sexta-feira, 4 de julho de 2008

Na verdade, as grandes mudanças que o século XX trouxe para a vida da mulher foram fator determinante para o surgimento e expansão de uma literatura feminina __ reflexo e manifestação dos novos papéis da mulher na sociedade e no mundo. A gestação dessa ‘nova mulher’ deu-se pelo amadurecimento crescente de sua consciência crítica, que determinou uma transformação radical da escrita realizada pela mulher : de uma literatura lírica-sentimental, de ‘contemplação emotiva’, para uma literatura ética-existencial, de ‘ação ética-passional’__ um caminho trilhado , e nitidamente percebido no meio exterior (por críticos, leitores, editores, agentes, midia, etc), na área da prosa ficcional, da poesia e do teatro.Na nova ficção feminina, o amor __ codimentado pelo erotismo, por vezes exacerbado __deixa de ser o tema absoluto para ceder espaço a sondagens existenciais, ao ludismo e ao feérico na invenção literária, ao questionamento político e filosófico.
Tudo isso traduzido e materializado em experiências formais e estilísticas : fragmentação narrativa, intertextualidade, o foco narrativo múltiplo, o intenso fluxo-de-consciência, o registro labiríntico no lugar da estrutura linear, a exploração dos mitos,do esotérico, a clara opção a pela ‘linguagem do corpo’, “a procura do sentido das coisas” __ esta talvez, a expressão-chave da escrita feminina contemporânea.No Brasil, o surgimento de mulheres escritoras ocorre principalmente a partir do século XIX, no contexto da crescente importância da imprensa e do início de movimentos em prol dos direitos das mulheres.Na literatura brasileira, considera-se o romance Úrsula (1859), da maranhense Maria Firmina dos Reis, a primeira narrativa de autoria feminina. O romance reduplica os valores patriarcais, construindo um universo onde a donzela frágil e desvalida é disputada pelo bom mocinho e pelo vilão da história:contrariando os finais felizes, a narrativa termina com a morte da protagonista.
Naquele século XIX e na primeira quadra do século XX, no entanto, não foram apenas elas que escreveram ‘sobre elas ou para elas’: quatro escritores-homens se destacaram por voltar-se, em graus e enfoques diferentes, para as mulheres.: Joaquim Manuel de Macedo descreveu-a e tratou-a como “donzela de irrepreensíveis pendores” em especial em A Moreninha e em inúmeros contos. José de Alencar traçou o mais completo retrato da mulher ‘urbana’ da corte, no Brasil pós-Independência, no auge do romantismo, notadamente na trilogia Senhora, Diva e Lucíola, além de nas novelas Cinco minutos e A viuvinha ,e nos romances A pata da gazela, Sonhos d'ouro, Encarnação. Lima Barreto debruçou-se sobre a mulher ‘republicana’ , logo na década de 1910, ao desenvolver o “tema de Carmen” , uma série de artigos e crônicas em jornais e revistas nas quais a propósito de crimes ou julgamentos, ataca os homens “que se atribuem direitos sobre a vida das mulheres”, denunciando crimes de uxoricídio.

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