quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

salve suave Cecilia

um refrigério -- assim me propus a balsâmica pausa -- nestas linhas vez pior outra densas (mas não tortas - de todo...).
em Paulo Autran declamando Cecilia Meireles, a dupla homenagem a um astros e a uma estrela.


http://br.youtube.com/watch?v=hYEMQ0Gbe38

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

São Paulo, a cidade literária - III


(continuação)

Modernismo , destruidor”e criador
Nos primeiros anos do século XX, quando novas correntes artísticas começaram a circular pela Europa, a maior parte do mundo ocidental encontrava-se em meio a transformações sociais, políticas, econômicas, tecnológicas e culturais que alteraram radicalmente a forma de viver e de sentir o mundo. Invenções revolucionárias como o rádio, o telefone, o automóvel e o cinema passaram a fazer parte do cotidiano das grandes cidades, cada vez mais urbanizadas. A industrialização modificara a economia das potências, e os lucros acumulados pela produção em larga escala de artigos manufaturados garantiam tamanha sensação de conforto, segurança e otimismo em relação ao futuro, que o período ficou conhecido como belle époque — uma época de efervescência artística sem precedentes. Mas no extremo oposto,para as classes trabalhadoras o tempo era de lutas por melhores condições de vida e, no plano internacional um conjunto de fatores econômicos e políticos levaram à eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914. O Brasil vivia então período de grandes mudanças, com a urbanização e a adoção de novas tecnologias que transformavam o ritmo de vida e o cenário das grandes cidades, e que pareciam alterar a percepção do mundo. O intenso crescimento urbano e industrial ,acelerado desde o começo do século, e a chegada em massa de imigrantes, principalmente italianos, muitos dos quais haviam vivido a experiência da luta de classes em seus países, propiciando inclusive a difusão de idéias anarquistas e socialistas, fizeram com que o proletariado crescesse e se organizasse : nas primeiras décadas do século XX ocorreram várias greves em São Paulo, a maior delas em 1917 - mesmo ano da Revolução Russa. Nos primeiros anos do século XX vieram radicais transformações políticas, com acontecimentos decisivos para a vida nacional, como as revoltas deflagradas pelo movimento tenentista( julho de 1922 no Rio de Janeiro; julho de 1924 em São Paulo),a Coluna Prestes, a fundação do Partido Comunista, a derrocada da República Velha, das oligarquias rurais e da "política café-com-leite", o início da Era Vargas.
É nesse contexto de crises e incertezas que surgiram as correntes de vanguarda (do francês avant-garde, "o que marcha à frente"), entre elas o Futurismo, o Cubismo, o Dadaísmo, o Expressionismo, o Surrealismo, recebidas com entusiasmo por escritores que procuravam renovar as formas de expressão artística. Muito antes de 1922 os artistas participantes da Semana já produziam obras influenciadas pelas novas correntes européias, como a publicação, em 1917, de diversos livros de poemas em que jovens autores buscavam uma nova linguagem, ainda não bem realizada : Nós, de Guilherme de Almeida; Juca Mulato, de Menotti del Picchia; Há uma gota de sangue em cada poema, de Mário de Andrade) — e a célebre exposição de Anita Malfatti, em 1917, duramente criticada por Monteiro Lobato no famoso artigo “Paranóia ou mistificação ?”
A Semana de Arte Moderna de 1922 foi o fato concreto que definitivamente integrava o Brasil no contexto filosófico-estético-cultural do século XX e levava-o a inserir-se nas coordenadas culturais, políticas e socioeconômicas dos novos tempos —o mundo da técnica, o mundo mecânico e mecanizado. A partir dela caminha o movimento modernista em busca de padrões autônomos e formas autênticas para a criação estética nacional —e não somente no âmbito artístico : da mesma forma no campo do pensamento social, os intelectuais procuravam estabelecer novos modos de se tratar e compreender a cultura e a história do Brasil, estabelecendo novas interpretações e valores para a identidade nacional e dando início à consolidação institucional do pensamento sociológico brasileiro. Gerou sobretudo um estado permanente, latente , criativo, estimulante, instigante, de inquietação intelectual, e iniciou um processo de unificação cultural sem precedentes no Brasil.
Fica para a História o depoimento de Mário de Andrade:
"A Semana de Arte Moderna dava um primeiro golpe na pureza do nosso aristocracismo espiritual. Consagrado o movimento pela aristocracia paulista, si ainda sofreríamos algum tempo ataques por vezes cruéis, a nobreza regional nos dava mão forte e... nos dissolvia nos favores da vida. Está claro que não agia de caso pensado, e si nos dissolvia era pela própria natureza e o seu estado de decadência. Numa fase em que ela não tinha mais nenhuma realidade vital, como certos reis de agora, a nobreza rural paulista só podia nos transmitir a sua gratuidade. Principiou-se o movimento dos salões. E vivemos uns oito anos até perto de 1930, na maior orgia intelectual que a história do país registra. (...) se alastrou pelo Brasil o espírito destruidor do movimento modernista. Isto é, o seu sentido verdadeiramente específico. Porque, embora lançando inúmeros processos e idéias novas, o movimento modernista foi essencialmente destruidor.".
A "destruição" tinha como objetivo, em um primeiro momento, o rompimento com estéticas passadas, especialmente a parnasiana — em oposição ao rigor gramatical e ao preciosismo lingüístico parnasianos, os poetas modernistas valorizavam a incorporação de gírias e de sintaxe irregular, e a aproximação da linguagem oral de vários segmentos da sociedade brasileira— e mais : a preparação de um terreno onde se pudesse reconstruir a a cultura brasileira, sobre bases nacionais, a realização de uma revisão crítica da história e das tradições culturais do país. Os autores do Modernismo procuraram no índio e no negro os elementos primordiais da cultura brasileira que proporcionariam a reconstrução da realidade nacional, e procuraram retratar a mistura de culturas e raças existente no país.
Porém, o nacionalismo, a mais marcante característica do Modernismo, iria separar ideologicamente os adeptos do movimento, opondo os grupos “Pau-Brasil”,e depois “Antropofágico”(que incorporva o comunismo, o freudianismo e o matriarcalismo), de Oswald de Andrade , Raul Bopp e Tarsila do Amaral , e o “Verde-Amarelismo , de Menotti del Picchia, Plínio Salgado e Cassiano Ricardo. Estudiosos sustentam que a verdadeira ‘revolução’ modernista se deu mesmo em 1924 , ano do rompimento de Graça Aranha com a Academia Brasileira de Letras, ano do “Manifesto Pau-Brasil”, de Oswald de Andrade, anos de dois textos fundamentais de Mario de Andrade : A escrava que não é Isaura — a ‘teoria’ do modernismo compendiada — e seu livro mais ousado, em termos formais, Losango caqui.
Adiante, o ano de 1928 marca a publicação de Macunaíma, de Mario de Andrade, máxima obra literária do movimento, excepcional romance-retrato do Brasil de grande miscigenação cultural — as tradições culturais indígenas dos primórdios ao lado da modernidade europeizada dos centros urbanos brasileiros da época — e de Retrato do Brasil, de Paulo Prado, inaugurando o ensaio de cunho ao mesmo tempo histórico e sociológico que abriria caminho para o grande ciclo de “interpretações do Brasil”.À renovação estética modernista,na década de 1920, alia-se no decênio seguinte o ensaio de interpretação e crítica social, que tenta recontar o processo de formação histórica do país: a procura da identidade social passa igualmente pela busca premente de uma ponte entre uma completa renovação cultural e a reforma da sociedade, uma ponte entre a modernidade e a modernização do país .
O ano de 1930 é a época de instauração do Estado Novo, que se ‘apropria’ ideológica e retoricamente do Modernismo — Getulio Vargas declarava em seu discurso de posse: “As forças coletivas que provocaram o movimento revolucionário do Modernismo na literatura brasileira foram as mesmas que precipitaram no campo social e político a Revolução de 1930” (seguindo uma sugestão formulada por Cassiano Ricardo) — mas inicia um período de intensa fermentação política, social e cultural. É na primeira metade dessa década que nascem as primeiras tentativas de interpretação de conjunto da história, da economia e da sociedade brasileira.Sobretudo a prosa literária se desenvolve, ficcionalmente no romance e no conto, que retratam decadência da aristocracia rural, a formação do proletariado urbano, a luta do trabalhador, o êxodo rural, as cidades em rápida transformação — os cenários para a expansão e proliferação dos ensaios de interpretação do País, de Gilberto Freyre , Paulo Prado (Retrato do Brasil), Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) ,Caio Prado Júnior (Formação do Brasil contemporâneo), todos lastreados pela ‘índole’ modernista em busca da síntese explicativa dos múltiplos aspectos da vida social brasileira e de seu desenvolvimento histórico.
Acima de tudo um processo de mudança cultural geral , em direção a uma nova reconstrução sócio-política da identidade nacional, o Modernismo “difunde-se no tempo, balizando grande parte dos sequentes debates intelectuais, espalha-se no espaço, o poderoso ímã da literatura interferindo com a tendência sociológica, dando origem àquele gênero misto de ensaio, construído na confluência da história com a economia, a filosofia ou a arte, que é uma forma bem brasileira de investigação e descoberta do Brasil”, sentencia Antonio Candido.Irradiante , difuso e difusor, o Modernismo modelou substancialmente a literatura brasileira no século e desdobrou-se pelas décadas seguintes em irreversível processo de amadurecimento : uma terceira fase do movimento,na busca de uma nova linguagem, que expressasse os anseios de renovação do pós-guerra, veio na denominada “geração de 1945”, depois, na Poesia Concreta, da mesma forma na Poesia-Práxis , na atual narrativa em prosa — caracterizada esta por novas formas de linguagem , ora intensa e ágil, ‘cinematográfica’ , ora densa e introspectiva, ‘filosófica’,e pela preponderante ambiência urbana retratando “a vivência vertiginosa nas grandes cidades”, confluiu no último decênio do século XX e no despontar deste Terceiro Milênio para o irreversível despontar de uma nova geração de escritores, que abre espaço na literatura brasileira com uma marcante característica vetorial : o deslocamento maciço do eixo principal da nova criação literária para São Paulo.
Na cidade,os novos e novíssimos ficcionistas exercem sua prosa “de estrutura desconstrutivista , subversiva da linearidade, de narrativa fragmentada, quebradiça, de temática citadina, com os elementos da urbanidade pós-moderna , as tensões sociais e os conflitos individuais, o envolvimento pela violência urbana , os impasses existenciais — fomentando uma produção literária como não é feita em nenhuma outra cidade do País.
A São Paulo heterogenética continua abrigando escritores, naturais ou imigrantes, paulistas ou radicados, que produzem uma literatura ímpar, diferenciada, atualizada com os elementos da realidade, afinada com a modernidade, determinante — hoje como ontem, e desde sempre — da própria cultura brasileira.

