segunda-feira, 11 de junho de 2012

sobre Arthur Azevedo: entrevista

entrevista sobre Arthur Azevedo,em 2008, pelo centenário de morte do escritor
a Eduardo Cesar Maia, Revista Continente Multicultural  online 
   
Qual foi a contribuição mais original de Arthur Azevedo para a literatura brasileira?
--  Foi ele um ‘multicriador’, transitando sua verve irônico-crítica(nata) e seu talento (alicerçado em intensa prática da escrita) pelo teatro , onde via de regra é mais conhecido (e divulgado), pela crônica (um importante repositório de registros e observações- sempre comentados – da vida carioca nas última décadas do século XIX), pela poesia ( em curiosos exercícios satíricos e alegóricos) e pelo conto (uma fértil seara  onde gerou mais de duas dezenas de divertidas, deliciosas, instigantes histórias , que fazem dele um dos mais importantes contistas de seu tempo – era mais lido,à época, do que o próprio Machado de Assis(os contos azevedinos eram lidos pelas diversas classes sociais,etárias e genéricas,  por homens e mulheres indistintamente) -- dos melhores da literatura brasileira de todos os tempos. Não é à toa,nem gratuito ou fortuito que renomados estudiosos,como . Edgar Cavalheiro, Herman Lima, Humberto de Campos , confiram à   obra de Arthur Azevedo relevante papel na formação da literatura brasileira. Foi um tradutor perfeito de uma cidade não apenas em acelerada transformação, mas em vertiginosa ebulição,.seus textos ficcionais e não-ficcionais constituem um significativo painel da própria sociedade brasileira de seu tempo, envolvendo diversos gêneros e criando novas possibilidades de criação literária, como contos e crônicas dramáticas, teatro em verso e prosa, contos em versos ; forneceu a matriz para uma espécie de contística carioca , e seus contos são considerados os introdutores das classes médias na literatura nacional. Há na obra de Azevedo um conteúdo de crítica social muito intenso – notoriamente  quanto à escravidão ,assim como,aqui e ali, manifestações de cunho político. Seus textos revelam um arguto observador da vida social, um perspicaz comentarista de comportamentos e sentimentos humanos, um atilado crítico moralista no retratar a seu modo as comédias e tragédias, os dramas e o burlesco  dos homens não apenas de sua época mas de todas elas; seus protagonistas e personagens são ‘criaturas de carne e osso’ com que nos deparamos cotidianamente nas ruas de qualquer  meio urbano , criaturas humanas com seus impulsos e bloqueios, seus sentimentos e emoções, suas imperfeições e contradições, suas idiossincrasias e dissimulações, seus defeitos e virtudes. Arthur Azevedo,no conto foi  um inovador, inventando um gênero ficcional : o conto-comédia, expressão cunhada por ele inaugurada no conto “Como me diverti!”e presente em boa parte de sua contística , unindo de forma e modo inéditos,e como ninguém, o teatro e a prosa narrativa ,explorando ao máximo o parentesco, a intimidade de linguagem existente entre eles.
Outro dos elementos mais significativos de sua contribuição marcante para a própria literatura brasileira está na linguagem que adotava em seus escritos, pautada na oralidade e no coloquialismo ,fazendo-o um verdadeiro um reformista, opositor intransigente e taxativo da escrita beletrista e floreada prevalecente na época,insuflada pela República; e esse estilo azevedino – atenção a este aspecto -- forneceria a ‘senha’,anteciparia e apontaria os elementos básicos  que viriam a modular e formatar a linguagem – contestadora e renovadora no cenário da literatura brasileira – de Lima Barreto, no início do século XX, e depois assimilada pelos modernistas de 1922, anunciando uma trilha rumo à linguagem literária urbana do século XX e à ficção contemporânea
O que o estilo simples e despojado desse escritor revela sobre sua personalidade pública?
