sábado, 29 de março de 2008

180 anos das arcádias paulistanas

este mês de março que se encerra marca um fato crucial para a cultura do brasileira: os 180 anos de fundação da Faculdade de Direito, criada como Academia de Direito – o largo de São Francisco , cenário de expressões pioneiras da literatura da cidade e do País.

A Academia de Direito na história literária de São Paulo e do Brasil - I
Há uma história da literatura que se projeta na cidade de São Paulo; e há uma história da cidade de São Paulo que se projeta na literatura
Antonio Candido.
São Paulo, desde seus primórdios, sempre foi pólo fundamental da literatura brasileira.E a aura do pioneirismo a acompanha até hoje. A cidade , já natural e sequencialmente pioneira em diversas manifestações literárias — desde os jesuítas, fundadores de um colégio no Campos de Piratininga, rezada a missa de inauguração em 25 de janeiro de 1554; a elevação à categoria de Vila São Paulo de Piratininga deu-se em 1560) : não se pode esquecer que o Diálogo sobre a conversão do gentio, de Manuel da Nóbrega, é o primeirissimo documento literário do Brasil, e o Auto da Pregação Universal, de José de Anchieta, a primeira peça encenatória)— o foi também , por exemplo, na precursora expressão poética do ‘indianismo’ no poema “Nênia” de Firmino Rodrigues Silva ; nela se deram ainda as realizações literárias iniciais de autores não paulistanos como José de Alencar, com seu “Como e por que me tornei romancista”, Castro Alves e seu “Navio negreiro”, Raimundo Corrêa com “Primavera”; nela ocorreu o primeiro movimento literário de vulto não apenas em relação à cidade mas ao próprio País ,em torno da Revista da Sociedade Filomática,em 1830,constituída na então recém-criada Faculdade de Direito — a primeira manifestação de brasilidade literária por sua consciência de fins e coesão de esforços renovadores.
Em São Paulo, talvez mais do que em qualquer. outra cidade brasileira na época, manifestou-se a tese de Antonio Candido segundo quem “não se pode, nem deve delimitar obras e autores pelo critério estrito do nascimento”, mas sim de acordo com “o critério mais certo e plausível da participação na vida social e cultural de uma localidade ou região e de participação e integração de valores comuns, construindo obras em torno deles, agindo em função de estímulos recíprocos, estabelecendo intercâmbios, para chegar a uma ‘comunicação’”. A cidade , por suas características próprias, marcou e foi sensivelmente marcada pelos que nela viveram e vivem, em grau e modo mais forte que as de seus lugares de origem. Por uma razão ou outra, a cidade logo atraiu — ainda como estudantes— muitos daqueles que mais tarde se tornariam intelectuais e autores proeminentes no cenário literário-cultural brasileiro.
A rigor, a literatura de São Paulo passa a existir tal como “sistema orgânico articulado, de escritores, obras e leitores, reciprocamente atuantes na formação de uma tradição literária” , segundo a conceituação de Antonio Candido, somente após a Independência (da mesma forma, aliás, que toda a literatura brasileira) e em especial depois da Faculdade de Direito — embora já nos primeiros tempos se manifestassem alguns elementos incipientes.O século XIX, marca a primeira clivagem consistente de expressão literária. O retrato da História exibe a importância capital da Academia de Direito, criada em março de 1828 (posteriormente denominada Faculdade) na convivência acadêmica que propiciou a formação de agrupamentos de estudantes, com idéias estéticas, manifestações literárias e expressões próprias — deflagrando um processo vigoroso de efervescência intelectual que passou a agitar intensamente a pequena cidade de então,intensificado por volta de 1830, em torno da Revista da Sociedade Filomática,que viria a desempenhar papel decisivo na literatura em São Paulo: constituíram, a revista e seus membros, o primeiro movimento literário de vulto não apenas em relação à cidade mas ao próprio País .E foi essa comunidade estudantil que iria receber em seu meio jovens impregnados de igual fervor , imbuídos do “entusiasmo da construção literária” — que foi a mola propulsora do Romantismo — como José de Alencar, Olavo Bilac, José Bonifácio o moço, Teófilo Dias, Aureliano Lessa, Raimundo Corrêa, Coelho Neto, vindos do Rio de Janeiro , de Minas Gerais, de outros lugares ,para cursar a faculdade.
Ainda que se reconheça as limitações quantitativa e qualitativa da produção desses estudantes, não há como negar que estabeleceram a literatura como atividade presente na comunidade paulistana. Deu-se por ela a primeira manifestação de uma vertente poética considerada “o início da escola brasileira” : o indianismo, desenvolvido na obra de Gonçalves Dias, mas praticado pioneiramente no poema “Nênia”, de Firmino Rodrigues Silva, composto entre as arcádias da Academia de Direito. E exercido ainda de forma pioneira em 1844, três anos antes do Primeiros cantos , de Gonçalves Dias, em “Cântico do tupi”, “Imprecação do índio” e “Prisioneiro índio”, do Barão de Paranapiacaba. Evidencia-se pois que quando Dias dominou o meio literário brasileiro, a poesia indianista ——base da obra do maranhense —— já existia e era praticada em São Paul(nada mais condizente com a realidade o fato de nela ter se manifestado as primeiras expressões do indianismo — pois a presença de índios, os tupiniquins, era acentuada na cidade: eram eles trabalhadores braçais, operários de construção, transportadores, agricultores ; e até meados do século XIX falava-se tupi tanto quanto o português).


[continua]....

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