Mauro Rosso
autor de São Paulo , a cidade literária (2004,ed. Expressão e Cultura)

São Paulo, a cidade literária - II


(continuação)

A cidade modernizada e mutante
O desenrolar e desdobrar de percursos literários que culminariam com o Modernismo foi coincidente e conseqüente de um vigoroso processo de evolução econômica, social e urbana da cidade, e há de obrigatoriamente levar em conta determinados ‘símbolos’ da época : o modus literário que passou a ser atuante deve necessariamente ser visto e analisado a partir do desenho dos cenários e ambientes em que veio a se desenrolar , que são representações significativas da própria literatura brasileira na passagem do século XIX para o século XX.
O declínio do Império coincidiu com a ascensão das classes médias urbanas por força do processo da gradativa metamorfose de uma sociedade rural para urbana.Em sua luta pela aquisição de status, segmentos da classe média passaram a prestigiar valores essencialmente burgueses, como o saber e agilidade intelectual__ até porque já era uma tradição,no mundo,a valorização de virtudes intelectuais, o escritor passando a ser objeto de grande consideração social e atividade cobiçada por muitos filhos da classe média. A valorização da inteligência__ a par de possibilitar uma “profissionalização da literatura”__com a ascensão social por via da literatura, fez com que o escritor absorvesse valores aristocráticos, desprovidos de visão crítica do real __ com raríssimas exceções— e veio a comprometer, na imensa maioria dos autores , a vitalidade do estilo, em troca do emprego de linguagem, digamos, ‘ornamental’.
No caso particular de São Paulo — então com cerca de 240 mil habitantes na passagem do século XIX para XX, em radical mudança de perfil demográfico, com a maciça chegada de imigrantes, já um importante centro ferroviário, comercial, político, a indústria se implementando — o extraordinário desenvolvimento da cidade acentua uma significativa diferenciação social e evidencia um novo perfil de estrutura sócio-cultural, em que a produção literária antes deflagrada pelos estudantes, passa a ser executada por outro estamento —tornando-se manifestação de uma classe : a nova burguesia, mais urbana e ‘industrializante’, da mesma forma que em outras partes do País incorporando costumes segundo o modelo europeu, eivada de academicismo art-nouveau.
Expressa-se sobretudo um certo aristocratismo intelectual, que agrada em cheio àquela burguesia ascendente : cristaliza-se pois um padrão estético-literário-cultural definido pela elite social, retirados do contingente inicial dos estudantes os valores e parâmetros da produção literária. Constitui-se, numa sociedade de classes, uma literatura ‘classista’, elitista, convencional, integrada aos padrões de refinamento da classe dominante.Acentuam-se então os teores de sentimentalismo e romantismo,privilegiando a ‘pureza’ da língua, a escrita correta, o ‘apuro’, a limpidez, a sonoridade, a ‘riqueza do vocabulário’. A literatura como meio e degrau de ascensão social incorpora-se à sociedade paulistana por meio dos padrões de suas classes dominantes.
Contrária a essa vertente — personificada pelos “corifeus da bela escrita”, precipuamente, no Rio de Janeiro, Coelho Neto, Olavo Bilac, os membros da chamada “geração boêmia” ; em São Paulo, Francisca Julia, Vicente de Carvalho ,Julio Ribeiro, Silvio de Almeida — poucas vozes (ou melhor escritas ) se colocaram : notadamente Lima Barreto ,no Rio de Janeiro, e Alcântara Machado, em São Paulo (há de se considerar também Amadeu Amaral, Sylvio Floreal, em especial Juó Bananére, e anos depois João Antonio) — que adotaram e assumiram temática, ambientação, personagens, trama, linguagem e estilo eminentemente populares e ‘anti-aristocráticas’.
Vale ainda considerar a tese do historiador e ensaísta José Murilo de Carvalho a distinguir cidades ortogenéticas __ caso do Rio do Janeiro, por exemplo __ e cidades heterogenéticas __ São Paulo como o maior exemplo, e que veio a marcar o tipo de intelectual e modo de produção cultural gerados pelas duas cidades .A ortogenética é caracterizada pela função política e administrativa, com grande peso do governo e do poder público, cidade de consumidores e não de produtores , baseada no comércio e na escravidão .Carvalho sustenta que a proclamação da República teria reforçado ainda mais essa função política do Rio de Janeiro, com mais intensa ainda presença do poder público, fazendo com que grande parte da intelectualidade se vinculasse de alguma forma à burocracia pública, em geral como funcionários do governo federal : e se tal fato não “introduzia necessariamente uma perspectiva governista na obra desses autores”, frisa ele, “certamente constituía limitação à sua liberdade de criação”. De outro lado, a quase obrigação que se impunha ao Rio de passar a imagem civilizada do país fazia com que seus intelectuais tivessem grande dificuldade em compreender perfeitamente a realidade do País e da cidade — daí as contradições e bloqueios que se interpunham no caminho da criatividade dos intelectuais, a cidade não conseguindo produzir uma cultura moderna/modernista. Diferente de São Paulo.
A cidade heterogenética, que São Paulo exemplifica, estava fora do centro do poder político, caracterizada como cidade de produtores, com maior liberdade de criação, maior iniciativa cultural, com predomínio da atividade econômica e comercial e não política e administrativa — somado ao fato de que nunca teve grande presença escrava Em contrapartida, a intelectualidade paulista era muito menos vinculada ao Estado, e era na verdade patrocinada pela própria oligarquia local__ muitos dos intelectuais eram aliás eles mesmos membros da oligarquia. A independência em relação ao Estado lhes dava maior liberdade de criação Além disso, havia maior homogeneidade social entre a intelectualidade paulista, e isso propiciou a São Paulo maior possibilidade do que o Rio de Janeiro de desenvolver um projeto cultural ,mais consistente e ‘autônomo’ : na Paulicéia, houve “melhor condição de um trabalho intelectual em cima da realidade social concreta”.
O Modernismo de 1922 expressou um esforço para retirar à literatura o caráter de classe— dado pela elite social e cultural pós -1890 —— transformando-a em bem comum a todos. Como o Romantismo, o Modernismo é de todas as correntes literárias brasileiras a que adquiriu tonalidades especificamente paulistanas. Antonio Candido sentencia que “se em São Paulo não tivesse havido os escritores do período clássico, do Naturalismo, do Parnasianismo, do Simbolismo, a literatura brasileira teria perdido um ou outro bom autor, mas nada de irremediável. Se tal acontecesse no Romantismo e no Modernismo, o Brasil ficaria mutilado de algumas de suas mais altas realizações artísticas, de obras culminantes como Macário e Macunaíma, por exemplo. Dois momentos paulistanos, dois momentos em que a cidade se projeta sobre o País”.
(continua)

