domingo, 6 de julho de 2008

eu e a Flip 2008

E para encerrar, reporto-me ao próprio blog da Flip , que enfatiza
Arte e PolíticaJulho 6, 2008 by festaliteraria
Em 1924, o filho de Richard Wagner, Siegfried, mandou fazer uma pequena bandeira e a colocou sobre a entrada do teatro de Bayreuth. Nela, estava escrito: “Hier gilt’s der Kunst!” Ou seja: “Aqui só vale a arte!”
A FLIP 2008 abriu com Roberto Schwarz transformando Dom Casmurro num romance de luta de classes. No dia seguinte, Elizabeth Roudinesco foi obrigada a responder por que havia usado Osama Bin Laden como exemplo de perversidade e não o “terrorismo de Estado”. Ontem foi a vez de Luis Fernando Veríssimo que, diante de um dos maiores dramaturgos contemporâneos, tentou levar o assunto da dramaturgia para a ideologia…
Talvez uma pequena bandeira pudesse tremular sobre a Tenda dos Autores: “Aqui só vale a arte!”


ao que reporto-me ao próprio Machado : "de todas as coisas humanas, a única que tem o seu fim em si mesmo é a Arte".
E a política ? indagareis. aproveito então para meter minha colher em um de meus temas machadianos prediletos , que está em ensaio que publiquei. Aqui um trecho:
Machado e a política : nada oblíquo, nada dissimulado
(...) Machado de Assis foi soberbo cronista que fez da crônica muito mais do que um registro pontual do cotidiano, transformando-a em um verdadeiro gênero literário .E não se diga que , ao contrário do levianamente disseminado, tivesse ele se postado alheio a seu tempo, alienado das questões de ordem institucional,política,econômica e social: Machado tratou da política brasileira do século XIX (e, para surpresa de alguns, sobre economia) em muitas de suas criações ficcionais e não-ficcionais -- nos contos, por exemplo, está retratada a história do 2º. Reinado e mais de seis centenas de crônicas no período 1860-1900, publicadas na imprensa, mostram como o notável escritor,cronista,autor e criador debruçou-se com seu olhar acurado,lúcido,irônico, satírico – sempre claro, nítido e direto, poucas vezes obliquo, dissimulado, sutil – sobre as mazelas provocadas e advindas dos tempos novos da República,da qual diga-se não foi entusiasta, ao contrário um crítico contumaz: passaram pelo crivo machadiano, sempre aguçado e satírico, trocas de ministros, quedas de gabinetes, substituições de autoridades, falcatruas parlamentares, fraudes e cambalachos eleitorais, corrupção,e sobretudo a extinção da escravidão e o fim da monarquia(que ele respeitava e admirava).Tudo registrado ,comentado e por vezes acidamente criticado por sua aguçadissima visão. Ao olhar machadiano nada escapou dos fatos e assuntos de qualquer natureza de seu tempo — uma época,do advento do Romantismo ao Realismo literário,do Segundo Reinado à Abolição,queda do Império e implantação da República, sob todos os aspectos de grande ebulição,tumultuada e marcante para a história brasileira
Machado, como ninguém, anteviu que a própria evolução da sociedade nacional e o processo transformador que o País atravessava .Foi crítico ‘sofrido e perplexo’ da República – “(...)eu peço aos deuses (também creio nos deuses) que afastem do Brasil o sistema republicano porque esse seria o do nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais alumiou(...)”, escreveu ---fazendo-o sentir-se especialmente na década de 1890 desalentado, tedioso,desgostoso. Tanto foi seu desalento que nesse biênio sua produção não-ficcional paralisou-se -- na verdade, um interregno que vinha desde 1889, quando se deu a primeira das duas únicas interrupções na produção contínua para a Gazeta de Notícias entre 1883 e 1900, explicável ,de um lado, pela elaboração, em fase final, do romance Quincas Borba, publicado em fascículos na revista A Estação entre 1888 e 1890 e em livro em 1891, obra à qual Machado dedicou muitos anos e muito esforço de criação e execução (é este seu romance de maior complexidade e textura tramática e dramatúrgica), sobrevindo mesmo um processo de crise criativa,em Machado, no decorrer de sua gestação , e, de outro lado , por uma razão de ordem política aliada à natureza de Machado, extremamente cauteloso diante de um período conturbado, de alta tensão, com golpes e contragolpes de Estado (o “golpe da bolsa” de Deodoro da Fonseca em 3 novembro 1891, e a substituição de Deodoro por Floriano Peixoto em 23 novembro desse ano ) , além de seu estado da mais completa desilusão com os rumos da República . A segunda interrupção deu-se entre 1897 e 1900, quando já se denotava no conjunto das crônicas machadianas (da série “A Semana”) claros sinais de um amargor, mais do que o desalento de antes , focando-se preponderantemente nas endêmicas manifestações de um cenário de corrupção, cenário esse aos olhos e na pena de Machado inerente ao próprio regime republicano e seus projetos ‘modernizadores’.Esse tom amargo afeta até mesmo a regularidade de publicação , ímpar em sua antecessora “Bons Dias!”, regularidade que começa a falhar e cessa por completo ainda no ano de 1897 , quando a última crônica é datada de 28 de fevereiro e só retomada nas duas únicas crônicas de 1900 , a 4 e 11 de novembro : causas, motivos e explicações podem ser procurados, dificilmente encontrados de modo claro, embora , há de se observar e atentar, se mantivesse ele ativo na criação ficcional,haja visto ser esse o período de construção de nada menos que Dom Casmurro .
