terça-feira, 30 de junho de 2015
A propósito da FLIP – e de feiras e festas literárias
Abre-se
a FLIP, em sua edição 2015 : tanto ela
quanto as diversas festas e feiras
literárias regionais e específicas que se multiplicam pelo país a cada ano,
constituem-se claramente em
geradores de elementos de
reflexão acerca de eventos literários e de novos cenários, ou novas vertentes
dos cenários editorial e livreiro do país – a proliferação de feiras de livros
contrapostos por suas
estruturas,escopo,focos e enfoques, ‘conceitualmente’ à bienal e seu formato tradicional.
Via
de regra, todos transcendem o modelo comum
de
eventos de exposição e venda de livros para se constituírem em notáveis cenáculos temáticos, expressos em painéis, palestras,
breves simpósios, mesas-redondas,oficinas, depoimentos – muitos voltados para a
leitura,seus fomento,estímulo e prática.
Reporto-me
de imediato às discussões e análises que
ora se dão,gradativamente com maior intensidade, com relação à Bienal do Livro
-- cujas últimas edições mostraram-se
esvaziadas,’fisicamente’ por
parte e no seio do próprio meio editorial-livreiro, haja vista p. ex. grandes
editoras estarem ausentes,sob
argumentação de "custos exorbitantes" e "parcos
resultados", e conceitualmente por força do crescente pensamento crítico quanto ao tradicional
"modelão”,ou "formatão" (assim são definidos pelos profissionais
do ramo) da Bienal, ao mesmo tempo em que as atenções se voltam cada vez mais
para os eventos regionais, essa profusão(benéfica,digo eu) de festas e feiras
pelo país: Belém, Fortaleza,Recife,Ouro Preto, Paraty, Porto Alegre,Passo Fundo
(esta, excepcional, de longa data,
lamentavelmente foi “suspensa” neste ano...).
Persiste
mesmo o intento, entre editores, livreiros e profissionais do setor, de
fortalecimento e incremento a esses eventos regionais , os quais -- tanto por
suas próprias concepções como pelas efetivas programações realizadas até aqui
--têm oferecido os elementos de uma presente reflexão conceitual sobre a Bienal
: constituir-se menos em cenários de venda e exposição de livros e mais de incentivo a leitura – certo é que nas últimas
edições a bienal tem, embora de modo incipiente e algo disperso, incrementar
certos painéis,mesas-redondas, debates, até mesmo ligeiras oficinas acerca de
temas específicos, reflexões sobre literatura, promoção da leitura,etc. As
feiras regionais com efeito oferecem,de resto, o que faz parte das proposições
preconizadas pelos intentos de reformulação conceitual da Bienal : a
proximidade – em agosto – da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, conjugada com a
realização da Flip,no momento, mostra-se propícia para o deslanchar de reflexões,meditações amplas e
profundas,reformulações de pensamentos e concepções,e sobretudo ações concretas
de superação de incompreensões e distorções conceituais..
Em
minha opinião, ainda vejo extrema
validade na Bienal -- mesmo sob as formas de seus 'modelão,formatão'; sendo como sempre
frequentada pelos contingentes daqueles parcos e raros leitores para os quais
todas as pesquisas apontam a média de leitura de ... 2 livros por ano (!); ainda que com as
características de ‘feirão’,cenários circenses, etc -- evidentemente admitindo, e concordando
plenamente, com a necessidade de certas alterações, ajustes, como em especial o
incentivo maior a realização de oficinas,painéis,debates, etc. A validade que
sustento tem em vista o chamado 'grande público', por força do comprovado fato
de a Bienal representar a contrapartida real,concreta, a um tipo de
comportamento desse '(não)leitor comum': sua relação com a livraria, tida e
vista por ele como uma espécie de 'templo sagrado', espaço de sacralização --
apesar de tudo em termos de atrativo,utilidade, conforto, etc que as livrarias
oferecem hoje (café,poltronas,ambientes de leitura,etc) -- a inibi-lo e refrear
sua possibilidade de chegar ao livro. Na Bienal, justamente por seu ‘modelão’
-- que de resto permite uma exposição mais abrangente quase completa, do
conjunto dos acervos de editoras -- por seus cenários 'populares' e
descontraídos[sic], propicia um sensível processo de dessacralização.Ainda mais
se propostas,e tal tem ocorrido gradativamente (também incipiente),expandir
alguns focos no temático,como de resto enfatizei.
sexta-feira, 26 de junho de 2015
MACHADO DE ASSIS, ‘PLAGIADOR’...
