quarta-feira, 26 de setembro de 2012
A propósito de Camilo Castelo Branco,e um sesquicentenário
A propósito de Camilo Castelo Branco,e um sesquicentenário
Estive presente, atento às palestras e falas de eméritos
expositores, e com algumas intervenções aqui e ali,no “Congresso Internacional
Camilo Castelo Branco e o Oitocentos: 150 anos de Amor de perdição”,realizado
em 24 e 25.09 no Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro (em 14 e
15 deu-se na USP). A ocasião, se já propícia e notável em si pelo
sesquicentenário do romance camiliano – um dos mais conhecidos e lidos de sua
lavra – tornou-se\torna-se extremamente relevante para a expansão (para quem
pouco conhece: formação) e difusão de Camilo e de sua obra em geral. Particularmente
no que se refere ao significativo viés das fortes, ‘veementes’, relações do
escritor com o Brasil.
Camilo almejou intensamente vir para o Brasil, inclusive
conseguindo em 1855, depois de obstinado empenho, sua nomeação para adido
honorário à Legação portuguesa na corte do Rio de Janeiro – só que não a
concretizou,diz-se que “frustrado e violentamente furioso”, por não ter direito
a remuneração alguma nem acesso à carreira diplomática. Se não veio em pessoa,
aqui chegou com impressionantes prestígio literário e popularidade junto ao
leitor brasileiro, quase uma ‘devoção’.
Trocou vasta correspondência com brasileiros – inclusive o
imperador Pedro II(que em Lisboa pessoalmente visitou Camilo em 1872) – e com
portugueses estabelecidos no Brasil – o mais notório, Faustino Xavier de Novais
(irmão de Carolina, esposa de Machado de Assis – e um de seus maiores amigos),quem mais divulgou e propagou
aqui a obra camiliana,até pelas fraternais relações entre ambos : a obra de Faustino,Novas poesias, publicada em 1858 no Porto, foi precedidas de um
juízo crítico de Camilo Castelo Branco, quem também colaborou assiduamente no
jornal O Futuro, fundado por Faustino
em 1862, entre crônicas, ensaios e
narrativas como “O maior amigo de Luís de Camões”, “Conhecimentos úteis”,“Que
destino!”, “Dous casamentos”, o romance “Agulha em palheiro”,em folhetins –
e Ana Augusta Plácido, companheira de
Camilo, publicou o artigo “A desgraça da riqueza”.(Machado comentou, em O
Futuro,15.03.1863, seu romance Luz coada por ferro).
A admiração de Camilo ao Brasil era tanta que fez questão,
também com muito empenho, de doar sua rica biblioteca – ou “livraria”,como
preferia dizer --e seu acervo epistolar ao Real Gabinete Português de Leitura,
o que se deu em 1882: tive o prazer recentemente de conhecer in loco,e em detalhes,.esse relicário
bibliográfico e documental. E o culto a Camilo, no seio da intelectualidade
brasileira, pode ser exemplificado pelos quase 100 volumes de
novelas,romances,teatro e ensaios do português na biblioteca pessoal de Ruy
Barbosa (a qual, em torno de outras obras e autores, frequentemente visito
para pesquisas).
Um parêntese; em contrapartida, na biblioteca de Camilo
encontravam-se três obras de machado tu
só tu puro amor, helena e memórias póstumas de brás cubas.
Nem tudo ‘foram flores’, porém: Camilo manteve
irreversível e virulenta crítica, e polêmica, a José de Alencar – o que,
segundo algumas interpretações, face à grande amizade e respeito do autor de Helena pelo criador de Senhora, explicaria um possível ‘distanciamento’,quanto
a referências e alusões, de Machado com relação a Camilo (especula-se a
existência de outros fatores e motivos). Suposto distanciamento, não obstante
muitas, e retumbantemente significativas, similaridades e ‘parentescos’
literários entre eles.
Comparado, quantitativamente, a outros autores lusos (conforme meu estudo
“Machado de Assis e os portugueses”), a saber Camões, Almeida Garret, Alexandre
Herculano, Bocage, Antonio Dinis de Cruz e Souza, Antonio Feliciano de
Castilho, Antonio Vieira, Eça de Queiroz -- Camilo é pouco citado nominalmente na obra machadiana
(e nenhuma obra do escritor português constava da biblioteca pessoal de
Machado; em contrapartida, na biblioteca de Camilo encontravam-se três obras
machadianas, Tu só tu puro amor
(teatro – aliás, escrita para as comemorações do tricentenário de Camões,em
1880; e mais os sonetos “Quando transposta a lúgubre morada”, “Quando torcendo
a chave misteriosa”,“Tu quem és? Sou o século que passa” e “Um dia, junto à foz
do brando e amigo”), Helena e Memórias póstumas de Brás Cubas); porém foi notavelmente influente em Machado e
o inspirou incisivamente em certos
recursos narrativos, como as digressões metaliterárias, a metanarrativa da
ficção, as interferências do narrador em diálogo com o leitor, o ‘jogo
autor-narrador-leitor’ – tudo, aliás, anteriormente a Sterne, dado como
inspirador e ‘introdutor’ desses recursos na prosa de Machado, especificamente
a partir de 1880 -- o uso da ironia : já
foram apontados elementos da novela Coração ,cabeça e estômago: uma estética da
ambiguidade, de Camilo, explicitamente em Memórias póstumas de Brás Cubas, e de certo modo em Quincas
Borba , mas também, e subrepticiamente, em vários contos,
até mesmo,sabemos, omo uma espécie de ‘marca registrada’ machadiana..
Se de um lado rarefeitas, breves
e episódicas, as alusões diretas a Camilo feitas por Machado – apenas 4 (consoante
meu estudo) : os romances Agulha
no palheiro (em crônica O Futuro,
15.01.1863) e Coração, cabeça e estômago (em Brás
Cubas ), a peça teatral “Espinhos e flores” (em
crônica no Diário do Rio de Janeiro, 13.04.1860), a referência a pince-nez , ou a “luneta pênsil” que
teria sido invenção de Camilo, em crônica na Gazeta de Notícias, 07.03.1889 -- de outro bastante marcante é a ‘presença’ camiliana em determinados temas, no próprio estilo
narrativo em algumas passagens dos textos ficcionais de Machado,nos tons de
ironia e ceticismo, no ‘desdém’ (contido) ao realismo\naturalismo; e ,de resto,
são muitas as referencias literárias na obra de Camilo que, seriam fonte e mote
para vários textos ficcionais de Machado
É o que catalogo como leituras
oblíquas, influencias subterrâneas, a nível macrotextual.
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