segunda-feira, 28 de julho de 2008

As raízes da consciência brasileira


O mês de julho foi feito para comemorar ; e poucas vezes pode-se dizer enfaticamente “comemora-se” : o verbo exato, preciso, definitivo para caracterizar o fato :o centenário de nascimento de um dos maiores intelectuais (para muitos, o maior) que o Brasl já conheceu.

O historiador, ensaista, crítico literário e escritor Sérgio Buarque de Holanda nasceu em São Paulo a 11 de julho de 1902 ; morreu em 1982.
Reconhecido internacionalmente, é autor de dois grandes clássicos da historiografia e sociologia brasileiras: Raízes do Brasil e Visão do Paraíso -- mas escreveu outras sete obras de peso .
Da mesma forma que Raízes do Brasil, publicado em 1936, é considerado um clássico , o principal prefácio à obra, escrito por Antonio Candido em 1967, também o é.
Candido considera Raízes do Brasil um dos três livros fundamentais para se entender o país. Os outros são Casa-grande & Senzala, de Gilberto Freyre, e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr. Esta opinião é compartilhada pela maior parte dos historiadores até hoje.
O que diferencia Raízes do Brasil de outras obras é sua preocupação com o futuro, sua intenção transformadora, contendo uma proposta política que aspira a superação do passado brasileiro, de nossa herança ibérica; nesse sentido, segundo Candido, ela foi revolucionária. Mas revolucionária sobretudo por conter propostas para que o Brasil atingisse um desenvolvimento democrático.
Na obra de Sérgio Buarque de Holanda já estão presentes vários aspectos retomados em estudos posteriores sobre o processo de modernização do Brasil.
Uma das questões mais presentes no pensamento político brasileiro do século XX é a que diz respeito à dificuldade em atingir a plena modernização do país. Por que é tão difícil chegarmos a ela?
Para Holanda somente o advento da racionalidade poderia trazer um desenvolvimento democrático moderno, cujo modelo é a racionalidade legal e burocrática de Max Weber. Concluiu que nossas raízes ibéricas, aventureiras , instáveis, e os elementos do passado privatista não favoreciam a implantação de normas democráticas e a formação do indivíduo.
Seria necessário, portanto, acabar com essa ética da sociabilidade privada, cujos valores eram, para ele, não-racionais. Somente uma separação do público e do privado levaria a uma queda do personalismo e ao aumento da racionalidade.
O objetivo de Holanda era bastante claro: a vitória da doutrina democrática. A questão passava a ser então: por quais meios atingi-la?
Holanda afirmava, por exemplo,que o isolamento entre as elites e o resto do país deu-se pelo fato de as classes mais baixas jamais terem tido oportunidades favoráveis para crescerem "mentalmente”. Observava também que o aparelhamento político brasileiro "se empenha em desarmar todas as expressões menos harmônicas de nossa sociedade, em negar toda espontaneidade nacional".
Restaria alguma esperança para Sergio? Ele sustentava que "apesar de tudo, não seria justo afiançar-se, sem apelo, nossa incompatibilidade absoluta com os ideais democráticos", pois haveria uma possibilidade de articulação entre nossa cordialidade e as construções dogmáticas da democracia liberal. Por “cordialidade” (no célebre conceito sobre o brasileiro como “um homem cordial”) entende-se emotivo, passional, “que funciona por emoção” __ “cordialidade” não significando ‘ amistosidade’, ‘simpatia’, ou mesmo ‘subserviência”, ‘passividade’,etc.
Holanda defendia que a concretização da doutrina democrática só seria efetivamente possível quando tenha sido vencida a antítese liberalismo-caudilhismo. Em suma, seria necessário “ superar as raízes”.
Haveria, portanto, um sentido claro do rumo que a história deve tomar, cuja síntese seria a democracia. O uso do termo "irrevogável" reforça essa idéia. E essa visão é oposta à de Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala, na qual já está presente a idéia de uma civilização brasileira existente e consolidada.
Mas a vitória da democracia, se tivesse que passar pelos caminhos da política, ou seja, pela via da superação racional, da articulação entre nossa cordialidade e as construções dogmáticas da democracia liberal, seria necessariamente lenta. Holanda observava que a tradição brasileira nunca deixou funcionar os verdadeiros partidos de oposição, representativos de interesses ou de ideologias.
De onde viria então a força necessária para vencer a resistência e acabar com a velha ordem colonial e patriarcal? Como absorver o racionalismo de uma forma que fosse "colada" à vida social e não imposta superficialmente, sem alterar as estruturas sociais?
Holanda, ele mesmo, vaticinava : "Com a simples cordialidade não se criam os bons princípios. É necessário algum elemento normativo sólido, inato na alma do povo ; o Estado entre nós não precisa e não deve ser despótico __ o despotismo condiz mal com a doçura de nosso gênio __ mas necessita de pujança e compostura, de grandeza e solicitude" .
Eis um dos aspectos porque Antonio Candido considera Raízes do Brasil uma obra revolucionária : sua proposta política aspira a superação do passado brasileiro.
Ao final, Sérgio Buarque de Holanda concluía que as formas superiores da sociedade devem emergir continuamente das necessidades específicas dessa sociedade e jamais de escolhas caprichosas, mas há um demônio pérfido e pretensioso que se ocupa em obscurecer aos olhos dos brasileiros essa verdade singela.
Além de considerar que os princípios do liberalismo no Brasil eram uma inútil e onerosa superfetação, para ele o isolamento entre as elites e o resto do país ocorria por culpa das próprias elites, que jamais deram oportunidades para que as classes mais baixas crescessem "mentalmente" .
Na obra de Sérgio já estão presentes vários pontos que foram retomados em estudos posteriores: o liberalismo distante de nossas essências mais íntimas, a política separada da vida social, a dificuldade da formação de uma esfera pública, o papel das elites como obstáculo à formação deste espaço público, a falta de vida política como empecilho à modernização, a cordialidade como reforço da esfera privada.
Existe alguma dúvida, prezado leitor, de que Sérgio Buarque de Holanda, um homem de seu tempo, tenha registrado em toda sua obra conceitos e fatos da mais perfeita atualidade? Existe algo mais aplicável e propício à nossa realidade de hoje __ de agora e das últimas seis décadas ?







