o dia 10 junho, data do nascimento de Camões, é dado como o"o dia de Portugal"(alguns eventos específicos começam a realizar-se desde o dia 07).
aqui, um artigo que reporta-se a meu estudo Machado de Assis e os portugueses""- já objeto de palestras, entrevistas e de livro em preparação.
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“(...) Portugal não teve [apenas] influência, ele está presente [no
Brasil]. Os portugueses suscitam
desdobramentos delicados (...) ;são
eles próprios engrenagens vivas e sensíveis. Trata-se de recolher os elementos
que permitirão escrever a história interatlântica do mundo lusofalante no
século XIX. Em conseqüência,o conhecimento do século XIX português e
especialmente a transição do romantismo ao realismo serão bem esclarecidos,já
que as duas literaturas vivem em simbiose.”
[J.M-Massa, A juventude de Machado
de Assis].
Algumas dos elementos aqui expostos entendo serem de
conhecimento, em maior ou menor grau, por parte de estudiosos, pesquisadores,
cultores e admiradores das literaturas portuguesa e brasileira; procuro no
entanto aqui apresentar e enfatizar determinadas considerações,observações e
comentários que, menos comum e frequentemente apontadas,explanadas e analisadas
no enfoque do presente tema , julgo extremamente relevantes para o melhor discernimento e imprescindível
enriquecimento de estudos a
respeito das (importantes)
relações e interações luso-machadianas.
A priori, convém frisar ter-me debruçado
– até mesmo em escala prioritária, comparativa a outros projetos em pauta – ao
estudo das relações e interações entre Machado de Assis e os portugueses, per se nunca até então desenvolvido, nos
termos e enfoque e sob o escopo deste que agora se propõe, movido pelo detectar
da extrema, crucial importância destes quer na vida pessoal quer nas formação e constituição literárias e na
construção da obra do escritor brasileiro; e mais : no embasamento e no
engajamento político, na fundamentação de seu pensamento ideológico – este, na
verdade, um aspecto pouquíssimo notado e conhecido e raramente estudado.
Encontrava-me então em meio a estudo (da
mesma forma inédito) amplo, abrangente e genérico acerca das influências e
orientações estrangeiras em Machado de Assis (a abrigar, a par dos portugueses,
os franceses, os ingleses, os alemães, os gregos, os latinos, espanhóis e
italianos – a oferecer subsídios valiosos para os estudos de Literatura
Comparada, um dos basilares approach
que entendo devesse inexoravelmente imprimir a meus programas investigativos, analíticos
e reflexivos de obras,textos e autores da literatura brasileira dita clássica ,
vale dizer, examiná-los e interpretá-los à luz das injunções e conexões de
origem estrangeira recebidas por eles e
atuantes sobre suas produções literárias (outro dos vieses seria a História,
sob as lentes e prismas da qual se submetem clamorosamente todas as
manifestações e realizações de literatura, por extensão artísticas) – e
nesse cenário matricial constatei, ao
chegar e aprofundar no exame dos lusos, a (não vacilo em dizer incomparável)
relevância dos mesmos para com a própria existência machadiana.
Cabe,
nesse particular, uma digressão – fundamentada, por certo – no que tange às
relações machadianas com os elementos de cultura estrangeira, de resto preponderantes no Brasil oitocentista (e
bastante atuantes pelos ciclos seguintes) : ainda que a eles tenha-se referido como “invasões culturais”, Machado de Assis, qual antecipador da antropofagia modernista
de 1922 (reporte-se a Oswald de Andrade et
allii) assimilou-os, ‘deglutiu-os’, ‘digeriu-os’ e ‘expeliu-os’
incorporando à sua obra, à sua escrita e à sua linguagem literária e dotando
estas ao mesmo tempo (como sabemos) de brasilidade e universalidade, de
localismo e universalismo.
Convém aqui esclarecer o quanto de
significância para um ‘desenho’ de marcantes influências literárias,
intelectuais e culturais quer para a
formação do escritor quer para efeito de seu contributo à formação de
seu leitor (e,vale deduzir e induzir, para o leitorado brasileiro do século XIX
) – convoco atenção especial a isso (vide
comentário adiante) -- detêm as leituras, fosse nos livros de sua posse mantidos na
biblioteca pessoal fosse nas consultas realizadas por ele em bibliotecas
públicas e particulares,em gabinetes de leitura – mormente no Real Gabinete
Português de Leitura – em entidades e instituições, bem como as citações e
referências expressas em seus escritos. Os acurados, metódicos, rigorosos
levantamento e mapeamento desses elementos tornam-se obrigatórios para constituição informativa e reflexiva de
cenários e vetores das orientações
estrangeiras em Machado de Assis.
