domingo, 29 de junho de 2008

Futebol : “paixões e ódios”, desde sempre


Ano este de centenários expressivos – morte de Machado de Assis e de publicação de Memorial de Aires, morte de Artur Azevedo, nascimento de Guimarães Rosa – registra também um cinqüentenário, não menos significativo: a conquista da Copa de Mundo da Suécia pela seleção brasileira de futebol. Futebol que, paixão popular, é indiscutível elemento cultural, assim o provam intelectuais que a ele dedicaram páginas e estudos. A começar por Coelho Neto , entusiasta do esporte e autor do primeiro romance brasileiro,salvo melhor juízo, a mencionar o futebol – obra que,publicada em 1908, incrementa o rol dos centenários


O futebol, todos sabemos , surgiu no limiar do século XX no Rio de Janeiro como “uma grande novidade”, mas por ser esporte de origem inglesa logo cairia no gosto das rodas elegantes da cidade ( que na época cultivavam quase que exclusivamente o remo ) — e de imediato, por suas próprias características , despertaria paixões acirradas, não apenas entre torcedores e admiradores dos clubes então formados ( Payssandu Cricket Club, Fluminense Foot-Ball Club, The Bangu Athletic Club, etc ).
Justamente por ter vindo da “Old Albion” (assim era chamada a Inglaterra, ‘na intimidade’, pelas elites), em seus primeiros anos na cidade o futebol teve um caráter restrito, praticado preponderantemente por jovens ricos e bem-nascidos — mas já no final da década de 1910 alcançava uma popularidade nunca vista . João do Rio foi o primeiro cronista a detectar a importância do jogo para a cidade, assinando com o pseudônimo de José Antonio José (um de seus ‘disfarces’ jornalísticos: com esse nome, escreveu,p.ex., Memórias de um rato de hotel) uma crônica intitulada “Pall Mall Rio – Foot-ball” em O Paiz de 4 de setembro de 1916, onde vaticinava :“Tenho assistido a meetings colossais em diversos países, mergulhei no povo de diversos países, nessas grandes festas da saúde, da força e do ar. Mas absolutamente nunca eu vi o fogo , o entusiasmo, a ebriez da multidão assim.”(...)
Na esteira de João do Rio, impressionados com a avassaladora popularidade do futebol, os intelectuais, e notadamente os escritores, se entregaram à tentação e ao desafio de interpretá-lo e à difusão desses ideais de culto ao corpo e defesa acalorada do esporte como ‘fator de regeneração racial’, como Olavo Bilac, Luis Edmundo, Afrânio Peixoto – este, de participação decisiva nesse despertar de interesse pelo futebol entre os literatos : médico que também era, foi o primeiro a legitimar, sob argumentação científica,o futebol como atividade ‘respeitável’, ligando-o ao intelecto e à educação , anotando em 1918 que “esse jogo de foot-ball, esses desportos que dão saúde e força, ensinam a disciplina e a ordem, fazem a cooperação e a solidariedade, me enternecem, porque são grandes escolas onde está se refazendo o caráter do Brasil” (“A educação nacional”, em Poeira de estrada, ed. Francisco Alves, 1918).
Dentre eles, Coelho Neto logo se notabilizou como o maior dos adeptos, o mais vibrante entusiasta do novo esporte, tornando-se em pouco tempo grande ideólogo do jogo ,mergulhando obstinadamente na defesa apaixonada das vantagens de sua disseminação. A atração pelo futebol manifestou-se já em seu romance Esfinge, publicado em 1908 por Lello & Irmãos, do Porto, -- eis outra efeméride importante deste ano de 2008 -- em que o personagem James Marian, um inglês hóspede da pensão de miss Barkley, tinha o hábito de “aos domingos, sair cedo com seu material de tênis e com roupa para o foot-ball”.
O futebol passaria a ser, a partir daí, tema onipresente não só nas crônicas e discursos mas também -- e principalmente -- na vida pessoal de Coelho Neto.Sócio do Fluminense, entregou-se cada vez mais à paixão -- pelo esporte e pelo clube. Tanta que, em sua casa, assegura Humberto de Campos em Diário secreto, vol. I (edições O Cruzeiro, 1954), falava-se à mesa “muito de esporte e pouco de literatura”; tamanha paixão que chegava a assistir, no mesmo dia, quatro jogos diferentes do Fluminense, pois tinha filhos jogando em cada uma das categorias que o clube disputava ; tamanha, que o levou a liderar a primeira invasão de campo do futebol carioca, inconformado com o juiz que marcara um pênalti a favor do Flamengo num movimentado Fla-Flu de 1916 no campo da rua Paissandu, e que acabou provocando a anulação do jogo .
