quarta-feira, 3 de outubro de 2012
Machado de Assis, a crônica, a política, a História. o Brasil, o Rio de Janeiro
a propósito do
iminente pleito municipal em todo o país, convém conhecer o que Machado de
Assis -- que tratou muito de política em suas crônicas -- comentou
(com
ironia crítica e lúcida observação) sobre eleições na cidade do Rio de Janeiro
e sobre a Câmara Municipal
Este conjunto de 53 crônicas de Machado de
Assis transcende uma temporalidade determinada, por exemplo, pela realização
das eleições municipais deste ano de 2012 no Brasil. Referenciadas à Câmara
Municipal do Rio de Janeiro, ao governo municipal e à política inerente à
cidade -- constitui-se numa coletânea significativamente relevante, diferenciada e inédita.
Relevante, por intentar-se fundamentalmente
mostrar - e dar a conhecer - o quanto Machado de Assis, ao contrário da
equivocada e distorcida interpretação difundida ao longo dos anos, tinha
opiniões políticas, escreveu muito sobre política, e tratou de questões
institucionais e governamentais com toda a largueza de visão e discernimento
que lhe eram peculiares. Depois,por tratar-se de coletânea absolutamente
diferenciada do comumente organizado porquanto abriga escritos machadianos sobre tema que nunca foi
objeto de seleção específica, ao contrário esteve sempre imiscuído no conjunto
geral de suas crônicas -- formando,no
caso, um corpus bastante específico de
comentários machadianos sobre a cidade do Rio de Janeiro e o Brasil de então.
Machado de Assis fez da crônica meio,
instrumento e veículo de expressão de
seu testemunho – crítico, analítico, lúcido – da política e da história
brasileiras da segunda metade do século XIX; e, no caso especial do Rio de
Janeiro – foco e cenáculo dos presentes textos, até porque,como capital
federal,exercia a função de microcosmo político,econômico, social do país – o
próprio consubstanciador da
indissociável interação do escritor com a cidade onde nasceu,sempre viveu e
morreu.
Importante ainda realçar que o tema
específico sob o qual se organiza e constrói o conjunto em tela – a destacar
sobremodo um dos propósitos básicos que o norteiam -- oferece,de resto, elementos significativos e
propícios a reflexões de ordem política e de cidadania inerentes à
administração,governo e destinos da cidade do Rio de Janeiro, quaisquer que
sejam as épocas,circunstâncias conjunturais e temporalidades datadas.
Mauro Rosso.
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crônica 1
22 de agosto de 1864
DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO – Ao Acaso[1]
indiferença pública com as eleições
municipais;
os três preceitos para
a Câmara Municipal;
Hoje é dia de gala para o folhetim. Visitam-me dois
poetas ilustres.
Para recebê-los, eu devia estender os melhores
tapetes, queimar os melhores óleos e ornar com as flores mais belas os mais
ricos vasos de porcelana.
Não podendo ser assim, faço o que posso com os meus
poucos teres.
Os meus hóspedes são americanos, um da América do Sul,
outro da América do Norte; ambos poetas - cantando um na língua de Camões,
outro na de Milton - e para que, além de talento, houvesse neste momento um elo
de união entre ambos - um criou uma página poética sobre uma lenda do Amazonas,
o outro criou outra página poética, traduzindo literal, mas inspiradamente, a
página do primeiro.
O primeiro é John Greenleaf Whittier, autor de um
livro de baladas e poesias, intitulado In
War Time, Em tempo de guerra -- livro, onde vem inserta
a página poética em questão.
Chama-se o segundo, na linguagem simples das musas -
Pedro Luís, poeta fluminense, dotado de uma imaginação ardente e de uma
inspiração arrojada e vivaz, autor da magnífica Ode à Polônia, que aí corre nas mãos de quantos apreciam as boas
letras.
Tratando do poeta, não é ocasião de mencionar o
deputado eloqüente , cuja estréia despertou todas as esperanças nacionais e pôs
em atividade todas as reações do clero.
