sexta-feira, 20 de junho de 2008

O grande desafio brasileiro

Reportagens recentes ,em jornais de algumas cidades pequenas e médias, informam indícios de que está se lendo mais, a julgar pelo movimento constatado junto a livrarias. No entanto, existe um cenário quase que intransponível ao longo do tempo a apontar a imagem sobejamente conhecida – e constatado por pesquisas e estudos : o brasileiro lê pouco, muito pouco.
Mas por quê ?

Na verdade, a “falta de estímulo” é que impede crescimento de leitores, segundo o mais recente “Retrato da leitura no Brasil”, pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro e divulgada no último dia 28 de maio. A pesquisa apontou que o brasileiro lê, em média, 4,7 livros por ano – sendo que a leitura feita por pessoas que não estão mais na escola ficou em 1,3 livro por ano. O Brasil possui 36 milhões de compradores de livros -- com a média de 5,9 livros exemplares adquiridos por ano -- bastante concentrados nas grandes capitais, nos grupos que têm maior acesso aos estudos : os maiores compradores estão nas capitais, com Brasília liderando o ranking, com 69%, e São Paulo, com 36%.. Os motivos para o baixo consumo de livros no País não se restringem apenas à carência de poder aquisitivo de grande parte da população: a falta de motivação também se mostra um fator importante. Números e conclusões rigorosamente idênticos, diga-se de passagem , ao cenário apontado na mesma pesquisa realizada em 2003.
“O brasileiro só não lê porque não tem acesso ao livro.” O vaticínio é de Felipe Lindoso, ex-diretor de Relações Institucionais da Câmara Brasileira do Livro .“Isso acontece porque ganha mal e por desconhecimento da obra que está no mercado. Somam-se a esses fatores a questão da falta de costume, de tempo e de vontade do leitor se dirigir às estantes de uma biblioteca e apanhar um livro” E Lindoso vai mais longe: “Independente desses motivos, o que colabora para o agravamento da situação é a inexistência de um eficaz sistema de bibliotecas públicas que possibilite esse acesso ao leitor, que é um dever do Estado e da sociedade.”
No Brasil há uma população alfabetizada, com mais de 14 anos, em torno de 86 milhões de pessoas. Pelo “Retrato da Leitura no Brasil”, 62% desse contingente afirmam que gostam de ler, enquanto que 30% haviam lido um livro nos três últimos meses que antecederam a pesquisa, e 20% tinham lido apenas uma obra no último ano. Uma análise por certo viés mostra que o índice de leitura do povo brasileiro, quem compra e quem lê um livro, até que é bastante razoável : esse público lê, em média, até seis livros por ano. Mas traduzindo para uma população alfabetizada, isso dá l,2 livro ao ano, que significa um índice extremamente baixo se comparado por exemplo com os nove livros por pessoa lidos nos Estados Unidos, e os 18 pelo Japão e Alemanha. Entre nós, de acordo com a pesquisa, 11% das pessoas não lêem por não terem dinheiro para comprar livros. Apenas 8% dos livros lidos foram retirados em bibliotecas públicas, enquanto que aproximadamente metade da população comprou os livros que leu. E no cômputo geral, 39% declararam não ter tempo para a leitura.
Se o hábito e desenvolvimento da leitura tem, consensualmente, como elemento de origem e propagação a criança e o jovem, uma das maiores preocupação de todos é como vão ser reestruturados agora os programas de compras oficiais de livros — depois da fatal interrupção do PNBE - Programa Nacional da Biblioteca Escolar, sem dúvida ‘a maior estrela’ das compras governamentais dos últimos anos. O propósito do Programa era dar a oportunidade, via acesso ao livro, de os alunos das escolas públicas se tornarem leitores, criarem o gosto pela leitura , e incentivá-los a montar uma biblioteca em casa. Nunca um programa tão amplo de difusão da literatura fora concretizado no Brasil; mesmo em âmbito mundial, segundo a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, a iniciativa é inédita.
A História, por sua vez, se encarrega de mostrar que a questão da leitura atravessa os séculos, no Brasil.