São Paulo, a cidade literária -I


salve,salve São Paulo, 454 anos neste dia 25 . megalópolis, cidade industrial, centro econômico do País -- sim, tudo isso, e mais alguma coisa:sobretudo,e o mais importante,verdadeira cidade literária. alguém duvida,ou desdenha ? então saibam o seguinte :


A heterogenética cidade modernista

A cidade de São Paulo sempre foi pólo fundamental da literatura brasileira.
E a aura do pioneirismo sempre a acompanhou, desde seus primórdios . Não surpreende pois que em São Paulo tenha nascido e se manifestado um dos momentos fundamentais da história cultural brasileira , o Modernismo.A cidade , já natural e sequencialmente pioneira em diversas manifestações literárias — desde os jesuítas, fundadores da Vila São Paulo de Piratininga, a 25 de janeiro de 1554 (não se pode esquecer que o Diálogo sobre a conversão do gentio, de Manuel da Nóbrega, é o primeirissimo documento literário do Brasil, e o "Auto da Pregação Universal", de José de Anchieta, a primeira peça encenatória) — o foi também , por exemplo, na precursora expressão poética do ‘indianismo’ no poema “Nênia” de Firmino Rodrigues Silva ; nela se deram ainda as realizações literárias iniciais de autores não paulistanos como José de Alencar, com seu “Como e por que me tornei romancista”, Castro Alves e seu “Navio negreiro”, Raimundo Corrêa com “Primavera”; nela ocorreu o primeiro movimento literário de vulto não apenas em relação à cidade mas ao próprio País ,em torno da Revista da Sociedade Filomática,em 1830,constituída na então recém-criada Faculdade de Direito — a primeira manifestação de brasilidade literária por sua consciência de fins e coesão de esforços renovadores.

A cidade pioneira e precursora
O retrato da História exibe a importância capital da Faculdade de Direito, a partir de 1827, na congregação de homens e idéias por meio da convivência acadêmica que propiciou a formação de agrupamentos de estudantes, com idéias estéticas, manifestações literárias e expressões próprias — deflagrando um processo vigoroso de efervescência intelectual que passou a agitar intensamente a pequena cidade de então. Ainda que se reconheça as limitações quantitativa e qualitativa da produção desses estudantes, não há como negar que estabeleceram a literatura como atividade presente na comunidade paulistana.
Deu-se por ela a primeira manifestação de uma vertente poética considerada “o início da escola brasileira” : o indianismo, desenvolvido na obra de Gonçalves Dias, mas praticado pioneiramente no poema “Nênia”, de Firmino Rodrigues Silva, composto entre as arcádias da Faculdade de Direito. E exercido ainda de forma pioneira em 1844, três anos antes do Primeiros cantos , de Gonçalves Dias, em “Cântico do tupi”, “Imprecação do índio” e “Prisioneiro índio”, do Barão de Paranapiacaba. Evidencia-se pois que quando Dias dominou o meio literário brasileiro, a poesia indianista ——base da obra do maranhense —— já existia e era praticada em São Paulo.Em 1845, com a fundação da Sociedade Epicuréia, consolida-se um processo de produção literária estudantil, embora de qualidade reduzida mas que viria a receber um influxo importante com a estadia de Castro Alves, em 1868 — foi em evento da Faculdade de Direito que declamou pela primeira vez o antológico poema “Navio negreiro”__ quem incutiu um teor social ao tipo de obra, sobretudo poética, que se fazia
Por essa época, o ‘corpo acadêmico’ já constitui um grupo social diferenciado da comunidade paulistana, a boemia e a literatura como manifestações mais características de um segmento com consciência grupal própria.Artistas criadores e ao mesmo tempo críticos, nas revistas e jornais , são os estudantes, entre os naturais da cidade e os migrantes e radicados, autores de denúncias e protestos contra a corrupção, a hipocrisia, as injustiças da sociedade . Na década de 1880 São Paulo acolhe também um grupo de jovens inflamados pelo verbo eloqüente de José Bonifácio o moço , uma geração empenhada numa luta em prol das idéias liberalistas e republicanas : Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Afonso Pena, Rodrigues Alves .

(continua)

sábado, 19 de janeiro de 2008

a propósito de futebol,literatura, Mario de Andrade,etc- III


O futebol , os literatos e duas cidades :em São Paulo...

Impõe-se, de resto, a especulação reflexiva sobre duas instâncias do mesmo núcleo de questão: primeira, por que o futebol em São Paulo, a cidade natal do introdutor do futebol no Brasil, a cidade onde fundou-se o primeiro clube de futebol do País, onde realizou-se o primeiro campeonato organizado de futebol, a cidade berço do ‘futebol de rua, de terreno baldio’ , a cidade que produziu o primeiro “craque”do futebol brasileiro, não teve já em seus primórdios ,por parte de seus intelectuais ,a mesma acolhida entusiástica como, por exemplo, a de um Coelho Neto, Olavo Bilac, Afrânio Peixoto no Rio de Janeiro? E depois, como avaliar o comportamento dos modernistas — da “primeira, segunda e terceira fases” (cf. Afrânio Coutinho) — com relação ao futebol ? entende-se que os modernistas da primeira fase tenham visto no futebol, em seu início de implantação no Brasil, um elemento elitista, “burguês e estrangeirista, alheado dos aspectos considerados essenciais e originais da cultura brasileira” — mas por que, depois da avassaladora popularização do futebol, transformado a partir da década de 1930 (o ano de 1938 como taxativo ponto de inflexão) em ‘símbolo de identidade nacional’, não se engajaram em sua aceitação, com o entusiasmo esperado, como elemento essencialmente ligado a seus ideais de nacionalidade , ou pelo menos não o encararam devidamente como um instrumento para chegar às suas concepções sobre a brasilidade ,a exemplo do que tinham feito ao acolher, por exemplo, o folclore e a música popular ; o futebol tinha tudo para cair nas graças também dos modernistas da primeira fase (mais além dos registros de Alcântara, Menotti, Bopp,Cassiano) lado a lado com os da segunda fase (os do nordeste) e da terceira fase , e mesmo dos ‘pós-modernistas’ — mas deu-se apenas na simpatia de ordem plástico-estética de Mario de Andrade e na contestação de cunho ideológico de Oswald de Andrade...
A realidade incontestável é que o futebol continua, ao longo do tempo, sua meteórica ascensão e disseminação como ‘força esportiva’, ‘força social’, ‘força cultural’. Esporte mais popular, no Brasil e no mundo, seguiu sua trajetória eletrizando todas as camadas sociais e sensibilizando escritores, artistas e intelectuais.
Prossegue o futebol,e assim será ad eternum, sempre provocando prazer e dor, polêmicas e alegrias,brigas, tumultos, conflitos, prazer,tristeza, paixões e ódios — nos campos, nos estádios, nos gramados, nas arquibancadas,nos terrenos baldios, nas várzeas, nos corações e mentes de todo o País.

