sexta-feira, 24 de janeiro de 2014
São Paulo 460
pelos 460 anos, neste 2014, da mais genuína cidade literária
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“Há uma história da literatura que se projeta na cidade de São Paulo; e
há uma história da cidade de São Paulo que se projeta na literatura”
Antonio Candido
A cidade de São Paulo sempre foi pólo fundamental da
literatura brasileira.
E a aura do pioneirismo sempre
a acompanhou, desde seus primórdios. Não surpreende pois que em São Paulo tenha nascido
e se manifestado um dos momentos fundamentais da história cultural brasileira ,
o Modernismo.A cidade , já natural e sequencialmente pioneira em diversas manifestações literárias — desde os jesuítas,
fundadores da Vila São Paulo de Piratininga, a 25 de janeiro de 1554 (não se
pode esquecer que o Diálogo sobre a conversão do gentio, de Manuel da Nóbrega, é o
primeirissimo documento literário do Brasil, e o Auto da Pregação Universal, de José de Anchieta, a primeira peça
encenatória) — o foi também , por exemplo, na precursora expressão poética do
‘indianismo’ no poema “Nênia” de Firmino Rodrigues Silva ; nela
se deram ainda as realizações literárias iniciais de autores não
paulistanos como José de Alencar, com seu “Como e por que me tornei
romancista”, Castro Alves e seu “Navio negreiro”, Raimundo Corrêa com
“Primavera”; nela ocorreu o primeiro movimento literário de vulto não apenas em
relação à cidade mas ao próprio País ,em torno da Revista da Sociedade Filomática,em 1830,constituída na então recém-criada Faculdade de Direito — a primeira manifestação
de brasilidade literária por sua consciência de fins e coesão de esforços
renovadores.
A cidade pioneira e precursora
O
retrato da História exibe a importância capital da Faculdade de Direito, a
partir de 1827, na congregação de homens e idéias por meio da convivência
acadêmica que propiciou a formação de agrupamentos de estudantes, com idéias
estéticas, manifestações literárias e expressões próprias — deflagrando um
processo vigoroso de efervescência
intelectual que passou a agitar intensamente a pequena cidade de então.
Ainda que se reconheça as limitações
quantitativa e qualitativa da produção desses estudantes, não há como
negar que estabeleceram a literatura como atividade presente na comunidade
paulistana.
Deu-se por ela a primeira manifestação de uma vertente poética considerada “o início
da escola brasileira” : o indianismo, desenvolvido na obra de Gonçalves Dias,
mas praticado pioneiramente no poema “Nênia”, de Firmino Rodrigues Silva,
composto entre as arcádias da Faculdade
de Direito. E exercido ainda de forma pioneira em 1844, três anos antes do Primeiros cantos , de Gonçalves Dias, em
“Cântico do tupi”, “Imprecação do índio” e “Prisioneiro índio”, do Barão de
Paranapiacaba. Evidencia-se pois que quando Dias dominou o meio literário
brasileiro, a poesia indianista -- base da obra do maranhense -- já existia e
era praticada em São
Paulo.Em 1845, com a fundação da Sociedade Epicuréia,
consolida-se um processo de produção literária estudantil, embora de qualidade
reduzida mas que viria a receber um influxo importante com a estadia de Castro
Alves, em 1868 — foi em evento da Faculdade de Direito que declamou pela
primeira vez o antológico poema “Navio
negreiro” -- quem incutiu um teor social
ao tipo de obra, sobretudo poética, que
se fazia
Por essa época, o ‘corpo acadêmico’ já
constitui um grupo social diferenciado da comunidade paulistana, a boemia e a
literatura como manifestações mais características de um segmento com
consciência grupal própria.Artistas criadores e ao mesmo tempo críticos,
nas revistas e jornais , são os
estudantes, entre os naturais da cidade e os migrantes e radicados, autores de
denúncias e protestos contra a corrupção, a hipocrisia, as injustiças da
sociedade . Na década de 1880 São Paulo acolhe também um grupo de jovens
inflamados pelo verbo eloqüente de José Bonifácio o moço , uma geração
empenhada numa luta em prol das idéias liberalistas e republicanas : Joaquim
Nabuco, Rui Barbosa, Afonso Pena, Rodrigues Alves .