A poesia de Whittier, traduzida pelo sr. dr. Pedro
Luís, intitula-se “O grito de uma alma
perdida”. É o modo por que os índios
designam o grito melancólico de um pássaro que se ouve à noite nas margens do
Amazonas.
A poesia tradução parece poesia original, tão
naturais, tão fáceis, tão de primeira mão, são os seus versos.
Não quero privar os entendedores do prazer de
compararem as duas produções, os dois originais, deixem-me assim chamá-los.
Aqui vai a do sr. dr. Pedro Luís:
O GRITO DE
UMA ALMA PERDIDA
Quando, à
tardinha, na floresta negra,
Resvala o
Amazonas qual serpente,
Sombrio desde
a hora em que o sol morre
Até que
resplandece no oriente,
Um grito,
qual gemido angustioso
Que o coração
do mato soltaria
Chorando a
solidão, aquelas trevas,
O não haver
ali uma alegria,
Agita o
viajor, com som tão triste
De medo, do
ansiar da extrema luta,
Que o coração
lhe pára nesse instante
E no seu
peito, como ouvido, escuta.
Como se o
sino além tocasse a mortos,
O guia
estaca, o remo que segura
Deixa
entregue à piroga, e se benzendo:
"É uma
alma perdida", ele murmura.
"Senhor,
conheço aquilo.
Não é
pássaro.
É alma de
infiel que anda penando,
Ou então é de
herege condenado
Que do fundo
do inferno está gritando.
“Pobre louca!
Mofar crê que ainda pode
Da perdição;
à meia-noite grita,
Errante, a
humana compaixão pedindo
Ou dos
cristãos uma oração bendita.
"Os
Santos, em castigo, a tornem muda!
A mãe do céu
nenhuma reza ensina
Para quem, no
mortal pecado, arde
Na fornalha
da cólera divina!"
Sem replicar,
o viandante escuta
Do pagão
batizado essa mentira,
Tão cruel que
de novo horror enchia
O grito
amargurado que se ouvira.
Frouxamente
arde o fogo da canoa;
Em torno
aumenta a sombra da espessura
Dos altos
troncos com cipós nodosos;
Silenciosa
corre a água escura.
Porém no
coração do viajante,
Secreto
sentimento de bondade
Que a
natureza dá, e a fé constante
Do Senhor na
infinita piedade
Levam seus
olhos à estrelada estância;
E ali os
gritos ímpios censurando
Por toda a
terra - a Cruz do perdão brilha
Esses céus
tropicais alumiando.
"Meu
Deus!" exalta a súplica fervente,
"Tu nos
amas, a todos; condenado
Para si, pode
estar teu filho errante,
Jamais será
por ti abandonado.
"Todas
as almas te pertencem, todas:
Ninguém se
afasta, ó Deus Onipotente,
De teus olhos,
nas asas matutinas,
Pois até lá
no inferno estás presente.
"Apesar
do pecado, da maldade,
Do crime, da
vergonha e da amargura,
Da dúvida, e
do mal - sempre ilumina
Teu meigo
olhar a tua criatura.
Em teu ser, ó
Princípio e Fim eterno !
Reata o fio
dessa triste vida;
Oh ! muda,
muda em cântico de graças
Esse grito
infeliz da alma perdida !"
Aqui vai agora o original:
THE CRY OF A LOST SOUL
In that black forest, where, when day is done.
With a snake's stillness glides the Amazon
Darkly from sunset to the rising sun,
A cry, as of the pained heart of the wood,
The long, despairing moan of solitude
And darkness and the absence of all good,
Startles the travel1er, whit a sound so drear
So ful1 of hopeless agony and fear,
His heart stands still and listens like his ear.
The guide, as if he heard a death-bell toll,
Starts, drops his oar against the gunwhale's thole
Crosses himself. and whispers. - "A Lost Soul
!"
"No, senhor, not a bird.
I know it well,
It is the pained soul of some infidel
Or cursed heretic that cries from hell.
"Poor fool! with hope still mocking his despair,
He wanders, shrieking on the midnight air,
For human pity and for Christian prayer.