a propósito de futebol,literatura, Mario de Andrade,etc- II


O futebol , os literatos e duas cidades: em São Paulo (continuação)

Os intelectuais entram em campo
Embora por volta de 1905 o futebol ainda fosse desconhecido para a ampla maioria dos brasileiros, em São Paulo já atraía grande interesse popular — tanto que até Monteiro Lobato, então acadêmico de direito, que numa carta a Godofredo Rangel, em 11.07.1904,escrevia : "(...)E cá estou de novo em São Paulo, mas ainda atribulado. Mudei-me para um quarto de frente na rua Araújo 26, com um lampião de rua bem junto à minha janela. Tenho luz de graça. E defronte há uma vizinha janeleira que já piscou. Em vez de namorá-la, meti-me no futebol - "Palmeiras". Joguei vários dias seguidos e fiquei mais derreado que com as léguas do sertão. Estou cheio de pisaduras e dodóis. Isto deve ser o que na "Vida Intensa" o Th. Roosevelt quer. O futebol empolgou-me de alma e corpo; escrevo crônicas de futebol e jogo. Diz o Tito que é mania - e diz-lhe o Raul: "Jacques, tu es un âne". Seja como fôr, asseguro-te que o futebol apaixona e contunde".O mesmo Lobato de um discurso fervoroso em 1905 após assistir a jogos entre paulistanos e ingleses: "(...) Essa luta tinha para a população de São Paulo um significado moral dez vezes maior do que a eleição para um presidente do Estado (...) O último goal do Paulistano provocou a maior tempestade de aplausos jamais conhecida em São Paulo (...) É desta espécie de homens que precisamos. Menos doutores, menos parasitas, menos bajuladores, e mais struggle-for-life. Mais homens, mais nervos, mais corpúsculos vermelhos, para que um Camilo Castelo Branco não possa repetir que ele tem sangue corrompido nas veias e farinha de mandioca nos ossos".
Apesar disso, não conseguia suscitar grandes paixões que extrapolassem o âmbito esportivo Intelectuais e escritores -- caso de Amadeu Amaral, Sylvio Floreal, Hilário Tácito --apenas esparsa e timidamente o registravam em seus escritos : quando muito admitiam e exaltavam a plasticidade do jogo, a elasticidade das jogadas, a empolgação dos que praticam e assistem as partidas . Mais tarde, já pelo final da década de 1910 e início de 1920 — no Rio de Janeiro ,o futebol visto como instrumento de ‘modernização pretendida pela República’, com as adesões entusiasmadas de Coelho Neto, Olavo Bilac e Afrânio Peixoto ,e a oposição ferrenha de Lima Barreto — em São Paulo dava-se a dedicação documental-historiográfica de Antonio Figueiredo e Leopoldo Santana , um relativo envolvimento de Menotti Del Picchia (registrando-o em poemas, no roteiro do primeiro filme do cinema brasileiro sobre futebol, “Campeão de futebol” homenageando Friedenreich, na frase “o Corinthians é um fenômeno sociológico a ser estudado em profundidade”) referências de Cassiano Ricardo, a simpatia de Raul Bopp (em artigo sobre o “élan magnético” que o atraía para o futebol), e sobretudo o ‘fervor’ de Alcântara Machado (não só pelo famoso conto “Corinthians (2) vs. Palestra(1)”,mas por uma relação direta com a difusão dos esportes no Brasil, fundador da primeira Liga Atlética Acadêmica do Brasil, “uma entidade poliesportiva devotada à propaganda, à prática e ao apoio de todas as formas de cultura física, vista como chave para se entrar na vida moderna propriamente dita”),o completo envolvimento de Francisco Rebolo (artista plástico e jogador de futebol , e um dos pioneiros na luta pela incorporação do negro no futebol brasileiro), a motivação de Candido Portinari ( em duas séries de trabalhos “Futebol em Brodósqui”), dos artistas Rodolfo Chambelland , André Lhote , Antônio Gomide . Tudo, no entanto, sem aquela empolgação --até mesmo de cunho filosófico e ideológico, como no Rio de Janeiro—que a cidade, pioneira na introdução do futebol no Brasil, na fundação dos clubes especificamente de futebol , na prática generalizada e popular do futebol,merecia.
Inclusive recebendo, por outro lado , de Mário de Andrade e Oswald de Andrade crítica e repúdio (mas em ambos amenizando-se ao longo do tempo, muito mais em Oswald do que em Mário, sem nunca alcançar o engajamento empolgado...) . Mario o via como “uma moda fútil entre tantas que aportam da Europa” em Paulicéia desvairada, “uma praga” em Macunaíma, não deixa de realçar a violência e o teor elitista do futebol “permeado de expressões estrangeiras” - a la Lima Barreto- em algumas crônicas, embora em 1939 acentue a transformação verificada em torno do futebol, o processo de apropriação pela identidade da nação chegando a adquirir um caráter antropofágico onde se afirmava a capacidade brasileira de deglutição, bem como de assimilação das influências estrangeiras e de sua transformação em expressões genuinamente nacionais. Oswald referiu-se com uma certa simpatia (mais irônica) nos versos do poema “E a Europa curvou-se ante o Brasil”, em que refere-se à excursão do Paulistano à Europa,em 1925, e em “Bungalow das rosas e dos pontapés”, sarcástico sobre a violência do futebol; embora sempre combatesse o futebol, como veículo de “alienação”, mais tarde iria referir-se, num artigo de jornal, como “um fenômeno da modernidade de fundamento religioso, ao lado dos festivais de cinema e da política” ; e ligou-se a Mario Filho e a Candido Portinari justamente por causa do futebol...
Também o escritor e jornalista paulista, Antônio de Godói, a princípio interessado pelo futebol — em 17 agosto de 1918, no Correio Paulistano, com o pseudônimo de Egas Muniz, na seção “Naipe de Paus”, comentando um jogo realizado em São Paulo, saudara “oxalá que o entusiasmo desses moços não se esmoreça, que continue com o mesmo fervor, constituindo assim núcleos para o desenvolvimento da nossa mocidade tão indispensável para a nossa vida” — em artigo de 22 de dezembro de 1920 já considera o futebol moda que haveria de passar , uma coisa “brutal, perigosa, intolerável”, não merecendo outro qualificativo semelhante exercício “em que a inteligente moderação e o irônico predomínio do espírito” desapareciam para dar lugar a “uma simples exibição de força muscular, a um delírio de corridas, de encontrões, de pontapés e de tombos”. Em nome do bom gosto, continuava, “esse esporte devia ser repelido como nocivo à integridade física da geração que despontava”.
O futebol ,posteriormente, encontrou acolhida em muitos contos de Orígenes Lessa, em João Antonio, Ignácio de Loyolla Brandão ; ‘receptividade’ em escritos de Sergio Milliet, de Sergio Buarque de Holanda, Paulo Emilio Salles Gomes. Sobretudo em Anatol Rosenfeld, ‘o irrequieto escritor’ que em fins da década de 1930 auto-exilou-se no Brasil devido às perseguições sofridas na Alemanha hitlerista e aqui deu continuidade a sua vasta produção intelectual, escrevendo contos, poesias e crônicas, além de opinar sobre arte, sobre o pensamento europeu, sobre teatro, imprensa, rádio, filosofia, política ,antropologia — e sobre o futebol : no texto “O futebol no Brasil”, publicado originalmente em alemão no Anuário do Instituto Hans Staden em 1956, comenta sua introdução no país, preocupou-se em analisar os elementos sócio-econômicos do futebol, da ascensão das massas aos componentes típicos dos jogos de bola - o torcedor, o ídolo, o clube, explicando ao público germânico que em terras brasileiras, (...) entre os negros, mulatos e brancos pobres, havia um grande número de jogadores de primeira classe, seja porque os ajudava o talento natural, seja porque a ´sucção de subida´ e o remoinho das chances do futebol os envolvia e canalizava, seja porque eles não eram estudantes de medicina ou direito e freqüentemente não tinham uma profissão, podiam lançar toda a sua paixão no jogo; em suma, porque levavam o jogo a sério e ´não tinham nada a perder´. (...) Dar pontapés numa bola era um ato de emancipação(...)”. Intelectuais paulistanos , paulistas e migrantes/radicados — como Décio de Almeida Prado, Nicolau Sevcenko, Waldenir Caldas, José Sérgio Leite Lopes, Francisco Costa, Luiz Henrique de Toledo , Fátima Martin Rodrigues Ferreira Antunes — que se dispuseram a buscar uma compreensão do futebol construíram “uma percepção do esporte como uma ágil e poderosa forma de expressão do caráter nacional; uma codificação positivista da estrutura social brasileira: o indivíduo, valendo-se de características muito peculiares, sobressairia-se a quaisquer empecilhos à sua sobrevivência e/ou ao relacionamento social, e assim alcançaria o sucesso e aceitação coletiva”.
futebol e modernistas
Relevante é observar especificamente o ‘relacionamento’ dos intelectuais modernistas com o futebol , recebido de modo diametralmente oposto na primeira, na segunda e na terceira fase (assim Afrânio Coutinho caracterizava o ciclo modernista) : o fenômeno futebolístico no Brasil dos anos de 1920 passando muito ao largo das preocupações missionárias dos primeiros, o esporte visto como “subproduto de importação, a adoção de mais um artigo de luxo , com sua linguagem integralmente inglesa e seu vestuário britânico desconhecido , provindo de uma matriz européia transplantada por uma elite anglófila e francófila, ávida por novidades e exotismos, típico da dependência cultural brasileira”; depois, já na década de 1930, o futebol interpretado sob a questão da representatividade nacional , uma forma de se chegar às suas concepções sobre a brasilidade; e no decênio seguinte , entrando em cena os regionalistas oriundos do Nordeste —Gilberto Freyre, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Jorge de Lima, Olívio Montenegro, a maioria já radicada no Rio de Janeiro — a interpretação modernista colocando o futebol também no terreno da cultura popular, retomando o projeto modernista de construção de símbolos nacionais,que a música popular e o folclore já haviam tornado possíveis e que, naquele momento, por meio de uma ‘brasilidade esportiva’, o futebol também facultava.
O modernismo pareceu à primeira vista lidar com certa cautela e muitas reservas, casos de Mario de Andrade e Oswald de Andrade – quando não, com explícita antipatia, como foi o caso de Graciliano Ramos que o repudiava ("Futebol não pega, tenho certeza; estrangeirices não entram facilmente na terra do espinho.", em 1919) – diante do crescente e contagiante processo de popularização de um esporte de origem e teor eminentemente europeus. Mas a tradução e a decodificação sofrida pelo futebol ao longo das décadas de 1920, 1930 e 1940, metamorfoseando-se de esporte elitista estrangeiro em esporte nacional-popular, possibilitou aos escritores modernistas da segunda fase uma paulatina alteração no enfoque do fenômeno, ainda que não de uma maneira unânime e consensual.
Como mencionado, a relação dos esportes com a identidade da nação tornara-se decisiva , acionando a idéia de “uma unidade nacional que tinha a seleção brasileira como uma das instâncias principais de representação simbólica”, coincidindo com um projeto de configuração do Estado-nação de Getulio Vargas E em consonância com a noção de antropofagia desenvolvida por Oswald de Andrade em seu manifesto de 1928, Gilberto Freyre identificou no futebol um exemplo indubitável da capacidade do brasileiro de transplantar, de assimilar e de reinterpretar os inúmeros produtos que historicamente vinham importados e impingidos da Europa.Mas Oswald de Andrade ainda combatia a popularidade do futebol no Brasil, sob o tema da “alienação”, o “futebol como ópio do povo”, já levantado por Lima Barreto e Graciliano Ramos, elegendo para este confronto de idéias José Lins do Rego (reprisando o espírito de polêmica de Lima Barreto x Coelho Neto).

