quinta-feira, 24 de outubro de 2013
Aos que vão ao ENEM (II)
Machado de Assis, contista;cronista
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o conto em machado de assis
Pode-se
perfeitamente afirmar ter sido Machado de Assis mais do que o
decisivo ‘impulsionador’, do conto na literatura brasileira : foi com
efeito o criador do conto brasileiro ,porquanto a par da qualidade superior
de suas narrativas curtas, nenhum dos grandes autores que o antecederam pouco
,ou quase nada produziram no gênero -- basta examinar as obras de Gonçalves de
Magalhães, Joaquim Manuel de Macedo e José de Alencar, por exemplo – e
extremamente parcas,esparsas e efêmeras foram as manifestações anteriores. A altíssima qualidade literária de
Machado como contista tornou-o,desde sempre, comparável aos considerados
grandes mestres do gênero de sua época, como Edgard Allan Poe(1809-1849), Guy
de Maupassant(1850-1893),Anton Tchecov(1860-1904) – comparável e com eles
inter-textualizado .
Não obstante tal status de um dos maiores
contistas,quantitativa e qualitativamente, da literatura brasileira, quiçá o
maior, criador de 226 contos , Machado de Assis não recebeu ao longo dos anos,
mesmo nas edições póstumas, as obrigatórias integridade, completude e
responsabilidade no tratamento editorial de seus contos, cuja história
imperfeita de edições constitui-se um complexo enredo de erros, omissões,
equívocos, negligência..
Um
dos aspectos mais destacados no Machado contista – a rigor, de toda sua ficção
em prosa -- talvez sua qualidade essencial, é o emprego do esforço criador na
busca gradual e compassada,bem urdida, de uma coerência ,uma abrangência e uma
profundidade obtidas parte pelo talento nato parte (a maior) pelo exercício
consciente e meticuloso da prática literária , vis a vis com a percepção clara
do entorno histórico,social e cultural e dos meios de que dispõe para expressão
de sua obra.Essa combinação de vieses,convém enfatizar, determinou
substancialmente todo seu desenvolvimento como escritor e essencialmente o
processo da evolução literária de Machado
-- como “um todo consistente,
coerente, continuado”, com a marcante inflexão no início da década de 1880.
Inflexão
que, a par de contribuir positivamente para a análise e interpretação adequadas
da trajetória machadiana, em
contrapartida serve para sedimentar um conceito, ou avaliação, sob
alguns aspectos, discutível : a divisão
da obra -- ficcional e não-ficcional -- de Machado em duas fases ,o
‘aprendizado’ versus a ‘maturidade’,
a ‘formação’ versus a ‘radicalização’.
O fato de ser algo discutível
considerar a obra machadiana catalogada
em duas ‘fases’ não implica necessariamente em renegar a existência, como em todo processo , de
escalas e estágios, com nítidos pontos de inflexão,ou de mais intensa
transição : no caso de Machado, os anos
1868-71 , de resto condizente este com o próprio momento histórico-político do
País , e principalmente o biênio
1878-79, quando se deu, em O Cruzeiro
(março-setembro 1878), além de outros contribuições machadianas, a
publicação do romance Iaiá Garcia e
sete contos -- de titulação, temática,teor e conteúdo, que se podem considerar
‘insólitos’, ‘inusitados’,‘estranhos’[1],
diferenciados na contística machadiana --
como elementos decisivos de “ponto de viragem” ficcional antecipador da
experimentação levada a efeito em Memórias póstumas de Brás Cubas, e ainda
os contos “A chave”, “Curiosidade” e “Um
para o outro” (que recuperei – 2007-- depois de 128 anos desaparecido e tido
como perdido ), todos originariamente
veiculados em A
Estação no ano de 1879.
Notável
e meticuloso experimentador, mutável na utilização de formas, estilos e modelos,
preocupado com configurações (temáticas,tramáticas,estilísticas ,de linguagem)
para sua obra, Machado passou a fazer de
cada conto um exercício de forma,gênero e estilo – ora em diálogo, ora
paródia, ora sátira, ora epistolar, ora em forma de conferência ,ora denso, ora
leve, narrativa longa,narrativa curta, com narrador em primeira pessoa,
narrador em terceira pessoa, sem narrador; conto filosófico, conto político,
conto fantástico, história romântica, conto humorístico – e nisso vislumbram-se
diversas chaves temáticas pelas quais podem ser agrupados -- de análise psicológica , de denúncia social
, pendulando entre o formal e o
coloquial, o erudito e o popular, o nacional e o universal .