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2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Mauro, olá!

Gostaria de saber como obteve esta imagem inédita do mestre Machado.

Se me permite, gostaria de republicar a imagem em meu blog, obviamente, citando a fonte (o seu blog).

Mas gostaria de obter mais informações sobre a imagem.

Abraço, e aguardo contato.

mauro rosso disse...

prezado, escusas por somente agora lhe responder, mas estive\estou envolvido, 'até a medula', nos lançamentos(e seus desdobramentos>entrevistas,palestras,depoimentos,seminários,etc) de meu livro Contos de Machado de Assis:relicários e raisonnés (já na praça;no Rio, haverá uma sessão de utógrafos a 15 setembro,19 h. ,na livraria Timbre,Shopping da Gávea) -- livro que entre muitos outros elementos e informes valiosos traz o conto inédito "Um para o outro", de 1879, desaparecido e que consegui resgatar.pois bem : a imagem de Machado a que vc. se refere -- ele com cerca de 45 anos -- é da coleção particular de Manoel Portinari Leão , colecionador de preciosidades (sem necessariamente ser um 'especializado' em Machado). foi-me cedida por Pedro Martins, que é neto de Estefania Martins Rodrigues, amiga de infância e melhor amiga de Carolina Xavier de Novaes, esposa de Machado[Pedro, português de nascimento,que vivia em Pedra Azul, ES, regressou para Sintra,Portugal, em dezembro de 2006 -- e com ele obtive também 3 dos 7 capítulos desaparecidos do conto "Um para o outro"; sendo que osdemais 4 recolhi no acervo pessoal de Galante de Souza -- e pude então reconstituir, com os 3 capítulos que eram conhecidos, o conto e agora publicá-lo. esta 1a. edição do livro não contém essa imagem inédita de Machado,mas certamente as edições posteriores o terão.

muito grato,
Mauro Rosso
[rosso.mauro@gmail.com]