Neto escreveu em 1915 a letra do primeiro hino do Fluminense [“O Fluminense é um crisol / onde apuramos a energia / ao pleno ar, ao claro sol / lutando em justas de alegria / o nosso esforço se congraça / em torno do ideal viril / de avigorar a nossa raça / do nosso Brasil ...]­­­­ ,no qual fica evidente e bem mais nítida a campanha que ele começava a mover a favor do futebol , “verdadeira fonte de energia a ser colocada a serviço do ideal nobre de regeneração da raça brasileira, um meio de criar uma ‘nova raça’ contra uma malfadada herança cultural” ; Coelho Neto via “enormes vantagens sociais” ­­, ajudando a criar uma sociedade na qual “os homens ,como os esportistas, fossem adestrados pelo exercício físico, criando um tempo de paz e de harmonia e abrindo o peito para valores nobres de confraternização e integração social”. E os jogadores do Fluminense, para ele, assumiam a feição de verdadeiros missionários de uma causa nobre : propagando os princípios da disciplina e da solidariedade, os atletas dariam ao país grande exemplo, ajudando a consolidar o potencial transformador do futebol, “gerando harmonia e solidariedade entre os homens, controlando seus impulsos e moldando seus corpos e suas mentes na construção de um ideal de pátria como a força propulsora de uma nação forte e vigorosa” e os jogadores representantes dessa nova nação que se erguia dos campos.
Esses entusiastas do futebol teriam, porém, de enfrentar, do outro lado, a veemente e intransigente oposição de ninguém menos que Lima Barreto, que logo passou a fazer do futebol um de seus temas prediletos nas páginas da imprensa carioca. Com espaço e reconhecimento já assegurados nos círculos literários -- três romances e uma infinidade de crônicas publicados -- Lima inaugurou seus ataques em 15 de agosto de 1918 no artigo “Sobre o Foot-ball” no jornal Brás Cubas:
(...) Diabo! A cousa é assim tão séria ? Pois um divertimento é capaz de inspirar um período tão gravemente apaixonado a um escritor ?
(...) Reatei a leitura, dizendo cá com os meus botões : isto é exceção, pois não acredito que um jogo de bola e sobretudo jogado com os pés, seja capaz de inspirar paixões e ódios. Mas, não senhor ! A cousa era a sério e o narrador da partida, mais adiante, já falava em armas...
Não conheço os antecedentes da questão; não quero mesmo conhecê-los; mas não vá acontecer que simples disputas de um inocente divertimento causem tamanhas desinteligências entre as partes que venham a envolver os neutros ou mesmo os indiferentes, como eu, que sou carioca, mas não entendo nada de foot-ball
.“ (...)
Lima Barreto atentava, desde o princípio, para a força social do jogo : longe de ser um mero passatempo sem sentido, era capaz de inspirar “paixões e ódios” — e o futebol adquiria para ele uma seriedade ímpar, que o obrigaria como ‘crítico de costumes’ a dedicar-se profundamente ao novo fenômeno. Transformando-se no paladino do combate ao jogo de bola, Lima elegeria justamente Coelho Neto como o principal adversário. Iniciou-se então um acirrado confronto pelas páginas da imprensa , logo depois de mais um empolgante discurso de Neto, por ocasião da inauguração da piscina do Fluminense em 1919 — discurso que para Lima parecia um verdadeiro pecado, manifestado na crônica “Histrião ou literato”, na Revista Contemporânea, de 15 de fevereiro de 1919, em que :acusava Coelho Neto de fazer “somente brindes de sobremesa para satisfação dos ricaços”, e sustentava que a simpatia de Neto pelo futebol seria mero oportunismo, um meio de agradar às ricas famílias , vindo de “um homem que não entende sequer a alma de uma criada negra”. A partir daí, Lima aumentaria nos meses seguintes a quantidade e intensidade dos ataques, passando no entanto a valer-se de fina ironia , como nos artigos “Uma partida de foot-ball”e “Vantagens do foot-ball” escritos para a revista Careta, respectivamente de 19 de junho e 4 de outubro de 1919.
Dos artigos, agressivos ou irônicos, de Lima Barreto surge a imagem de um jogo brutal e sem sentido, totalmente diferente do elemento de regeneração social preconizado por Coelho Neto, para desespero da imprensa carioca, quase toda ela empenhada em prestigiar o futebol — com raríssimas exceções como, por exemplo, a do jornalista e escritor Carlos Sussekind de Mendonça, que incorporou-se à luta de Lima Barreto contra o futebol, que ele considerava entre outros aspectos “micróbio de corrupção e imbecilidade”, “estrangeirismo estéril e inútil” ; propunha sobretudo combater , de todas as formas, a “nefasta defesa do futebol” feita por intelectuais e escritores,rejeitando, inclusive, qualquer teoria de que “o esporte possa manter alguma relação com a razão e o intelecto”, e denunciar as “verdadeiras atrocidades,até dentro dos próprios clubs” promovidas pelo futebol : como Lima Barreto, enfatizava o “blefe de regeneração social” contido no futebol e os malefícios “físicos, sanitários,sociais e culturais” de sua disseminação “que só pode ser bocado de feitiçaria” em campos “onde se apinham centenas de ociosos assistindo inertes, a transpirar, os vinte e dois heróis de maxambona ou caixa pregos” .Em 1921, então editor do jornal A Época, do Rio de Janeiro, Sussekind de Mendonça teve seu livro O sport está deseducando a mocidade brasileira publicado (Empresa Brasil Editorial, Rio de Janeiro),com o subtítulo “dedicado a Lima Barreto”, hoje obra raríssima .Lima Barreto viria a publicamente agradecer e fazer comentários ao livro de Sussekind no artigo “Como resposta”,em Careta, a 8 de abril de 1922.