O
amor é o grande tema, central e capital, na contística de Machado. O amor visto, tido e exposto de Machado,
presentes sem exceção em todos os contos,
vez por outra inserindo como a única comunicação possível entre
pessoas,quaisquer que sejam suas natureza, caracteres, etnia,classe social, e o
casamento – e seu derivativo mordaz, o ciúme – tema difícil de ser tratado à
época ,mas sempre em defesa da base moral do amor : até mesmo quanto se reporta
a questões político-sociais como a
escravidão ,sobre a qual, ou a ela se
referindo, produziu um significativo
naipe de contos -- todos publicados,importante notar, no ‘feminino’ Jornal das Famílias.
Machado
sempre escreveu sobre mulheres e para as mulheres e não era segredo – pelo
menos até 1881,quando consolidou a longa e profícua atuação nas páginas da Gazeta de Notícias -- preferir colaborar em publicações cujo
público predominante era feminino, primeiro no Jornal das Famílias , de
1864 a
1876, e a partir de 1879 em A Estação. Tinha a mulher não apenas como protagonista de
seus romances e contos mas também sua
leitora predileta e leitmotiv. A
rigor, a mulher é a própria essência da
ficção machadiana – e nenhum escritor de seu tempo ‘edificou’ tanto a mulher como personagem
capital e basilar de seus textos como
Machado de Assis.(sem se constituir propriamente em explícito ‘defensor
dos direitos da mulher’ – muito menos um ‘dialético feminista’ -- Machado era
convicto de que as mulheres deviam ser instruídas e não permanecerem atadas à
vida doméstica,ao mesmo tempo sempre preocupado e atento para as necessidades
emocionais,afetivas e mesmo sexuais das mulheres.).
Condizentes com as
alterações e ebulições vivenciadas na sociedade brasileira nas três décadas
finais do século XIX, mutações e transformações da mesma forma se dão no
universo contístico: antes de 1880, os contos se centravam no namoro,paixão e
casamento o casamento,feliz ou infeliz,
consumado ou não, bem-sucedido ou não, por sentimento ou interesse , ao passo
que no pós-1880 aparecem com mais nitidez formas e situações de fragmentação e
diluição do casamento e ,embora nunca consumadas de fato, intenções e
sentimentos de infidelidade afetiva – nos contos machadianos, há mulheres que flertam com a
idéia da infidelidade, mas acabam não a
consumando: importante observar que intencionada ou não, fomentada ou não,
incentivada ou não, quase sempre platônica, a infidelidade feminina é sempre contraposta, e
redimida, na redenção pelo amor -- o
grande e central tema da ficção
machadiana ; todos os sentimentos impuros e espúrios,proibidos e reprováveis,
se idealizados , ou cogitados,em nome dele , são no final por ele
regenerados.
[1] O Cruzeiro circulou no Rio de Janeiro de 01.01.1878 a 20.05.1883, e
nele Machado colaborou de 23.03
a 01.09.1878, com sete contos, 14 crônicas ( na série
“Notas Semanais”), uma ‘ópera-cômica em 7 colunas”(a definição é do próprio
Machado), um artigo referente a assunto da seara teatral, a (célebre) crítica
literária a O primo Basílio, de Eça
de Queiroz, além do romance “Iaiá Garcia”, em folhetins.
Neste particular,desenvolvi projeto de obra [ainda sem editor] que abriga os contos, e mais a “ópera-cômica em 7
colunas” e o artigo - do mesmo teor de ‘inusitado’-- que reporta ao teatro : tudo sob o título de “As
estranhas fantasias de Eleazar” (Eleazar, o pseudônimo utilizado por Machado em
todos os textos de colaboração em
O Cruzeiro ).
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a crônica em
machado de assis
Inovador na ficção, como contista e
romancista, Machado de Assis foi soberbo
cronista que fez da crônica muito mais do que um registro pontual do cotidiano,
transformando-a em um verdadeiro gênero literário, a servir de modelo, molde e
paradigma a tudo e todos que o
sucederam, inclusive os de hoje.
Machado
fez da crônica mais do que simples
jornalismo, superior ao comum do gênero – haja vista o que Artur Azevedo
sentenciou em artigo em O Álbum ,janeiro
1893 : "(...) Atualmente escreve
Machado de Assis, todos os domingos, na Gazeta de Notícias, uns artigos
intitulados A Semana que noutro país mais literário que o nosso teriam
produzido grande sensação artística", a atestar o quanto dotou a
crônica dos elementos de verdadeira literatura.