Vez Vez por outra – e o pior é que se repete – e ao mesmo
tempo tema de diálogos com estudiosos literários[ ontem
mesmo mantive um, via hangout, com interlocutores acadêmicos na Inglaterra],
ressurge, qual uma ‘sombra das cinzas’, um assunto ou tópico que se não for
devidamente esclarecido e repelido acaba tornando-se recorrente na apreciação
da obra de Machado de Assis: o propalado (equivocado) ‘plágio literário’ que
ele teria praticado em algumas de suas produções.
________
Para começo de conversa : ‘plágio’ – com ou sem aspas
– é inerente ao próprio modus operandi do fazer literatura,
comum a todo escritor, no sentido de apropriação de temas e de formas, estilos,
linguagens, de uns por outros, apropriação (consentida, benfazeja, alvissareira
– digo eu) de resto inserida, integrada e abrigada sob o moderno conceito de
intertextualidade, praticada no melhor
de sua concepção teórica e prática e sua
essência, como ninguém na literatura brasileira oitocentista, por Machado : reitero tal e não me canso de
sustentar (em artigos, palestras, na obra ora finalizada “A formação literária de Machado de Assis:
fontes para biografia literária”). Em Machado, apropriações, ou – vá lá,
‘plágios’ [sic]- se dão efetiva e
concretamente, em especial com relação a obras, textos e autores estrangeiros,
com os quais estabeleceu relações,
correlações,interações e interatividades, por eles influenciado e formado,
incorporando-os em seus escritos, com eles estabelecendo e redimensionando
intertextualidades, poucas vezes
anotadas na historiografia literária, e que constituíram-se em
sólidos alicerces de sua formação literária e intelectual.
Só que... neste particular (qual antecipador da
antropofagia modernista de 1922 : reporte-se a Oswald de Andrade et allii), Machado assimilou-os ,
‘deglutiu-os’, ‘digeriu-os’ e os incorporou à sua obra, sua escrita e sua linguagem literária, dotando estas ao mesmo tempo (como sabemos)
de brasilidade e universalidade, de localismo e universalismo – binômio sob o
qual e com o qual construiu sua obra.
E nessa
apropriação ‘antropofágica’ de autores e obras , quer brasileiros quer
estrangeiros, Machado redimensionou a antiga técnica do aemulatio, em seu mais lídimo sentido, o de definir e passar a ter
autores como mestres (os denominados auctoritas),
retomando-a e atualizando-a com outras implicações e injunções, inclusive sob os modernos conceitos de
intertextualidade.
Em Machado, o aemulatio,, simbiose do imitatio e do creatio -- imitatio
que não pode, em hipótese alguma, ser tratado como plágio ou cópia : até porque tem vínculo com o creatio, e no caso de
Machado com o recriar -- revela-se e
expressa-se do mesmo modo em sua
atividade de (notável, esmerado) tradutor (inclusive antecipador de
contemporâneos e modernos conceitos e práticas de Teoria Literária e Literatura
Comparada).
Então : a formação intelectual e as constituição, produção e vida
literárias machadianas -- processada e realizada, mister observar, paralela
e concomitantemente a notórias e inevitáveis referências brasileiras ( foi o
primeiro e único, em sua época, a referenciar, aludir e refletir sobre os
escritores nacionais seus contemporâneos) – deu-se de modo e escala intensos e precípuos sob a
órbita, égide e approach de influências e orientações estrangeiras, a saber, franceses, portugueses, ingleses,
alemães, gregos, latinos, espanhóis e italianos -- notadamente (como sempre enfatizo e
difundo) os portugueses, de marcante
relevância, por seus autores e obras
lidos e consultados por Machado, aqueles que com ele conviveram no Rio de
Janeiro, aqueles intensamente citados, referenciados em sua obra, absolutamente decisivos na vida, quer
pessoal, social e conjugal, quer intelectual, em suas formação e constituição
literárias e em sua obra, na edificação de sua linguagem, sua escrita e estilo
narrativo, e em seu embasamento político-ideológico-filosófico.
Todo o recolher, assimilar e incorporar de autores, obras
e textos de outras nacionalidades, devidamente ‘deglutidos’, comungadas com a
incorporação de referências brasileiras assimilando-os
à suas formação e produção literárias, perfeitamente integrado aos mais lídimos conceitos de
intertextualidade – e que não restem dúvidas ou restrições a respeito :
abandone-se de vez essas ruminações acerca de ‘plágios’... – alicerçaram sua
formação literária e intelectual, em decorrência desta e a ela integrada, sua
notável ação informativa e formativa de leitores, de seu tempo, dos períodos
sequentes, de hoje, de sempre, e constitui-se
inquestionavelmente nos sólidos alicerce e vetor de sua grandiosa obra
literária.
M.R.
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