(continua)

a propósito de futebol,literatura, Mario de Andrade,etc


"esporte das multidões",paixão nacional", o futebol abre sua temporada pelos campos brasileiros certamente fadado a provocar as mais deslavadas emoções e os mais acirrados confrontos. também classificado como "uma caixinha de surpresas", nada mais decorrente que se abra também a Caixa de Pandora para refletir sobre as relações entre futebol e intelectuais -- que as houveram,e muito. o texto em seguida enfoca essa relação no âmbito (interativo\comparativo ) das cidades do Rio e de São Paulo : comecemos pela Paulicéia -- até porque às vésperas(dia 25) de mais um aniversário e a propósito do relançamento anunciado (editora Agir) da obra do grande Mario de Andrade.

O futebol , os literatos e duas cidades -I

em São Paulo...
Na esteira e na órbita do pioneirismo que sempre caracterizou a cidade — pioneirismo manifesto intensa e explicitamente, por exemplo, na literatura e nas artes [cf. Rosso, Mauro: São Paulo , a cidade literária; ed. Expressão e Cultura,São Paulo, 2004] — São Paulo foi ‘o berço do futebol no Brasil”, a primeira cidade a organizá-lo e disseminá-lo em campos oficiais, pelas ruas e pelos terrenos baldios.Principalmente por causa dos imigrantes europeus,sobretudo ingleses,que — também no Rio de Janeiro — contribuíram para a disseminação dos esportes em geral e para fundação de clubes esportivos, a princípio de cricket (e depois, de futebol).

Foi um paulistano de berço que introduziu o futebol no Brasil: Charles Miller, descendente de ingleses e escoceses , nascido no Brás, aos 9 anos seguiu para a Inglaterra com a finalidade de estudar , e lá, aprendeu - e bem - a jogar futebol. No ano de 1894, retornando de seus estudos na Inglaterra, trouxe na bagagem uma bola de futebol e começou então a catequizar seus companheiros de trabalho e de críquete - altos funcionários da Companhia de Gás, do Banco de Londres e Ferrovia São Paulo Railway, fundando em 1888 o primeiro clube de futebol do Brasil, o São Paulo Athletic, clube que congregava os britânicos residentes em São Paulo.

Nenhuma cidade brasileira como São Paulo apresenta tamanha precocidade na introdução do futebol : já no final do século XIX era praticado em clubes, empresas (de capital inglês) e escolas; em 1896, por exemplo, o velódromo da família Prado, na Consolação, foi reformado para abrigar partidas de futebol ; em 1902 a cidade organiza o primeiro campeonato de futebol do país — a primeira partida de futebol realizada no Brasil, dentro das regras oficialmente estabelecidas na Inglaterra em 1863, aconteceu na Várzea do Carmo, entre as equipes inglesas São Paulo Railway e The São Paulo Gaz, em 14 de abril de 1895 (jogo ganho pela primeira por 4 x 2); e o primeiro clube de futebol formado essencialmente por brasileiros foi o Mackenzie College, criado em 1898.

Em 1899 são fundados primeiro o S.C. Internacional, e quinze dias depois o S.C. Germânia. Em 1900, pode-se dizer, nasceu a verdadeira organização do futebol paulistano quando chegou, de volta de seus estudos na Suíça, o jovem Antonio Casimiro da Costa, que começou a lutar para a constituição de uma Liga dos clubes já existentes, e pela organização de um campeonato . Neste mesmo ano deu-se a fundação do Clube Atlético Paulistano ; e em 1904 apareceu a Associação Atlética das Palmeiras — que até 1915 foi constituída por doutorandos, engenheiros e futuros advogados. Isso porque o futebol era o coqueluche da mocidade estudiosa de São Paulo, no início do século : quase que se limitava aos estudantes naquele

tempo, quase todos filhos de famílias abastadas ; a verdadeira diversão domingueira da alta sociedade paulistana, não se compreendia então um acadêmico de direito sem ser integrante de um dos clubes já existentes. A classe dominava abertamente no Paulistano, Palmeiras, Mackenzie e Internacional : muitos rapazes, grandes craques do início do século, foram e são homens públicos, cientistas, diplomatas, jurisconsultos e engenheiros famosos. [ Tornaram-se os ídolos máximos desse geração Rubens Sales e Arthur Friedenreich, este considerado o primeiro craque do futebol brasileiro ( e autor do primeiro gol da seleção nacional, em 1914).Em 1920 o futebol já dominava a cidade inteira e Palestra Itália, Paulistano e Corinthians formavam o “trio de ferro” dividindo entre si a preferência quase geral.Memorável entre todos os fatos esportivos, foi a excursão do Paulistano à Europa em 1925—que propiciou o poema “E a Europa curvou-se ante o Brasil “ de Oswald de Andrade ].

