terça-feira, 4 de dezembro de 2012
Na história do próprio futebol brasileiro
O
futebol, literatos de São Paulo : a questão dos
modernistas(em seus 90 anos...)
Uma data a comemorar, sim. Pode-se convictamente
afirmar que o futebol no Brasil teve
início efetivo, porque em um evento oficial, há 110 anos em São Paulo -- quando naquele segundo ano do novo século, o então inédito esporte no país já
despertara incomum sedução, a Liga Paulista de Futebol organizava o primeiro
campeonato oficial: primeiro torneio regional e pioneiro torneio nacional de
futebol. Duplo marco histórico -- de significância exemplar para sua concreta e
definitiva sedimentação do originário ‘esporte bretão’ como invencível paixão
brasileira.
Excelentes, propícias oportunidade e
motivo, sob vários aspectos, para refletir acerca das relações entre o futebol
e literatos paulistas e paulistanos—em especial a dúbia postura dos
modernistas: e importante lembrar ter este 2012 registrado os 90 anos do Modernismo.Também para realçar,ao mesmo tempo dirimindo quaisquer dúvidas ou
questionamentos que por vezes se fazem a tais relações,ou à falta delas
(sic),as inequívocas ilações,no Brasil, entre
a Literatura e o Futebol, desde então ‘entranhado
na alma do brasileiro’
No
dia 3 de maio de 1902 adentravam em campo, quer dizer ao ‘field’, no parque da
Antarctica Paulista, os ‘teams’ da Associação Atlética Mackenzie College,da
colônia anglo-saxônica (fundado em 18 de agosto de 1898) – que contava em suas
fileiras com Charles Miller-- e do Sport Club Germânia (criado em 07 de
setembro de 1899 – o atual Esporte Clube Pinheiros) – que tinha como seu mais
‘ilustre’ conhecido defensor o alemão
Hans Nobiling já praticante experiente
do novo esporte em sua terra natal -- representante da colônia alemã.
O
jogo, de placar final A.A.Mackenzie 2 x S. C. Germânia 1,o primeiro
‘goal’,feito pelo mackenzista Mario Eppingaus, logo no primeiro ‘half-time’
(depois, Kirschner, ‘centerforward’ do Germânia conseguiria,num ‘scape
dahi’,empatar, para então Alício de Carvalho, no segundo ‘half-time’ dar
números definitivos ao ‘match’) ,a extraordinária afluência de um público
elegante e sofisticado mas nada desprovido de explícito entusiasmo(à época, a
elite paulistana dedicava-se ao ciclismo ,praticado no velódromo da rua da
Consolação, ao turfe,no Prado da Mooca, à pelota basca,no Frontão da Boa
Vista, e à esgrima,somente praticada em
clubes)., passaram a fazer parte dos
anais da história do futebol paulistano,paulista e brasileiro.
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São Paulo – não só cenário dessa ‘certidão em
cartório’ de 1902, a primeira cidade a organizar e
disseminar o futebol em campos oficiais,
pelas ruas e pelos terrenos baldios, mas especialmente ‘berço’ do futebol no Brasil (o paulistano do Brás
– sabiam ? -- Charles Miller, descendente de ingleses e escoceses, em 1894 na
volta de sua estada na Inglaterra,aonde fora aos 9 anos,trouxe na bagagem uma bola de futebol,
fundando em 1888 o primeiro clube de futebol do Brasil, o São Paulo Athletic,
clube dos britânicos residentes na cidade). Certamente o grande número de imigrantes e operários
contribuiu para a rápida popularização do futebol como prática popular de entretenimento, a
inserir- se na própria formação da classe operária paulistana, e lídimo elemento de sua cultura.
Nesse
sentido, um dos proeminentes fatores da popularização do jogo de futebol em São Paulo teria sido resultado direto da intervenção dos
patrões, das autoridades, do Poder Público: a emergência e fortalecimento do
movimento operário por volta de 1917 ‘revelou’ ao governo e aos empresários que
a cidade precisava de “um esporte de massas”(sic) como antídoto contra as
greves -- os operários seriam então ‘mandados a jogar futebol’, para o que os
patrões “deveriam construir grounds”.
