ou ajudou a fundar (vide o capítulo “Biográfico- bibliográfico de Arthur Azevedo”,neste livro). Embora criando narrativas curtas  desde 1871, só em 1889 animou-se a reunir 24 delas no inaugural Contos possíveis, dedicado a Machado de Assis ( então um de seus maiores amigos e  companheiro no Ministério da Viação,Indústria e Obras Públicas), sucedendo-se então as coletâneas Contos fora da moda (1894) e Contos efêmeros (1897); e postumamente Contos em verso (1909), Contos cariocas (1928); Vida alheia (1929); Histórias brejeiras (1962) , Contos ligeiros (1974).  No entanto, do total da produção contística de Azevedo, muitos deles permanecem absolutamente inéditos em coletâneas ou seletas, ou volumes isolados – ou conjuntos e conteúdos digitais --  até aqui organizados, editados e veiculados.
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                                                                           A crônica em Arthur Azevedo

De um modo geral, a linguagem da crônica, per se caracterizada pela fluência, simplicidade e leveza, dirigia-se a um destinatário que não procurava o rebuscamento e a fineza da língua culta: o público-leitor dos jornais buscava, nas crônicas, comentários leves e divertidos, facilmente entendidos , e simplicidade não significava descuido por parte do escritor, o coloquialismo funcionando como meio e modo de  diálogo entre o cronista e o leitor.Da pena de Arthur Azevedo foram geradas centenas de  crônicas dispersas em mais de 41 periódicos – desde 1857 , ele ainda em São Luiz ; estabelecido no Rio de Janeiro a partir de 1873, iniciou colaboração (primeiramente como revisor) no jornal A Reforma, em 1874, daí  sequencialmente – incluindo séries específicas sobre teatro -- em diversos periódicos,  somente deixando de publicá-las por sua morte, em 1908. Nesses 41 anos de produção cronística dotou o leitor das três últimas décadas do século XIX e dos primeiros anos do século XX de  informações e comentários sobre a  vida social, política e cultural do Rio de Janeiro da época – sob olhar e lentes  de um grande observador do cotidiano da cidade e dos costumes e comportamentos humanos. Mais ainda que nos contos, chega a número considerável as crônicas azevedianas ainda por serem recolhidas  de suas publicações originais e dadas a público em livros.
Paralelamente, além de sua obra dramatúrgica, Artur Azevedo atuou  regularmente como cronista teatral por mais de duas décadas  – conjuntos  textuais que   documentam e comentam as vida e atividade teatral no Rio de Janeiro da virada do século XIX e se constituem importante retrato do panorama cultural brasileiro do período.
 As crônicas, em suas diversas séries publicadas ao  longo do tempo, eram utilizadas por Arthur Azevedo para comentar – e criticar -- em tom leve, acessível a todos os leitores, os problemas da cidade, a  falta de meios de transporte, das chuvas, a jogatina excessiva, a modernização urbana, a política, os fatos e ocorrências importantes, a defesa da arte; quase sempre com a  mistura de diferentes assuntos em um mesmo texto -- caleidoscópica,  uma  “manta de retalhos”, segundo o  próprio Arthur Azevedo --  outras, em textos inteiros dedicados a apenas um assunto. Sempre incorporando ao conteúdo textual a atualidade do Rio de Janeiro e do Brasil e do mundo, sob a diversidade de  temas e enfoques.
 Por suas diversas formas, focos, estilos, séries, períodos e veículos,  constituem as crônicas azevedianas preciosas fontes de retrato e registro – não apenas da cidade do Rio de Janeiro, da sociedade fluminense – sobremodo do processo de transição institucional e política do país no final dos Oitocentos, por extensão da  própria história brasileira da passagem de um século a outro.


                                                                                                                                                M.R.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Aos que vão ao ENEM (II)

Machado de Assis, contista;cronista
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o conto em machado de assis