Estudiosos sugerem duas hipóteses para tentar explicar a razão pela qual São Paulo — que já contavamdesde o início com um espaço específico, o velódromo da Consolação — antecede o Rio de Janeiro na adoção do futebol : primeiro, o Rio já possuía um esporte de relativa popularidade, o remo, que o futebol somente conseguiu destronar por volta de 1910; segundo, por causa da índole de modernidade paulistana embrião da metrópole frenética que naquele momento melhores condições possuía para assimilar inovações, e dentre elas o futebol. E São Paulo foi a primeira cidade a atrair grandes multidões aos campos,

O futebol, como prática popular de entretenimento, se insere na própria formação da classe operária paulistana, como elemento de sua cultura : certamente, o grande número de imigrantes e operários contribuiu para a rápida popularização do futebol em São Paulo.

Mas, de acordo com interpretações históricas, um dos proeminentes vetores da popularização do jogo de futebol, tanto no Rio como em São Paulo, teria sido resultado direto da intervenção dos patrões, das autoridades, do Poder Público — no Rio, como contraposição à capoeira, já prática proibida; em São Paulo, como antídoto contra as greves : a emergência e fortalecimento do movimento operário por volta de 1917 ‘revelou’ ao governo e aos empresários que a cidade precisava de “um esporte de massas”(sic); os operários seriam então ‘mandados a jogar futebol’, para o que os patrões “deveriam construir grounds”. O futebol seria assim um eficiente instrumento ‘disciplinador’ utilizado e patrocinado pelos industriais “para ordenar os trabalhadores e dinamizar a produção”, “um ensinamento de disciplina e de harmonia” — o esporte sendo muito mais uma imposição ou uma ‘dádiva’, muito menos prazer e desejo e iniciativa de quem o praticava.
Ao mesmo tempo, em São Paulo os campos de futebol se constituíram em importante elemento na caracterização das vilas operárias , que eram “espaços de ordenação”: o futebol ajudava a manter o operário num “espaço de ordem e disciplina, livre do caos e da desordem” e proporcionava aos trabalhadores “o relaxamento necessário para depois produzirem mais e melhor...”.

Em São Paulo, o Poder Público isentava os campos de impostos, os industriais construíam grounds — e a polícia deixava de reprimir os “rachas” em terrenos baldios : já era bastante difundida e rotineira a prática do jogo nas várzeas e terrenos baldios.
Naquele ano de 1902 em que os paulistas organizam o primeiro campeonato de futebol no Brasil surgiram os primeiros campos de várzea, que logo se espalham pelos bairros operário; já em 1908/1910 a várzea paulistana congregava vários e concorridos campeonatos, de forma que São Paulo não é apenas pioneira nacional no futebol "oficial", mas também (e sobretudo) no "futebol popular".


E é na cidade que, não por acaso, surge em 1910 aquele que, dentre os grandes clubes do futebol brasileiro, foi o primeiro a se formar a partir de uma base popular: o Sport Clube Corinthians Paulista .

Um mais abrangente pano de fundo histórico registra que, pela a necessidade de um reordenamento geral de todo o contexto social, o futebol passou a ser considerado como parte do processo modernizador e o desenvolvimento de práticas esportivas considerado uma forma de atenuar as tensões políticas.Caracterizado já nas décadas de 1930/40 como um fenômeno popular e de massa, o futebol,assim como as atividades esportivas em geral, já era visto pelas elites governantes como um componente fundamental a ser atingido numa “cruzada disciplinadora”, correspondendo a um movimento cultural e político mais amplo, envolvendo tanto os interesses de disciplina social do Estado quanto a produção de uma identidade nacional (expressa e reforçada, por exemplo, pela participação da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1938 ).
Nacionalismo e autoritarismo constituíam-se em eixos fundamentais tanto na prática política quanto na obra de vários intelectuais brasileiros. Para estes, a República até então não havia sido capaz de forjar uma verdadeira nação, já que, entre outros motivos, os particularismos regionais ainda eram dominantes. Assim, para os setores que exerciam o domínio político no país, uma tarefa urgente se impunha: construir a nação brasileira. Para tal, o futebol, com sua extraordinária adesão popular, foi sem dúvida um excepcional instrumento [Nesse particular, por exemplo, a construção de estádios de futebol passou a constituir prioridade para sua disseminação e arregimentação de massas populares : em abril de 1940 foi aberto ao público,em São Paulo, o Estádio Municipal do Pacaembu, “de linhas tão imponentes quanto harmoniosas , maravilhosa obra coletiva que encarna plenamente a modernidade paulistana”, com o qual nasceu uma das principais tradições políticas do futebol brasileiro: a construção generalizada de estádios com recursos públicos ] .

(continua)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

leitores e protagonistas machadianos


na obra machadiana, o leitor empírico é o ‘frívolo’, e ‘grave’ é o leitor-modelo. Até o final da década de 1870 [ notem que evito chamar de “primeira fase”, creio quão equivocada,e exdrúxula, é essa classificação ] consoante os ditames (estéticos,temáticos,tramáticos,estilísticos,formais,etc) do romantismo ainda vigente [1], os textos ficcionais, i.e. romances e contos – também os não-ficcionais,diga-se as crônicas: sustento cada vez a correspondência/equivalência/coerência/simetria ‘processual’ entre estes e aqueles[ vide meu estudo e palestra “Interseções entre a ficção e a não-ficção de Machado de Assis”] – atendiam ao leitor empírico\frívolo ( como não poderia deixar de ser) condicionado e formado no âmbito desse romantismo e seus valores ; enquanto isso, o grave mantinha-se em ‘surdina’...
nessa linha e cenário, paralelamente ao binômio leitor empírico\frívolo, e a ele integrado e em consonância perfeita, outro viés machadiano expressava-se no tríduo tolo-mulher-homem de espírito [vide meu estudo a respeito, na obra Queda que as mulheres têm para os tolos : Machado de Assis, o subterfúgio, o feminino, a transcendência literária ], criado nesse primeiro livro publicado de Machado, em 1861 (cheio de peculiaridades e absolutamente prenunciador,anunciador e antecipador do ficcionista que viria depois) e desenvolvido\fomentado a partir de então e até o fim da vida literária machadiana : então, a evidente preferência das mulheres pelos tolos, em detrimento dos homens de espírito, satisfazia o leitor frívolo ; e nem mesmo o inconformismo do homem de espírito diante dos ditames e regras do jogo social poderia receber,digamos, a solidariedade do leitor grave, ainda na ‘surdina’ a quie Machado deliberadamente o colocara...
os processos de metamorfose ao longo do tempo, a partir da década de 1860, deram-se concomitantes : na medida da evolução literária machadiana,culminante com a grande inflexão de 1880,o leitor empírico\frívolo vai ‘cedendo espaço’ ao leitor-modelo (inclusive um novo,criado por Machado)\grave da mesma forma e na mesma proporção em que as mulheres vão substituindo sua preferência pelos homens de espírito relegando os tolos em contos e nos romances.