As aludidas “verdadeiras atrocidades promovidas pelo futebol”, eram denunciadas por Lima Barreto — como na crônica intitulada “Divertimento?”, publicada na revista Careta em 04 de dezembro de 1920, em que mais uma vez destacava os inúmeros conflitos e constantes brigas ocorridos nos campos, com tumultos e batalhas entre torcidas diferentes, registradas nos jornais diários a cada segunda-feira, culminando com o tiroteio num jogo entre o Metropolitano e o São Paulo e Rio em 18 de dezembro de 1920 — como atestados de que, mais do que casos isolados, seriam “o fim próprio e natural do jogo”, como sustenta no artigo “Uma conferência esportiva”, em Careta de 1 de janeiro de 1921.
Por trás da crítica estava muito mais do que uma questão literária ou mera contestação do papel de redenção social que Coelho Neto atribuía ao futebol: Lima via nele um fator de degeneração da cultura e da política nacionais, pois patrocinava uma injusta e gritante diferenciação social e regional, como declarou em entrevista ao Rio-Jornal em 13 de março de 1919 :“ – Está aí, uma grande desvantagem social do nosso foot-ball. Nos dias em que, para maior felicidade dos homens, todos os pensadores procuram apagar essas diferenças acidentais entre eles, no intuito de obter um mútuo e profundo entendimento entre as várias partes da humanidade, o jogo do ponta-pé propaga sua separação e o governo o subvenciona.“
Lima criticava os “favores e favorezinhos” que os clubes de futebol recebiam do governo para “criar distinções idiotas e anti-sociais entre os brasileiros, e longe de tal jogo contribuir para o congraçamento, para uma mais forte coesão moral entre as divisões políticas da União, separa-as”: segundo ele, os clubes de futebol seriam “portadores de uma pretensão absurda, de classe, de raça, etc”. Isso porque os defensores do futebol, Coelho Neto à frente, sustentavam ser “um sport que só pode ser praticado por pessoas da mesma educação e cultivo” (jornal Sports, de 6 de agosto de 1915 ) e reclamavam “que alguns jogadores não tinham o nível social de há uns anos atrás” (Jornal do Brasil, de 3 de maio de 1920).
Porém, não eram apenas econômicas e sociais as distinções combatidas por Lima Barreto, mas também raciais,vedando aos negros participação nos grandes clubes de futebol: em 1921 quando o próprio presidente Epitácio Pessoa proibiu jogadores “de cor” de fazerem parte do selecionado que ia à Argentina disputar um campeonato, Lima foi duro nas críticas , publicando no mesmo dia 1 de outubro de 1921 dois artigos — “O meu conselho” e “Bendito foot-ball” — no jornal A . B. C., onde afirma que “quando não havia foot-ball, a gente de cor podia ir representar o Brasil em qualquer parte”, e apontando o caráter nocivo do futebol para o país :“ É o fardo do homem branco : surrar os negros, a fim de trabalharem para ele. O foot-ball não é assim : não surra, mas humilha, não explora, mas injuria e come as dízimas que os negros pagam.”
Vendo nos sócios dos grandes clubes os herdeiros dos antigos senhores de escravos, Lima enxerga no futebol “uma das formas de continuação da dominação exercida durante décadas pelo regime escravista, onde se troca a violência pela humilhação de quem paga impostos para sustentar, com subvenções oficiais, um jogo ao qual não tem acesso”, como “um poderoso instrumento de domínio utilizado por uma raça que se julga eleita por Deus graças às suas habilidades nos pés; como a escravidão, sua única finalidade é criar uma separação idiota entre os brasileiros, perpetuando as desigualdades e continuando um passado de diferenciação e segregação” (artigo “O nosso esporte”, no l A . B. C., de 26 de agosto de 1922 ).
Direta ou indiretamente, não há dúvida de que os literatos como Coelho Neto e Lima Barreto e suas polêmicas alimentavam um processo que anos depois faria do futebol, como o é hoje , uma verdadeira instituição nacional. A dinâmica da transformação do jogo em fenômeno nacional — com suas implicações sociológicas, políticas e culturais — não foi devidamente compreendida por Lima Barreto, que indignado com o fato de “indivíduos que não davam para nada” serem transformados em verdadeiros “heróis nacionais”, refutava a lógica que fazia desses “pobres esforçados, que nada fazem para o benefício comum, injustas ‘glórias do Brasil’” – no último artigo escrito antes de morrer ( “O herói”, para Careta de 18 de novembro de 1922 ).

