sexta-feira, 7 de setembro de 2012

pelo ANO DE PORTUGAL NO BRASIL


oficial (e auspiciosamente) aberto neste 07.09 o "Ano de Portugal no Brasil",a mim motivo de regozijo e ,que muito me toca devido a minhas afetivas e efetivas ligações com Portugal. 
ligações de longa data em torno do apreço pela literatura,por extensão da cultura, portuguesa ;e no presente em torno da literatura luso-brasileira que ora se materializam na preparação de um livro,decorrente de estudo específico,acerca de "Machado de Assis e os portugueses",e na elaboração deste artigo 
"À volta de Machado de Assis e os  portugueses :  apontamentos para um estudo"



À volta de Machado de Assis e os  portugueses :  apontamentos para um estudo [1]
                                              
                                      “(...) Portugal não teve [apenas] influência, ele está presente [no Brasil]. Os portugueses suscitam desdobramentos delicados (...) ;são eles próprios engrenagens vivas e sensíveis. Trata-se de recolher os elementos que permitirão escrever a história interatlântica do mundo lusofalante no século XIX. Em conseqüência,o conhecimento do século XIX português e especialmente a transição do romantismo ao realismo serão bem esclarecidos,já que as duas literaturas vivem em simbiose.
                            J.M-Massa, A juventude de Machado de Assis, 1965
                                                                                                                                
A priori, convém frisar ter-me debruçado ao estudo das relações e interações luso-machadianas., per se nunca até então desenvolvido, nos termos e no  enfoque e sob o escopo deste que agora se propõe, movido pelo detectar da extrema, crucial, importância destes quer na vida pessoal quer nas  formação e constituição literárias e na construção da obra do escritor brasileiro; e mais : no embasamento e no engajamento político, na fundamentação de seu pensamento ideológico – este, na verdade, um aspecto pouquíssimo notado e conhecido, e raramente estudado.
Algumas dos elementos aqui expostos entendo serem de conhecimento, em maior ou menor grau, por parte de estudiosos, pesquisadores, cultores e admiradores das literaturas portuguesa e brasileira; procuro no entanto apresentar e enfatizar determinadas considerações,observações e comentários que, menos comum e frequentemente apontados,explanados e analisados no enfoque do presente tema , julgo extremamente relevantes  para o melhor discernimento e imprescindível enriquecimento de estudos a  respeito  dessas  relações e  interações..
Quais sejam – essencialmente expostos e enfatizados no estudo em tela, dotando-o de especial significância:
1.o porquê de  os portugueses terem exercido papel e relevância maiores e mais decisivos do que quaisquer outras influências e orientações estrangeiras – tanto nas formação e constituição literárias quanto,em especial, no embasamento político-ideológico de Machado de Assis;
2. o quanto autores, obras e textos  portugueses,agentes da formação de Machado de Assis, por ele foram ‘transferidos’ aos  leitores por via das inúmeras citações e alusões em seus escritos(pela primeira vez aqui recenseadas,mapeadas e formalizadas);  
3.uma reflexão acerca da postura ,contraditória e ambígua, dos primeiros românticos brasileiros -- exceção feita a Machado de Assis  -- empenhados então no projeto de afirmação da nacionalidade literária e cultural , com relação aos portugueses.


O aludido estudo insere-se no projeto  amplo, abrangente e genérico acerca das influências e orientações estrangeiras em Machado de Assis ( a par dos portugueses, os franceses, os ingleses, os alemães, os gregos, os latinos, espanhóis e italianos), a oferecer subsídios valiosos para os estudos de Literatura Comparada, um dos basilares approach que entendo devesse inexoravelmente imprimir a meus programas investigativos, analíticos e reflexivos de obras, textos e autores da literatura brasileira dita clássica , vale dizer, examiná-los e interpretá-los à luz das injunções e conexões de origem estrangeira  recebidas por eles e atuantes sobre suas produções literárias (outro dos vieses seria a História, sob as lentes e prismas da qual se submetem clamorosamente todas as manifestações e realizações de literatura, por extensão artísticas) – e nesse  cenário matricial constatei, ao chegar e aprofundar no exame dos lusos, a (não vacilo em dizer incomparável) relevância dos mesmos com relação a Machado de Assis. 