Ao
longo de 41 anos, com uma produção de 738 textos, Machado criou crônicas, nos
mais diversos veículos, séries, formatos e assinaturas (ou disfarces), desde
1859, em O Parahyba , de
Petrópolis (anteriormente, publicara, em A Marmota
(em que colaborou de 1859 a
1860), a 05.03.1858, ”Os cegos: tréplica ao sr. Jq. Sr.” – a
rigor, artigo ; e no Correio Mercantil,
em 10-12.01.1859, “O jornal e o
livro” – verdadeira crítica literária : ambos constituindo quase ensaios, não
propriamente crônicas), no Correio
Mercantil (1859-1864), O Espelho (1859-60), Diário do Rio de Janeiro (1860-63: série
“Comentários da Semana”; 1864-67: série “Ao Acaso”), O Futuro (1862-63), Imprensa
Acadêmica, de São Paulo (1864; 1868 :série “Correspondência da Imprensa
Acadêmica”) A Semana Ilustrada (1865-75:
séries “Crônicas do Dr. Semana”, “Correio da Semana”, “Novidades da Semana” ,
“Pontos e Vírgulas”, “Badaladas”), Ilustração Brasileira (1876-78: séries
“Histórias de 15 dias”, “Histórias de 30 dias”), O Cruzeiro (1878: série “Notas Semanais”), Revista Brasileira
(1879), Gazeta de Notícias (1881-1900:
séries “Balas de Estalo”, “A + B”, “Gazeta de Holanda”— esta, em versos,os ‘versiprosa’ , termo cunhado por ele e que
antecipa em muitos anos a mesma expressão usada por Carlos Drummond de Andrade,
“Bons Dias!” e “A Semana”).
A
crônica machadiana possui, em si, estrutura, forma e encadeamentos consistentes
e complexos, além de plena interação com os contextos histórico,
político,econômico, social,cultural,urbano sob os quais foram elaboradas : revelam cadeias de
pensamento e reflexão em muitos aspectos, passagens e nuances intertextualizados,
ou que viriam a se intertextualizar com elementos,ambiências e situações de
romances e contos.
Dotada
das primordiais características de leveza de tom e teor, fluência textual e
estilística muito próxima da oralidade, ironia satírica e pilhéria, metáfora e
paródia, ostenta também a presença incisiva (como ocorre em sua obra ficcional)
dos conhecidos e admiráveis elementos machadianos do disfarce, da dissimulação,
do subterfúgio, da sutileza, dos significados ocultos postos como desafios ao
leitor, por meio de outras de suas peculiaridades, o uso do anonimato e do
pseudônimo, de que ele foi um dos mais profícuos usuários, e em especial a
“arte das transições”-- levada a extremos no unir tópicos aparentemente
distintos, um parecendo não ter nada a ver com outro, mas que justapostos
oferecem um resultado surpreendente,cujo
trajeto é ‘amenizado’ para o leitor , primeiro desviando-o do tema principal,
depois retornando e reintegrando-o,numa espiral de circularidade muitas vezes
nem percebida de todo. Mestre do subterfúgio, da dissimulação, da sutileza, do
disfarce e do enigma, Machado esconde ou disfarça uma parte da verdade e
desafia o leitor a descobri-la e fazê-la emergir, utilizando armadilhas
retóricas típicas de sua narrativa na ficção, executadas também na crônica,
sobretudo pelo absoluto domínio da relação cronista-leitor, e a preponderância
do conhecido narrador machadiano, o ‘narrador volúvel’ da ficção
aparecendo também na crônica.
Ao longo do tempo, Machado
sempre preocupou-se com configurações
para sua obra : (assim como o conto) a crônica foi um notável e eficaz terreno
de experimentações narrativas, nelas se revelando uma seqüência notável de
exercícios formais,estilísticos, de linguagem e de enfoque.
Importante
observar ainda quanto os períodos, os contextos históricos, os veículos e seus
respectivos espaços dados à crônica, bem
como as assinaturas, influíram tanto no enfoque temático, como no timbre. Nenhuma série é essencial e
totalmente idêntica a outra, ainda que guardem afinidades e similaridades,
mantidas as homogeneidade e unidade inerentes a
cada uma .Da mesma forma se
constata que cada época, ou série, trata ou prioriza um tema que
sobressai por sua relevância,sua particularidade, sobretudo por sua
correspondência-consonância com o momento histórico de sua feitura : às
distintas e seqüentes séries podem-se traçar a rigor, enredos e sub-enredos que
se desdobram e interligam-se em ciclos -- cada script com seu pano de fundo
temporal , sob o fio condutor da
própria história da sociedade brasileira da segunda metade do século XIX.
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