A realidade incontestável é que o futebol continuou – e continua -- ao longo do tempo, sua meteórica ascensão e disseminação entre todas as camadas e estratos, como ‘força esportiva’, ‘força social’, ‘força cultural’. Seguiu sua trajetória eletrizando todas as camadas sociais e sensibilizando escritores, artistas e intelectuais — de Graciliano Ramos, que o repudiava ("Futebol não pega, tenho certeza; estrangeirices não entram facilmente na terra do espinho", em 1919), a Orígenes Lessa ,Fernando Sabino, que o inseriram em contos ; de Gilberto Freyre ,um entusiasta de primeira linha, que incluiu o futebol em muitos de seus escritos, a Mario Filho – autor do memorável O negro no futebol brasileiro – e chegando ao auge da paixão futebolística ‘a serviço’ da literatura, nela integralmente enfronhada e estigmatizada, em José Lins do Rego e Nelson Rodrigues.
Prossegue o futebol -- e prosseguirá será ad eternum-- sempre provocando prazer e dor, polêmicas e alegrias ,brigas, tumultos, conflitos, prazer,tristeza, paixões e ódios — nos campos, nos estádios, nos gramados, nas arquibancadas,nos terrenos baldios, nas várzeas, nos corações e mentes de todo o País.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

O radiante brilho da mestra

Apagou-se uma luz no cenário cultural brasileiro – mas só corporeamente.No amplo e indissolúvel âmbito intelectual continuará ad infinitum a brilhar, qual centelha inextinguível.

Ruth Cardoso tinha luz própria. São sobejamente conhecidas seu elevadíssimo embasamento intelectual e sobretudo sua personalidade independente, ao mesmo tempo austera,sensata e discreta. Detestava essa ‘breguice’ (bem brasileira, pois não existe em nenhum país do mundo esse termo) de “primeira-dama”. Como antropóloga, foi referência intelectual – primeiro como professora (doutora pela USP e pós-doutora pela Universidade de Columbia, EUA), depois como uma das mais profícuas orientadoras acadêmicas que o meio universitário brasileiro já teve – e como ensaísta , autora de um dos livros basilares da antropologia entre nós, A aventura antropológica:teoria e pesquisa , de Terceiro Setor : desenvolvimento social sustentado , de Bibliografia sobre a juventude ( em parceria com Helena Sampaio) e em especial Estrutura familiar e mobilidade social: estudos dos japoneses no Estado de São Paulo ,que recebeu edição bilíngüe português-japonês ,obra que assume neste momento dimensões significativas de atualidade histórica,quando se comemora o centenário da imigração japonesa no Brasil, ao mesmo tempo em que emblematiza o quanto ela marcou sua carreira acadêmica pela inovação : ainda em meados da década de 1950, quando o tema ainda era muito árido e distante, estudou a imigração japonesa para São Paulo, transformando-a em brilhante tese universitária,na USP em 1972. Também foi ela um dos primeiros acadêmicos brasileiros a perceber a emergência dos movimentos sociais que abrigavam diversidades como os feministas, étnico-raciais e de orientação sexual (até a década de 1970, a academia considerava que esses movimentos não tinham status para merecer a atenção da universidade) . Foi precursora no estudos contemporâneos sobre a “condição feminina”,preconizando e pregando intransigentemente a necessidade de políticas públicas para a mulher.
Depois do golpe de 1964 enfrentou o exílio ao lado de Fernando Henrique , em Santiago,Chile, onde foi professora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) . Por essa época – também exilado eu na capital chilena -- conheci-os intimamente e freqüentava sua casa e por vezes assistia a algumas de suas aulas, sempre freqüentada (de frequência disputada, diga-se) por estudantes de muitos países. Do Chile, Ruth e Fernando foram para a França e, de volta ao Brasil, fundaram o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que marcaria a pesquisa social no Brasil.
No início da década de 1980, enquanto Fernando Henrique se envolvia na política,primeiro no Senado e mais tarde na Presidência da República, Ruth se aprofundou na vida acadêmica. No Cebrap, pioneira na percepção da emergência dos movimentos sociais, desenvolveu programas específicos de pesquisa sobre eles, quando as organizações não-governamentais ainda eram desconhecidas.Na década de 1990, Ruth Cardoso ajudou a mudar os rumos da política social no Brasil, foi peça fundamental na idéia de unir os vários programas sociais e de transferência de renda em um único programa, e criou o programa Comunidade Solidária – mais uma vez como autêntica precursora , pois o programa veio a ser a base originária do excepcional Bolsa-Escola, hoje totalmente desvirtuado e ‘dilacerado’ no inócuo Bolsa-Família.