O
desenrolar e desdobrar de percursos literários que culminariam com o Modernismo
foi coincidente e conseqüente de um
vigoroso processo de evolução econômica, social e urbana da cidade, e há de
obrigatoriamente levar em conta determinados ‘símbolos’ da época : o modus literário que passou a ser atuante
deve necessariamente ser visto e
analisado a partir do desenho dos cenários e ambientes em que veio a se
desenrolar , que são representações significativas da própria literatura brasileira na passagem
do século XIX para o século XX.
O
declínio do Império coincidiu com a ascensão das classes médias urbanas por
força do processo da gradativa
metamorfose de uma sociedade rural para urbana.Em sua luta pela
aquisição de status, segmentos da
classe média passaram a prestigiar valores essencialmente burgueses, como o
saber e agilidade intelectual -- até porque já era uma tradição,no mundo,a
valorização de virtudes intelectuais, o escritor passando a ser objeto de
grande consideração social e atividade cobiçada por muitos filhos da classe
média. A
valorização da inteligência -- a par de possibilitar uma “profissionalização da
literatura” --com a ascensão social por via da
literatura, fez com que o escritor absorvesse valores aristocráticos,
desprovidos de visão crítica do real -- com raríssimas exceções— e veio a
comprometer, na imensa maioria dos autores , a vitalidade do estilo, em troca
do emprego de linguagem, digamos,
‘ornamental’.
No caso particular de São Paulo — então com cerca de
240 mil habitantes na passagem do século XIX para XX, em radical mudança de
perfil demográfico, com a maciça chegada de imigrantes, já um importante centro
ferroviário, comercial, político, a indústria se implementando — o
extraordinário desenvolvimento da cidade acentua uma significativa
diferenciação social e evidencia um novo perfil de estrutura sócio-cultural, em
que a produção literária antes deflagrada pelos estudantes, passa a ser
executada por outro estamento —tornando-se manifestação de uma classe : a nova
burguesia, mais urbana e ‘industrializante’, da mesma forma que em outras
partes do País incorporando costumes segundo o modelo europeu, eivada de
academicismo art-nouveau.
Expressa-se sobretudo um certo aristocratismo intelectual,
que agrada em cheio àquela burguesia
ascendente : cristaliza-se pois um padrão estético-literário-cultural definido
pela elite social, retirados do contingente inicial dos estudantes os valores e parâmetros da produção literária.
Constitui-se, numa sociedade de classes, uma literatura ‘classista’, elitista,
convencional, integrada aos padrões de refinamento da classe dominante. Acentuam-se
então os teores de sentimentalismo e romantismo,privilegiando a ‘pureza’ da
língua, a escrita correta, o ‘apuro’, a limpidez, a sonoridade, a ‘riqueza do
vocabulário’. A literatura como meio e degrau de ascensão social
incorpora-se à sociedade paulistana por
meio dos padrões de suas classes dominantes.
Contrária a essa vertente — personificada pelos
“corifeus da bela escrita”, precipuamente, no Rio de Janeiro, Coelho Neto, Olavo Bilac, os membros da
chamada “geração boêmia” ; em
São Paulo , Francisca
Julia, Vicente de Carvalho ,Julio Ribeiro, Silvio de Almeida — poucas
vozes (ou melhor escritas ) se colocaram : notadamente Lima Barreto ,no Rio de
Janeiro, e Alcântara Machado, em
São Paulo (há de se
considerar também Amadeu Amaral, Sylvio
Floreal, em
especial Juó Bananére , e anos depois João Antonio) — que
adotaram e assumiram temática, ambientação, personagens, trama,
linguagem e estilo eminentemente populares e ‘anti-aristocráticas’.
Vale
ainda considerar a tese do historiador e ensaísta José Murilo de Carvalho a
distinguir cidades ortogenéticas -- caso do Rio do Janeiro, por exemplo -- e
cidades heterogenéticas -- São Paulo como o maior exemplo, e que veio a marcar
o tipo de intelectual e modo de produção cultural gerados pelas duas cidades .A
ortogenética é caracterizada pela função política e administrativa, com grande
peso do governo e do poder público, cidade de consumidores e não de produtores
, baseada no comércio e na escravidão .Carvalho sustenta que a
proclamação da República teria reforçado
ainda mais essa função política do Rio de Janeiro, com mais intensa ainda
presença do poder público, fazendo com que grande parte da intelectualidade se
vinculasse de alguma forma à burocracia pública, em geral como funcionários do
governo federal : e se tal fato não “introduzia necessariamente uma perspectiva
governista na obra desses autores”, frisa ele, “certamente constituía limitação
à sua liberdade de criação”. De outro lado, a quase obrigação que se impunha ao
Rio de passar a imagem civilizada do
país fazia com que seus intelectuais tivessem grande dificuldade em compreender
perfeitamente a realidade do País e da cidade — daí as contradições e bloqueios
que se interpunham no caminho da criatividade dos intelectuais, a cidade não
conseguindo produzir uma cultura moderna/modernista. Diferente de São Paulo.
