sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Freud não explica -- complica


‎"Freud explica", comentavam na festa de aniversário a que compareci no sábado. mas,retruco e sustento eu, Freud está longe de explicar, ao contrário está para complicar,isto sim. complicar no sentido de questionar,induzir à reflexão, incitar o debate, fazer prevalecer a livre,e lúcida,intensa, circulação - não em uníssonom, mas em troca,contraposição -- de ideias. assim foi por ele concebido e conceituado nas origens, assim tem sido com os postulados,teses e teorias freudianas (um dos pilares culturais-filosóficos-literários da civilização ocidental) há mais de 100 anos tanto que se debate,discute,discorda,polemiza,etc, assim será até o fim dos tempos. o que só confirma sua majestade eterna.
e sobre Freud, ex-alunas minhas e outras pessoas então ouvintes de curso e palestras minhas sobre "Machado de Assis,Freud e as mulheres" instaram-me a postar, aqui, algo dessas minhas 'perorações' (aliás, tb. um artigo já veiculado na www). então:
Machado, Freud, as mulheres
Machado sempre foi um autor interessado em prospectar as paixões dos homens, em dissecar-lhes as intimidades, em levantar ques¬tões e em torná-las públicas pela voz de seus personagens; sobretudo percebia, com clareza, o lado trágico das relações humanas. Este lado trági¬co passa pelo permanente mal-entendido dos encontros humanos, de um ser humano permanentemente acossado pelo outro, num processo originado,determinado e materializado pelo ciúme e a desconfiança implícita, pela traição e pela infidelidade, de resto temas constantes na quase totalidade de sua obra ficcional. Muito da temática e da tramática machadianas gira em torno do ciúme e do perdão -- presente e atuante em romances como Ressurreição, A mão e a luva, sobretudo em Dom Casmurro, e em inúmeros contos – binômio que remete a ... Freud, de quem Machado consubstanciou – sem o conhecer...—os elementos e conceitos do inconsciente, do psiquismo humano, da sexualidade feminina, estabelecendo como nenhum outro escritor brasileiro de seu tempo vetores e pontos de interseção entre a literatura e a psicanálise, desde as primeiras obras, mesmo as da ‘fase de aprendizado’ e atingindo seu clímax na denominada ‘fase de maturidade’. Como sentencia Roberto Schwarz , “Machado é um autor que em 1880 está dizendo coisas que Freud diria 25 anos depois. Em Esaú e Jacó (1904), por exemplo, antecipou-se a Freud no ‘complexo de Édipo’”. Foi ele o autor brasileiro que introduziu a perspectiva crítica, fazendo da dúvida, do questionamento e da argumentação, ‘a la Freud’, uma constante em sua obra.
A literatura de Machado traz, juntamente com Freud, para o centro das discussões, a questão da sexualidade feminina. Nenhum escritor de seu tempo ‘edificou’ tanto a mulher como personagem capital e leitmotiv básico de seus textos como Machado de Assis : escrevia sobre mulheres e para mulheres : são elas as protagonistas, as personagens primordiais, o elemento central em torno das quais desenrola-se a trama e a narrativa. Na ficção machadianas surge uma mulher que almeja poder escolher a forma de sentir e amar, apesar de, algu¬mas vezes, ao não poder dizer de seu desejo — a maioria das mulheres da época vivia reclusa, tinha pouco estudo, e sua principal meta era um casamento com o que se chamava ‘um bom partido’; se houvesse amor, melhor, mas não era o principal, pois a questão do amor era secundária, era um luxo que muitas mulheres não tinham : Machado,fiel à ‘ideologia’ das décadas de 1850-60, assim o trata em Ressurreição , em A mão e luva, mas redime o amor em Memorial de Aires, numa “recomposição com a vida” — fazer convergir para o corpo o protesto da sua sexualidade insatisfeita .

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