Eram outros tempos, de maior competência governamental, lastreada em sólidos pilares intelectuais – iluminados,direta e indiretamente, pela consciência, lucidez e brilhantismo de Ruth.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

O grande desafio brasileiro

Reportagens recentes ,em jornais de algumas cidades pequenas e médias, informam indícios de que está se lendo mais, a julgar pelo movimento constatado junto a livrarias. No entanto, existe um cenário quase que intransponível ao longo do tempo a apontar a imagem sobejamente conhecida – e constatado por pesquisas e estudos : o brasileiro lê pouco, muito pouco.
Mas por quê ?

Na verdade, a “falta de estímulo” é que impede crescimento de leitores, segundo o mais recente “Retrato da leitura no Brasil”, pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro e divulgada no último dia 28 de maio. A pesquisa apontou que o brasileiro lê, em média, 4,7 livros por ano – sendo que a leitura feita por pessoas que não estão mais na escola ficou em 1,3 livro por ano. O Brasil possui 36 milhões de compradores de livros -- com a média de 5,9 livros exemplares adquiridos por ano -- bastante concentrados nas grandes capitais, nos grupos que têm maior acesso aos estudos : os maiores compradores estão nas capitais, com Brasília liderando o ranking, com 69%, e São Paulo, com 36%.. Os motivos para o baixo consumo de livros no País não se restringem apenas à carência de poder aquisitivo de grande parte da população: a falta de motivação também se mostra um fator importante. Números e conclusões rigorosamente idênticos, diga-se de passagem , ao cenário apontado na mesma pesquisa realizada em 2003.
“O brasileiro só não lê porque não tem acesso ao livro.” O vaticínio é de Felipe Lindoso, ex-diretor de Relações Institucionais da Câmara Brasileira do Livro .“Isso acontece porque ganha mal e por desconhecimento da obra que está no mercado. Somam-se a esses fatores a questão da falta de costume, de tempo e de vontade do leitor se dirigir às estantes de uma biblioteca e apanhar um livro” E Lindoso vai mais longe: “Independente desses motivos, o que colabora para o agravamento da situação é a inexistência de um eficaz sistema de bibliotecas públicas que possibilite esse acesso ao leitor, que é um dever do Estado e da sociedade.”
No Brasil há uma população alfabetizada, com mais de 14 anos, em torno de 86 milhões de pessoas. Pelo “Retrato da Leitura no Brasil”, 62% desse contingente afirmam que gostam de ler, enquanto que 30% haviam lido um livro nos três últimos meses que antecederam a pesquisa, e 20% tinham lido apenas uma obra no último ano. Uma análise por certo viés mostra que o índice de leitura do povo brasileiro, quem compra e quem lê um livro, até que é bastante razoável : esse público lê, em média, até seis livros por ano. Mas traduzindo para uma população alfabetizada, isso dá l,2 livro ao ano, que significa um índice extremamente baixo se comparado por exemplo com os nove livros por pessoa lidos nos Estados Unidos, e os 18 pelo Japão e Alemanha. Entre nós, de acordo com a pesquisa, 11% das pessoas não lêem por não terem dinheiro para comprar livros. Apenas 8% dos livros lidos foram retirados em bibliotecas públicas, enquanto que aproximadamente metade da população comprou os livros que leu. E no cômputo geral, 39% declararam não ter tempo para a leitura.
Se o hábito e desenvolvimento da leitura tem, consensualmente, como elemento de origem e propagação a criança e o jovem, uma das maiores preocupação de todos é como vão ser reestruturados agora os programas de compras oficiais de livros — depois da fatal interrupção do PNBE - Programa Nacional da Biblioteca Escolar, sem dúvida ‘a maior estrela’ das compras governamentais dos últimos anos. O propósito do Programa era dar a oportunidade, via acesso ao livro, de os alunos das escolas públicas se tornarem leitores, criarem o gosto pela leitura , e incentivá-los a montar uma biblioteca em casa. Nunca um programa tão amplo de difusão da literatura fora concretizado no Brasil; mesmo em âmbito mundial, segundo a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, a iniciativa é inédita.