"Saints strike him dumb ! Our holy mother hath
No prayer for him who, sinning unto death,
Burns always in the furnace of God's wrath !
Thus to the baptized pagan's cruel lie,
Lending new horror to that mournful cry,
The voyager listens, making no reply.
Dim burns the boat-lamp; shadows deepen round.
From giant trees with snake-like creepers wound,
And the black water glides without a sound.
But in the traveller's heart a secret sense
Or nature plastic to benign intent,
And an eternal good in Providence ,
Lifts to the starry calm of heaven his eyes;
And 101 rebuking all earth's ominous cries,
The Cross of pardon lights tropic skies !
"Father of all !" he urges his strong plea,
"Thou lovest all' thy; erring child may be
Lost to himself, but never lost to Thee !
"All souls are Thine; the wings of morning bear
None from that Presence which is everywhere,
Nor hell itself can hide, for Thou art there.
Through sins oí sense, perversities of will,
Through doubt and pain, through guilt and shame
Thy pitying cry is on thy creature still. [and ill,
"Wilt Thou not make, Eternal Source and Goal !
In Thy long years, life's broken circle whole,
And change to praise the cry of a lost soul!"
Feitas as devidas honras da casa, como devia e como
podia, aos dois eminentes filhos das musas, passo a lançar os olhos aos
acontecimentos da semana.
Dois assuntos preocupam atualmente o espírito público:
os negócios do Rio da Prata e o casamento de Suas Altezas.
Parece que eu devia acrescentar: - e as eleições
municipais. Fá-lo-ia sem reserva se acaso fosse assim; mas ninguém se preocupa
atualmente com as eleições, que hão de ser feitas daqui a 15 dias.
Ninguém, digo mal; ocupam-se e preocupam-se os
candidatos, isto é, um quinto da população, ao menos aqui na Corte. Fora
desses, ninguém mais gasta dois minutos em pensar no voto que se há de dar no
dia 7 de setembro, para renovar a primeira e a última das instituições de um
país, como se exprime um grande escritor.
A um dos candidatos à vereança escrevi há dias um
bilhete nestes termos: - "Quero um bilhete para assistir aos funerais do
município. Espero igualmente ser o poeta escolhido para escrever o epitáfio do
ilustre finado."
Quando este candidato me encontrou, dias depois,
mostrou-se magoado pela liberdade das minhas expressões, e estranhou que eu
desse por morto o município, cuja vitalidade demonstrava com as publicações dos
jornais... a pedido.
- Olha, dizia-me ele ontem, mostrando-me a segunda
página do Jornal do Commercio, vês
esta infinidade de listas? Queres maior prova da vida do município?
- Meu caro, isso prova apenas a vida dos candidatos,
não a do município. Se o município não está morto, está doente; a indiferença
pública não pode ser maior do que é hoje. Se o povo se agita e comove na
ocasião da eleição política, com igual razão devia comover-se e agitar-se na
eleição municipal, porque a municipalidade é o poder que lhe fica mais à vista,
aquele que mais direta e freqüentemente influi na satisfação das suas primeiras
necessidades.
Poupo aos leitores o resto do meu discurso que, apesar
de sensato, como se vê, não abalou o candidato; o que não me admirou -
porquanto a vaidade dele exigia que o povo tomasse grande interesse na luta
eleitoral, e que, naquele momento, debaixo de todos os telhados do Rio de
Janeiro se discutisse o valor e o alcance de um nome tão distinto como o seu.
Et omnia
vanitas.
Os leitores não exigem de mim a enumeração das causas
múltiplas que originam esta indiferença pública. Creio, porém, que lerão com
prazer algumas palavras com que vou auxiliar o espírito da futura Câmara.
A futura Câmara, para bem desempenhar os seus deveres
e levantar a instituição do abatimento em que jaz, deve observar três
preceitos. Esses preceitos são os seguintes:
1º. - Cuidar do município.
2.° - Cuidar do município.
3.° - Cuidar do município.
