quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013
três cariocas [da gema -- sim...] e o carnaval -- I
"é carnaval...
deixa o barco correr... seja vc. quem for,seja o que Deus quiser"
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Bons Dias !
Ei-lo que chega... Carnaval à
porta!... Diabo! aí vão palavras que dão idéia de um começo de recitativo ao piano;
mas outras posteriores mostram claramente que estou falando em prosa; e se
prosa quer dizer falta de dinheiro (em cartaginês, está claro) então é que
falei como um Cícero.
Carnaval à porta. Já lhe ouço os
guizos e tambores. Aí vêm os carros das idéias... Felizes idéias, que durante três
dias andais de Carro! No resto do ano ides a pé, ao sol e à chuva, ou ficais no
tinteiro, que é ainda o melhor dos abrigos. Mas lá chegam os três dias, quero
dizer os dois, porque o de meio não
conta; lá vêm, e agora e a vez de alugar a berlinda, sair e passear.
Nem isso, ai de mim, amigas, nem
esse gozo particular, único cronológico, marcado, combinado e acertado, me é
dado saborear este ano. Não falo por causa da febre amarela; essa vai baixando.
As outras febres são apenas companheiras. . . Não; não é essa a causa.
Talvez não saibam que eu tinha
uma idéia e um plano. A idéia era uma cabeça de Boulanger,
metade coroada de louros, metade forrada de lama. O plano era metê-la em um
carro, e andar. E vede bem, vós que sois idéias, vede se o plano desta idéia
era mau. Os que esperam do general alguma coisa, deviam aplaudir; os que não
esperam nada, deviam patear; mas o provável é que aplaudissem todos, unicamente
por este fato: porque era uma idéia.
Mas a falta de dinheiro (prosa,
em língua púnica) não me permite pôr esta idéia na rua. Sem dinheiro, sem ânimo
de o pedir a alguém, e, com certeza, sem
ânimo de o pagar, estou reduzido ao papel de espectador.
Vou para a turbamulta das ruas e
das janelas; perco-me no mar dos incógnitos.
Já alguém me aconselhou que fosse
vestido de tabelião. Redargüi que tabelião não traz idéia; e depois, não há
diferença sensível entre o tabelião e o resto do universo. Disseram-me que,
tanto há diferença, que chega a havê-la entre um tabelião e outro tabelião.
- Não leu o caso do tabelião que
foi agora assassinado, não sei em que vila do interior? Foi assassinado diante
de cinqüenta pessoas, de dia e na rua, sem perturbação da ordem pública. Veja
se há de nunca acontecer coisa igual ao Cantanheda...
-Mas que é que fez o tabelião
assassinado?
-É o que a notícia não diz, nem
importa saber. Fez ou não fez aquela escritura. Casou com a sobrinha de um dissidente
político. Chamou nariz de César à alta de nariz de alguma influência local. É a
diferença dos tabeliães da roça e da cidade. Você passa pela rua do Rosário, e
contempla a gravidade de todos os notários daqui. Cada um à sua mesa, alguns de
óculos, as pessoas entrando as cadeiras rolando, as escrituras começando. ..
Não falam de política; não sabem nunca da queda dos ministérios, senão à tarde,
nos bondes e ouvem os partidários como os outorgantes, sem paixão, nem por um,
nem por outro. Não é assim na roça.Vista-se você de tabelião da roça, com um
tiro de garrucha varando-lhe as costelas.
-Mas como hei de significar o
tiro?
-Isto agora é que é idéia;
procure uma idéia. Há de haver uma idéia qualquer que significa um tiro. Leve à
orelha uma pena, na mão uma escritura para mostrar que é tabelião; mas como é
tabelião político, tem de exprimir a sua opinião política. E outra idéia
Procure duas idéias, a da opinião e a do tiro.Fiquei alvoroçado, o plano era
melhor que o outro, mas esbarrava sempre na falta de dinheiro para a berlinda,
e agora no tempo. para arranjar as idéias. Estava nisto, quando o meu
interlocutor me disse que ainda havia idéia melhor.
-Melhor?
-Vai ver: comemorar a tomada da
Bastilha, antes de 14 de julho.
-Trivial.
-Vai ver se é trivial. Não se
trata de reproduzir a Bastilha, o povo parisiense e o resto, não senhor.
Trata-se de copiar São Fidélis.
- Copiar São Fidélis?
- O povo de São Fidélis tomou
agora a cadeia, destruiu-a, sem ficar porta, nem janela, nem preso, e declarou que
não recebe o subdelegado que para lá mandaram. Compreende bem, que esta
reprodução de 1789, em ponto pequeno, cá pelo bairro é uma boa idéia.
-Sim, senhor, é idéia... Mas
então tenho de escolher entre a morte pública do tabelião e a tomada da cadeia!
Se eu empregasse as duas?
-Eram duas idéias.
- Com umas brochadas de anarquia
social, mental, moral, não sei mais qual?
- Isso então é que era um cacho
de idéias... Falta-lhe só a berlinda.
-Falta-me prosa, que é como os
soldados de Aníbal chamavam ao dinheiro. Uba
sacá prosa nanupacatu. Em português: "Falta dinheiro aos heróis de
Cartago para acabar com os romanos." Ao que respondia Aníbal:
Tunga loló. Em português: Boas noites!.
Machado de Assis [ crônica de 27.02.1889,Gazeta de Notícias]
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