A História, por sua vez, se encarrega de mostrar que a questão da leitura atravessa os séculos, no Brasil.
Esse contexto desafiador é esmiuçado e analisado em estudo elaborado pelas pesquisadoras Marisa Lajolo e Regina Zilberman — mostrando as dificuldades enfrentadas pela literatura no país, desde a Colônia , e discutem a importância de meios e instituições como editoras, livrarias, bibliotecas e a imprensa __ no livro A leitura rarefeita (ed. Atica,144 páginas,), em que fazem um estudo rigoroso e original sobre a relação da literatura com a sociedade brasileira, desde o início da ocupação portuguesa . Constroem um painel, indutivo a profunda reflexão, de um país marcado pela penúria cultural desde os tempos coloniais, uma investigação minuciosa sobre as dificuldades de inserção da literatura na sociedade logo a partir do momento em que os jesuítas fincaram os pés por aqui, no século XVI, até os dias de hoje.
O retrato não é nada alentador. Os resquícios de uma política educacional frágil, elitista e pouco abrangente no longo período Brasil Colônia estão, segundo elas, na raiz de problemas ligados à tão decantada falta de leitura no Brasil. Não no sentido de que a leitura seja frágil só porque ''rarefeita'' no passado, mas os entraves se arrastam ao longo dos séculos.
Lajolo e Zilberman explicam que os rastros coloniais podem ser observados em vários aspectos da vida moderna. ''Os jesuítas tinham projetos educacionais distintos, um para os índios, outro para os meninos brancos, descendentes dos colonizadores e que formavam a elite dos grupos dominantes. Essa concepção diferenciada persiste no Brasil de 2002. Os sinais estão em planos de governo, ideologias e até no tipo de produto cultural que se oferece aos grupos. Em tudo, nota-se a manutenção de certas práticas pedagógicas'', assinalam as autoras. Segundo elas, as dificuldades de acesso à literatura estão ligadas ainda à idéia do livro como “produto feito pela elite e para a elite”, pois durante séculos a leitura esteve associada a uma atividade ''excepcional, diferenciada e refinada''. Personagens importantes nesta história da leitura foram os romancistas brasileiros, enfatizam as autoras. Foram eles os primeiros a se preocupar com o fortalecimento de um público para o livro nacional. ''Os romancistas se empenharam na tradução de folhetins e a elaboração de textos nacionais. Empenharam-se na formação de um público voltado à literatura que produziam.Não se importavam se os resultados fossem singelos. Queriam apenas 'colaborar para o fortalecimento de uma cultura local própria e independente, ainda que limitada.” Assinalam elas , por outro lado,que a imprensa teve um papel fundamental na formação de leitores e na profissionalização do escritor e do intelectual brasileiro. ''Na virada do século XIX para XX, a imprensa deu um grande salto em termos empresariais, tecnológicos e profissionais, responsabilizando-se por abrigar a maior parte dos produtores de cultura e literatura do país'' __ o que colaborou substancialmente para que um novo público leitor surgisse no país.
Mas as práticas de leitura , hoje, permanecem rarefeitas. Reverter a situação continua sendo o grande desafio que, segundo Marisa Lajolo, é algo plenamente possível. ''Em primeiro lugar, o livro tem de se tornar acessível. O fundamental é a formação de bibliotecas e de salas de leitura em diferentes lugares e instituições de bairros, contagiando os freqüentadores'', analisa.
“Longe de ser um ignorante, o leitor brasileiro é curioso e muito interessado na cultura e literatura ”, sentencia o editor Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras.“Esta idéia de que o leitor brasileiro não lê é um preconceito arraigado “, afirma, “e veja bem, o leitor médio brasileiro , embora leia em menos quantidade, é mais qualificado do que o leitor médio americano”. Schwarcz: diz mais : “O brasileiro é curioso, tem uma característica, a vontade de ler. Quando os editores se mobilizavam no passado, era só para pedir incentivos. O que temos que pedir do Governo é educação; estabilidade econômica e educação. O resto fica por nosso conta.”
Eis um belo recado para o governo, para os editores, para os educadores, para os leitores, enfim...