Se fizer isto, terá cumprido um dever, sem que daí lhe
resulte nenhum direito à menor parcela de louvor, e contribuirá com o exemplo
para que as câmaras futuras entrem no verdadeiro caminho de que - tão
infelizmente - se hão desviado.
Não entrando nas preocupações do espírito público a
eleição municipal, reduzem-se aquelas aos negócios do Rio da Prata e ao
casamento de Suas Altezas; os negócios do Rio da Prata, pela situação extrema a
que chegaram; o casamento, pela próxima chegada dos augustos noivos, segundo
corre.
Aqui devo eu dizer qual é a situação do espírito do
sr. presidente do Conselho.
S. Excia. vive atualmente sob a influência de dois
grandes desejos - espécie de Prometeu, roído por dois abutres - um no fígado,
como o antigo, outro no cérebro, abaixo da parte posterior e superior do osso
parietal. Segundo a doutrina de Gall e Spurzheim, é neste último ponto que
reside o órgão da vaidade.
Deseja o ilustre estadista : uma retirada e uma
chegada; a retirada das câmaras e a chegada dos augustos noivos. Sua Excia. vê
que no alto posto em que se acha colocado, não pode deixar de obter o
sacramento da confirmação, e S. Excia. é muito bom católico para não ir em
procura dele. Uma vez alcançado o sacramento, Sua Excia. que pode viver
independente, mesmo das leis do dever constitucional, passará tranqüilamente a
vara a outros, recitando o célebre verso de Sila:
]'ai gouverné
sans peur, et j'abdique sans crainte.
A propósito do assunto guerreiro da semana, não quero
esquecer-me de uma reflexão que ouvi a um deputado, orando há dias na Câmara.
- É necessário, dizia ele, que o Brasil tenha uma
forte organização militar, porque é esse o. meio de fazer-se respeitar pelas
outras potências.
Esta reflexão é de uma justeza irrepreensível, e
mostra bem como estamos longe da denominação que aprouve a alguns poetas dar ao
nosso século.
Ó força! ó divina força! - Quem é que teve a triste
idéia de dar-te por morta, enterrar-te e embalsamar-te? Não és tu ainda a grande razão, a ultima ratio do nosso tempo?
Despovoado o céu dos pagãos, tenho para mim que ainda
lá ficaram dois deuses, aceitos pelo tempo, Mercúrio e Palas ; esta, armada em guerra. Assim ,
quando em janeiro.de 1863 se deu no nosso porto o fato das represálias
britânicas, imagino que houve entre as duas divindades o seguinte diálogo:
“PALAS - Ah! o Império resistia, armava-se do direito
contra as minhas fragatas! Respondia com altivez ! levantava a cabeça diante
dos meus canhões! - Pois agora sofra as conseqüências do erro.
MERCÚRIO - Longe de mim, ó Palas, contrariar o teu
justo ressentimento; mas lembro-te que, na desforra legítima que tomaste, fui
eu quem sofreu. . . Respeito as tuas fragatas, por que não respeitarias os meus
brigues?
PALAS - Mas o insulto que recebi? Ah! eles vão ver
coisas bonitas...Londres os espera, Londres há de fazer ouvir a razão àqueles
senhores.
MERCÚRIO - Ouso ainda, ó Palas, fazer uma observação.
Se o teu conde Russell quiser levantar a grimpa, o que será de Manchester e
Liverpool? E as fazendas de algodão? E a cerveja? E a manteiga? E o canhamaço?
E a aniagem?
PALAS - E a força da força?”
A discussão continuou naturalmente por esse tom, até
que Mercúrio, à força de representações e petições, conseguiu acalmar Palas,
ficando tão amigos como dantes.
É naturalmente fundado neste diálogo, que o deputado a
quem me referi, julga a organização militar um princípio econômico.
Esta situação dos povos armados para terem seguros os
direitos, é a mesma situação dos habitantes de uma cidade que não dispensam as
fechaduras das portas.