Esse contexto desafiador é esmiuçado e analisado em estudo elaborado pelas pesquisadoras Marisa Lajolo e Regina Zilberman — mostrando as dificuldades enfrentadas pela literatura no país, desde a Colônia , e discutem a importância de meios e instituições como editoras, livrarias, bibliotecas e a imprensa __ no livro A leitura rarefeita (ed. Atica,144 páginas,), em que fazem um estudo rigoroso e original sobre a relação da literatura com a sociedade brasileira, desde o início da ocupação portuguesa . Constroem um painel, indutivo a profunda reflexão, de um país marcado pela penúria cultural desde os tempos coloniais, uma investigação minuciosa sobre as dificuldades de inserção da literatura na sociedade logo a partir do momento em que os jesuítas fincaram os pés por aqui, no século XVI, até os dias de hoje.
O retrato não é nada alentador. Os resquícios de uma política educacional frágil, elitista e pouco abrangente no longo período Brasil Colônia estão, segundo elas, na raiz de problemas ligados à tão decantada falta de leitura no Brasil. Não no sentido de que a leitura seja frágil só porque ''rarefeita'' no passado, mas os entraves se arrastam ao longo dos séculos.
Lajolo e Zilberman explicam que os rastros coloniais podem ser observados em vários aspectos da vida moderna. ''Os jesuítas tinham projetos educacionais distintos, um para os índios, outro para os meninos brancos, descendentes dos colonizadores e que formavam a elite dos grupos dominantes. Essa concepção diferenciada persiste no Brasil de 2002. Os sinais estão em planos de governo, ideologias e até no tipo de produto cultural que se oferece aos grupos. Em tudo, nota-se a manutenção de certas práticas pedagógicas'', assinalam as autoras. Segundo elas, as dificuldades de acesso à literatura estão ligadas ainda à idéia do livro como “produto feito pela elite e para a elite”, pois durante séculos a leitura esteve associada a uma atividade ''excepcional, diferenciada e refinada''. Personagens importantes nesta história da leitura foram os romancistas brasileiros, enfatizam as autoras. Foram eles os primeiros a se preocupar com o fortalecimento de um público para o livro nacional. ''Os romancistas se empenharam na tradução de folhetins e a elaboração de textos nacionais. Empenharam-se na formação de um público voltado à literatura que produziam.Não se importavam se os resultados fossem singelos. Queriam apenas 'colaborar para o fortalecimento de uma cultura local própria e independente, ainda que limitada.” Assinalam elas , por outro lado,que a imprensa teve um papel fundamental na formação de leitores e na profissionalização do escritor e do intelectual brasileiro. ''Na virada do século XIX para XX, a imprensa deu um grande salto em termos empresariais, tecnológicos e profissionais, responsabilizando-se por abrigar a maior parte dos produtores de cultura e literatura do país'' __ o que colaborou substancialmente para que um novo público leitor surgisse no país.
Mas as práticas de leitura , hoje, permanecem rarefeitas. Reverter a situação continua sendo o grande desafio que, segundo Marisa Lajolo, é algo plenamente possível. ''Em primeiro lugar, o livro tem de se tornar acessível. O fundamental é a formação de bibliotecas e de salas de leitura em diferentes lugares e instituições de bairros, contagiando os freqüentadores'', analisa.
“Longe de ser um ignorante, o leitor brasileiro é curioso e muito interessado na cultura e literatura ”, sentencia o editor Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras.“Esta idéia de que o leitor brasileiro não lê é um preconceito arraigado “, afirma, “e veja bem, o leitor médio brasileiro , embora leia em menos quantidade, é mais qualificado do que o leitor médio americano”. Schwarcz: diz mais : “O brasileiro é curioso, tem uma característica, a vontade de ler. Quando os editores se mobilizavam no passado, era só para pedir incentivos. O que temos que pedir do Governo é educação; estabilidade econômica e educação. O resto fica por nosso conta.”
Eis um belo recado para o governo, para os editores, para os educadores, para os leitores, enfim...

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