Cabe, nesse particular, uma digressão – fundamentada, por certo – no que tange às relações machadianas com os elementos de cultura estrangeira, de resto  preponderantes no Brasil oitocentista (e bastante atuantes pelos ciclos seguintes) : ainda que a eles tenha-se referido  como “invasões culturais”, Machado de Assis,  qual antecipador da antropofagia modernista de 1922 (reporte-se a Oswald de Andrade et allii) assimilou-os, ‘deglutiu-os’, ‘digeriu-os’ e ‘expeliu-os’ incorporando à sua obra, à sua escrita e à sua linguagem literária e dotando estas ao mesmo tempo (como sabemos) de brasilidade e universalidade, de localismo e universalismo.

Convém aqui esclarecer o quanto de significância para um ‘desenho’ de marcantes influências literárias, intelectuais e culturais quer para a  formação do escritor quer para efeito de seu contributo à formação de seu leitor (e para o leitorado brasileiro do século XIX )  detêm as leituras, fosse  nos livros de sua posse mantidos na biblioteca pessoal fosse nas consultas realizadas por ele em bibliotecas públicas e particulares,em gabinetes de leitura em entidades e instituições, bem como as citações e referências expressas em seus escritos. Os acurados, metódicos, rigorosos levantamento e mapeamento desses elementos tornam-se obrigatórios  para constituição informativa e reflexiva de cenários e vetores das  orientações estrangeiras em Machado de Assis – e foram devidamente (como não poderia ser de outro modo) utilizados e aplicados no caso luso-machadiano.

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Notório fato: não obstante  a preponderância dos franceses nesse cenário de influências estrangeiras, os portugueses -- por seus autores e obras lidos e consultados por Machado, naqueles que com ele conviveram no Rio de Janeiro, naqueles intensamente citados, referenciados em sua obra -- foram absolutamente decisivos na vida, quer pessoal, social e conjugal, quer intelectual, em suas formação e constituição literárias e em sua obra, na edificação de sua linguagem, sua escrita e estilo narrativo, e – vale reiterar - no embasamento político-ideológico-filosófico de Machado de Assis.

A solidez e a característica genuína dos vínculos machadianos com os portugueses são nitidamente expressas por elementos que se estendem de  sua própria origem familiar aos fortes e intensos laços de amizade com lusitanos então residentes no Rio de Janeiro, de seu casamento às  leituras que lhe acompanharam por toda a vida,  de sua formação literária e cultural às inúmeras (e significativas) citações,alusões, referências e recorrências a autores e obras lusitanos em sua ficção e não-ficção.

No âmbito de seus vínculos familiares e conjugais, emerge a constatação do quanto mulheres  de origem portuguesa constituíram-se não apenas em objeto de especial afeto por parte de Machado – até porque exerceram marcante papel em diversos momentos de sua vida -- mas sobremodo contribuíram para a  construção de sua linguagem, no que tange a  prosódia, sintaxe,  léxico e semântica, o que por extensão incorporou-se à  própria linguagem literária machadiana.

Sob outro viés, vale a pena considerar que, em parte decorrente  desses originários vínculos familiares,  ao mesmo tempo guiado por um vetor sob o escopo maior de sua iniciação no embasamento literário-cultural, Machado desde cedo passou a conhecer autores e obras lusitanos, especialmente os clássicos da língua. Jovem, de parcos recursos financeiros, valeu-se na freqüência regular, contumaz a bibliotecas públicas e privadas, e de um acurado autodidatismo em suas leituras de formação, realizadas mormente  no (preponderante) Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro,  também no Liceu Literário Português, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Com o tempo, foi formando gradativamente – e consistentemente – sua biblioteca pessoal, na qual se não majoritários em quantidade autores e obras portugueses se fizeram notar por parâmetros de alta representatividade literário-bibliográfica.

