domingo, 29 de junho de 2008

O futebol passaria a ser, a partir daí, tema onipresente não só nas crônicas e discursos mas também -- e principalmente -- na vida pessoal de Coelho Neto.Sócio do Fluminense, entregou-se cada vez mais à paixão -- pelo esporte e pelo clube. Tanta que, em sua casa, assegura Humberto de Campos em Diário secreto, vol. I (edições O Cruzeiro, 1954), falava-se à mesa “muito de esporte e pouco de literatura”; tamanha paixão que chegava a assistir, no mesmo dia, quatro jogos diferentes do Fluminense, pois tinha filhos jogando em cada uma das categorias que o clube disputava ; tamanha, que o levou a liderar a primeira invasão de campo do futebol carioca, inconformado com o juiz que marcara um pênalti a favor do Flamengo num movimentado Fla-Flu de 1916 no campo da rua Paissandu, e que acabou provocando a anulação do jogo .
Neto escreveu em 1915 a letra do primeiro hino do Fluminense [“O Fluminense é um crisol / onde apuramos a energia / ao pleno ar, ao claro sol / lutando em justas de alegria / o nosso esforço se congraça / em torno do ideal viril / de avigorar a nossa raça / do nosso Brasil ...]­­­­ ,no qual fica evidente e bem mais nítida a campanha que ele começava a mover a favor do futebol , “verdadeira fonte de energia a ser colocada a serviço do ideal nobre de regeneração da raça brasileira, um meio de criar uma ‘nova raça’ contra uma malfadada herança cultural” ; Coelho Neto via “enormes vantagens sociais” ­­, ajudando a criar uma sociedade na qual “os homens ,como os esportistas, fossem adestrados pelo exercício físico, criando um tempo de paz e de harmonia e abrindo o peito para valores nobres de confraternização e integração social”. E os jogadores do Fluminense, para ele, assumiam a feição de verdadeiros missionários de uma causa nobre : propagando os princípios da disciplina e da solidariedade, os atletas dariam ao país grande exemplo, ajudando a consolidar o potencial transformador do futebol, “gerando harmonia e solidariedade entre os homens, controlando seus impulsos e moldando seus corpos e suas mentes na construção de um ideal de pátria como a força propulsora de uma nação forte e vigorosa” e os jogadores representantes dessa nova nação que se erguia dos campos.
Esses entusiastas do futebol teriam, porém, de enfrentar, do outro lado, a veemente e intransigente oposição de ninguém menos que Lima Barreto, que logo passou a fazer do futebol um de seus temas prediletos nas páginas da imprensa carioca. Com espaço e reconhecimento já assegurados nos círculos literários -- três romances e uma infinidade de crônicas publicados -- Lima inaugurou seus ataques em 15 de agosto de 1918 no artigo “Sobre o Foot-ball” no jornal Brás Cubas:
(...) Diabo! A cousa é assim tão séria ? Pois um divertimento é capaz de inspirar um período tão gravemente apaixonado a um escritor ?
(...) Reatei a leitura, dizendo cá com os meus botões : isto é exceção, pois não acredito que um jogo de bola e sobretudo jogado com os pés, seja capaz de inspirar paixões e ódios. Mas, não senhor ! A cousa era a sério e o narrador da partida, mais adiante, já falava em armas...
Não conheço os antecedentes da questão; não quero mesmo conhecê-los; mas não vá acontecer que simples disputas de um inocente divertimento causem tamanhas desinteligências entre as partes que venham a envolver os neutros ou mesmo os indiferentes, como eu, que sou carioca, mas não entendo nada de foot-ball
.“ (...)

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