Pode-se perfeitamente afirmar ter sido Machado de Assis mais do que  o  decisivo ‘impulsionador’, do conto na literatura brasileira : foi com efeito o  criador do conto brasileiro ,porquanto a par da qualidade superior de suas narrativas curtas, nenhum dos grandes autores que o antecederam pouco ,ou quase nada produziram no gênero -- basta examinar as obras de Gonçalves de Magalhães, Joaquim Manuel de Macedo e José de Alencar, por exemplo – e extremamente parcas,esparsas e efêmeras foram as manifestações  anteriores. A altíssima qualidade literária de Machado como contista tornou-o,desde sempre, comparável aos considerados grandes mestres do gênero de sua época, como Edgard Allan Poe(1809-1849), Guy de Maupassant(1850-1893),Anton Tchecov(1860-1904) – comparável e com eles inter-textualizado .  
Não obstante tal  status de um dos maiores contistas,quantitativa e qualitativamente, da literatura brasileira, quiçá o maior, criador de 226 contos , Machado de Assis não recebeu ao longo dos anos, mesmo nas edições póstumas, as obrigatórias integridade, completude e responsabilidade no tratamento editorial de seus contos, cuja história imperfeita de edições constitui-se um complexo enredo de erros, omissões, equívocos, negligência..
Um dos aspectos mais destacados no Machado contista – a rigor, de toda sua ficção em prosa -- talvez sua qualidade essencial, é o emprego do esforço criador na busca gradual e compassada,bem urdida, de uma coerência ,uma abrangência e uma profundidade obtidas parte pelo talento nato parte (a maior) pelo exercício consciente e meticuloso da prática literária , vis a vis com a percepção clara do entorno histórico,social e cultural e dos meios de que dispõe para expressão de sua obra.Essa combinação de vieses,convém enfatizar, determinou substancialmente todo seu desenvolvimento como escritor e essencialmente o processo da evolução literária de Machado  --  como “um todo consistente, coerente, continuado”, com a marcante inflexão no início da década de 1880.
 Inflexão que, a par de contribuir positivamente para a análise e interpretação adequadas da trajetória machadiana, em  contrapartida serve para sedimentar um conceito, ou avaliação, sob alguns aspectos, discutível :  a divisão da obra -- ficcional e não-ficcional -- de Machado em duas fases ,o ‘aprendizado’ versus a ‘maturidade’, a ‘formação’  versus  a ‘radicalização’.
O fato de ser algo discutível considerar  a obra machadiana catalogada em duas ‘fases’ não implica necessariamente em renegar a existência,   como em todo processo  , de  escalas e estágios, com nítidos pontos de inflexão,ou de mais intensa transição :  no caso de Machado, os anos 1868-71 , de resto condizente este com o próprio momento histórico-político do País , e principalmente o biênio 1878-79, quando se deu, em O Cruzeiro (março-setembro 1878), além de outros contribuições machadianas,  a  publicação do romance Iaiá Garcia e sete contos -- de titulação, temática,teor e conteúdo, que se podem considerar ‘insólitos’, ‘inusitados’,‘estranhos’[1], diferenciados na contística machadiana -- como elementos decisivos de “ponto de viragem” ficcional antecipador da experimentação levada a efeito em  Memórias póstumas de Brás Cubas, e ainda os contos “A chave”, “Curiosidade” e  “Um para o outro” (que recuperei – 2007-- depois de 128 anos desaparecido e tido como perdido ),  todos originariamente veiculados  em A Estação no ano de 1879.
 Notável e meticuloso experimentador, mutável na utilização de formas, estilos e modelos, preocupado com configurações (temáticas,tramáticas,estilísticas ,de linguagem) para sua obra, Machado passou a fazer de  cada conto um exercício de forma,gênero e estilo – ora em diálogo, ora paródia, ora sátira, ora epistolar, ora em forma de conferência ,ora denso, ora leve, narrativa longa,narrativa curta, com narrador em primeira pessoa, narrador em terceira pessoa, sem narrador; conto filosófico, conto político, conto fantástico, história romântica, conto humorístico – e nisso vislumbram-se diversas chaves temáticas pelas quais podem ser agrupados --  de análise psicológica , de denúncia social ,  pendulando entre o formal e o coloquial, o erudito e o popular, o nacional e o universal .
 O amor é o grande tema, central e capital, na contística de Machado. O  amor visto, tido e exposto de Machado, presentes sem exceção em todos os  contos, vez por outra inserindo como a única comunicação possível entre pessoas,quaisquer que sejam suas natureza, caracteres, etnia,classe social, e o casamento – e seu derivativo mordaz, o ciúme – tema difícil de ser tratado à época ,mas sempre em defesa da base moral do amor : até mesmo quanto se reporta a  questões político-sociais como a escravidão ,sobre a  qual, ou a ela se referindo, produziu um significativo  naipe de contos -- todos publicados,importante notar,  no ‘feminino’ Jornal das Famílias.
 Machado sempre escreveu sobre mulheres e para as mulheres e não era segredo – pelo menos até 1881,quando consolidou a longa e profícua atuação nas páginas da Gazeta de Notícias -- preferir colaborar em publicações cujo público predominante era feminino, primeiro no Jornal das Famílias  , de 1864 a 1876,  e a partir de 1879 em A Estação. Tinha a mulher não apenas como protagonista de seus romances e contos  mas também sua leitora predileta e leitmotiv. A rigor, a mulher é  a própria essência da ficção machadiana – e nenhum escritor de seu tempo  ‘edificou’ tanto a mulher como personagem capital e basilar  de seus textos como Machado de Assis.(sem se constituir propriamente em explícito ‘defensor dos direitos da mulher’ – muito menos um ‘dialético feminista’ -- Machado era convicto de que as mulheres deviam ser instruídas e não permanecerem atadas à vida doméstica,ao mesmo tempo sempre preocupado e atento para as necessidades emocionais,afetivas e mesmo sexuais das mulheres.).
 Condizentes com as alterações e ebulições vivenciadas na sociedade brasileira nas três décadas finais do século XIX, mutações e transformações da mesma forma se dão no universo contístico: antes de 1880, os contos se centravam no namoro,paixão e casamento  o casamento,feliz ou infeliz, consumado ou não, bem-sucedido ou não, por sentimento ou interesse , ao passo que no pós-1880 aparecem com mais nitidez formas e situações de fragmentação e diluição do casamento e ,embora nunca consumadas de fato, intenções e sentimentos de infidelidade afetiva – nos contos  machadianos, há mulheres que flertam com a idéia da infidelidade, mas  acabam não a consumando: importante  observar  que intencionada ou não, fomentada ou não, incentivada ou não, quase sempre platônica, a infidelidade  feminina é sempre contraposta, e redimida,  na redenção pelo amor -- o grande e central  tema da ficção machadiana ; todos os sentimentos impuros e espúrios,proibidos e reprováveis, se idealizados , ou cogitados,em nome dele , são no final  por ele  regenerados.