segunda-feira, 9 de junho de 2008

crítica da crítica literária


o suplemento " Prosa & Verso" do jornal O Globo, de 07.06, críticos e escritores discutem o estado atual da crítica de literatura feita no Brasil.Um triplo clichê marca parte dos comentários : o das universidades autocentradas, o da imprensa festiva e o dos blogs desqualificados. No "Prosa & Verso" , artigos e entrevistas de escritores, críticos e pesquisadores expõem suas opiniões sobre os méritos, vícios e limitações da crítica brasileira, em seus vários espaços.

a oportunidadeé propícia a Pandora -- modestamente - também 'pôr uma colher' na questão.


Considerações à margem de uma crítica literária

De um crítico literário, ou resenhista, requer-se __ ou melhor, exige-se __ que entenda o projeto do Autor e o examine dentro dos limites de sua proposta, entendendo-o e interpretando-o dentro do cenário estrutural e/ou conjuntural e das tendências da literatura nacional ( e, quiçá, internacional).
O exame de um trabalho literário conduz a questões fundamentais : o que quer o Autor, o que se espera de um Escritor ? qual seu tema, que estilo e que gênero moldam sua obra? tem ela ritmo de ação ou privilegia a introspecção, a reflexão ? a narrativa é linear, direta, fluente, ou são utilizados recursos de fragmentação e flashback ? incorre em experiências de linguagem ? trata-se de uma tragédia, ou uma comédia, um drama ou melodrama? romance ‘asséptico’, romance histórico, romance filosófico ou romance psicológico?
Afinal, para que se escrevem e se lêem romances ( ou novelas, ou short stories; obras ficcionais ,em suma)? Por duas razões, sentencia Italo Calvino : “para se escapar de uma realidade ou para se opor a ela.”
Se o Autor não possuir o necessário embasamento (e talento) para o exercício literário, projeta em suas tramas e estórias muitos (ou todos) de seus problemas psicológicos, de carência, ou rejeição, suas frustações e neuroses.
Fazer literatura __ de quilate, valor e consistência __ não requer apenas boas intenções e rompantes de momento. Argumentos pseudo-instigantes, temas pretensamente complexos, tramas artificialmente densas também não bastam; da mesma forma não serem suficientes per si formas e estilos ditos ‘modernos’, [ou melhor (pior) ‘pós-modernos’ __ termo da moda ] narrativas fragmentadas, acrobacias retóricas, linguagens figuradas, firulas estilísticas. O denominado ‘pós-modernismo’ que infesta a literatura atual, advindo do nouveau roman francês, é tão malévolo e infeccioso quanto o amadorismo e o despreparo, a ingenuidade e a fragilidade na criação da coisa literária.
A pretensa ‘modernidade’, ao que parece, seria __ na ótica dos atuais escritores e candidatos a escritor, no Brasil :
a) utilizar temática ‘contemporânea’, urbana, citadina, retratando “a vivência vertiginosa nas grandes cidades”, priorizando “as aventuras do corpo” cenarizadas pela metrópole;
b) dotar a obra de estrutura e narrativa fragmentadas, quebradiças, ‘nervosas’;
c) adotar um approach desconstrutivista (e/ou ‘cubista’), subvertendo a linearidade,a uniformidade, a harmonia, o equilíbrio narrativo;
d) povoar a estória de personagens desesperançados, fracassados, angustiados, céticos, decadentes;
e) explorar ad nauseam o erotismo/pornografia, a escatologia, o palavreado chulo, o baixo-calão __ fazendo tudo para “chocar” .
Por outro lado, é bastante comum entre escritores neófitos e pseudo-ficcionistas julgarem que despojamento e linearidade em suas narrativas, simplicidade em suas tramas e enredos, certa ‘aridez’ em seus roteiros e superficialidade na composição dos personagens e na arquitetura dos diálogos insiram suas obras na ‘contemporaneidade’ __ que é outro vetor algo diferenciado do ‘pós-moderno’.
Ainda Italo Calvino vaticina: “a ficção futura tende a investir na rapidez; a narrativa é um cavalo”, tentando explicar uma atual preferência do ‘grande público’(ou ‘leitor comum’) __ esta entidade abstrata que parece cada vez mais balizar e orientar o setor editorial__ por obras que “carreguem o leitor a galope”. A velocidade do relato, a maneira avoada como se atravessa os acontecimentos __ manifestação de uma certa ‘sedução do cinema’, intensa hoje em dia __ caracterizam boa parte da produção literária do momento, resultando na adoção, entre outras nefastas consequências, de uma linguagem utilitária, pobre, desprovida de criatividade. A pressa, o açodamento, a atenção dispersa, a concentração inexistente no trato da matéria literária estabelecem um jogo leviano com o que se pensa equivocadamente ser ‘contemporâneo’__ e criativo, bom, de qualidade. Não , não é.

Vivemos __ para o bem ou para o mal__ um período de pluralidade complexa, de coexistência confusa de caminhos diversos. E as tendências anunciam o advento de uma narrativa de ritmo acelerado __ e descompromissado __ em que o descartável, o ruim, o medíocre, tornam-se tema, forma , conteúdo e modelo.