As crônicas de Machado que tratam de política formam um elenco bastante expressivo de sua produção não-ficcional: são nada menos que 233 textos, dos quais 1 em O Paraíba,1858; 1 em A Marmota ,1860; 53 no Diário do Rio de Janeiro 1861-68 ; 7 em Imprensa Acadêmica 1863-64; 8 em A Semana Ilustrada 1869-76 ; 8 em Ilustração Brasileira 1877-78; 9 em O Cruzeiro ,1878; 145 na Gazeta de Notícias 1883-1900 ; 1 no volume Páginas recolhidas (1899).
A abordagem machadiana sobre política não se restringiu à crônica. Deu-se até na poesia – como,p.ex. os satíricos e menipéicos ‘versiprosa’ da “Gazeta de Holanda” e nos versos densos,entre outros, de “Os arlequins”,”Polônia”, “A cólera do Império”- e em especial no teatro, em peças como “Desencanto”,“Quase ministro” e “Os deuses de casaca”.
O contos, por sua vez, constituíram um cenário privilegiado para Machado lançar seu olhar crítico sobre temas políticos, justamente pelo uso dos recursos da ficção literária, sempre propícia a esse fim – ainda mais com o instrumental do subterfúgio e da sutileza machadiano : o conto, aliás, seria per se o gênero mais condizente como o gênio do autor, que usa à exaustão a ironia, o humor, a alegoria, focalizando aspectos e detalhes triviais mas lançando ao mesmo tempo luzes surpreendentes sobre assuntos importantes.Dos 218 contos por ele criados, entre 1858 (ano de publicação de “Três tesouros perdidos”, em A Marmota) a 1907 (data de “O escrivão Coimbra”, no Almanaque Brasileiro Garnier), exatos 10 por cento têm, em maior ou menor grau, temática política , numa íntima relação com a realidade brasileira do momento e lídimo retrato da sociedade de seu tempo. Além do mais, foi no conto que Machado realizou o “laboratório”, por assim dizer, do processo evolutivo de sua obra, culminante com aquela referida inflexão no final da década de 1870 – e justamente no decênio 1878-88 manifesta-se a mais profícua, criativa e espetacular produção contística machadiana, quer em termos quantitativos – são nada menos que 80 nesses 10 anos – quer em termos qualitativos – nesta safra estão insofismavelmente os melhores contos, inclusive alguns mais contundentes e reveladores (caso de “O machete”, de 1878; caso de todos incluídos na excepcional coletânea Papéis avulsos, de 1882; caso do sutil “Singular ocorrência”,1883, do antológico “Um homem célebre”,1888, do’filosófico’ “O lapso”,1883, do essencial “Evolução”,1884, do instigante “A causa secreta”,1885, do maravilhoso “Capítulo dos chapéus”,1883 ; do contundente “Conto de escola”,1884—estória sobre crianças e o mundo dos adultos, mas sobretudo um drama político que trata da Maioridade de Pedro II, vista como um golpe de Estado’); e em “A parasita azul” ,de 1872,p.ex., dramatiza os impasses e contradições do nacionalismo, em “O espelho”, 1882 , a discute a própria questão da identidade nacional.
Na seara romanesca, senão a temática política propriamente dita, a referência, o comentário, a alusão à política e a políticos, e sobretudo o registro e retrato da sociedade brasileira quer do Segundo Reinado quer da nascente República e as relações políticas,ideológicas,econômicas entre as categorias sociais , estão presentes do inicial Ressureição ao derradeiro Memorial de Aires, de Helena a Casa velha ( a obra de maior sutileza temática de toda a ficção machadiana), de Iaiá Garcia a Dom Casmurro, de Memórias póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba (cuja densidade e complexidade dramatúrgica não tem igual,em Machado) a Esaú e Jacó(este, o romance mais explicitamente político de Machado)
Ficção e realidade, ficção e história, ficção e sociedade brasileira constituem fulcros sempre presentes na obra machadiana.Em boa parte de sua ficção e da não-ficção Machado oferece ao leitor uma interpretação satírica, por vezes alegórica, da história dos primeiros anos da Independência, das diversas fases do 2º Reinado e da eclosão da República, desnundando mitos e certezas, aparências e disfarces, dilemas e mentiras -- sob o mesmo clamor crítico-satírico de seu olhar ,no caso direto e transparente, feito testemunho incomparável sobre a vida política e institucional brasileira do século XIX.

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