[1] O Cruzeiro circulou no Rio de Janeiro de 01.01.1878 a 20.05.1883, e nele Machado colaborou de 23.03 a 01.09.1878, com sete contos, 14 crônicas ( na série “Notas Semanais”), uma ‘ópera-cômica em 7 colunas”(a definição é do próprio Machado), um artigo referente a assunto da seara teatral, a (célebre) crítica literária a O primo Basílio, de Eça de Queiroz, além do romance “Iaiá Garcia”, em folhetins.
   Neste particular,desenvolvi projeto de obra [ainda sem editor] que abriga os contos, e mais a “ópera-cômica em 7 colunas” e o artigo - do mesmo teor de ‘inusitado’-- que  reporta ao teatro : tudo sob o título de “As estranhas fantasias de Eleazar” (Eleazar, o pseudônimo utilizado por Machado em todos os textos de colaboração em O Cruzeiro).
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a crônica em  machado de assis

Inovador na ficção, como contista e romancista,  Machado de Assis foi soberbo cronista que fez da crônica muito mais do que um registro pontual do cotidiano, transformando-a em um verdadeiro gênero literário, a servir de modelo, molde e paradigma  a tudo e todos que o sucederam, inclusive os de hoje.
Machado fez da crônica  mais do que simples jornalismo, superior ao comum do gênero – haja vista o que Artur Azevedo sentenciou em artigo em O Álbum ,janeiro 1893 : "(...) Atualmente escreve Machado de Assis, todos os domingos, na Gazeta de Notícias, uns artigos intitulados A Semana que noutro país mais literário que o nosso teriam produzido grande sensação artística", a atestar o quanto dotou a crônica dos elementos de verdadeira literatura.
 Ao longo de 41 anos, com uma produção de 738 textos, Machado criou crônicas, nos mais diversos veículos, séries, formatos e assinaturas (ou disfarces), desde 1859, em O Parahyba, de Petrópolis (anteriormente, publicara, em A Marmota (em que colaborou de 1859 a 1860), a 05.03.1858,  ”Os cegos: tréplica ao sr. Jq. Sr.” – a rigor, artigo ; e no Correio Mercantil, em 10-12.01.1859, O jornal e o livro” – verdadeira crítica literária : ambos constituindo quase ensaios, não propriamente crônicas), no Correio Mercantil (1859-1864),  O Espelho (1859-60), Diário do Rio de Janeiro (1860-63: série “Comentários da Semana”; 1864-67: série “Ao Acaso”), O Futuro (1862-63), Imprensa Acadêmica, de São Paulo (1864; 1868 :série “Correspondência da Imprensa Acadêmica”) A Semana Ilustrada (1865-75: séries “Crônicas do Dr. Semana”, “Correio da Semana”, “Novidades da Semana” , “Pontos e Vírgulas”, “Badaladas), Ilustração Brasileira (1876-78: séries “Histórias de 15 dias”, “Histórias de 30 dias”), O Cruzeiro (1878: série “Notas Semanais), Revista Brasileira (1879), Gazeta de Notícias (1881-1900: séries “Balas de Estalo”, “A + B”, “Gazeta de Holanda”— esta, em versos,os ‘versiprosa’ , termo cunhado por ele e que antecipa em muitos anos a mesma expressão usada por Carlos Drummond de Andrade, “Bons Dias!”  e “A Semana).
 A crônica machadiana possui, em si, estrutura, forma e encadeamentos consistentes e complexos, além de plena interação com os contextos histórico, político,econômico, social,cultural,urbano sob os quais  foram elaboradas : revelam cadeias de pensamento e reflexão em muitos aspectos, passagens e nuances intertextualizados, ou que viriam a se intertextualizar com elementos,ambiências e situações de romances e contos.
Dotada das primordiais características de leveza de tom e teor, fluência textual e estilística muito próxima da oralidade, ironia satírica e pilhéria, metáfora e paródia, ostenta também a presença incisiva (como ocorre em sua obra ficcional) dos conhecidos e admiráveis elementos machadianos do disfarce, da dissimulação, do subterfúgio, da sutileza, dos significados ocultos postos como desafios ao leitor, por meio de outras de suas peculiaridades, o uso do anonimato e do pseudônimo, de que ele foi um dos mais profícuos usuários, e em especial a “arte das transições”-- levada a extremos no unir tópicos aparentemente distintos, um parecendo não ter nada a ver com outro, mas que justapostos oferecem um resultado  surpreendente,cujo trajeto é ‘amenizado’ para o leitor , primeiro desviando-o do tema principal, depois retornando e reintegrando-o,numa espiral de circularidade muitas vezes nem percebida de todo. Mestre do subterfúgio, da dissimulação, da sutileza, do disfarce e do enigma, Machado esconde ou disfarça uma parte da verdade e desafia o leitor a descobri-la e fazê-la emergir, utilizando armadilhas retóricas típicas de sua narrativa na ficção, executadas também na crônica, sobretudo pelo absoluto domínio da relação cronista-leitor, e a preponderância do conhecido narrador machadiano, o ‘narrador volúvel’ da ficção aparecendo  também na crônica.
 Ao longo do tempo, Machado sempre preocupou-se  com configurações para sua obra : (assim como o conto) a crônica foi um notável e eficaz terreno de experimentações narrativas, nelas se revelando uma seqüência notável de exercícios formais,estilísticos, de linguagem e de enfoque.
Importante observar ainda quanto os períodos, os contextos históricos, os veículos e seus respectivos  espaços dados à crônica, bem como as assinaturas, influíram tanto no enfoque temático, como  no timbre. Nenhuma série é essencial e totalmente idêntica a outra, ainda que guardem afinidades e similaridades, mantidas  as homogeneidade e unidade  inerentes a  cada uma .Da mesma forma se  constata que cada época, ou série, trata ou prioriza um tema que sobressai por sua relevância,sua particularidade, sobretudo por sua correspondência-consonância com o momento histórico de sua feitura : às distintas e seqüentes séries podem-se traçar a rigor, enredos e sub-enredos que se desdobram e interligam-se em ciclos -- cada script com seu pano de fundo temporal , sob o fio condutor   da própria história da sociedade brasileira da segunda metade do século XIX. 

