quarta-feira, 7 de maio de 2008

Um fato, uma notícia, Machado de Assis

O fato, a notícia : "Equador debate "direito ao prazer" ...[veja ao lado]
e atualidade machadiana
Pois é exatamente, claro que com outras palavras, o que ninguém menos que Machado de Assis sustentava, melhor, escrevia , há cerca de 150 anos. O que comprova o muito de sua incontestável atualidade. Porque Machado foi um precursor e anunciador de muita coisa dos dias de hoje – em questões políticas (sim senhor), econômicas (para quem não sabe), temas sociais, comportamentais, e em especial no que se refere à mulher.
Em sua prosa ficcional, isto é nos contos e romances, Machado sempre escreveu sobre mulheres e para as mulheres e não era segredo – pelo menos até 1881,quando consolidou a longa e profícua atuação nas páginas da Gazeta de Notícias -- preferir colaborar em publicações cujo público predominante era feminino, primeiro no Jornal das Famílias , de 1864 a 1876, e a partir de 1879 em A Estação.
Sua obra, de modo geral, encena vários tipos femininos, com histórias povoadas de muitas personagens e situações que mostram as alternativas com que as mulheres se defrontam na vida: assim é com Lívia de Ressurreição, Guiomar de A mão e a luva, Helena, Iaiá Garcia, Virgília e Marcela de Brás Cubas, Sofia de Quincas Borba, Capitolina de Dom Casmurro, Flora de Esaú e Jacó, Fidelia e Carmo de Memorial de Aires, além da profusão das protagonistas de inúmeros contos, como em “Missa do galo”, “Capítulo dos chapéus”, “Singular ocorrência” ,”Uma senhora”, “Trina e una”, “Primas de Sapucaia!”, “Noite de almirante”, “A senhora do Galvão”, “Uns braços”, “D. Paula”, que abrigam vários tipos femininos e situações com as quais as mulheres se defrontam na vida comum – podendo mesmo serem catalogado como ‘estudos sobre a mulher”, ao revelarem de forma soberba a mais aguda sensibilidade de Machado no trato de questões que envolvem moral, ética, preconceito social, autoritarismo, amor e ciúme.
Sem se constituir propriamente em explícito ‘defensor dos direitos da mulher’ – muito menos um ‘dialético feminista’ -- Machado era convicto de que as mulheres deviam ser instruídas e não permanecerem atadas à vida doméstica, ao mesmo tempo sempre preocupado e atento para as necessidades emocionais, afetivas e mesmo sexuais das mulheres . Desde o início de sua gestação ficcional em prosa, Machado traçou caminhos próprios e peculiares para tratar das relações entre os homens e as mulheres, muito além da visão ingênua dos românticos, do discurso dos realistas e naturalistas, injetando em sua obra muitas sementes da modernidade : criou um estilo de literatura não apenas de observação das pessoas mas sobretudo de interpretação, expondo das pequenas coisas, das passagens a princípio inocentes, um outro lado , que muitas vezes aludia à presença, sempre insidiosa, do inconsciente. Sempre foi um autor interessado em prospectar as paixões humanas, em dissecar-lhes as intimidades, em levantar ques­tões e em torná-las públicas pela voz de seus personagens.
Especialmente a partir do final da década de 1870, sua obra segue a linha da litera­tura psicológica -- protagonistas e personagens com seus conflitos, complexos, dúvidas e hesitações -- e traz, para o centro das discussões, a questão da afetividade feminina : na ficção machadiana surge uma mulher que aspira poder escolher a forma de sentir e amar, apesar de, quase sempre , não poder dizer de seu desejo.
Nenhum escritor de seu tempo ‘edificou’ tanto a mulher como personagem capital e leitmotiv básico de seus textos como Machado de Assis — nem Joaquim Manuel de Macedo (de A Moreninha e em inúmeros contos), José de Alencar( notadamente na trilogia urbana Senhora, Diva e Lucíola, além das novelas A viuvinha, Cinco minutos e A pata da gazela, Sonhos d'ouro, Encarnação), nem Taunay (em Inocência), Bernardo Guimarães (e sua Escrava Isaura), Domingos Olímpio ( com Luzia Homem), nem Lima Barreto (de suas Clara e Castorina em Clara dos Anjos , Olga e Edgarda em Triste fim de Policarpo Quaresma , Efigênia em O cemitério dos vivos; Cecília de Diário íntimo , Cló, Adélia, Lívia em Histórias e sonhos; etc., das instigantes crônicas em torno do tema “Não as matem!”).
Em Machado, os amores e frustrações femininos eram temas constantes, inclusive o adultério e a pros­tituição - anteriormente inaceitáveis na literatura. Um verdadeiro modernista, nas linhas e entrelinhas de seus contos, romances, e também de suas crônicas, Machado chamou atenção para as necessidades e os direitos da vida afetivo-sexual de suas leitoras : argumentava que a mulher devia receber instrução e não ficar com­pletamente confinada à vida doméstica, tendo direito ao amor e à li­berdade. Obsessivamente observador, a aguda e profunda visão machadiana das “cousas deste mundo” o fez constatar o quanto a mulher na sociedade imperial brasileira—reclusa e dominada, doméstica e servil-- era ‘anulada’ por sua própria condição feminina: se o mundo da mulher era limitado pelas paredes do sobrado, tratou de retirar do ócio social da mulher de sua época a essência da matéria ontológica de suas personagens.
Em suas histórias , a mulher é o elemento forte, traz o homem dependente de si, ela é o esteio, a base da relação. Há matriarcas que dominam e comandam propriedades e a família, viúvas que não mais casam, em que se percebe que a figura masculina é, por vezes, desnecessária (Machado chega a reduzir o homem a um nada : em Memorial de Aires, por exemplo, D. Carmo segue a linha da mulher totalmente dedicada à famí­lia, e que firmemente controla não só o espaço doméstico, como, e prin­cipalmente, o marido; daí a famosa frase: "Aguiar sem Carmo é nada" ). Importante notar, como que a reciclagem de um processo desenvolvido por longos 36 anos (desde Ressureição, em 1872), em seu último romance,sua obra conclusiva – Memorial de Aires -- a par de continuar a privilegiá-las, valorizá-las e enaltecê-las, Machado como que ‘redime’ as mulheres : não mais a figura impulsionada pela emoção, a ponto de preferirem os tolos ao invés dos homens de espírito (a partir de seu primeiro livro publicado, Queda que a smulheres têm para os tolos ,em 1861, a tríade tolo -- mulher --homem de espírito permeia a ficção machadiana, presente em contos e romances ao longo do tempo e de sua evolução literária), mas a mulher proba, que pode ser amada e admirada.
Nesse privilegiar a mulher como personagem primordial de sua ficção, pretenderia Machado de Assis o matriarcado ? seria ele um ‘feminista’ ,comme il faut ? -- especulam muitos dos estudiosos machadianos. Em todos os aspectos, a cada leitura de sua obra nos damos conta da sutileza e da abrangência desse feminismo ; e certificamo-nos de quanto o feminino,em Machado, confirma-se como autêntica categoria literária.

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