quinta-feira, 1 de maio de 2008

Notícia sobre um gigante do Brasil


O Primeiro de Maio comemora o Dia do Trabalho -- mas também o nascimento de um dos maiores nomes da literatura nacional, o grande epígono do Romantismo e ,para quem não sabe, o maior defensor da criação de uma “língua literária brasileira”.
Ao lado de Coelho Neto e Olavo Bilac (e um tanto de Joaquim Manuel de Macedo), ele é um dos mais ‘injustiçados’ autores brasileiros, não devidamente reconhecido seu excepcional valor literário — e até mesmo político-ideológico, no que diz respeito à sua luta em prol de uma “língua semântica e literária brasileira”. Hoje, felizmente, denota-se um processo de merecidissimo resgate : não se tem nenhuma dúvida a respeito da importância fundamental de seus romances para compreensão do nacionalismo na literatura brasileira.
Nenhum , rigorosamente nenhum , escritor brasileiro foi (e é) tão versátil e eclético como ele, autor de romances (urbanos, indianistas, históricos, de costumes ), novelas, teatro, poesia, ensaios, artigos jornalísticos, memorialística. Nenhum escritor elevou o Romantismo literário brasileiro a escalas quantitativas e qualitativas como ele. E quase nenhum de seus contemporâneos (obviamente à exceção de Machado de Assis) soube, como ele , captar e retratar tão bem o tempo histórico-político-social-cultural do século XIX, no País.

Ele é José Martiniano de Alencar , nascido em 1.º de maio de 1829, em Mecejana, Ceará, filho do padre José Martiniano de Alencar (deputado pela província do Ceará) , que assumiu o cargo de senador do Rio de Janeiro em 1830 e obrigou a família a se mudar.Filho de político, o jovem Alencar assistia a tudo de perto -- assistia e, certamente, tomava gosto pela política, tanto que mais tarde tornou-se ministro da Justiça.
Em 1844, resolveu ir para São Paulo, a fim de cursar direito e seguir a mesma carreira do primo que o influenciara a tal : formou-se em 1850.Nas históricas arcádias da Academia de Direito do Largo de São Francisco discutia-se tudo: política, arte, filosofia, direito e, sobretudo, literatura. Era o tempo do Romantismo, novo estilo artístico importado da França – mas que acabou tornando-se um estilo de vida. Seus seguidores, como os acadêmicos de direito, exibiam um comportamento bem típico: vida boêmia, regada a muita bebida e farras, segundo eles para animar a vida na tediosa cidade e ao mesmo tempo serem tocados pelo sopro da inspiração.
Introvertido, quase tímido, o jovem Alencar mantinha-se alheio a esses hábitos, metido em estudos e leituras. Lia principalmente os grandes romancistas franceses da época. Arredio à vida estudantil, viveu então uma fase de recolhimento e estudo na qual cuidou de expandir sua cultura literária, lendo os grandes autores estrangeiros, os clássicos, os filósofos, os historiadores e cronistas do Brasil colonial. Familiarizou-se com Balzac, Chateaubriand, Victor Hugo, Dumas e Byron, ao mesmo tempo que desenvolvia no espírito a idéia da nacionalidade literária, para definir e estabelecer os lineamentos da literatura brasileira. Motivado pelo êxito de A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, escreveu em 1847, aos 18 anos, os romances “Os contrabandistas”, “O ermitão da glória” e “A alma de Lázaro”, nunca publicados [segundo seu próprio depoimento , um dos inúmeros hóspedes que freqüentavam sua casa usava as folhas manuscritas para... acender charutos. Verdade? Invenção? Muitos biógrafos duvidam da ocorrência, atribuindo-a à tendência que o escritor sempre demonstrou a dramatizar excessivamente os fatos de sua vida.] .O jovem cearense jamais se adaptaria às rodas boêmias tão assiduamente freqüentadas por outro companheiro que também ficaria famoso: Álvares de Azevedo.
O senador Alencar, muito doente, voltou para o Ceará em 1847, deixando o resto da família no Rio. Alencar viajou para o estado de origem, a fim de assistir o pai. O reencontro com a terra natal faria ressurgir as recordações de infância e fixaria na memória do escritor a paisagem da qual ele jamais conseguiria se desvincular inteiramente. É esse o cenário que aparece retratado em um de seus romances mais importantes: Iracema. Transferiu-se para a Faculdade de Direito de Olinda. O pai, bem de saúde, logo voltava ao Rio, e Alencar, a São Paulo, onde terminaria o curso. Dessa vez morava numa rua de prostitutas, gente pobre e estudantes boêmios. Alencar continuava desligado da boemia. Com certeza preparando sua sólida carreira, pois seu trabalho literário resultou de muita disciplina e estudo.