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

-- aos que vão ao ENEM (I)-


O intuito é oferecer uma contribuição (ou subsídio) aos estudantes que farão o ENEM neste 2013 : irei oferecendo tais contributos no decorrer dos próximos 4 dias.

1. aqui, um roteiro historiográfico da literatura brasileira – a que cunhei  “fundamentos do brasil literário” : conjuntos  reunindo as obras mais importantes da literatura brasileira em verso e prosa de ficção,desde seus primórdios até o Pré-modernismo —   obras e autores  organizados segundo os ciclos e movimentos.
    entendo poderá auxiliar, já para as provas em pauta,  no tocante a Literatura, em muitos sentidos e objetivos.
       
         estou a produzir os conjuntos em conteúdos digitais, integrado a um projeto maior, que estarão implementados e disponibilizados  no decorrer de 2014, em um portal, em aplicativos para tablets e iPhones..
                                                              
                                                                                                  ÿ poesia
                                                                                                  •  prosa (romance,novela,conto)
                                                                                  _________________________
           séc.XVI/Arcadismo/Barroco
                                                                                      __________________________
        
ÿ   Música do Parnaso (Manuel Botelho de Oliveira)  
ÿ   Crônica do viver baiano renascentista  (Gregório de Mattos)
ÿ   seleta de poemas (Claudio Manuel da Costa)
ÿ   Marilia de Dirceu;Cartas chilenas (Tomás Antonio Gonzaga)
ÿ   seleta de poemas ( Silva Alvarenga) 
        ÿ   seleta de poemas (Alvarenga Peixoto  )
        ÿ   O Uraguai ; seleta de poemas( Basilio da Gama)
        ÿ   Caramuru (Santa Rita Durão)
                                                                                _____________________
                                                                                         Romantismo
                                                                                _____________________

ÿ   Suspiros poéticos e saudades (Gonçalves de Magalhães)
ÿ   Lira dos vinte anos ; seleta de poemas  (Álvares de Azevedo)
ÿ   Primaveras (Casimiro de Abreu)
ÿ   Vozes d’América; Anchieta e o evangelho nas selvas(Fagundes Varela)
  ●   O filho do  pescador (Teixeira e Souza)
  ●  A Moreninha  (Joaquim Manuel de Macedo )
  ●  A escrava Isaura ( Bernardo Guimarães)
  ●   Inocência ( Visconde de Taunay )
  ●  Memórias de um sargento de milícias ( Manuel Antônio de Almeida)
      * obras de Machado de Assis (romances, contos, poesia, teatro) em acervo específico
      * obras de José de Alencar (novelas, romances--exceto as incluídas nos conjuntos temáticos - teatro) em acervo específico
     * obras de Gonçalves Dias (poesia, teatro) em acervo específico.  
     * obras de Castro Alves (poesia, teatro) em acervo específico. 
                                                                 ________________________
                                                                                  Realismo/Naturalismo
                                                                              _________________________

        ●  O ateneu  (Raul Pompéia )
  ●  O mulato ; O cortiço (Aluisio de Azevedo)
  ●  Dona Guidinha do Poço ( Manuel de Oliveira Paiva)
  ●  Luzia homem ( Domingos Olimpio)
                                                                ________________________________                                                                                                                                                                                                  
                                                                       Regionalismo/Parnasianismo/ Simbolismo
                                                               ________________________________            _                                                                            

  Pelo sertão ( Afonso Arinos) 
  Tropas e boiadas (Hugo Carvalho Ramos) 
  Contos gauchescos; (Simões Lopes Neto)
        ÿ Versos e versões (Raimundo Correia) 
        ÿ  poesias coligidas (Olavo Bilac)
        ÿ  Poemas e canções ( Vicente de Carvalho) 
        ÿ  Broquéis ; ; Faróis  ( Cruz e Souza)
        ÿ  Kyriale e poemas (Alphonsus de Guimarães)
   ÿ  Eu e outros poemas ( Augusto dos Anjos)
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                                                                                            Pré-modernismo
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  ● Canaã (Graça Aranha) 
  ●  seleta de contos (João do Rio)
  *   obras de Lima Barreto (romances,novelas,teatro)    

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       mr  
     
                                                                                    
        




terça-feira, 1 de outubro de 2013

A República e os literatos

 
A propósito de 1889, o (excelente) livro de Laurentino Gomes – como também o são,dele, 1808 e 182
Vale saber – ou rever (para quem já conhecia) – a relação de literatos brasileiros, em geral, com a República; e particularmente a postura de três grandes escritores, epígonos literários,intelectuais e –sim- políticos, de suas épocas.
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Embora não tenha produzido correntes ideológicas próprias ou novas concepções estéticas, a geração de intelectuais, solidamente arraigados nas teorias cientificistas de 1870, e todo o espírito progressista da época pareciam estar com a República, apoiada pela maçonaria, pelo positivismo e pelas correntes que se julgavam "desassombradas de preconceitos", as idéias circulando mais livremente num ambiente que Evaristo de Moraes qualificou de "porre ideológico" , um verdadeiro mosaico no qual era predominante o liberalismo,mas que abrigava alguma voga de anarquismo e simpatias explícitas ao socialismo. Sob os princípios genéricos do liberalismo, o grupo intelectual definira a tarefa que lhes cabia ; contribuir e propugnar por uma ampla, profunda ação conjunta para construir a nação e remodelar e fortalecer o Estado.