[1] embora Machado inteiramente convicto da total e irreversível decadência do romantismo : vide “sinapse” ao lado.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

a quem lê ,ou vir a ler,o maior dos escritores


na esteira da mensagem anterior-- e passamos então a pisar um terreno muito mais elevado -- pois saibam que existe um autor,habitante-mór desse terreno superior e perpetuado em todas as latitudes, que construiu em seu texto e por meio dele um novo leitor-modelo. até porque segundo Umberto Eco há textos que querem produzir um leitor novo e textos que apenas procuram ir ao encontro do desejo dos leitores tais como eles são, obras que visam atender aos leitores-modelos existentes e obras que buscam criar um novo leitor-modelo . Machado de Assis faz isso em Memórias póstumas de Brás Cubas e a partir daí em todos seus romances posteriores e em inúmeros contos -- afinal, é sua fase mais criativa e antológica(como se as anteriores não o fossem inventivas e grandiosas)., de forma e de linguagem . Construiu seus leitores recorrendo a estratégias temáticas,tramáticas,narrativas,estilíticas que só ele ,mais ninguém,tinha e sabia usar-- entre essas estratégias ,as digressões,fragmentações narrativas,retardamentos de fatos anunciados ou prometidos ao leitor, metamorfoses de vozes narrativas : elementos, de resto inerentes ao 'shandismo' e à sátirea menipéia que foram os mentores e vetores do historico processo de inflexão machadiano da década de 1880.Como poucos, Machado descondicionou o leitor empírico do leitor-modelo, como ninguém na literatura brasileira 'desconstruiu' essa relação, embora via de regra seja ela utilizada para que o leitor chegue aonde o autor deseja. Mas Machado,não satisfeito,na esteira desse 'dissídio' fez o leitor(o empírico) oscilar em "grave"-- que espera algo mais do que um 'simples texto', ou um 'puro romance', ou uma 'obra correta',um leitor que deseja reflexões de caráter mais realista-- e "frívolo"-- que espera impactos e emoções no texto ou na obra,um leitor de tipo romântico.Ora graves ora frívolos, esses leitores são por assim dizer 'transportados' para dentro mormente dos romances Brás Cubas e Quincas Borba[em Dom Casmurro e Esau e Jacó essa oscilações e faz predominar o grave ] e para a maioria dos contos do período 1882-88.E mais : da mesma forma levou-os também para dentro de crônicas, oscilando-os em "Balas de Estalo"(1883-86), "A + B" (1886), "Gazeta de Holanda"(1886-88),"Bons Dias !"(1888-89),mas em absoluta simetria com os dois últimos romances acima citados privilegiando o grave a partir de 1892 em "A Semana".

bem, Machado é Machado,sabemos todos...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

a quem me lê

desnecessário e dispensável explicar a importância do leitor para que se produza um texto,ou uma obra -- a Literatura ,como "sistema orgânico" conforme a concepção formulada por mestre Antonio Candido,só existe e se faz se a um autor\emissor houver a derradeira instância do leitor\receptor,travando-se um diálogo in absentia e estabelecendo interatividade [ aqui mesmo,neste espaço,busca-se essa sinergia, a almejada simbiose que em diversas nuances pode oferecer ,a la Borges,um instigante\estimulante ' jogo de máscaras e espelhos':aliás, a Caixa de Pandora é assim mesmo,fadada a criar esses mecanismos inferenciais] . ou,segundo a linguagem da Teoria Literária ,desenvolvendo-se, ou a se desenvolver, idealmente a conexão narrador-narratário.
sim, porque há leitores e leitores. existe o leitor empírico,aquele que de fato está lendo o texto ou a obra , que não é necessariamente aquele a quem o texto ou a obra se endereça, aquele que o autor tem em mente ao escrever.Umberto Eco,em Seis passeios pelos bosques da ficção (Companhia das Letras,SP,1994), afirma que todo texto "é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça uma parte de seu trabalho", daí existindo um leitor pressuposto para o texto ou a obra, e adota o termo leitor-modelo, um leitor com determinada soma de informações,conhecimentos,crenças e expectativas que passa a participar da construção e da tecelagem do texto ou da obra.
ao leitor-modelo umbertiano integra-se ,como agente simétrico, o autor-modelo --- a voz anônima que conta a história,mas não se confunde com o narrador,nem com o autor.

o que quero dizer com tudo isso ? conclamar e reunir leitores empíricos,leitores-modelo e autores-modelo.e dizer que vc. também é autor destas linhas.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

no Fico, o dito pelo não dito


não é que se queira antecipar fatos e atropelar uma agenda,per se fornida de efemérides-- mas imposível deixar de consignar este dia 9 janeiro como um dia importante para a literatura brasileira. como ? mas não é o 'dia do Fico', referindo-se ao ato de Pedro I em 1822 em resposta às exigências de Portugal para que ele, aqui permanecido depois do regresso de D.João VI a Lisboa em 1821,também deixasse o Brasil ? bem, a história narra os fatos e importa aqui realçar que a decisão do então Príncipe Regente ,e seus atos posteriores ao Fico,sinalizavam ruptura e foram fundamentais para o desenrolar do processo de emancipação política,daí a Independência no famoso 7 setembro "às margens do Ipiranga",que como se mostrará aqui -- no devido momento ( mencionei o quanto não desejo subverter a ordem cronológica das coisas,embora inevitável seja :pois não falei acima da volta da Família Real antes de me dedicar à sua chegada,em 1808 ? nem tudo poderá se encaixado em seu devido tempo, o que fazer)-- dizia eu se mostrará o quanto a Independência determinou a formação sedimentada da literatura brasileira. é só aguardar um pouco mais(pois antes há de se tratar do aporte da comitiva de D.João VI,que se deu a 22 janeiro em Salvador ,BA,e a 7 março no Rio de Janeiro).


fiquemos hoje no Fico:se marco importante para a história política também crucial para a historiografia literária. pois saiba-se que a célebre frase "como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto : diga ao povo que fico" não parece ter sido pronunciada na verdade por Pedro I-- política e história por vezes se fazem na lógica do 'diz-que-diz' e neste caso adotou-se um pronunciamento mais impactante,à altura da ocasião,um discurso conciso e lapidarmais apropriado para permanecer nos anais histórico. só neles porque o auto real da sessão do então Senado da Câmara,no Paço,quando Pedro I formalizou sua permanência no Brasil,registra que a fala do Príncipe teria sido a seguinte :"Convencido de que a presença da minha pessoa no Brasil interessa ao bem de toda a nação portuguesa,e conhecido que a vontade de algumas províncias assim o requer, demorei a minha saída até que as Cortes e meu Augusto Pai e Senhor deliberem a este respeito,com perfeito conhecimento das circunstâncias que têm ocorrido"-- e dito isso, assim dito,em seguida achegou-se às varandas do Paço e declarado "agora só tenho a recomendar-vos união e tranquilidade". quem informa tudo isso é Oliveira Lima (1868-1928: eis aí outras efemérides dignas de celebração) em sua magnífica obra O movimento de independência 1821-1822-- como, aliás, todas de sua lavra(inclusive a indispensável Dom João VI no Brasil e a canônica Formação histórica da nacionalidade brasileira ;além de D.Pedro e D. Miguel, a querela da sucessão 1826-1828, O Império brasileiro 1822-1889, Evolução histórica da América Latina comparada com a da América inglesa. Oliveira Lima é leitura indispensável para se conhecer a história brasileira.

domingo, 6 de janeiro de 2008

efemérides 2008


citadas em mensagens anteriores-- e de cada uma aqui trataremos -- as mais importantes efemérides deste ano de 2008,na seara brasileira, contemplam, em sua ordem cronológica,
* o bicentenário da chegada da Família Real Portuguesa,à frente D. João VI – a 22 janeiro 1808 em Salvador,Bahia, e a 7 março no Rio de Janeiro
* o centenário de publicação,por Livraria B.L.Garnier Editor, do romance Memorial de Aires, a derradeira obra de Machado de Assis editada em vida – em abril 1908
* o centenário de nascimento de João Guimarães Rosa -- a 27 junho 1908
* o centenário de morte de Joaquim Maria Machado de Assis -- a 29 setembro1908
* o centenário de morte de Artur Azevedo -- a 22 outubro 1908

[ mas há de se saber que 2008 também registra os 100 anos de nascimento de

-- Simone de Beauvoir (1908-86)-- autora de romances como Os mandarins (1954) e memórias como A força das coisas (1963) ,documentos eloqüentes de uma época e de um ambiente intelectual,e sobretudo de O segundo sexo (1955),que se perfila entre os 20 livros mais influentes do século XX, com perceptível repercussão em movimentos sociais, no aparecimento de obras literárias e filosóficas e na base fundamental do feminismo;