A cidade heterogenética, que São Paulo exemplifica,
estava fora do centro do poder político, caracterizada como cidade de
produtores, com maior liberdade de criação, maior iniciativa cultural, com
predomínio da atividade econômica e comercial e não política e administrativa —
somado ao fato de que nunca teve grande presença escrava Em contrapartida, a
intelectualidade paulista era muito menos vinculada ao Estado, e era na verdade
patrocinada pela própria oligarquia local -- muitos dos intelectuais eram aliás
eles mesmos membros da oligarquia. A independência em relação ao Estado lhes
dava maior liberdade de criação Além disso, havia maior homogeneidade social
entre a intelectualidade paulista, e isso propiciou a São Paulo maior
possibilidade do que o Rio de Janeiro de
desenvolver um projeto cultural ,mais consistente e ‘autônomo’ : na Paulicéia,
houve “melhor condição de um trabalho intelectual em cima da realidade social
concreta”.
O Modernismo de 1922
expressou um esforço para retirar à literatura o caráter de classe -- dado pela
elite social e cultural pós -1890 -- transformando-a em bem comum a todos. Como
o Romantismo, o Modernismo é de todas as correntes literárias brasileiras a que
adquiriu tonalidades especificamente paulistanas. Antonio Candido sentencia que
“se em São Paulo
não tivesse havido os escritores do período clássico, do Naturalismo, do
Parnasianismo, do Simbolismo, a literatura brasileira teria perdido um ou outro
bom autor, mas nada de irremediável. Se tal acontecesse no Romantismo e no
Modernismo, o Brasil ficaria mutilado de algumas de suas mais altas realizações
artísticas, de obras culminantes como Macário e Macunaíma, por exemplo. Dois momentos paulistanos, dois momentos em
que a cidade se projeta sobre o País”.
Modernismo ,
destruidor”e criador
Nos primeiros anos do século XX,
quando novas correntes artísticas começaram a circular pela Europa, a maior
parte do mundo ocidental encontrava-se em meio a transformações sociais,
políticas, econômicas, tecnológicas e culturais que alteraram radicalmente a
forma de viver e de sentir o mundo. Invenções revolucionárias como o rádio, o
telefone, o automóvel e o cinema passaram a fazer parte do cotidiano das
grandes cidades, cada vez mais urbanizadas. A industrialização modificara a
economia das potências, e os lucros acumulados pela produção em larga escala de
artigos manufaturados garantiam tamanha
sensação de conforto, segurança e otimismo em relação ao futuro, que o período
ficou conhecido como belle époque — uma época de efervescência artística
sem precedentes. Mas no extremo oposto,para as classes trabalhadoras o tempo
era de lutas por melhores condições de vida e, no plano internacional um
conjunto de fatores econômicos e políticos levaram à eclosão da Primeira Guerra
Mundial, em 1914. O Brasil vivia então
período de grandes mudanças, com
a urbanização e a adoção de novas tecnologias que transformavam o ritmo de vida
e o cenário das grandes cidades, e que pareciam alterar a percepção do mundo. O
intenso crescimento urbano e industrial, acelerado desde o começo do século, e
a chegada em massa de imigrantes, principalmente italianos, muitos dos quais
haviam vivido a experiência da luta de classes em seus países, propiciando
inclusive a difusão de idéias anarquistas e socialistas, fizeram com que o
proletariado crescesse e se organizasse : nas primeiras décadas do século
XX ocorreram várias greves em
São Paulo , a maior
delas em 1917 - mesmo ano da Revolução Russa. Nos primeiros anos do século XX
vieram radicais transformações políticas, com acontecimentos decisivos para a
vida nacional, como as revoltas deflagradas pelo movimento tenentista ( julho
de 1922 no Rio de Janeiro; julho de 1924 em São Paulo ),a Coluna
Prestes, a fundação do Partido Comunista, a derrocada da República Velha, das
oligarquias rurais e da "política café-com-leite", o início da Era Vargas.