Já no 15 de novembro de 1889 registraram sua total adesão : numeroso grupo de republicanos,junto com gente da rua, tendo à frente José do Patrocínio,Aníbal Falcão, João Clapp,Campos da Paz, Olavo Bilac, Luis Murat e Pardal Mallet - estes três pela primeira vez movidos à ação política concreta-- dirigiu-se à sede da Câmara, aos gritos de viva à República, e redigiram moção de apoio aos chefes da insurreição militar nestes termos :
"Os abaixo assinados,órgãos espontâneos do povo do Rio de Janeiro, representam o governo provisório,instituído após gloriosa revolução que ipso facto extinguiu a monarquia no Brasil,a necessidade urgente da proclamação da República
Excelentíssimos srs. representantes supremos das classes militares do Brasil, marechal Deodoro da Fonseca,chefe de divisão Wandenkolk e tenente-coronel dr. Benjamin Constant.
O povo do Rio de Janeiro, reunido em massa no edifício da Câmara Municipal, tem a honra de comunicar-vos que, por meio de diversos órgãos espontaneamente surgidos e pelo seu representante legal, proclamou como nova forma de governo nacional a República.
Esperam os abaixo assinados,representantes do povo do Rio de Janeiro, que o patriótico governo provisório sancione o ato pelo qual,instituindo a República, se pretende satisfazer a íntima aspiração do povo brasileiro. Viva a República Brasileira ! Vivam o Exército e a Armada nacionais ! Viva o povo do Brasil !"
O entusiasmo adesista dos intelectuais era generalizado; em outro manifesto, dirigido ao Governo Provisório instalado a 16 de novembro, assinado por alguns homens de letras em 22 de novembro :
"O povo, e quando dizemos povo referimo-nos àquela grande parte da nação que os aristocratas de todos os tempos chamaram desdenhosamente o terceiro e quarto estado, donde, reparai bem, em sua maioria saiu sempre o nosso glorioso Exército; os homens de letras, e quando dizemos os homens de letras referimo-nos a todos aqueles que tomando a si os encargos intelectuais da pátria foram, no curso de quatro séculos, os fatores mais enérgicos e mais desinteressados de nosso progresso; plebe e pensadores, sempre estas duas forças caminharam aqui unidas !... Agora mesmo no fato extraordinário que é o espanto da Europa e o júbilo da América na proclamação da República,as duas grandes forças lá estão ungidas uma a outra... A era das grandes lutas da política responsável abriu-se definitivamente para os brasileiros... A pátria abriu as largas asas em direitura à região constelada do progresso; a literatura vai desprender também o vôo para acompanhá-la de perto. Ao futuro ! ao futuro,modeladores de povos,construtores de nações !

No clamor pela ampliação da atuação do Estado sobre a sociedade aliavam-se a homens públicos, políticos, jornalistas, até mesmo cafeicultores e industriais ,e a esse grupo juntar-se-ia os grupos militares defensores e sequiosos de maior participação dos militares na política— o que mais tarde não causaria surpresas quando do progressivo e acentuado fortalecimento dos governos republicanos a partir de Floriano Peixoto. As reformas que preconizavam, no entanto, perderam-se no processo político republicano. Na consolidação do novo regime ,dando-se por meio de um processo caótico e dramático, malograram-se seus esforços cientificistas ,reformadores, inovadores na criação daquele ‘saber sobre o brasil’. Cedo, muito cedo, já nos primeiros anos do século XX desiludiam-se : "Está tudo mudado: Abolição, República... Como isso mudou ! Então, de uns tempos para cá parece que essa gente está doida", vaticina Isaias Caminha , sob a pena de Lima Barreto. José Veríssimo, em "Vida literária" (revista Kosmos, n. 7,1904) , descreve : "Todos se presumiam e diziam republicanos,na crença ingênua de que a República, para eles palavra mágica que bastava à solução de problemas de cuja dificuldade e complexidade não desconfiavam sequer, não fosse na prática perfeitamente compatível com todos os males da organização social, cuja injustiça os revoltava". Ainda em outubro de 1890, antes do primeiro aniversário do 15 de novembro, desencantava-se Silva Jardim, lamentando em carta a Rangel Pestana : "Comunico-lhe que parto para a Europa, a demorar-me o tempo preciso a que esta País atravesse o período revolucionário de ditadura tirânica e de anarquia..." . "Esta não é a República de meus sonhos". lamentou-se Lopes Trovão, um dos próceres do movimento republicano. "Foi para isso então que fizeram a República ?", protestou Farias Brito.
Difícil de manter uma convivência pacífica entre a República política e a ‘Republica das letras’, agravado pela crescente insatisfação popular com o novo regime, exposta em agitações de rua, episódios violentos, revoltas e movimentos de protesto – e mais ainda com os novos costumes e práticas de desenfreada especulação financeira, a busca de enriquecimento a qualquer custo,o advento de um capitalismo predatório levando ao encilhamento, a escandalizar Taunay que via "uma degradação da alma nacional" e a decepcionar republicanos ardorosos como Raul Pompéia ("A república discute-se consubstanciada no Banco da República").
No campo político, até que mantiveram-se passivos diante da "ditadura tirânica" e aceitaram as coligações de Deodoro da Fonseca com as forças mais conservadoras do Brasil agrário, mas as esperanças esfacelaram-se diante da índole e prática repressoras do governo Floriano Peixoto , quando se deu um cisma profundo entre os literatos e alguns dos antigos entusiastas da República tiveram de fugir do Rio de Janeiro para evitar a prisão, como Olavo Bilac e Guimarães Passos. Passado o momento inicial de esperança, desfeito o caminho almejado da democratização do País prometida em comícios, conferências públicas,na imprensa radical, consolidada a vitória da ideologia reforçadora do poder oligárquico, derrotados,desapontaram-se as elites, desapontaram-se os trabalhadores e o povo, desapontaram-se os intelectuais , que desistiram da política militante e se concentraram na literatura.