Notório fato: não obstante a
preponderância dos franceses nesse cenário de influências estrangeiras, os
portugueses -- por seus autores e obras lidos e consultados por Machado,
naqueles que com ele conviveram no Rio de Janeiro, naqueles intensamente
citados, referenciados em sua obra (do mesmo modo conclamo atenção para este
tópico, em comentário adiante) -- foram absolutamente decisivos na vida, quer
pessoal, social e conjugal, quer intelectual, em suas formação e constituição
literárias e em sua obra, ficcional e não-ficcional, na edificação de sua linguagem,escrita
e estilo narrativo,até mesmo no embasamento político-ideológico-filosófico de
Machado de Assis.
A solidez e a característica genuína dos
vínculos machadianos com os portugueses são nitidamente expressas por elementos
que se estendem de sua própria origem
familiar aos fortes e intensos laços de amizade com lusitanos então residentes
no Rio de Janeiro, de seu casamento às
leituras que lhe acompanharam por toda a vida ,fosse nos acervos
públicos por ele regularmente freqüentados fosse nos livros em sua biblioteca
pessoal, de sua formação literária e cultural às inúmeras (e significativas)
citações,alusões, referências e recorrências a autores e obras lusitanos em sua
ficção e não-ficção.
No âmbito de seus vínculos familiares e
conjugais, emerge a constatação do
quanto mulheres de origem portuguesa constituíram-se não apenas em objeto de
especial afeto por parte de Machado – até porque exerceram marcante papel em
diversos momentos de sua vida -- mas sobremodo contribuíram para a construção de sua linguagem, no que tange
a prosódia, sintaxe, léxico e semântica, o que por extensão
incorporou-se à própria linguagem
literária machadiana.
Sob outro viés, vale a pena considerar
que, em parte decorrente de desses originários vínculos familiares, ao mesmo tempo guiado por um vetor sob o
escopo maior de sua iniciação no embasamento literário-cultural, Machado desde
cedo passou a conhecer autores e obras lusitanos, especialmente os clássicos da
língua. Jovem, de parcos recursos financeiros, valeu-se na freqüência regular,
contumaz a bibliotecas públicas e privadas, e de um acurado autodidatismo em
suas leituras de formação, realizadas mormente no Real Gabinete Português de
Leitura do Rio de Janeiro (o preponderante),
também no Liceu Literário Português, na Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Com o tempo, foi formando gradativamente
– e consistentemente – sua biblioteca pessoal, na qual se não majoritários em
quantidade autores e obras portugueses se fizeram notar por parâmetros de alta
representatividade literário-bibliográfica.
No extenso painel de seus interesses
literários e suas leituras, Machado de Assis constituiu-se , per se, em elo decisivo de contato entre as culturas brasileira e
portuguesa na segunda metade do séc. XIX : os
vínculos familiares de origem, bem como os de eleição afetiva e de
interesse intelectual que manteve ao longo da vida com membros da colônia
portuguesa radicados no Rio de Janeiro,
faziam o escritor circular dentro de um ambiente luso-brasileiro,de
marcantes ecos em seus próprios
escritos.
È extenso, como extremamente
significativo, o elenco de fraternas amizades cultivadas, desde sua juventude,
com escritores portugueses recém transferidos para o Rio de Janeiro (estima-se que
em 1852, por exemplo, viviam cerca de 30
mil na cidade), atraídos pelo ambiente acolhedor e de alta efervescência cultural, mas também de
cunho filosófico-ideológico, aqui criado desde 1837 por aqueles que,
afastando-se do levante do Porto, inclusive fundaram o Real Gabinete Português
de Leitura.
Pelos anos 1850 encontravam-se radicados
no Rio de Janeiro literatos como Francisco Gonçalves Braga, Augusto Emílio
Zaluar, Carlos Augusto de Sá, Faustino Xavier de Novais, Francisco Ramos Paz,
Ernesto Cybrão, Reinaldo Carlos Montoro, Manuel de Melo, José Feliciano de
Castilho, Antônio Feliciano de Castilho. Todos de alguma influência nas rodas
literárias e nos ambientes letrados da capital brasileira.
Desse elenco, destaque absoluto – pelas
decisivas, preponderantes influências em Machado – a Zaluar e Xavier de Novais,
além de Antonio Feliciano de Castilho.