O futebol seria assim um eficiente instrumento ‘disciplinador’ utilizado e
patrocinado pelos industriais “para ordenar os trabalhadores,um ensinamento de
disciplina e de harmonia”, e os campos
de futebol se constituíndo em importante elemento na caracterização das vilas
operárias, dadas como “espaços de
ordenação”: o futebol ajudava a manter o operário proporcionava aos
trabalhadores ‘o relaxamento necessário
para depois produzirem mais e melhor...’.
Então,
o Poder Público isentava os campos de impostos, os industriais construíam grounds , e a polícia deixava de
reprimir os “rachas” em terrenos baldios -- já bastante difundida e rotineira a
prática do jogo nas várzeas. E não por
acaso, surgia em 1910 aquele que, dentre os grandes clubes do futebol
brasileiro, foi o primeiro a se formar a partir de uma base popular: o Sport
Clube Corinthians Paulista.
Um
mais abrangente pano de fundo histórico registra que, pela necessidade de um
reordenamento geral de todo o contexto social, o futebol passou a ser
considerado como parte do processo modernizador e o desenvolvimento de práticas
esportivas considerado uma forma de
atenuar as tensões políticas. Pelo final da década de 1920 e a partir
notadamente dos anos 1930, o futebol,assim como as atividades esportivas em
geral, já era visto pelas elites governantes como um componente fundamental a
ser atingido numa “cruzada disciplinadora”, correspondendo a um movimento
cultural e político mais amplo, envolvendo tanto os interesses de disciplina
social do Estado quanto a produção de uma identidade nacional (expressa e
reforçada, por exemplo, pela participação da seleção brasileira de futebol na
Copa do Mundo de 1938 ).
Nacionalismo
e autoritarismo constituíam-se em eixos fundamentais na prática política e uma
tarefa urgente se impunha: construir a nação brasileira. Para tal, o futebol,
com sua extraordinária adesão popular, foi sem dúvida um excepcional
instrumento. A relação dos esportes com a identidade da nação tornara-se decisiva,
acionando a idéia de uma unidade nacional que tinha a seleção brasileira como
uma das instâncias principais de representação simbólica, coincidindo com um
projeto de configuração do Estado-nação de Getulio Vargas nas décadas de 1930 e
1940.
Especialmente
nesse ponto surge relevante observar -- e oferece reflexão neste 2012 dos 90 anos do movimento -- as postura,atitude e relacionamento dos
modernistas com o futebol, recebido de
modo diferenciado na primeira, na segunda e na terceira fase (conforme
classificou Afrânio Coutinho),e em especial o porquê não se identificaram, ou
engajaram,uma vez integrar seu ‘cardápio’ culturalmente ideológico, na adesão
ao conceito de o futebol como eixo da nacionalidade e identidade nacional.
Convém
observar que antes, ou cronologicamente simultâneos aos modernistas, muitos
intelectuais paulistas e paulistanos ‘entraram
em campo’, de um modo ou de
outro, com maior ou menor fervor :
Monteiro Lobato,Amadeu Amaral, Sylvio Floreal, Hilário Tácito,Menotti
Del Picchia – que registrou-o em poemas,
nos roteiros dos dois primeiros filmes do cinema brasileiro sobre futebol,
“Alvorada de glória” e “Campeão de futebol”,ambos em 1931 -- Cassiano Ricardo,
Raul Bopp,Alcântara Machado -- não só pelo
conto “Corinthians (2) vs. Palestra(1)”, e pela crônica “Notas sobre a
visita do Bologna F.C” , também por uma relação direta com a difusão dos
esportes no Brasil, fundador da primeira Liga Atlética Acadêmica do Brasil; em
especial, o futebol acolhido em dois grandes intelectuais, Anatol Rosenfeld e
Villem Flusser : Rosefeld , no texto “O futebol no Brasil”, publicado
originalmente em alemão no Anuário do
Instituto Hans Staden em 1956, Flusser, filófoso tcheco, estudou o futebol por via do tema da alienação,
título de brilhante ensaio, e chegou a
formular o conceito de “um novo homem
brasileiro, um homo ludens”.Assim
como, em estágios posteriores, outros tantos literatos o incorporaram a suas
obras – como João Antonio, Ignácio de Loyolla Brandão, Sergio Milliet, Sergio
Buarque de Holanda, Paulo Emilio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado, Nicolau
Sevcenko.