Nesse cenário, cabe examinar três grandes escritores – dos maiores de toda a historiografia literária brasileira e dos mais importantes exatamente do crucial período de transição da Monarquia para a República.
Machado de Assis

"Quanto às minhas opiniões
políticas tenho duas, uma impossível outra realizada. A realizada é o sistema representativo e é sobretudo como brasileiro que me agrada essa opinião, e eu peço aos deuses (também creio nos deuses) que afastem do Brasil o sistema republicano porque esse seria o do nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais alumiou". . Certamente pelo uso do subterfúgio, da dissimulação, da sutileza, do disfarce e do enigma – ‘arte’ da qual era mestre e artífice -- Machado de Assis recebeu indevidamente, numa das mais equivocadas avaliações da literatura brasileira, a pecha de "despolitizado", "apolítico", "alheio às questões políticas e sociais de seu tempo".
Ledo, puro e absurdo engano ! Machado de Assis foi um lúcido ‘relator’ da história brasileira e um crítico atento e severo da sociedade e das instituições do País .Quem ler suas preciosas crônicas , escritas durante mais de quatro décadas em diversas publicações, verá que Machado não era um ‘alienado’ na visão e discernimento para as coisas da política,muito menos,conforme alegam seus detratores, para a o escravismo. Machado de Assis tinha opiniões políticas — pode-se dizer ter sido um monarquista liberal, não apoiava a República e repudiava os desmandos e desalinhos que se deram logo em sua primeira década de implantação, e por meio de sua obra é possível observar a política brasileira de sua época através do olhar literário : em se tratando do observar a política,olhar sempre direto,claro,transparente – raramente oblíquo, arrevesado, enviezado,muito menos dissimulado.
Olhar,lente e pena machadianos que se dedicaram a retratar,relatar,comentar,criticar ou parodiar, ironizar ou protestar, repudiar ou gracejar tanto os acontecimentos principais como os secundários ,tanto os macro como os micro- eventos,tanto a história\vida pública quanto a história\vida privada – conferindo a ambos a mesma importância e a mesma ‘grandeza’ nas linhas e entrelinhas de suas quase quatro centenas de crônicas tratando de fatos,homens e coisas da política, de que a ele pouco, muito pouco escapou. Seu testemunho croniquesco sobre a vida política do II Reinado e início da República ,de tão precioso e valioso , pode ser dado como indispensável para o conhecimento e interpretação do Brasil .
Ao olhar machadiano para a política e a História,sempre acurado,lúcido,claro, nítido ,direto -- obliquo ou dissimulado , por vezes ambíguo e periclitante, parece ser apenas seu olhar para os erros,contradições e incongruências do regime monárquico: ele,um monarquista liberal, que muito simpatizava e respeitava o imperador Pedro II -- nada escapou dos fatos e assuntos de qualquer natureza de seu tempo ,passando por seu aguçado crivo , trocas de ministros, quedas de gabinetes, substituições de autoridades, falcatruas parlamentares, fraudes e cambalachos eleitorais, corrupção,a extinção da escravidão,o fim da Monarquia,o advento da República; além de, na seara da economia, à qual também destilou sua verve crítica, as mazelas gerados pelos tempos novos de uma ciranda financeira e sua plêiade de emissões, crédito luxuriante, jogatina, falências em cadeia , passando também por sua pena precisa e afiada quebras de bancos , a crise financeira inerente à Guerra do Paraguai, os problemas da conjuntura econômica envolvendo companhias,bancos e entidades nos anos finais do Império.
 
Da República, foi crítico ‘sofrido e perplexo’– "(...)eu peço aos deuses (também creio nos deuses) que afastem do Brasil o sistema republicano porque esse seria o do nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais alumiou(...)", escreveu ---fazendo-o sentir-se especialmente na década de 1890 desalentado, desgostoso,em estado da mais completa desilusão com os rumos da República e as endêmicas manifestações de um cenário de corrupção, inerente ,para Machado,ao próprio regime republicano e seus projetos ‘modernizadores’.
Crônicas e política, crônica e História, crônica e sociedade, não-ficção e realidade : elos,laços e fulcros marcantes na obra de Machado de Assis. Na maior parte dela,em seu âmago e essência, cerne e conteúdo, é oferecida ao leitor uma interpretação lúcida, consciente, instigante, por vezes contundente -- mas também irônica, alegórica -- das diversas fases do II Reinado, da derrocada do Império e da eclosão da República, desnundando mitos e certezas, aparências e disfarces, dilemas e mentiras -- sob o mesmo clamor crítico-satírico de um olhar direto e transparente, nada oblíquo ou dissimulado, feito testemunho incomparável e imprescindível da vida política e institucional brasileira do século XIX.
Revelando também a insofismável atualidade de Machado de Assis com relação ao Brasil de hoje...