-- Maurice Merleau-Ponty (1908-61), cuja obra maior, Fenomenologia da percepção (1945), enveredou por uma alternativa ao cartesianismo, sobretudo no reconhecimento de uma "intencionalidade corporal" que superava a dicotomia corpo-espírito.

grande escritor e filósofo ,de quem se tem como obra maior Fenomenologia da percepção (1945), mas também autor do incomparável ensaio "A dúvida de Cézanne", republicado em Sentido e não-sentido (1966) ;

-- Claude Lévi-Strauss,ainda vivo,residente em Paris, o maior etnólogo e antropólogo social do século XX, cuja obra As estruturas elementares do parentesco (1949) foi inspirador para a redação de O segundo sexo (Simone era profunda admiradora de seu interesse pela mulher nas culturas não-ocidentais)]

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008


O governo – apesar do que anunciara – acabou mesmo por aumentar impostos para ‘compensar a perda da CPMF (nada surpreende em se tratando deste governo...).
Como sempre, é bom ler Machado de Assis [
não damos início aqui ,agora, propriamente, ao "ano Machado": nós o faremos, um belo programa nos aguarda,mas ainda não é hora de pular a agenda cultural --antes, trataremos da hegada da Família Real] .

impostos inconstitucionais ...
16 de maio de 1885, Balas de Estalo
Ontem, ao voltar uma esquina, dei com os impostos inconstitucionais de Pernambuco
[1]. Conheceram-me logo; eu é que, ou por falta de vista, ou porque realmente eles estejam mais gordos, não os conheci imediatamente. Conheci-os pela voz, vox clamantis in deserto [2]. Disseram-me que tinham chegado no último paquete. O mais velho acrescentou até que, já agora, hão de repetir com regularidade estas viagens à Corte.
- A gente, por mais inconstitucional que seja, concluiu ele, não há de morrer de aborrecimento na cela das probabilidades. Uma chegadinha à Corte, de quando em quando, não faz mal a ninguém, exceto . . .
- Exceto . . . ?
- Isso agora é querer perscrutar os nossos pensamentos íntimos. Exceto o diabo que o carregue, está satisfeito? Não há coisa nenhuma que não possa fazer mal a alguém, seja quem for. Falei de um modo geral e abstrato. Você costuma dizer tudo o que pensa?
- Tudo, tudo, não; nem eu, nem o meu vizinho boticário, e mais é um falador das dúzias.
- Pois então!
- Em todo caso, demoram-se?
- Temos essa intenção. O pior é o calor, mas felizmente começa a chover, e se a chuva pega, junho aí vem com o inverno, e ficamos perfeitamente. Está admirado? É para ver que já conhecemos o Rio de Janeiro. Contamos estar aqui uns três meses, não pode ser que vamos a quatro ou cinco. Já fomos à Câmara dos Deputados.
- Assistiram à recepção do Saraiva
[3], naturalmente?
- Não, fomos depois, no dia 13, uma sessão dos diabos. Ainda assim, o pior para nós não foi propriamente a sessão, mas o demônio do José Mariano
[4], que, apenas nos viu na tribuna dos diplomatas, logo nos denunciou à Câmara e ao Governo. Não pode calcular o medo com que ficamos. Eu, felizmente, estava ao pé de duas senhoras que falavam de chapéus, voltei-me para elas, como quem dizia alguma coisa, e dissimulei sem afetação; mas os meus pobres irmãos é que não sabiam onde pôr a cara. Hoje de manhã, queriam voltar para Pernambuco; mas eu disse-lhes que era tolice.
- São todos inconstitucionais?
- Todos.
- Vamos aqui para a calçada. E agora, que tencionam fazer?
- Agora temos de ir ao imperador, mas confesso-lhe, meu amigo receamos perder o tempo. Você conhece a velha máxima que diz que a história não se repete?
- Creio que sim.
- Ora bem, é o nosso caso. Receamos que o imperador, não dar conosco, fique aborrecido de ver as mesmas caras, e, por outro lado, como a história não se repete. . . Você, se fosse imperador, o que é que faria?
- Eu, se fosse imperador? Isso agora é mais complicado. Eu, se fosse imperador, a primeira coisa que faria era ser o primeiro cético do meu tempo. Quanto ao caso de que se trata, faria uma coisa singular, mas útil: suprimiria os adjetivos.
- Os adjetivos?
- Vocês não calculam como os adjetivos corrompem tudo, ou quase tudo; e quando não corrompem, aborrecem a gente, pela repetição que fazemos da mais ínfima galanteria. Adjetivo que nos agrada está na boca do mundo.
- Mas que temos nós outros com isso?
- Tudo. Vocês como simples impostos são excelentes, gorduchos e corados, cheios de vida e futuro. O que os corrompe e faz definhar é o epíteto de inconstitucionais. Eu, abolindo por um decreto todos os adjetivos do Estado, resolvia de golpe essa velha questão, e cumpria esta máxima, que é tudo o que tenho colhido da história e da política, e que aí dou por dois vinténs a todos os que governam este mundo: Os adjetivos passam, e os substantivos ficam.
_______________

[1] em meados dos anos 1880 várias assembléias provinciais estabelecerem impostos sobre a exportação, uma parte da receita dos quais podiam reter, e também sobre a importação, o que era expressamente vedado pela Constituição. Sob pressão de Associações Comerciais e dos delegados regionais da Fazenda, diversas assembléias foram forçadas a votar a supressão desses impostos-- apenas Pernambuco, Bahia e Maranhão ainda resistiam
[2] a voz do que clama no deserto; pregar no deserto, com o significado bíblico de “sermão perdido”.
[3] referência a José Antônio Saraiva, o Conselheiro Saraiva (1823-95), que retornou ao Senado depois de deixar a presidência do Conselho de Ministros em 1884.
[4] José Mariano Carneiro da Cunha (1850-1912), jornalista e político, ativo militante abolicionista, deputado constituinte republicano, eleito prefeito de Recife em 1891.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

que linda cidade extinta

a cidade do Rio de Janeiro posta no 'centro do mundo',por ocasião do reveillon[neste que passou e de todos os anos], propicia excelente oportunidade de vê-la, ou revê-la(para alguns), em toda sua formosura e civilidade-- hoje,se não totalmente perdidas, no mínimo lastimavelmente dilaceradas.contemple-se o Rio de 1936,neste curto e estupendo documentário de James A. Fitzpatrick; constate-se que linda,maravilhosa e civilizada cidade que não existe mais ; reflita-se sobre o que destruiu um paraíso tropical..

YouTube - Rio de Janeiro 1936, "City of Splendour" - Rio Antigo

vale pensar muito sobre a cidade literária que abrigou a Família Real, Machado de Assis e Guimarães Rosa,todos motivos e sujeitos de efemérides neste 2008 que se anuncia. a hoje para sempre perdida cidade que atravessou dois séculos como cenário e palco da criação e formação da literatura brasileira -- literatura aflorada pela estadia de D. João VI, erigida pela figura-mor da cultura nacional,consolidada pelo mais inovador ficcionista que o País jamais conheceu.

que linda cidade extinta !

a cidade do Rio de Janeiro posta no 'centro do mundo',por ocasião do reveillon[neste que passou e de todos os anos], propicia excelente oportunidade de vê-la, ou revê-la(para alguns), em toda sua formosura e civilidade-- hoje,se não totalmente perdidas, no mínimo lastimavelmente dilaceradas.



contemple-se o Rio de 1936,neste curto e estupendo documentário de James A. Fitzpatrick; constate-se que linda,maravilhosa e civilizada cidade que não existe mais ; reflita-se sobre o que destruiu um paraíso tropical.

YouTube - Broadcast Yourself.



vale muito pensar sobre a cidade literária que abrigou a Família Real, Machado de Assis e Guimarães Rosa,todos motivos e sujeitos de efemérides neste 2008 que se anuncia. a hoje para sempre perdida cidade que atravessou dois séculos como cenário e palco da criação e formação da literatura brasileira -- literatura aflorada pela estadia de D. João VI, erigida pela figura-mor da cultura nacional,consolidada pelo mais inovador ficcionista que o País jamais conheceu.