Em 1850, Alencar já estava no Rio de Janeiro, trabalhando num escritório de advocacia. Começava o exercício da profissão que jamais abandonaria e que garantiria seu sustento. Ao mesmo tempo, começou a escrever artigos no Jornal do Commercio.
Em setembro de 1854, um dos números do jornal Correio Mercantil trazia uma seção nova, "Ao correr da pena'' , assinada por José de Alencar. O folhetim, muito em moda na época, era um misto de jornalismo e literatura: crônicas leves, tratando de acontecimentos sociais, de teatro, de política, do cotidiano da cidade.Alencar tinha 25 anos e obteve sucesso imediato no jornal onde trabalharam posteriormente Machado de Assis (dez anos mais jovem que ele) e Joaquim Manuel de Macedo. Sucesso imediato e de curta duração: o jornal censurou um de seus artigos e o escritor desligou-se de sua função.
Começaria nova empreitada no Diário do Rio de Janeiro, outrora um jornal bastante influente, que passava naquele momento por séria crise financeira. Alencar e alguns amigos resolveram comprar o jornal e tentar ressuscitá-lo, investindo dinheiro e trabalho.Nesse jornal aconteceu sua estréia como romancista: em 1856 saiu em folhetins a novela Cinco minutos. Ao final de alguns meses, completada a publicação, juntaram-se os capítulos em um único volume , oferecido como brinde aos assinantes do jornal. No entanto, muitas pessoas que não eram assinantes do jornal procuraram comprar a brochura. Alencar comentaria: '' foi a única muda mas real animação que recebeu essa primeira prova. Tinha leitores espontâneos, não iludidos por falsos anúncios''. Nas entrelinhas, percebe-se a queixa que se tornaria obsessiva ao longo dos anos: a de que a crítica atribuía pouca importância à sua obra.
Com Cinco minutos e, logo em seguida, A viuvinha, Alencar inaugurou uma série de obras em que buscava retratar (e questionar) o modo de vida na Corte : nelas aparece um painel da vida burguesa, seus costumes, moda, regras de etiqueta... tudo entremeado por enredos tendo o amor e o casamento como tônica. Por suas páginas circulam padrinhos interesseiros, agiotas, negociantes espertos, irmãs abnegadas e muitos outros tipos que servem de coadjuvantes nos dramas de amor enfrentados pelo par amoroso central. É o chamado romance urbano de Alencar, tendência em que se enquadram, além daquelas duas primeira novelas, Lucíola, Diva, A pata da gazela, Sonhos d'ouro e Senhora -- este , considerado sua melhor realização na ficção urbana e uma das grandes obras de literatura brasileira. Os romances também mostram um escritor preocupado com a psicologia dos personagens, principalmente os femininos, alguns deles até chamados de "perfis de mulheres". Em todos, a presença constante do dinheiro, provocando desequilíbrios que complicam a vida afetiva dos personagens e conduzindo basicamente a dois desfechos: a realização dos ideais românticos ou a desilusão, numa sociedade em que ter vale muito mais do que ser. Alguns exemplos: em Senhora, a heroína arrisca toda sua grande fortuna na compra de um marido ; Emitia, o personagem central de Diva, busca incansavelmente,e idilicamente, um marido mais interessado em amor que em dinheiro ; em Sonhos d'ouro, o dinheiro representa o instrumento que permitiria autonomia de Ricardo e seu casamento com Guida; a narrativa de A viuvinha gira em torno do compromisso assumido por um filho para pagar todas as dívidas deixadas pelo pai ; Lucíola resume toda a questão de uma sociedade que transforma amor, casamento e relações humanas em mercadoria, e o assunto do romance, a prostituição, obviamente mostra a degradação a que o dinheiro pode conduzir o ser humano.
Entre Cinco minutos (1856) e Senhora (1875), passaram-se quase vinte anos e muitas situações polêmicas .Alencar estreou como autor de teatro em 1857, com a peça “Rio de Janeiro : verso e reverso”, em que focalizava o Rio de Janeiro de sua época. No mesmo ano, o enredo da peça “O crédito” antecipava um problema que o País logo iria enfrentar: a desenfreada especulação financeira, responsável por grave crise político-econômica. Desse ano data ainda a comédia “O demônio familiar”. Em 1858, estreou a peça “As asas de um anjo”, de um Alencar já bastante conhecido. Três dias após a estréia, a peça foi proibida pela censura, que a considerou imoral: tendo como personagem central uma prostituta regenerada pelo amor, o enredo ofendeu a sociedade ainda provinciana de então. (O curioso é que o tema era popular e aplaudido no teatro da época, em muitas peças estrangeiras). Alencar reagiu, acusando a censura de proibir sua obra pelo simples fato de ser ''produção de um autor brasileiro. . .'' Mas a reação mais concreta viria quatro anos mais tarde, no romance em que o autor retoma o tema: Lucíola.