No extenso painel de seus interesses literários e suas leituras, Machado de Assis constituiu-se, per se, em elo decisivo de contato entre as culturas brasileira e portuguesa na segunda metade do séc. XIX; e, acrescido pelos  vínculos familiares de origem, bem como os de eleição afetiva e de interesse intelectual que manteve ao longo da vida com membros da colônia portuguesa radicados no Rio de Janeiro,  faziam o escritor circular dentro de um ambiente luso-brasileiro,de marcantes  ecos em seus próprios escritos.

È extenso, como extremamente significativo, o elenco de fraternas amizades cultivadas, desde sua juventude, com escritores portugueses recém transferidos para o Rio de Janeiro (estima-se que em 1852, por exemplo, viviam  cerca de 30 mil na cidade), atraídos pelo ambiente acolhedor e de  alta efervescência cultural, mas também de cunho filosófico-ideológico, aqui criado desde 1837 por aqueles que, afastando-se do levante do Porto, inclusive fundaram o Real Gabinete Português de Leitura.

Pelos anos 1850 encontravam-se radicados no Rio de Janeiro literatos como Francisco Gonçalves Braga, Augusto Emílio Zaluar, Carlos Augusto de Sá, Faustino Xavier de Novais, Francisco Ramos Paz, Ernesto Cybrão, Reinaldo Carlos Montoro, Manuel de Melo, José Feliciano de Castilho, Antônio Feliciano de Castilho. Todos de alguma influência nas rodas literárias e nos ambientes letrados da capital brasileira – e todos de capital relevância na vida literária e intelectual de Machado.
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Todos eles -- destaque absoluto  a Zaluar e Xavier de Novais, além de Antonio Feliciano de Castilho -- encontram-se de alguma forma presentes nos escritos de Machado, atestando estreita interlocução literária, o que, de resto, atesta o clamoroso fato de que nenhum escritor ou literato brasileiro, à época, aproximou-se e identificou-se de tal forma, e essência, como Machado de Assis junto aos portugueses.

Com efeito, foi exatamente por conta da fértil, profícua, intensa  convivência física com esses que Machado tinha como “amigos fraternos” que  realça e enfatiza – como se asseverou anteriormente – a importância crucial dos , muito maior do que a dos franceses,ingleses, só para citar dois exemplos de preponderantes influências em Machado
Relacionamentos, convivências e atividades intelectuais em comum exercidos e praticados em torno, primeiramente – ainda que em escala incipiente – da Sociedade Petalógica (criada e incentivada por Paula Brito),em  1854-55, na qual estavam Braga,Zaluar e Garção; em seguida, já em 1857, no escritório de Caetano Filgueiras -- que escreveria o famoso prefácio à 1ª. edição da coletânea poética Crisálidas, de Machado -- onde inclusive constituiu-se o denominado “Grupo dos Cinco”, composto de Filgueiras,Braga,.os brasileiros Casimiro de Abreu --que vivera bom tempo em Lisboa - Cândido Macedo Junior,e Machado ; depois, um novo grupo,unidos por traços ideológicos comuns,de elementos democráticos e liberais, a fornecerem o fermento para uma nova postura política de Machado (que a  sustentaria daí por diante, ao longo do tempo) –  tendo como figura central o proscrito francês Charles Ribeyrolles, e onde estreitou seu relacionamento com Augusto Emilio Zaluar, Reinaldo Carlos Montoro,Francisco Ramos Paz, Remigio de Sena Pereira (estes três iriam traduzir, ao lado de Machado e Manuel Antonio de Almeida, a obra de Ribeyrolles, sob supervisão e acompanhamento deste, Le Brèsil Pittoresque)-- todos mais tarde  participantes e atuantes, com Machado, no  (importantíssimo) jornal O Parahyba e no Correio Mercantil. [2]