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Eu
clydes da cunha A política desde cedo exerceu irresistível atração em Euclydes, sua biografia e sua bibliografia se confundem com a própria história social e política brasileira do final do século XIX e início do século XX. Euclydes tratou de política sob as mais variadas formas e expressões, entre artigos publicados originalmente em jornais , em textos e ensaios integrados às coletâneas ,até mesmo na poesia,bem como em conferências e discursos, em cartas a amigos e correligionários, nas marcantes correspondências com o sogro Sólon Ribeiro, e especificamente quando de sua vivência (1898-1901) em São José do Rio Pardo, no programa do jornal O Proletário(1899) e o manifesto de 1º de maio de 1899 .
A ‘devoção’ de Euclydes à República (no estágio primeiro) tem como essência ‘medular’ o cientificismo, que forneceu seu conceito da República, para ele uma forma de organização social, mais do que um simples regime de governo, lastreada numa ‘filtragem’ democrática dos talentos ‘superiores’ nas várias camadas sociais, o sistema por excelência dos mais bem dotados intelectualmente, das grandes capacidades: só uma "elite justa e esclarecida" poderia conduzir adequada e competentemente os destinos do país – não pelo poder em si, mas para fazer o País superar seus problemas e diferenças sociais, esta a maior de suas preocupações e empenho na busca de soluções, ao menos a nível intelectual. Uma ‘elite dotada, justa e esclarecida’ formada e proveniente da Escola Militar : só esse contingente social condensaria os atributos políticos, científicos, racionais, culturais e morais para cumprir sua missão. Convém observar, neste particular, que Euclydes não foi um militante na campanha republicana pré-1889, como tantos intelectuais e literatos seus contemporâneos (e amigos): da mesma forma quanto à Abolição.
O propagandismo republicano que engendrou e praticou - pelo menos até o final da década de 1890 - era para Euclydes, antes e acima de tudo, irrevogavelmente convicto da superioridade da ciência sobre todas as demais formas do saber. A par desse duplo propagandismo, propugnava pelos ideais de uma sociedade humanitária, justa, democrática, moderna e civilizada – seu projeto de "Pátria humana", como resultado possível e desejável do progresso material e científico engendrado no século XIX, a intensificar-se no século XX – sob uma evolução, sustentava ele, contínua, linear, conjugando o industrialismo com a edificação de uma sociedade progressista, justa .Para ele, somente o progresso, gerador do crescimento material, econômico, tecnológico, seria capaz de propiciar e garantir o equilíbrio e a justiça social – e somente um regime de cientistas e técnicos o poderia prover.
A posterior desilusão com a República foi muito mais e antes de tudo o desalento com o fracasso do ideário de liberalismo social e a certeza da não-consecução do projeto político-ideológico-científico. Talvez na sensibilização anos depois, com as teses socialistas visse nelas o suporte ideológico, não o socialismo per se, que propiciasse a realização daquele ideário – em comum, o elo humanitário e o ideal de justiça social.
Euclydes passou da militância pela República à descrença com os rumos do novo regime - distanciamento gradativamente se revelando na seqüência de artigos que publicou, entre 1890 e 1892, em diversas cartas, a primeira ao pai, em junho de 1890 - expressando sua avaliação de que o país estava entrando em um "desmoralizado regime da especulação, em que se pensava em tudo, menos na Pátria" – depois ao sogro, major (à época) Sólon Ribeiro, em 1895 – dizendo que "a situação é justamente de espertos, daí o grande desânimo que me atinge. (...) Às vezes creio que a nossa Republica atravessa os piores dias" - a João Luís Alves, em maio 1897, poucos meses antes de seguir para Canudos - como uma espécie de testamento de pessimismo, lamentando "esse descalabro assustador, ante essa tristíssima ruinaria de ideais longamente acalentados (...), a República agora paraíso dos medíocres, nela o triunfo das mediocridades e preferência dos atributos inferiores." O que mais o inconformava era o desvirtuamento dos ideais republicanos – que tinha ao fundo e na essência, não custa reiterar, a frustração no que tange às proposições inerentes ao liberalismo social.
Não obstante os primeiros questionamentos e as primeiras desilusões participou, ainda que de forma secundária, do contragolpe de Floriano Peixoto, em 23 de novembro de 1891 : defendia pela imprensa a legalidade do governo de Floriano, vendo na permanência de Floriano no poder a possibilidade de consolidação da República. Mas seu idealismo republicano diluiu-se ao longo dos anos subseqüentes, e sua crítica aos desvios da política republicana radicalizou-se a partir de 1898 (já em São José do Rio Pardo,depois de voltar de Canudos) : discutia a fundação da República por meio de um golpe militar e os problemas que tal origem trouxeram ao novo regime, criticava de forma aguda quer o militarismo dos primeiros governos, quer o liberalismo artificial de uma Constituição que as elites civis violentavam por meio de fraudes e manipulações eleitorais: o Estado, ‘tomado’ e manipulado ostensivamente pelas oligarquias políticas e econômicas, o arrivismo financeiro desenfreado pelos especuladores, o empresariado e cafeicultores valendo-se acintosamente dos recursos públicos, deputados e senadores valendo-se da distribuição de cargos e sinecuras para familiares, amigos, protegidos e cabos eleitorais.  

