quarta-feira, 14 de maio de 2008

feliz aniversário !

A imprensa , a tipografia , a literatura aniversariam
Há exatos 200 anos, com a chegada e estadia da Família Real Portuguesa, nascia a imprensa brasileira e a impressão de publicações e era dado um passo decisivo e vital para a própria formação e sedimentação da literatura brasileira
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Em 13 de maio de 1808, dia do aniversário de d. João, foi criada a Impressão Régia, que além de publicar a documentação oficial, previa a impressão de todas e quaisquer obras, sobretudo daquelas que ajudassem a divulgar a imagem da própria monarquia (ao longo do tempo o nome de batismo foi se alterando, acompanhando de perto os acontecimentos políticos : em 1815, ano da elevação da colônia a Reino Unido de Portugal e de Algarves, passou a Régia Oficina Tipográfica; em 1818, d. João era aclamado rei, e a oficina mudou o nome para Tipografia Real). Peça-chave na nova arquitetura que se montava, a Impressão faria as vezes da "propaganda de Estado": sem ela, mal se tomaria conhecimento, no imenso território brasileiro , da quantidade de mudanças que ocorriam naquele exato momento e das outras tantas que estavam por vir.
O gigantismo da tarefa que se apresentava logo de início -- a veiculação de todas as medidas do novo Estado – implicou, como aliás a prática institucionalizada desde a criação e atuação da Inquisição, na Península Ibérica(Espanha e Portugal) e em suas colônias, no exercício da censura : subordinada à Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, coube a eese órgão a responsabilidade do exame de tudo o que se mandasse publicar e o impedimento da impressão de papéis e livros cujo conteúdo contrariasse o governo, a religião e os bons costumes, a fim de impedir a divulgação de idéias que ameaçassem a já frágil estabilidade da Coroa portuguesa. Para exercer a função foram escolhidos censores régios dentre os homens de confiança de d. João, os quais – num Estado absolutista em que o cargo público carrega status e prestígio, além de chamar para si estima e recompensa por parte do soberano -- não pouparam esforços nem mesmo no cerceamento da opinião pública. As obras que o governo mandava publicar chegavam à oficina trazendo, ao pé da página de rosto, a indicação “Por Ordem de S. A. R.”, e quando encaminhadas pelos próprios autores eram antes submetidas aos censores,daí emitindo-se a mensagem “ Com Licença de S. A. R.”, ou apenas “Com Licença”.
A Impressão Régia já nasceu com o trabalho atrasado. Uma pilha de documentos expedidos pela Secretaria foi reunida e impressa com o título “Relação dos Despachos Publicados na Corte pelo Expediente A Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra no Faustíssimo Dia dos Annos de S. A. R. O Príncipe Regente N. S. - E de todos os que se têm expedido pela mesma Secretaria desde a feliz chegada de S. A. R. aos Estados do Brasil” – e aí está a primeira publicação oficialmente produzida no Brasil.
Para ter uma idéia do volume de trabalho acumulado e do acrescentado no percurso, basta dizer que, até 1822, foram publicados 1427 documentos oficiais e mais 720 títulos entre pequenas brochuras, folhetos, opúsculos, sermões, prospectos, obras científicas, literárias, traduções de textos franceses e ingleses versando sobre agricultura, comércio, ciências naturais, matemática, história, economia política, filosofia, teatro , romance, oratória sacra, poesia --enfim, ali se imprimia de tudo um pouco, desde que tivesse passado pelo crivo da censura.
E dos prelos da Tipografia Real saiu o primeiro periódico brasileiro: a Gazeta do Rio de Janeiro, cujo primeiro número circulou num sábado, 10 de setembro de 1808, com a epígrafe (era prática comum e generalizada,no mundo, adotar-se um lema que transmitisse a filosofia do jornal ) “ Doctrina [ ... ] vim promovert isitam, Rectiques cultus pectora roborant"[A doutrina promove a força inata e os cultos corretos fortalecem os peitos] - extraído de frase do poeta romano Horácio -- que parece sinalizar não só os vínculos existentes entre o periódico e o Estado, como o fato de o redator ser um frei franciscano. Também suas dimensões seguiam os padrões dos jornais estrangeiros --19 x 13,5 -- com formato in-quarto, em quatro páginas; originalmente seria semanal, mas a partir do segundo número passou a ser publicado duas vezes por semana.A Gazeta do Rio de Janeiro era o veículo certo para publicar feitos da monarquia que contribuíssem para expandir a imagem que lhe convinha e seu conteúdo não passava da reprodução de atos oficiais e de elogios e reverências à Família Real.Foi o viajante Armitage quem melhor definiu o jornal: em suas páginas, o Brasil parecia um paraíso terrestre, onde ninguém reclamava de nada.