Mas também exercidos, os relacionamentos e convivências, nos saraus literários; nas reuniões no Grêmio Literário Português, no Retiro Literário Português (uma dissidência do Grêmio), na Arcádia Fluminense (onde, em 1864, Machado apresentou sua peça “Os deuses de casaca”); e  ao ensejo de dois eventos bastante significativos : o centenário (aliás, mais comemorado no Brasil que em Portugal) de nascimento de  Bocage, em 1865, e o tricentenário de nascimento de Camões, 1880, iniciativa do Gabinete Português de Leitura (acontecimento inclusive de intensa participação popular no Rio de Janeiro) – quando Machado apresentou a peça,escrita especialmente para a ocasião, “Tu,só tu puro amor”

E, importante notar, em distintos jornais, de relevância – cada um por suas circunstâncias – no contexto das relações lusas de Machado: A Marmota, em 1855-56 (que publicava transcrições de obras portuguesas, como “Folhas caídas”, de Garret, poemas de João de Lemos e Antonio Dinis, e outros); O Parahyba, de Petrópolis, 1858-59 (jornal progressista, avançado para seu tempo, de relevância ímpar na história jornalística, editorial e literária brasileiras – até aqui não devidamente estudado), criado por Zaluar, editorialista e seu redator-chefe,e contando com Carlos Montoro, Ramos Paz e Machado ; Correio Mercantil,.1858-59, no qual  Machado conheceu Faustino Xavier de Novais, e publicou,entre outros textos, o  artigo “O Jornal e o Livro”, marco de um posicionamento dialético-político machadiano, cuja (escreveu ele) “idéia pertenceu ao sr. Reinaldo Carlos [Montoro]” –  artigo contendo  trecho de manifestação de  clara adesão aos princípios democratas e republicanos;[3] ; Diário do Rio de Janeiro, 1861-62 – nele (com Machado),  Ramos Paz e Sena Pereira ; O Futuro, 1862-63, criado e dirigido por Faustino Xavier de Novais, o primeiro – e pode-se dizer principal, se não único -- jornal explicita e essencialmente luso-brasileiro, de resto expresso formalmente no texto de  editorial de seu 1º.número, a  15.09.1862, e que  inclusive abrigou crônicas machadianas de teor político (e de outros timbres)

A rigor, toda esse período de cerca de oito anos na vida de Machado – desde meados da década de 1850, as atuações nos aludidos jornais, em todos eles ‘cercado’ de portugueses  – registra e retrata uma espécie de ‘pêndulo’ na postura,no pensamento, nas opiniões.comentários e manifestações literárias, oscilando entre a convivência e intimidade em grupos de literatos e o engajamento, entre participação efetiva,em termos de comentários incisivos, nos acontecimentos e a criação artística, procurando impor certa ‘personalidade filosófica’, uma independência de pensamento não submisso a doutrinas e dogmas. Sempre  em torno da convivência com os portugueses.

Como  portugueses marcaram literariamente  o Machado escritor ?

Primeiramente, por meio dos autores e obras clássicos, quer antigos e canônicos quer contemporâneos a ele, dos quais foi Machado um persistente leitor, entre 39 volumes   armazenados em sua biblioteca(ou do que restou dela, bastante diluída após sua morte) – como Almeida  Garret, Alexandre Herculano, Antonio F.de Castilho; José F. de Castilho,   Teophilo Braga, Alexandre Herculano,Oliveira Martins,João de Barros, Camões, Frei Amador Arrais,padre João Lucena, Garcia de Resende, Frei Luís de Sousa, João de Deus, Eça de Queirós, Almeida Garrett, Gomes de Amorim,  Rebelo da Silva,  Antero Figueiredo, D. Antonio Costa, fr. J.de Santa Rita Durão, J. P. Oliveira Martins, padre João Lucena. Vasco da Gama -- e aqueles consultados, uns regularmente outros especifica e episodicamente, nos acervos públicos e privados que freqüentava -- entre eles, Gil Vicente; Bernardim Ribeiro; Sá de Miranda; João de Barros; Fernão Mendes Pinto; Duarte Nunes de Leão; frei Luís de Sousa; Francisco Rodrigues Lobo ;padre Antônio Vieira ;padre Manuel Bernardes.