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Lima Barreto
Na essência de sua literatura, Lima Barreto sempre tratou mais de política do que qualquer outro tema. Ninguém como ele, em seu tempo, escreveu tanto sobre o tema e, por extensão, sobre questões sociais. Sua ‘literatura militante’, assim por ele definida, determina o caráter marginal de sua obra: sua visão crítica da sociedade o fez enveredar concreta e irreversivelmente no caminho da luta social; nos jornais e revistas investiu contra todos os signos do poder, nos textos ficcionais denunciou as profundas injustiças da sociedade brasileira.
Toda a obra barretiana desenvolve-se a partir e em torno de um tema nuclear: o poder e seus efeitos discricionários — o poder visto e descrito por ele como "o variado conjunto de elementos, vetores e procedimentos encadeados no interior da sociedade, compondo grandes e pequenas cadeias, visíveis e invisíveis, tendentes a restringir e constringir o pensamento dos homens, coibindo-lhes as possibilidades de afirmação, pessoal, cultural, profissional, social, e a justa inserção social". Tinha a visão verticalizada, analisando desde as estruturas políticas como o governo e as ideologias, e as instituições culturais como a imprensa e a ciência, até os modelos determinantes do comportamento coletivo e do relacionamento cotidiano.
Crítico implacável da pretensa modernidade que se queria implementar com a República, avesso a todas as formas de assimilação de valores estrangeiros (no bojo ,p. ex. de sua resistência ao futebol, ao cinema e à cultura importada ), defensor ,por vezes intransigente, de uma brasilidade que sustentava devia permear a "autêntica língua nacional", foi no entanto opositor ativo do nacionalismo ufanista surgido no final do séc. XIX e início do XX,a começar por questionar as imagens errôneas que o Brasil fazia de si mesmo, levando ad absurdum os clichês e mitos nacionalistas e os desmascarando um a um.(no romance Triste fim de Policarpo Quaresma parodia implicitamente o opúsculo patrioteiro de Afonso Celso, filho de seu protetor, intitulado Por que me ufano do meu país (1901), livro muito popular no começo do século XX, que deu origem ao termo ufanismo. Lima Barreto inclusive alertava para o que denominava "um dos mitos mais perigosos,o do patriotismo : no fundo, os patriotas grandiloqüentes de plantão não passam de traidores da pátria, pois a usam para a sua própria autopromoção e enriquecimento (...), a sociedade de classes e o Estado a instrumentalizarem o patriotismo e o nacionalismo em favor do interesse das elites.".. Na contrapartida, procurou esboçar um patriotismo social, com consciência histórica e respeito pela cidadania, ancorado na cultura própria, resistente ao cosmopolitismo e de reconhecimento da mestiçagem – étnica,social e cultural --no Brasil.
Para ele, a nova sociedade ,caracterizada pelo binômio cosmopolitismo, inspirador das ações da elite do país , e bovarismo, "atitude mistificatória de o homem se conceber outro que não é, entre o que é e o que acredita ser", era um sistema que premiava o egoísmo, o banal, a decadência dos costumes, o preconceito, lastreada nos valores máximos da elite – a fruição do conforto material, os privilégios, a superioridade, gerando discriminação e sectarismo. "A nossa República se transformou no domínio de um feroz sindicato de argentários cúpidos, com os quais só se pode lutar com armas na mão. Deles saem todas as autoridades, deles são os grandes jornais, deles saem as graças e os privilégios; e sobre a Nação eles teceram uma rede de malhas estreitas, por onde não passa senão aquilo que lhes convém"
Muitos contos e crônicas -– em especial aqueles escritos entre 1915 e 1922, um período histórico conturbado, durante os sucessivos governos de Hermes da Fonseca, Venceslau Brás e Epitácio Pessoa, em sete dos mais cruciais anos de plena sedimentação do regime republicano,de resto um processo de altíssima ebulição política, convulsionante e transformadora. --- constituem exemplares insofismáveis da veemente oposição de Lima Barreto à República, da ferrenha crítica aos governos republicanos ,notoriamente o ‘hermismo’ ( a Hermes da Fonseca) , já objetos de críticas exacerbadas em inúmeros artigos e crônicas e também na novela Numa e a ninfa e no memorialístico Diário íntimo , e expressão do intransigente e obstinado repúdio para as coisas da política, aos políticos , aos conchavos partidários,às oligarquias.
Por essa época , apenas Lima Barreto (Euclydes da Cunha morrera em 1909) mantinha , entre os escritores, uma postura participativa – de natureza crítica -- nas coisas da política , uma vez que os demais literatos se afastaram do envolvimento e da militância a que se entregaram ainda durante as campanhas abolicionista e republicana, nas últimas décadas do século XIX e início do século XX : frustrados a expectativa e o entusiasmo iniciais despertados pela República , os intelectuais desistiram da participação política ativa, militante, que muitos tiveram no advento do novo regime e passaram a se concentrar na literatura e em parte no jornalismo ‘croniquesco’, dedicando-se a produzir uma literatura de linguagem empolada, o ‘clássico’ calcado em expressões cediças e de figuras de efeito, cheia de arabescos estilísticos — uma literatura impregnada de vocábulos garimpados do virtuosismo lingüístico e verborrágico,expressão da frivolidade dominante. Uma literatura como "o sorriso da sociedade" de que falava Afrânio Peixoto e contra a qual Lima Barreto até o fim de sua vida lutou com denodo.