Mas nem todos se iludiam. "Gastar tão boa qualidade de papel em imprimir tão ruim matéria, que melhor se empregaria se fosse usado para embrulhar manteiga" era a queixa de Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, que era do ramo. Brasileiro, morou em Portugal, onde foi diretor da Junta da Imprensa Régia em Lisboa, passando a inimigo do governo português, acusado de ser maçom, perseguido pela Inquisição e detido de 1802 a 1804, quando fugiu da prisão e foi para a Inglaterra. Três meses antes da oficial Gazeta do Rio de Janeiro, Hipólito da Costa lançou o seu Correio Braziliense, em Londres : o periódico era mensal e durou até 1822. Sem papas na língua, muito bem informado, livre de censura e com inspiração iluminista, Hipólito da Costa redigia notícias, resumos analíticos, comentários e críticas sobre os acontecimentos políticos da época, sempre destacando os erros e os acertos do governo português : convém esclarecer que Hipólito era um monarquista que pregava reformas e a união monárquico- constitucional do Império luso-brasileiro, e só aderiu mesmo à causa da independência em julho de 1822, quando o movimento já ia adiantado.O jornal foi proibido de entrar no Brasil, mas circulava clandestinamente pelas capitanias
Por outro lado, desde a pacificação de 1814 - e até um pouco antes dela - a influência francesa na área cultural se fazia notar mais e mais : nos jornais da época, imigrantes franceses ofereciam seus préstimos e prometiam, pelo valor de 480 réis, milagres para quem quisesse aprender a língua de Rousseau ; costureiras imigradas e modistas alardeavam serviços para donzelas desejosas de se vestir nos trópicos como nos amenos climas temperados; centenas de produtos de vestuário e cosméticos destinados a mulheres e homens vinham da França.
E disso não ‘escapou’ a própria impressão de publicações : na Tipografia Real documentos oficiais conviviam com inúmeros tratados em francês e além disso, chegavam ao prelo as primeiras novelas : Diabo coxo, de Alain-René Lesage, de 1809; e Paulo e Virgínia, de Bernardin de Saint-Pierre, de 1811. Mas foi a partir de 1815, e com a derrota de Napoleão, que essa voga literária francesa pegou para valer, fazendo a loucura dos leitores mais românticos com títulos variados: O amor ofendido e vingado, A boa mãe, O bom marido, As duas desafortunadas, Triste efeito de uma infidelidade. Sofria-se com motes e personagens franceses, assim como se lia a boa literatura iluminista como “Henriada”, poema épico de Voltaire, “As cantatas”, de Rousseau, ou “Ifigênia”, de Racine. Também entre os livreiros locais a presença de títulos franceses era uma constante, incluindo-se aí obras de religião, filosofia, ciências e artes, história, novelas, dicionários, livros de geografia e de história. A idéia era, daí para a frente, portar-se como pessoas familiarizadas com as modas européias e os ditames franceses.
O que viria a ter influência decisiva e absolutamente vital na implementação do Romantismo literário no Brasil e na produção ficcional dos maiores escritores brasileiros a partir das décadas de 1840-50 -- como se dará a conhecer proximamente.
Da mesma forma haverá o instante de se comentar como a vinda da Família Real, e suas consequências -- entre elas, a instalação da Imprensa Régia, e depois o translado da Biblioteca Real -- e desdobramentos de cunho institucional,político, econômico e cultural, propiciaram , vis a vis com a autonomia política , a formação e sedimentação da literatura brasileira, por via do Romantismo impregnado do sentimento nacionalista e de reflexões acerca de uma ‘identidade cultural brasileira’.

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