Às intensas e perenes leituras e consultas nas bibliotecas e acervos bibliográficos e à estreita e criativa convivência com literatos lusos estabelecidos no Rio de Janeiro, acoplam-se, por sua extrema significância no retrato dessas relações, as profusas  citações e recorrências aos portugueses em toda a obra machadiana (devidamente mapeadas e organizadas, no aludido estudo acerca das influências e orientações estrangeiras em Machado de Assis, em raisonnés – o que, mister  enfatizar, identificam os teores,graus e influências de autores,obras e textos lusos em sua  genealogia literária concomitantemente apontam para vetores  na constituição,hábitos,gostos e perfis de leitores a sua época, vale dizer serem  vistas como fontes de informação e conhecimento dessas referências autorais e bibliográficas a seus leitores, por extensão ao leitor brasileiro de seu tempo : no que registra e faz aparecer em seus textos, Machado os ‘apresenta’ e transmite aos que o lêem. Há um claro, relevante processo de ‘transferência’ e transmissão de conhecimento literário, bibliográfico,cultural, histórico, político, etc, de insofismável formação cognitiva e de modulação de padrões de leitura da época.

Neste particular, tão quantitativamente extenso quanto qualitativamente significativo é o elenco de  autores portugueses, os quais  a par de exercerem marcante influência em  sua formação literária, Machado de Assis informou e difundiu junto a seus leitores. Desde autores mais antigos – como Joham Zorro e  D. Dinis – a   Gil Vicente, Bernardim Ribeiro, Sá de Miranda, João de Barros, D. João de Castro, Damião de Góis, Fernão Mendes Pinto, Pêro de Andrade Caminha,  Antônio Ferreira, Francisco de Andrade, Diogo do Couto, Frei Luís de Sousa, Damião de Góis, Antônio José, o Judeu, Antônio Vieira, Francisco Manuel de Melo, Manuel Bernardes, Antônio Caetano de Sousa, Antônio José da Silva, Correia Garção,  Luís, Manuel de Figueiredo, Cruz e Silva,Mendes Leal, Rebelo da Silva, Camilo Castelo Branco, Ernesto Biester, João de Deus, Tomás Ribeiro, Ramalho Ortigão,Teófilo Braga, Eça de Queirós, Guerra Junqueiro.

Hegemônico foi Luis de Camões (quem, de resto, pode-se considerar, no cômputo geral das menções e referências de Machado, somente superado por Shakespeare) -- e Os Lusíadas, a  obra mais citada por Machado depois da Bíblia ; e mais Almeida Garret, Alexandre Herculano,Bocage, Antonio F. de Castilho, Antonio .Dinis da Cruz e Silva,  Nicolau  Tolentino.
O papel e influências de poetas portugueses  na formação de Machado de Assis, inserido  de resto na própria  tradição poética luso-brasileira da época, têm exemplos cristalinos em Camões,Garret e Castilho, que  marcaram forte e intensamente a poética machadiana, bem como um daqueles co-viventes no Rio de Janeiro, Francisco Gonçalves Braga-- a quem Machado designou como “meu primeiro mestre”. A se destacar também as influências significativas de Alexandre Herculano – ao lado de Garret, considerado por Machado como modelo na prosa -- e João de Barros na constituição de seu conhecimento histórico.
Almeida Garret, mister enfatizar, além da acentuada influência temática e estilística na poética machadiana, teve seu “Bosquejo da História da Poesia e Língua Portuguesa”, de 1827, estudo fundamental para a história da literatura no Brasil, a apontar caminhos da emancipação literária – o que viria a se constituir na égide do movimento deflagrado na década de 1830 por Gonçalves de Magalhães e José de Alencar, em prol de um “nacionalismo literário brasileiro” (que, aliás, propicia a reflexão  exposta adiante) – como  forte inspiração para as reflexões de Machado acerca da literatura brasileira, expressas nos ensaios “O passado, o presente e o futuro da literatura brasileira”(1858), “Instinto de nacionalidade”(1873) e “A nova geração”(1879), e sua obra Viagens da minha terra como uma das peças que moldaram,no teor da sátira menipéica-luciânica (ao lado das obras de Sterne,Diderot e Xavier de Maistre),  a célebre inflexão machadiana no início da década de 1880. 
A se arrolar ainda Camilo Castelo Branco, que inspirou Machado em certos recursos narrativos, como as digressões metaliterárias, as interferências do narrador em diálogo com o leitor, o uso da ironia (já foram apontados elementos da novela  Coração ,cabeça e estômago: uma estética da ambiguidade, de Camilo, em Memórias póstumas de Brás Cubas).
Na ‘seara’ teatral de Machado, de inquestionável influência foi Antônio José da Silva, a quem inclusive foi dedicado  belo ensaio (publicado originalmente na Revista Brasileira, 17.07.1879). E um português que não era escritor ou literato, Furtado Coelho, que  produtor teatral propiciou a Machado , porque as levava a cena, o incrementar de sua importantíssima atividade de tradutor (que Mario de Alencar, considerando-o “um dos maiores tradutores brasileiros”, lamentava tivesse Machado interrompido ).