Duas coisas provam que ainda não chegamos ao progresso
perfeito: as fechaduras e os tabeliães. Estas duas precauções contra os
ratoneiros e os velhacos não existirão decerto no tempo em que uma verdadeira
civilização tiver descido a este mundo. Isto não quer dizer que se suprima a
fechadura - meio de segurança contra os ladrões corajosos - e o tabelião,
garantia contra os ladrões de má fé,como não se pode ainda suprimir a
fechadurazinha de vinte mil homens, para guardar a nossa casa americana.
Uma última observação antes de sair da Câmara.
Temos admirado todos o procedimento do sr. Lopes Neto
que, a 16 ou 17 de janeiro, cumprimentou o ministério com um discurso de
oposição decidida, e que daí para cá recolheu-se ao mais prudente silêncio.
Embora me acusem de excentricidade, devo confessar que
a mim nada me admirou.
O ilustre deputado, tendo adivinhado o espanto causado
pelo silêncio em que se mantinha, lançou agora mão de um meio curioso.
Acompanha todas as discussões com um chuveiro de apartes, uns ministeriais,
outros duvidosos, nenhum oposicionista.
Aproveitando um dos seus apartes, alusivo ao sr.
ministro da Marinha e da Guerra, eu
direi que o ilustre deputado apareceu na Câmara armado de duas espadas, uma com
que combateu o ministério ao nascer, outra com que o defende agora. Sua Excia.,
por uma singularidade, de que nos dá exemplos o sistema parlamentar, vira do
avesso o sistema dos Abissínios: apedreja o sol ao nascer, para adorá-lo no
resto da viagem.
É evidente que o sistema dos apartes, dúbios ou
ministeriais, tem por fim fazer uma transição para os discursos positivamente
ministeriais.
Entretanto, devo comunicar ao público a predileção que
o sr. Lopes Neto tem pelos trocadilhos. Um dia, não me lembro em que discussão,
pediram a palavra vários deputados. Entre eles estavam alguns de nome Brandão.
Alguém que se achava nas galerias, com o ouvido alerta, ouviu ao sr. Lopes Neto
as seguintes palavras a um colega :
- Esta discussão há de ser luminosa.
- Por quê?
- Porque estão inscritos todos os brandões.
O colega riu-se, e o sr. Lopes Neto também - o que me
admirou bastante, porque achei o tal trocadilho muito medíocre, e sobretudo já
octogenário.
Se me sobrasse tempo e espaço, discutiria aqui algumas
opiniões do sr. senador Ferraz, acerca da imprensa, em um discurso publicado na
semana passada. Ficará para a semana seguinte.
Também adio para a semana seguinte a apreciação do
romance do sr. A. de Pascual, A morte
moral, cujo 4.° volume acaba de chegar de Paris.
Os leitores já conhecem naturalmente o volume das
fábulas do sr. dr. J. J. Teixeira, algumas das quais viram primeiro a luz nas
colunas do Jornal do Commercio.
As fábulas do distinto poeta são geralmente engenhosas
e conceituosas, cheias de muito sal cômico e muita propriedade. É sobretudo um
fabulista brasileiro. Não faz falar somente o mundo animal, faz falar o mundo
animal do Brasil.
Dou os meus sinceros parabéns às letras nacionais.
Foi também publicado o 4.° volume do Pequeno panorama, obra do sr. dr.
Moreira de Azevedo.
O nome do sr. dr. Moreira de Azevedo é já conhecido do
nosso público, por seus trabalhos de investigação histórica acerca dos
monumentos do Rio de Janeiro.
Tão modesto quão talentoso, o sr. Moreira de Azevedo
pertence ao número daqueles escritores que não almejam a fortuna das reputações
pânicas. Esconde-se o mais que pode para trabalhar, investigar, - enfim,
concluir a obra encetada há poucos anos sob o título de Pequeno panorama.
Esta obra deve ser aceita como um verdadeiro serviço
público.
Só agora me chega às mãos o número da Cruz que foi distribuído ontem. Nada tem
de novo, a não ser uma noticiazinha curiosa.
Diz a Cruz:
A repartição
da caridade da irmandade da Candelária distribuiu pelas suas 600 pobres a
quantia de 7: 000$ durante este último trimestre.