É nesse contexto de crises e
incertezas que surgiram as correntes de vanguarda (do francês avant-garde,
"o que marcha à frente"), entre elas
o Futurismo, o Cubismo, o Dadaísmo, o Expressionismo, o Surrealismo,
recebidas com entusiasmo por escritores que procuravam renovar as formas de
expressão artística. Muito antes de
1922 os artistas participantes da Semana já produziam obras influenciadas pelas
novas correntes européias, como a publicação, em 1917, de diversos livros de
poemas em que jovens autores buscavam uma nova linguagem, ainda não bem
realizada., em Nós, de Guilherme
de Almeida; Juca Mulato, de Menotti del Picchia; Há uma gota de sangue em cada poema,
de Mário de Andrade — e a célebre exposição de Anita Malfatti, em 1917,
duramente criticada por Monteiro Lobato no famoso artigo “Paranóia ou
mistificação ?”
A
Semana de Arte Moderna de 1922 foi o fato concreto que definitivamente
integrava o Brasil no contexto filosófico-estético-cultural do século XX e levava-o a inserir-se nas coordenadas
culturais, políticas e socioeconômicas dos novos tempos —o mundo da técnica, o
mundo mecânico e mecanizado. A partir dela caminha o movimento modernista em
busca de padrões autônomos e formas autênticas para a criação estética nacional
-- e não somente no âmbito artístico : da mesma forma no campo do pensamento
social, os intelectuais procuravam estabelecer novos modos de se tratar e
compreender a cultura e a história do Brasil, estabelecendo novas
interpretações e valores para a
identidade nacional e dando
início à consolidação institucional do pensamento sociológico
brasileiro. Gerou sobretudo um estado
permanente, latente , criativo, estimulante, instigante, de inquietação
intelectual, e iniciou um processo de unificação cultural sem precedentes no
Brasil.
Fica para a História o depoimento de Mário de Andrade:
"A
Semana de Arte Moderna dava um primeiro golpe na pureza do nosso aristocracismo
espiritual. Consagrado o movimento pela aristocracia paulista, si ainda
sofreríamos algum tempo ataques por vezes cruéis, a nobreza regional nos dava
mão forte e... nos dissolvia nos favores
da vida. Está claro que não agia de caso pensado, e si nos dissolvia era pela
própria natureza e o seu estado de decadência. Numa fase em que ela não tinha
mais nenhuma realidade vital, como certos reis de agora, a nobreza rural
paulista só podia nos transmitir a sua gratuidade. Principiou-se o movimento
dos salões. E vivemos uns oito anos até perto de 1930, na maior orgia
intelectual que a história do país registra. (...) se alastrou pelo Brasil o
espírito destruidor do movimento modernista. Isto é, o seu sentido
verdadeiramente específico. Porque, embora lançando inúmeros processos e idéias
novas, o movimento modernista foi essencialmente destruidor.".
A "destruição" tinha
como objetivo, em um primeiro momento, o rompimento com estéticas passadas,
especialmente a parnasiana — em oposição ao rigor gramatical e ao preciosismo
lingüístico parnasianos, os poetas modernistas valorizavam a incorporação de gírias
e de sintaxe irregular, e a aproximação da linguagem oral de vários segmentos
da sociedade brasileira— e mais: a preparação de um terreno onde se pudesse
reconstruir a a cultura brasileira, sobre bases nacionais, a realização de uma
revisão crítica da história e das tradições culturais do país. Os autores do
Modernismo procuraram no índio e no negro
os elementos primordiais da cultura brasileira que proporcionariam a
reconstrução da realidade nacional, e procuraram retratar a mistura de culturas
e raças existente no país.
Porém, o nacionalismo, a mais
marcante característica do Modernismo, iria separar ideologicamente os adeptos
do movimento, opondo os grupos “Pau-Brasil”,e depois “Antropofágico”(que
incorporva o comunismo, o freudianismo e o matriarcalismo), de Oswald de Andrade , Raul Bopp e Tarsila do
Amaral , e o “Verde-Amarelismo , de
Menotti del Picchia, Plínio Salgado e Cassiano Ricardo. Estudiosos sustentam que a verdadeira
‘revolução’ modernista se deu mesmo em 1924, ano do rompimento de Graça Aranha com a Academia Brasileira de Letras, ano do
“Manifesto Pau-Brasil”, de Oswald de Andrade, anos de dois textos fundamentais
de Mario de Andrade : A escrava que não é Isaura — a ‘teoria’ do
modernismo compendiada - e seu livro
mais ousado, em termos formais, Losango caqui.