Todos esses autores encontram-se de
alguma forma presentes nos escritos de Machado, atestando estreita interlocução
literária – que, de resto, atesta o clamoroso fato de que nenhum escritor ou
literato brasileiro, à época, aproximou-se e identificou-se de tal forma,e
essência, como Machado de Assis junto aos portugueses.
Com efeito, foi exatamente por conta da
fértil, profícua, intensa convivência
física com esses que Machado tinha como “amigos fraternos” que se assevera\ que
realça e enfatiza – como se asseverou anteriormente – a importância crucial dos
portugueses muito maior do que a dos franceses,ingleses, só para citar dois
exemplos de preponderantes influências em Machado
Relacionamentos, convivências e
atividades intelectuais em comum exercidos e praticados em torno, primeiramente
– ainda que em escala incipiente – da Sociedade Petalógica (criada e
incentivada por Paula Brito),em 1854-55,
na qual estavam Braga,Zaluar e Garção; em seguida no escritório de Caetano
Filgueiras -- que escreveria o famoso prefácio à 1ª. edição da coletânea
poética Crisálidas, de Machado --
onde inclusive constituiu-se o denominado “Grupo dos Cinco”, composto de
Filgueiras,Braga,.os brasileiros Casimiro de Abreu --que vivera bom tempo em
Lisboa - Cândido Macedo Junior,e Machado, em
1857; depois, um novo grupo,unidos por traços ideológicos comuns,de
elementos democráticos e liberais, a fornecerem o fermento para uma nova postura
política de Machado (que a sustentaria
daí por diante, ao longo do tempo) –
tendo como figura central o proscrito francês Charles Ribeyrolles, e
onde estreitou seu relacionamento com Augusto Emilio Zaluar, Reinaldo Carlos
Montoro,Francisco Ramos Paz, Remigio de Sena Pereira (estes três iriam
traduzir, ao lado de Machado e Manuel Antonio de Almeida, a obra de
Ribeyrolles, sob supervisão e acompanhamento deste, Le Brèsil Pittoresque)-- todos mais tarde participantes e atuantes, com Machado,
no (importantíssimo) jornal O Parahyba, de Petrópolis, e no Correio Mercantil
Mas também exercidos, os relacionamentos
e convivências, nos saraus literários; nas reuniões no Grêmio Literário
Português, no Retiro Literário Português (uma dissidência do Grêmio), na Arcádia
Fluminense (onde, em 1864, Machado apresentou sua peça “Os deuses de casaca”);
e ao ensejo de dois eventos bastante
significativos : o centenário (aliás, mais comemorado no Brasil que em
Portugal) de nascimento de Bocage, em
1865, e o tricentenário de nascimento de Camões, 1880, iniciativa do Gabinete
Português de Leitura (acontecimento inclusive de intensa participação popular
no Rio de Janeiro) – quando Machado apresentou a peça,escrita especialmente
para a ocasião, “Tu,só tu puro amor”
E, importante notar, em distintos
jornais, de relevância – cada um por suas circunstâncias – no contexto das
relações lusas de Machado: A Marmota, em 1855-56 (que publicava
transcrições de obras portuguesas, como “Folhas caídas”, de Garret,poemas de
João de Lemos e Antonio Dinis, e outros); O
Parahyba, de Petrópolis, 1858-59 (jornal progressista, avançado para seu
tempo, de relevância ímpar na história jornalística,editorial e literária
brasileiras – até aqui não devidamente estudado
), criado por Zaluar, editorialista e seu redator-chefe,e contando com Carlos
Montoro, Ramos Paz e Machado ; Correio
Mercantil,.1858-59, no qual Machado
conheceu Faustino Xavier de Novais, e publicou,entre outros textos, o artigo “O Jornal e o Livro”, marco de um
posicionamento dialético-político machadiano, cuja (escreveu ele) “idéia
pertenceu ao sr. Reinaldo Carlos [Montoro]” –
artigo contendo trecho de
manifestação de clara adesão aos
princípios democratas e republicanos
; Diário do Rio de Janeiro, 1861-62 –
nele (com Machado), Ramos Paz e Sena
Pereira; O Futuro, 1862-63, criado e
dirigido por Faustino Xavier de Novais, o primeiro – e pode-se dizer principal,
se não único -- jornal explicita e essencialmente luso-brasileiro, de resto
expresso formalmente no texto de editorial
de seu 1º.número, a 15.09.1862, e
que inclusive abrigou crônicas
machadianas de teor político (e de outros timbres)
A rigor, toda esse período de cerca de
oito anos na vida de Machado – desde meados da década de 1850, as atuações em A
Marmota, em
O Parahyba,no Correio Mercantil, no Diário do Rio de Janeiro e em O
Futuro, em todos eles ‘cercado’ de portugueses – registra e retrata uma espécie de ‘pêndulo’
na postura,no pensamento, nas opiniões.comentários e manifestações literárias,
oscilando entre a convivência e intimidade em grupos de literatos e o
engajamento, entre participação efetiva,em termos de comentários incisivos, nos
acontecimentos e a criação artística, ao mesmo tempo esquivando-se de polêmicas
e debates e sendo vigoroso e loquaz em crônicas e poemas de tom patriótico. De
qualquer modo, procurava impor uma certa ‘personalidade filosófica’, uma
independência de pensamento não submisso a doutrinas e dogmas. Aos 24 anos
(1863), lido, respeitado,requisitado, apreciado, passava a dedicar-se a concretamente
difundir e propagar sua obra literária, à época já composta de crônicas,
poemas,contos,peças teatrais, crítica teatral e literária : chegava ao final do
ano de 1863 como um literato bastante respeitado,requisitado, apreciado,
‘amadurecido’ e em evolução.