Leram, não? Pois bem: diz agora o evangelho de S.
Mateus, capítulo V, versículos 2, 3 e 4:
2. - Quando
derdes alguma esmola, não façais tocar diante de vós a trombeta, como fazem os
hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em
verdade vos digo, esses já têm o devido prêmio.
3. - Mas
quando derdes alguma esmola, que a vossa mão esquerda não saiba o que fez a
vossa mão direita.
4. - A fim de
que a vossa esmola seja em segredo, e vosso pai, que vê em segredo, vos dará a
recompensa.
Apliquem el
cuento.
Direi em último lugar que se apresentou no Teatro
Lírico ao público fluminense o jovem pianista portuense Hernani Braga. Não o
ouvi; mas todos são acordes em louvar a talentosa criança e predizer-lhe um
futuro brilhante.
Unindo os meus aplausos aos de quantos o ouviram,
acrescentarei uma reflexão: importa
muito para o futuro do menino Hernani que, gastando o maior tempo que puder,
aperfeiçoe-se na arte para que nasceu, a fim de que, daqui a alguns anos,
possa-se admirar, em vez de um, dois prodígios: um moço de talento e um moço de
talento instruído.
Agora é força parar. Urge o tempo e manda o calor.
É o agosto de
mais feia catadura que tenho visto. Se é assim hoje, que será quando a folhinha
de Laemmert nos disser que entrou oficialmente o verão?
Eu não sou como o cigano de Alvares de Azevedo:
SOU FILHO DO
CALOR, ODEIO O FRIO.
Sou filho do inverno, ou antes irmão, pois que nasci
com ele; sou profundamente inimigo desta estação contra a qual não há remédio,
nem mesmo o Passeio Ppúblico - sobretudo o Passeio Público.
E com isto, deixo a trípode.
M.A.
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crônica 4
19 de setembro de 1864
Diário do rio de janeiro– Ao Acaso
eleições para a Câmara
Municipal
Crise! Crise! Crise!
Tal foi o grito angustioso que se ouviu, durante a
semana passada, de todos os peitos da população e de todos os ângulos da
cidade.
A fisionomia da população exprimiu sucessivamente o
espanto, o terror, o desespero --conforme cresciam as dificuldades e
demorava-se o remédio.
Era triste o espetáculo : a praça em apatia, as ruas
atulhadas de povo, - polícia pedestre a fazer sentinela, polícia eqüestre a
fazer correrias - vales a entrarem, dinheiro a sair, vinte boatos por dia,
vinte desmentidos por noite - ilusões de manhã, decepções à tarde - enfim uma
situação tão impossível de descrever como difícil de suportar - tal foi o
espetáculo que apresentou o Rio de Janeiro durante a semana passada.
Mas, se uns davam à crise esta feição e esta
gravidade, outros - no desejo de aliar o zelo da lei e a salvação pública, viam
na crise um alcance menor, e conseguintemente não aconselhavam o emprego de
remédios heróicos.
Os remédios heróicos, que uns aconselharam e outros
combatiam, eram medidas aplicadas pelo Governo, conforme o extraordinário da
situação. Tais remédios, dizia-se, terão a virtude de atalhar o mal e acalmar
os espíritos.
Os que pediam isto fundavam-se no princípio de que não
se cura um cancro com água de malvas.
E fundavam-se igualmente na moral idade da seguinte
anedota :
Um homem achava-se encerrado em uma sala. Cai uma vela
e comunica o fogo a uma cortina. Ele procura extinguir o fogo, mas não pode; as
chamas devoraram em poucos segundos a cortina, começavam a tisnar uma porta, e
já lambiam o teto. Vendo a gravidade do perigo, o homem corre à porta da saída,
mas desgraçadamente estava fechada; procura a chave sobre as mesas e cadeiras,
nos bolsos, na secretária, e nada !
Entretanto, o fogo lavrava com intensidade.
Aturdido, e não querendo gastar mais tempo em procurar
a chave, o infeliz chega à janela e grita por socorro.
A tempo o fez, porque exatamente passava nessa ocasião
um homem que ouviu o grito e subiu.