Em seguida, 1928 marca a publicação de Macunaíma,
de Mario de Andrade, máxima obra literária do movimento, excepcional
romance-retrato do Brasil de grande miscigenação cultural — as tradições
culturais indígenas dos primórdios ao lado da modernidade europeizada dos
centros urbanos brasileiros da época — e
de Retrato do Brasil, de Paulo Prado, inaugurando o ensaio de
cunho ao mesmo tempo histórico e sociológico que abriria caminho para o grande
ciclo de “interpretações do Brasil”.À renovação estética modernista,na década
de 1920, alia-se no decênio seguinte o
ensaio de interpretação e crítica social, que tenta recontar o processo de
formação histórica do país: a procura da identidade social passa igualmente
pela busca premente de uma ponte entre uma completa renovação cultural e a
reforma da sociedade, uma ponte entre a modernidade e a modernização do país .
O ano de 1930 é a época de instauração do
Estado Novo, que se ‘apropria’ ideológica e retoricamente do Modernismo — Getulio Vargas declarava em seu
discurso de posse: “As forças
coletivas que provocaram o movimento revolucionário do Modernismo na literatura
brasileira foram as mesmas que
precipitaram no campo social e político a Revolução de 1930” (seguindo uma sugestão formulada por Cassiano
Ricardo) — mas inicia um período de intensa fermentação política, social e cultural. É na primeira metade dessa
década que nascem as primeiras tentativas
de interpretação de conjunto da história, da economia e da sociedade brasileira.Sobretudo
a prosa literária se desenvolve,
ficcionalmente no romance e no conto, que retratam decadência da aristocracia
rural, a formação do proletariado urbano, a luta do trabalhador, o êxodo rural,
as cidades em rápida transformação — os cenários para a expansão e proliferação
dos ensaios de interpretação do País, de Gilberto Freyre , Paulo Prado (Retrato do Brasil), Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do
Brasil) ,Caio Prado Júnior (Formação do Brasil contemporâneo), todos
lastreados pela ‘índole’ modernista em busca da síntese explicativa dos
múltiplos aspectos da vida social brasileira e de seu desenvolvimento
histórico.
Acima de tudo um processo de mudança
cultural geral, em direção a uma nova reconstrução sócio-política da identidade
nacional, o Modernismo “difunde-se no tempo, balizando grande parte dos
sequentes debates intelectuais, espalha-se no espaço, o poderoso ímã da
literatura interferindo com a tendência sociológica, dando origem àquele gênero
misto de ensaio, construído na confluência da história com a economia, a
filosofia ou a arte, que é uma forma bem brasileira de investigação e descoberta do Brasil”, sentencia Antonio
Candido. Irradiante
, difuso e difusor, o Modernismo modelou substancialmente a literatura
brasileira no século XX e desdobrou-se pelas décadas seguintes em irreversível processo de amadurecimento : uma terceira fase do movimento,na busca de uma nova linguagem,
que expressasse os anseios de renovação do pós-guerra, veio na denominada
“geração de 1945” ,
depois, na Poesia Concreta, da mesma forma na Poesia-Práxis , na atual
narrativa em prosa — caracterizada esta
por novas formas de linguagem , ora
intensa e ágil, ‘cinematográfica’ , ora densa e introspectiva, ‘filosófica’,e
pela preponderante ambiência urbana retratando “a vivência vertiginosa nas
grandes cidades”, confluiu no último decênio do século XX e no despontar deste
Terceiro Milênio para o irreversível despontar
de uma nova geração de escritores, que abre espaço na literatura
brasileira com uma marcante característica vetorial : o deslocamento maciço do eixo
principal da nova criação literária para
São Paulo.
Na cidade, os novos e
novíssimos ficcionistas exercem sua prosa “de estrutura desconstrutivista ,
subversiva da linearidade, de narrativa fragmentada, quebradiça, de temática
citadina, com os elementos da urbanidade pós-moderna , as tensões sociais e os
conflitos individuais, o envolvimento pela violência urbana , os impasses
existenciais — fomentando uma produção
literária como não é feita em nenhuma outra cidade do País.
A São Paulo heterogenética
continua abrigando escritores, naturais ou imigrantes, paulistas ou radicados,
que produzem uma literatura ímpar, diferenciada, atualizada com os elementos da
realidade, afinada com a modernidade, determinante — hoje como ontem, e desde
sempre — da própria cultura brasileira.
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