Profundamente decepcionado com a situação, Alencar declarou que iria abandonar a literatura para dedicar-se exclusivamente à advocacia. É claro que isso não aconteceu : escreveu ainda o drama “Mãe”, levado ao palco em 1860, ano em que morreu seu pai. Para o teatro, produziu ainda a opereta “A noite de São João” e a peça “O jesuíta”.
A questão em torno de “As asas de um anjo” não era a primeira nem seria a última polêmica enfrentada por Alencar. De todas , a que mais interessa para a literatura foi anterior ao caso com a censura e relaciona-se ao aproveitamento da cultura indígena como tema literário. Segundo os estudiosos, foi este o primeiro debate literário ocorrido no Brasil.Certamente, quando resolveu assumir o Diário do Rio de Janeiro, Alencar pensava também num veículo de comunicação que permitisse a ele expressar livremente seu pensamento. Foi nesse jornal que travou seu primeiro ‘confronto’ literário e político: nele, o escritor confronta-se indiretamente com ninguém menos que o imperador D. Pedro II.
Gonçalves de Magalhães (que seria considerado o iniciador do Romantismo brasileiro) escrevera um longo poema intitulado “A confederação dos Tamoios”, em que faz um exaltado elogio à raça indígena. D. Pedro II, homem voltado às letras e artes, viu no poema de Magalhães o verdadeiro caminho para uma genuína literatura brasileira. Imediatamente, o imperador ordenou que se custeasse a edição oficial do poema. Alencar, sob o pseudônimo "Ig", utilizando seu jornal como veículo, escreveu cartas a um suposto amigo, questionando a qualidade da obra de Magalhães e o patrocínio da publicação por parte do imperador: "As virgens índias do seu livro podem sair dele e figurar em um romance árabe, chinês ou europeu (...) o senhor Magalhães não só não conseguiu pintar a nossa terra, como não soube aproveitar todas as belezas que lhe ofereciam os costumes e tradições indígenas...".No início, ninguém sabia quem era o tal Ig, e mais cartas foram publicadas sem merecer réplica. Após a quarta carta, alguns escritores e o próprio imperador, sob pseudônimo, vieram a público na defesa de Magalhães. Ig não deixou de treplicar.A extrema dureza com que Alencar tratou o poeta Magalhães e o imperador parece refletir a reação de um homem que se considerava sempre injustiçado e perseguido. Qualquer que tenha sido o motivo, essa polêmica existe um interesse fundamental. Discutia-se de fato, naquele momento, o que seria o verdadeiro nacionalismo na literatura brasileira, que até então sofrera grande influência da portuguesa. Alencar considerava a cultura indígena como um assunto privilegiado, que “na mão de um escritor hábil” – convém notar a irônica ressalva -- poderia tornar-se a marca distintiva da autêntica literatura nacional.
Aos 25 anos, Alencar apaixonou-se pela jovem Chiquinha Nogueira da Gama, herdeira de uma das grandes fortunas da época. Mas o interesse da moça era outro: um rapaz carioca também muito rico. Desprezado, custou muito ao altivo Alencar recuperar-se do orgulho ferido. Somente aos 35 anos iria experimentar, na vida real, a plenitude amorosa que tão bem soube inventar para o final de muitos de seus romances. Desta vez, paixão correspondida, namoro e casamento rápidos : a moça era Georgiana Cochrane, filha de inglês. Conheceram-se no bairro da Tijuca, para onde o escritor se retirara a fim de se recuperar de uma das crises de tuberculose; casaram-se em 20 de junho de 1864. Muitos críticos vêem no romance Sonhos d'ouro, de 1872, algumas passagens que consideram inspiradas na felicidade conjugal que Alencar parece ter experimentado ao lado de Georgiana.