domingo, 1 de junho de 2008

pelos idos de maio


não há como encerrar o mês de maio – continente de uma das mais significativas questões de toda a História brasileira -- sem corrigir uma das mais equivocadas interpretações dessa mesma História.
"Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou, e todos saímos à rua. Sim, também eu saí à rua, eu o mais encolhido dos caramujos, também eu entrei no préstito, em carruagem aberta, se me fazem favor, hóspede de um gordo amigo ausente; todos respiravam felicidade, tudo era delírio. Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembra ter visto."
Na descrição da alegria popular pela conquista da liberdade, em crônica publicada em 14 de maio de 1893, fica evidente o olhar fascinado de um Machado comprometido com o debate da questão escravocrata. E hoje, exatos 120 anos depois do 13 de maio de 1888 já é mais do que tempo de obrigatória releitura da equivocadissima omissão machadiana em relação à escravidão e à campanha abolicionista, de seu absurdamente propalado “aburguesamento” e da ridícula “denegação das origens” conferida à sua obra. Os detratores e ressentidos costumam apontar, como uma espécie de carro-chefe crítico, a ausência de um “herói negro” em sua ficção – como se isso fornecesse convincente e taxativo certificado de consciência política , como se fosse elemento imprescindível na construção de romances e contos de qualidade...
Machado de Assis nunca deixou de exprimir seu mais absoluto horror à escravatura – fosse como funcionário da Diretoria da Agricultura do Ministério da Agricultura (órgão que tratava da política de terras e da aplicação da Lei do Ventre Livre, de 1871), na qual emitiu centenas de pareceres e réplicas no sentido de fazer cumprir a Lei e o preceito de liberdade para os filhos de escravos nascidos, fosse em artigos e crônicas e,em especial, em romances e contos. Exatamente ao contrário da equivocada e distorcida interpretação difundida ao longo dos anos,no sentido de não ter ele se integrado à causa abolicionista (sic) .Ledo e puro engano : os detratores teimam em julgar o homem com base nos raramente compreendidos e assimilados artifícios do ficcionista e do cronista – ainda mais quando este utiliza ad nauseam os recursos da sutileza,do subterfúgio, da dissimulação.Justamente os recursos da ficção literária, sempre propícia a esse fim, foram os instrumentos que lhe permitiram expressar com nitidez seu total e visceral repúdio ao sistema escravocrata do Brasil do século XIX. Por meio de alguns de seus contos, por exemplo, é possível observar as relações inter-raciais de sua época através do olhar literário, arrancando da realidade crua da sociedade imperial (e da História)a própria substância de suas narrativas – e especificamente seis deles , abordando as tensas relações,inclusive as de ordem afetiva e sexual, entre os membros da família patriarcal típica do século XIX e seus criados negros , abrigam tema,trama,ambiência, personagens e ‘ideologia’ inerentes à questão, escritos sob o mesmo clamor crítico-satírico do olhar machadiano feito testemunho incomparável sobre a vida política,social e institucional brasileira nas cinco últimas décadas do século XIX.
Machado fez da escravatura objeto crítico – por vezes desenhada pelas tintas da sutileza,do subterfúgio, da ‘entrelinha’, por vezes direta, nada oblíqua ou dissimulada -- de crônicas, de poemas, de peças teatrais, e especialmente de contos, além de torná-la pano de fundo de alguns romances, tanto os primeiros como aqueles pós-1880.
A tese da ‘alienação’ machadiana desmorona ao se examinar o naipe de contos em que a “iníqua escravidão” é exibida criticamente,nas linhas e entrelinhas, com todos seus horrores ; é solapada ao se ler,por exemplo, as crônicas de 18.07.1864, de 04.04.1885,01.10.1876,15.06.1877,14.07.1878,01.11.1883,23.11.1885,30.08.1887,27.09.1887,11.05.1888,19.05.1888,20.05.1888,27.05.1888,01.06.1888,26.06.1888,14.05.1893,04.11.1897 (todas integrantes de minha obra “Machado de Assis e a política : crônicas” (Senado Federal) ; perde vigor ao se deparar com os poemas “Sabina”(1875) e “13 de maio”(1888) , ou ao conhecer a crítica teatral à peça “Mãe”(1860), de José de Alencar, e o texto “O teatro de José de Alencar”(1866); além das referências,citações,comentários e verdadeiros libelos expostos na antológica novela Casa Velha(1885) e nos romances Ressureição (1872),Helena(176),Iaiá Garcia(1878),Memórias póstumas de Brás Cubas(1881), Quincas Borba(1891),Dom Casmurro(1899) – observando-se o quanto o processo histórico que resultou da lei de 1871, assim como suas conseqüências, encontra-se no cerne da concepção desses seis romances -- Esaú e Jacó(1904) e no derradeiro Memorial de Aires(1908) – cujo centenário de publicação deve constituir em imperdível oportunidade de ,primeiro, conhecer uma obra-prima, das maiores que a literatura brasileira já produziu , além de acompanhar a encenação da decadência e extinção da própria escravocracia, personalizada no Barão de Santa-Pia,sob uma narrativa revestida de contundente historicidade e , como o condizente grand finale da obra de um portentoso escritor, finalizada pela mensagem ressaltando o papel político da literatura como guardiã dos fatos passados e da memória coletiva de um país.

Importante notar que se o tema é pouco, ou apenas ‘tangencialmente’ e superficialmente tratado nas obras do período pré- Abolição -- nos contos “Frei Simão”(1864), “Virginius”(1864) e a 1ª. versão de “Mariana”(1971) -- depois, num período portanto em que as coisas podiam ser ditas mais clara e contundentemente – isto é, em “O caso da vara”(1891), a 2ª. versão de “Mariana”(1891), “Pai contra mãe” (1906) -- adquire tamanho vigor temático, tramático ,narrativo e de linguagem , que induzem a considerar uma espécie de ‘desforra’ de Machado quanto a uma questão que não pudera até então abordar como merecia, e como ele almejava.