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Por fim, uma reflexão a respeito de questão que muito me instiga, e julgo pertinente. Machado – como representante proeminente do movimento de ‘nacionalização literária’ brasileira -- parece ter sido o primeiro, se não o único a se aproximar e interagir aos portugueses: não se tem referência, por exemplo, das   presença e atuação, nesse sentido, de Gonçalves de Magalhães, José de Alencar e dos demais românticos empenhados,no Brasil, nesse projeto (que se dava simultaneamente em Portugal, convém frisar) de afirmação de nacionalidade literária e cultural.
Não existem dúvidas de quanto ambíguos, ou no mínimo reticentes, postaram-se os românticos brasileiros com relação ao legado lingüístico e cultural dos portugueses: mesmo tendo em conta a importância, ou necessidade, de estabelecer, e sedimentar, traços  diferenciadores do novo país depois da independência de 1822, o curioso – e  contraditório – é que desenrolou-se um processo de obediência e preservação dos padrões lingüísticos,sintáticos,gramaticais,léxicos portugueses como uma espécie de atestado de qualificação cultural  e ‘civilidade’ intelectual. Isto é, intentavam os primeiros românticos brasileiros se constituírem nos agentes a afirmação nacionalista brasileira, no âmbito cultural, sem no entanto romperem com o arcabouço lusitano...


[1] Este artigo, constituído como escopo para a palestra proferida durante o “6º. Colóquio Portugal no Brasil: pontes para o presente”, realizado pelo Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, abriga elementos inerentes a Estudo, a ser publicado  neste 2012 – aliás,  designado como  “ano de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal”.
[2] Nesse particular, poder-se ter em consideração que muito do perfil político-ideológico desse grupo seria aquele inerente aos portugueses vindos para o Rio de Janeiro em 1837(e que criaram o Real Gabinete Português de Leitura) refugiados do levante político do Porto,em Portugal – o que taxativamente comprova  o papel  capital  dos lusitanos também na formação do pensamento político de Machado.
[3] Texto que oferece aos estudiosos amplo arsenal de elementos para uma reflexão, até mesmo de cunho ‘revisionista’, acerca da (até então e,de resto, quase consensualmente tida) índole e perfil ‘monarquista-liberal’ machadianos.
                “(Graças ao jornal...) completa-se  a emancipação da inteligência e começa a dos povos.O direito da força,o direito da autoridade bastarda consubstanciada nas individualidades dinásticas vai cair. Os reis já não têm púrpura,envolvem-se nas constituições. As constituições são os tratados de paz celebrados entre a potência popular e a potência monárquica” [“O Jornal e o Livro”, in Correio Mercantil, Rio de Janeiro :10-12.01.1859].

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