--  Talvez muito da crítica ou descaso com relação à obra de Arthur Azevedo e à sua qualificação como autor resida, no terreno social-comportamental, parte em sua imagem de ‘iconoclasta’e  de boêmio , parte no terreno da política, a seu exacerbado florianismo, de admiração e defesa incondicionais de Floriano Peixoto ,parte, na seara literária propriamente dita, a  seu despojamento estilístico, ao não-‘aprofundamento’ , falta de movimentação narrativa ou de multiplicidade de situações de enredo, à ‘não-seriedade’ de sua temática– e nisso um ledo equívoco de interpretação, porquanto sua obra contística  (idem a  teatral e a  poética) abriga acentuada crítica social, provocando  reflexão sobre a cidade do Rio de Janeiro e da  sociedade urbana  brasileira do final do século XIX e início do século seguinte.  Embora abominasse a política e os políticos ,Azevedo tinha opiniões políticas : foi republicano e abolicionista de primeira hora, participando a seu modo e meio – como cronista,teatrólogo e poeta – de ambos os movimentos ; contra a escravidão ,além de muitas crônicas e artigos publicados em jornais maiores, como autor teatral externou suas postura e libelo anti-escravagistas em “O liberato”,dedicada a Joaquim Nabuco,e em “A família Salazar” (vetada pela censura policial,o que lhe fez publicá-la em 1884 ,em opúsculo, com o título “O escravocrata”,em protesto à proibição anterior) e também  em “O bilontra”.
 Além de criador literário, Arthur Azevedo desempenhou um importante papel de "agitador cultural", e de certa forma pode-se dizer que ele também foi um intelectual preocupado em "civilizar" o ambiente cultural tão incipiente do Brasil daquele período. Como era  esse outro Azevedo?
--  Azevedo pressentiu e colocou em seus escritos, quer contísticos quer teatrais quer croniquescos, as incisivas transformações pelas quais passava a sociedade do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX -- transformações políticas, econômicas, urbanas, manifestas inclusive nos comportamentos sociais e na própria literatura :tais mutações foram exemplarmente entrevistas e assimiladas por ele em suas peças, suas crônicas e especificamente em seus contos, impondo em todos os textos, em maior ou menor grau, a transformação da perspectiva romântica em realista – no caso de Azevedo, condimentada esta por irresistíveis doses de humor, ironia e sátira. De outro lado, foi considerado “o maior homem de Teatro”, pois por ele lutou incansavelmente,fez dele – nas palavras de Mario Nunes,por exemplo – “seu apostolado, sua atividade, sua obra..." : Arthur lutou incansavelmente pelo projeto de fundar e fazer funcionar um  instituto ou entidade  que coordenasse esforços e realizações em torno do teatro,que seria o alicerce de um  Teatro Nacional; mas essa luta obstinada iria ter fruto na construção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que não viu concluído – morreu em 1908 e o teatro foi inaugurado em 1909,com apresentação da Companhia Nacional,formada por Arthur em 1908; conseguiu, também, que o governo construísse o teatro João Caetano, no Rio de Janeiro.
Como ele se relacionou com as escolas e estéticas literárias de sua época?
-- A franca contraposição da escrita de Arthur Azevedo à  escrita beletrista, nefelibata, retórica e floreada,sob a égide da recém-implantada República e suas aspirações ‘modernizantes’, que se impunha entre os ditos intelectuais  e que caracterizaria acentuadamente a literatura e o jornalismo nas décadas de 1890 e de 1900 . Arthur Azevedo abominava as tendências literárias de seu tempo,que lhes pareciam nada condizentes, ou essencialmente contrárias, ao modus natural e conceitual de sua  literatura : pautando sua composição ficcional por um  processo ‘fora de moda’ , a crítica (irônica) aos falares rebuscados, que não dizem nada e que só servem  para demonstrar uma suposta superioridade de inteligência – o que não significa que a simplicidade de sua narrativa, passando ao largo e  longe de divagações metafísicas ou filosóficas, se desse por força de  penúria expressional, de carência de embasamento literário : ao contrário, conhecia muito bem a língua e tinha pleno domínio do fazer literário.
Um escritor que escreve sobre temas menores é necessariamente um escritor menor?
-- É certo que existe o conceito de ‘alta literatura’ e padrões básicos de beletrismo aos quais procura-se enquadrar, ou julgar,toda a obra literária – o que não significa refutar aquelas que por concepção e propósito originais,determinação autoral explícita, fatores circunstanciais e conjunturais deliberada concreta e/ou potencialmente se afastem desses diapasões , e que em absoluto as tornam ‘obras menores’ : é o caso do contista Arthur Azevedo.





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