Como que preparado para um marco
importante em sua trajetória literária, no ano seguinte: 1864 viu surgir sua
primeira coletânea de poesia, Crisálidas
– com o ‘célebre’ prefácio de Caetano Filgueiras – corolário de toda sua
criação poética dos anos precedentes, com um claro timbre de auto-reflexão
literária.
Como
os portugueses marcaram literariamente o
Machado escritor ?
Primeiramente,
por meio dos autores e obras clássicos, quer antigos e canônicos quer
contemporâneos a ele, dos quais foi Machado um persistente leitor, entre
aqueles armazenados em sua biblioteca e
aqueles consultados, uns regularmente outros especifica e episodicamente, nos
acervos públicos e privados que freqüentava.
Às
intensas e perenes leituras e consultas nas bibliotecas e acervos
bibliográficos e à estreita e criativa convivência com literatos lusos
estabelecidos no Rio de Janeiro, acoplam-se, por sua extrema significância no
retrato dessas relações, as profusas
citações e recorrências aos portugueses em toda a obra machadiana (devidamente
mapeadas e formalizadas em raisonnés)
– o que, torno a enfatizar, identificam os teores,graus e influências de
autores,obras e textos lusos em sua
genealogia literária concomitantemente apontam para vetores na constituição,hábitos,gostos e perfis de
leitores a sua época,
vale dizer serem vistas como fontes de
informação e conhecimento dessas referências autorais e bibliográficas a seus
leitores, por extensão ao leitor brasileiro de seu tempo : no que registra e
faz aparecer em seus textos, Machado os ‘apresenta’ e transmite aos que o lêem.
Há um claro, relevante processo de ‘transferência’ e transmissão de
conhecimento literário, bibliográfico,cultural, histórico, político, etc, de
insofismável formação cognitiva e de modulação de padrões de leitura da época.
Neste
particular, quais autores portugueses, a
par de exercerem marcante influência em
sua formação literária, Machado de Assis informou e difundiu junto a
seus leitores ? hegemônico foi Luis de Camões (quem, de resto, pode-se
considerar, no cômputo geral das menções e referências de Machado, somente
superado por Shakespeare) -- e Os Lusíadas, a obra mais citada por Machado depois da Bíblia ; e mais Almeida Garret,
Alexandre Herculano,Bocage, Antonio F. de Castilho, Antonio .Dinis da Cruz e
Silva, Nicolau Tolentino.
O
papel e influências de poetas
portugueses na formação de Machado de
Assis, inserido de resto na própria tradição poética luso-brasileira da época,
têm exemplos cristalinos em Camões,Garret e Castilho, que marcaram forte e intensamente a poética
machadiana, bem como um daqueles conviventes no Rio de Janeiro, Francisco
Gonçalves Braga , a quem Machado designou como “meu primeiro mestre”. A se
destacar também as influências significativas de Alexandre Herculano – ao lado
de Garret, considerado por Machado como modelo na prosa -- e João de Barros na
constituição de seu conhecimento histórico.