O
modernismo pareceu à primeira vista lidar com certa cautela e muitas reservas, quando não,
com explícita antipatia, diante do crescente e contagiante processo de
popularização de um esporte de origem e teor estrangeiros, visto como
“subproduto de importação, a adoção de mais um artigo de luxo, com sua
linguagem integralmente inglesa e seu vestuário britânico desconhecido,
provindo de uma matriz européia transplantada por uma elite anglófila e
francófila, ávida por novidades e exotismos, típico da dependência cultural
brasileira”. Mas a tradução e a decodificação sofrida pelo futebol ao longo das
décadas de 1920, 1930 e 1940, metamorfoseando-se de esporte elitista
estrangeiro em esporte nacional-popular, o futebol entendido sob a questão da
representatividade nacional, uma forma de se chegar às suas concepções sobre a
brasilidade; possibilitou aos
modernistas da segunda fase uma paulatina alteração no enfoque do
fenômeno, ainda que não de uma maneira unânime e consensual, e no decênio seguinte, a interpretação
modernista colocando o futebol também no terreno da cultura popular, numa
retomada do projeto de construção de
símbolos nacionais, que a música popular e o folclore já haviam tornado possíveis e que, naquele momento, por
meio de uma ‘brasilidade esportiva’, o futebol também facultava.
De Mário de Andrade e Oswald de Andrade o
futebol recebeu imediatamente crítica e repúdio – mas em ambos amenizando-se ao
longo do tempo,sem nunca alcançar porém o engajamento empolgado . Mario de
Andrade o via como “uma moda fútil entre
tantas que aportam da Europa” em Paulicéia
desvairada, “uma praga” em Macunaíma, não deixa de realçar em
algumas crônicas a violência e o teor elitista do futebol permeado de
expressões estrangeiras,, embora na crônica “Brasil-Argentina”, em 1939, admitia
o processo de apropriação do futebol com
a identidade da nação. Oswald de
Andrade, por sua vez, referiu-se com
uma certa simpatia – carregada de ironia – nos versos do poema “E a Europa
curvou-se ante o Brasil”, em que refere-se à excursão do Paulistano à Europa,em
1925, e em “Bungalow das rosas e dos pontapés”, sarcástico sobre a violência do
futebol; a rigor, sempre combateu o
futebol, como “veículo de alienação”, “ópio do povo”, inclusive elegendo José
Lins do Rego para esse confronto de idéias.
De
todo modo, permanece como conveniente, para objetiva compreensão da questão, refletir
sobretudo sobre o porquê de os modernistas, diante da avassaladora
popularização e transformação do futebol em ‘símbolo de identidade nacional’,
não terem se engajado em sua aceitação, com o entusiasmo esperado -- muito além e mais profundamente que os registros de
Alcântara, Menotti, Bopp,Cassiano, da
efêmera simpatia de ordem plástico-estética de Mario de Andrade,da dúbia
contestação de cunho ideológico de Oswald de Andrade – o futebol tido como
elemento essencialmente ligado a seus ideais de nacionalidade e concepções
sobre a brasilidade. E mais relevante: não reconhecerem nele, consoante a tese arquitetada
pelo próprio Oswald de Andrade, um caráter antropofágico onde se afirmava a
capacidade brasileira de deglutição, e concomitante assimilação das influências
estrangeiras e sua transformação em
expressões genuinamente nacionais
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