domingo, 10 de fevereiro de 2013
três cariocas e o carnaval -- III
"é carnaval...
deixa o barco correr... seja vc. quem for,seja o que deus quiser"
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O morcego
O carnaval é a expressão da nossa alegria. O
ruído, o barulho, o tantã espancam a tristeza que há nas nossas almas,
atordoam-nos e nos enchem de prazer.
Todos nós vivemos para o carnaval. Criadas, patroas,
doutores, soldados, todos pensamos o ano inteiro na folia carnavalesca.
O zabumba é que nos tira do espírito as graves preocupações
da nossa árdua vida.
O pensamento do sol inclemente só é afastado pelo regougar
de um qualquer “Iaiá me deixe".
Há para esse culto do carnaval sacerdotes abnegados.
O mais espontâneo, o mais desinteressado, o mais lídimo é
certamente o “Morcego".
Durante o ano todo, Morcego é um grave oficial da Diretoria
dos Correios, mas, ao aproximar-se o carnaval, Morcego sai de sua gravidade
burocrática, atira a máscara fora e sai para a rua.
A fantasia é exuberante e vária, e manifesta-se na modinha,
no vestuário, nas bengalas, nos sapatos e nos cintos.
E então ele esquece tudo: a Pátria, a família, a
humanidade. Delicioso esquecimento!... Esquece e vende, dá, prodigaliza alegria
durante dias seguidos.
Nas festas da passagem do ano, o herói foi o Morcego.
Passou dois dias dizendo pilhérias aqui; pagando ali;
cantando acolá, sempre inédito, sempre novo, sem que as suas dependências com o
Estado se manifestassem de qualquer forma.
Ele então não era mais a disciplina, a correção, a lei, o
regulamento; era o coribante inebriado pela alegria de viver. Evoé,
Bacelar!
Essa nossa triste vida, em país tão triste, precisa desses
videntes de satisfação e de prazer; e a irreverência da sua alegria, a energia
e atividade que põem em realizá-la, fazem vibrar as massas panurgianas dos
respeitadores dos preconceitos.
Morcego é uma figura e uma instituição que protesta contra
o formalismo, a convenção e as atitudes graves.
Eu o bendisse, amei-o, lembrando-me das sentenças
falsamente proféticas do sanguinário positivismo do Senhor Teixeira Mendes.
A vida não se acabará na caserna positivista enquanto os
“morcegos" tiverem alegria...
Lima
Barreto [crônica 10.01.1915 Correio da Noite ]
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