Quando o infeliz sentiu que o salvador estava do outro
lado da porta, gritou:
- Fogo! Fogo!
- Espere um pouco, respondeu o outro.
- Arrombe a porta!
- Não; é preciso ver uma chave. Com chave é que se
abre uma porta. Tenho algumas comigo, vou ver uma por uma - vejamos esta: é
muito grande. Outra: nada! Bem. Outra : não entra!
- Cresce o fogo, arrombe a porta por favor!
- Não arrombo! - mais uma chave: esta há de servir.
Mau ! não dá volta. Ah! Aqui vai a última : não serve.
- Por favor, arrombe a porta!
- Mas depois?
- Depois, fica arrombada até que se extinga o fogo;
não faz mal; posso daí em diante fechá-la com uma tranca de pau, até que
cheguem os ferreiros para consertar a fechadura. Depressa ! depressa ! o fogo
está a alguns palmos de mim!
- Meu caro, está salvo.
- Ah!
- Está salvo, fazendo ato de contrição e encomendando
a alma a Deus. Eu não abro as portas senão com chaves; quando não tenho chaves
não arrombo as portas.
Ora, o homem morreu, e a casa ficou reduzida a um
montão de cinzas.
Era o caso da crise comercial. É sempre conveniente
abrir uma porta com chave, mas nos casos de incêndio, em não havendo chave,
duvido muito que se possa recorrer a outro meio que não seja o arrombamento.
Felizmente, o Governo, auxiliado pelas vozes generosas
da imprensa e pelo voto esclarecido do Conselho de Estado, compreendeu a
magnitude da situação e aplicou o meio extraordinário do arrombamento, certo de
que os ferreiros consertarão depois a fechadura.
Uma crise como esta não dá lugar a nenhum outro
acontecimento. Tudo passou desapercebido. A crise era o último pensamento da
noite, e o primeiro pensamento da manhã. Era o assunto obrigado das
conversações nas ruas, nos cafés, nos jornais.
Aqui, esquecendo a gravidade das circunstâncias, devo
mencionar um fato que prova em favor de um rifão popular : - em tempo de
guerra, mentira como terra.
Correram mais mentiras em uma semana de crise, do que
costuma correr em um ano de circunstâncias normais.
Era algum espirituoso que as inventava?
Era a interpretação exagerada que se dava a alguns boatos fundados? Não sei, talvez uma e
outra coisa; mas o certo é que, de meia em meia hora, todas as bocas repetiam,
com a maior sinceridade e convicção, os boatos mais incongruentes e as mais
inconsistentes asseverações.
Mas, no meio de tantas asseverações e conjeturas, foi
agradável de ver que nada se articulou contra a casa, cuja falência produziu a
crise. De ordinário, as coisas passam-se de outro modo: também as ovações do
infortúnio têm os seus apedrejadores. Doença humana - vocação de apedrejar.
A crise trouxe o fechamento dos teatros.Não se repetiu
por isso, na quinta-feira, “A mulher que deita cartas”, com Emília das Neves.
Ainda não tive ocasião de falar aos meus leitores
acerca de Emília das Neves no papel de Geméia, naquele drama.
O drama, como se sabe, foi um drama de ocasião e feito
por encomenda imperial. Tira o assunto do fato do pequeno Mortara. Segundo se
disse então, Napoleão III encomendara a composição de uma peça em que aquele
episódio servisse de base. Disse-se mais que, além do autor confesso, outro
havia da própria casa do Imperador. A presença deste no espetáculo confirmou os
boatos.
Isto basta para predispor contra a peça a crítica
sensata. Naquelas condições não se faz drama, faz-se panfleto. Encomenda não é
arte.
Todavia, se no caso atual a gente não ouve uma peça
literária, também não ouve o que conta ouvir: argumento em vez de diálogo,
silogismo em vez de lance dramático. Ganha-se sempre alguma coisa.
A moral idade da “Mulher que deita cartas” é a
tolerância religiosa; a peça acaba quando a mãe cristã e a mãe judia confundem
as suas lágrimas sobre a cabeça da filha comum.