Almeida
Garret, mister enfatizar, a par da
acentuada influência temática e estilística na poética machadiana, teve seu
“Bosquejo da História da Poesia e Língua Portuguesa”, de 1827, estudo
fundamental para a história da literatura no Brasil, a apontar caminhos da
emancipação literária – o que viria a se constituir na égide do movimento
deflagrado na década de 1830 por Gonçalves de Magalhães e José de Alencar, em
prol de um “nacionalismo literário brasileiro” – como forte inspiração para as reflexões de Machado
acerca da literatura brasileira, expressas nos ensaios “O passado, o presente e
o futuro da literatura brasileira”(1858), “Instinto de nacionalidade”(1873) e
“A nova geração”(1879), e sua obra Viagens
da minha terra como uma das peças que moldaram,no teor da sátira
menipéica-luciânica (ao lado das obras de Sterne,Diderot e Xavier de
Maistre), a célebre inflexão machadiana
no início da década de 1880.
A
se arrolar ainda Camilo Castelo Branco, que inspirou Machado em certos recursos
narrativos, como as digressões metaliterárias, as interferências do narrador em
diálogo com o leitor, o uso da ironia (já foram apontados elementos da
novela Coração ,cabeça e estômago: uma estética da ambiguidade, de Camilo,
em Memórias póstumas de Brás Cubas)
E
de um português que não era escritor ou literato, Furtado Coelho, que produtor teatral propiciou a Machado , porque
as levava a cena, o incrementar de sua importantíssima atividade de tradutor
(que Mario de Alencar, considerando-o “um dos maiores tradutores brasileiros”,
lamentava tivesse Machado interrompido ).
Por
fim, uma reflexão a respeito de questão que muito me instiga, e julgo
pertinente. Machado – como representante proeminente do movimento de
‘nacionalização literária’ brasileira -- parece ter sido o primeiro, se não o
único a se aproximar e interagir aos portugueses: não se tem referência, por
exemplo, das presença e atuação, nesse
sentido, de Gonçalves de Magalhães, José de Alencar e dos demais românticos
empenhados,no Brasil, nesse projeto (que se dava simultaneamente em Portugal,
convém frisar) de afirmação de nacionalidade literária e cultural..
Não
existem dúvidas de quanto ambíguos, ou no mínimo reticentes, postaram-se os
românticos brasileiros com relação ao legado lingüístico e cultural dos
portugueses: mesmo tendo em conta a importância, ou necessidade, de
estabelecer,e sedimentar, traços
diferenciadores do novo país depois da independência de 1822, o curioso – e
contraditório – é que desenrolou-se um processo de obediência e
preservação dos padrões lingüísticos,sintáticos,gramaticais,léxicos portugueses
como uma espécie de atestado de qualificação cultural e ‘civilidade’ intelectual. Isto é,
intentavam os primeiros românticos brasileiros se constituírem nos agentes a
afirmação nacionalista brasileira, no âmbito cultural, sem no entanto romperem
com o arcabouço lusitano...
Cabe aqui uma reflexão acerca da questão da língua
portuguesa em Machado de Assis. No decorrer do século XIX, os portugueses – em
Portugal – questionavam as formas gramaticais,léxicas,semânticas, etc que os
brasileiros utilizavam em seus escritos : e nesse sentido, José de Alencar, por
exemplo, polemizava com eles, rebatendo suas críticas de que ele colocava mal
os pronomes, etc. No entanto, a partir da década de 1880 – período crucial de
inflexão na história brasileira, em todos os aspectos – ocorrem mudanças substanciais, no sentido
de que passou a ser ‘norma’ escrever
como alguns clássicos portugueses, recorrendo-se a Vieira, pde. Manuel Bernardes, frei Luis de
Souza.
Machado de Assis, desde os primórdios de sua escrita, já assim fazia,
antecipava-se de certo modo a isso – tanto que passou a ser considerado, entre
os brasileiros, como exemplo e epígono de um processo a que o (emérito) crítico Alfredo
Bosi cunhou de ‘gramaticalização’, vigente
a partir daquela década; o lado ‘conservador’(cf. Bosi),formal, da prosa machadiana e sua escrita de lastro
essencialmente luso vem de suas origens familiares, foi expandido em sua
convivência com os portugueses e
sedimentado em sua união com Carolina.
Texto que
oferece aos estudiosos amplo arsenal de elementos para uma reflexão, até mesmo
de cunho ‘revisionista’, acerca da (até então e,de resto, quase consensualmente
tida) índole e perfil ‘monarquista-liberal’ machadianos.
“(Graças ao jornal...) completa-se a emancipação da inteligência e começa a dos
povos.O direito da força,o direito da autoridade bastarda consubstanciada nas
individualidades dinásticas vai cair. Os reis já não têm púrpura,envolvem-se
nas constituições. As constituições são os tratados de paz celebrados entre a
potência popular e a potência monárquica” [“O Jornal e o Livro”, in Correio Mercantil, Rio de Janeiro
:10-12.01.1859].
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