Nessa altura, o filho do ex-senador Alencar já se achava metido, e muito , na vida política do Império – mas apesar de ter herdado do pai o gosto pela política, não era dotado da astúcia e da flexibilidade que fizeram a fama do velho Alencar. Seus companheiros da Câmara enfatizam sobretudo a recusa quase sistemática de Alencar em comparecer a solenidades oficiais e a maneira pouco polida com que tratava o imperador. A inflexibilidade no jogo político fazia prever a série de decepções que de fato ocorreriam. Eleito deputado e depois nomeado ministro da Justiça, Alencar conseguiu irritar o imperador como poucos o conseguiram até então. Enquanto ministro da Justiça, contrariando ainda a opinião de D. Pedro, Alencar resolveu candidatar-se ao senado : foi o mais votado dos candidatos de uma lista tríplice, porém de acordo com a constituição da época, a indicação definitiva estava nas mãos do imperador -- e o nome de Alencar foi vetado.
Esse fato marcaria o escritor para o resto da vida. Daí para diante, sua ação política traz os sinais de quem se sentia irremediavelmente injustiçado. Os amigos foram aos poucos se afastando e sua vida política parecia ter terminado. Mas era teimoso o suficiente para não abandoná-la.Retirou-se para o sítio da Tijuca, onde voltou a escrever. Desse período resultam O gaúcho e A pata da gazela (1870). Tinha 40 anos, sentia-se abatido e guardava um imenso rancor de D. Pedro . Eleito novamente deputado, voltou à Câmara, onde ficaria até 1875. Nunca mais, como político, jornalista ou romancista, iria poupar o imperador.
Em 1866 e 1867 publicou as “ Cartas políticas de Erasmo”. Partindo da suposta condição de que D. Pedro ignorava a corrupção e a decadência em que se achava o governo, Alencar dirige-se ao imperador tentando mostrar a situação em que se encontrava o país, com seus inúmeros problemas, entre eles o da libertação dos escravos e o da Guerra do Paraguai (1865-1870).No entanto, foi a questão dos escravos que mais aborrecimentos trouxe ao escritor : manifestando-se contra a Lei do Ventre Livre (1871), tomava posição ao lado dos escravocratas, despertando a ira de grande contingente de pessoas que, no país inteiro, consideravam a aprovação dessa lei uma questão de honra nacional.
Em 1876, Alencar leiloou tudo o que tinha e foi com Georgiana e os seis filhos para a Europa, em busca de tratamento para a saúde precária. Tinha programado uma estada de dois anos. Durante oito meses visitou a Inglaterra, a França e Portugal. Seu estado de saúde se agravou e, muito mais cedo do que esperava, voltou ao Brasil. A pesar de tudo, ainda havia tempo para atacar D. Pedro , Alencar editou alguns números do semanário O Protesto durante os meses de janeiro, fevereiro e março de1877. Nesse jornal, o escritor deixou vazar todo o seu antigo ressentimento com o imperador, por sua não-indicação para o Senado em 1869.Mas nem só de desavenças vivia o periódico. Foi nele que Alencar iniciou a publicação do romance Exhomem ,em que se mostraria contrário ao celibato clerical, assunto muito discutido na época. Escondido sob o pseudônimo Synerius, o escritor faz questão de explicar o título do romance : literalmente exprime ” o que já foi homem ".
Alencar não teve tempo de passar do quinto capítulo da obra que lhe teria garantido o lugar de primeiro escritor do Realismo brasileiro. Com a glória de escritor já um tanto abalada, morreu no Rio de Janeiro, em 12 de dezembro de 1877. Ao saber de sua morte, o imperador teria se manifestado : "Era um homenzinho teimoso''.
Mais sábias seriam as palavras de Machado de Assis, ao escrever seis anos depois:
"Quando entrei na adolescência, fulgiam os raios daquele grande engenho: vi-os depois em tanta cópia e com tal esplendor, que eram já um sol quando entrei na mocidade. Gonçalves Dias e os homens do seu tempo estavam feitos; Álvares de Azevedo, cujo livro era a Boa Nova dos poetas, falecera antes de revelado ao mundo. Todos eles influíam profundamente no ânimo juvenil, que apenas balbuciava alguma coisa; mas a ação crescente de Alencar dominava as outras. A sensação que recebi no primeiro encontro pessoal com ele foi extraordinária: creio ainda agora que não lhe disse nada, contentando-me de fitá-lo com os olhos assombrados do menino Oleine ao ver passar Napoleão. A fascinação não diminuiu com o trato do homem e do artista..." "...podemos dizer que ele saiu da Academia para a celebridade. Quem o lê agora, em dias e horas de escolha, e nos livros que mais lhe aprazem, não tem idéia da fecundidade extraordinária que revelou tão depressa entrou na vida. Desde logo pôs mãos à crônica, ao romance, à crítica e ao teatro, dando a todas essas formas do pensamento um cunho particular e desconhecido.(...)(...) José de Alencar escreveu as páginas que todos lemos, e que há de ler a geração futura. O futuro não se engana.”

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