Este desenlace, que eu esperava ver ontem combatido na
Cruz, se a Cruz não tivesse suprimido o número de ontem, tranqüiliza e alivia
o espírito das fortes comoções que recebe durante a peça.
O interesse consiste na perseverança com que a mãe
judia procura a filha adotada pela mãe cristã, e, uma vez encontrada a filha,
na luta entre as duas mães, no conflito doloroso entre o amor da educação e o
amor da natureza.
Apesar da importância relativa dos outros papéis, Geméia
é a personagem que nos atrai mais a atenção.
Li a peça a fio, e creio poder julgá-la em breves
palavras.
Geméia devia ser a um tempo a mulher judia e a mulher
humana. Tenho visto muitas judias em cena; o erro capital dos autores está em
reunir nas suas heroínas todos os distintivos do caráter judeu, sem cuidar em
lhes dar um coração humano.
Ora, Geméia poucas vezes é mulher, mas é sempre judia.
De princípio a fim, procura com amor, com perseverança, com desespero, a filha
de suas entranhas, mas em tudo isso está longe de ser a Raquel das Escrituras
ou a Hécuba de Eurípides.
O enunciado basta para reunir muitos votos à minha
opinião. Não descerei a minuciosidades. Vê-se em geral que o autor da peça tem
presente o contrato da encomenda, e busca fugir ao movimento natural para ceder
à necessidade de produzir tal efeito, ou chegar a tal conclusão.
Em prova disto citarei apenas a cena capital do drama,
aquela em que as duas mães levam a filha à situação de escolher uma ou outra. É
uma cena absurda e fora da natureza. Não negarei que há aí lugares tocantes e
expressões pungentes; mas isso não legitima a totalidade da cena, nem justifica
a existência do lance.
Feitos estes reparos ao drama, confessarei que alguns
pontos foram aplaudidos com justiça.
Emília das Neves desempenhou o papel de Geméia.
Tendo já conhecimento do drama, direi que, apesar do
imenso talento da artista, receei que nem sempre pudesse triunfar das
escabrosidades do papel.
Mas então esquecia-me de que muitas vezes os artistas
realçam as obras, dando relevo às belezas secundárias, ou criando novas belezas
nos lugares em que elas são inteiramente nulas.
Ouvi a peça até o fim, e, se me devesse guiar pelos
aplausos, outro seria o meu juízo. Os aplausos não pagaram o merecimento.
Emília das Neves confirmou plenamente a apreciação feita neste mesmo lugar por
ocasião de “Joana doida”.
Uma arte consumada dá-lhe os meios de tudo criar e
colorir tudo. Ou exprima um sentimento, ou acentue uma palavra, ou faça um
gesto, vê-se que ela sabe realizar a difícil e rara aliança da arte e da
natureza.
O papel de Geméia tem, como disse, defeitos capitais.
O talento da artista pode disfarçar esses defeitos, e dar-lhe, não o interesse
da curiosidade, mas o interesse da humanidade.
Em mais de uma cena subiu ao patético; teve gritos de
leoa para as agonias supremas, teve lágrimas tocantes para as dores do coração;
soube ser mãe e mulher.
Familiar aos grandes efeitos da cena, Emília das Neves
emprega-os com a discrição necessária para não cair das alturas da natureza e
da arte. Sombria ou radiante, irada ou terna, amorosa ou odienta, ela sabe que,
em cada uma dessas fases do sentimento, a arte exige um toque ideal.
As duas peças representadas bastam para julgá-la.
Dizem que as duas peças que ainda falta representar são de gênero diverso, de
modo a mostrar ao público as diferentes faces do talento da artista. Cita-se as
“Proezas de Richelieu”, em primeiro lugar, e depois a “Dama das camélias” ou a
“Judite”. Eu preferia a “Judite”, não por supor que o seu talento, tão variado
como é, não possa reproduzir a paixão de Margarida Gauthier; mas pelo desejo de
vê-la calçar o coturno trágico e brandir o punhal de Melpómene.
A representação da “Mulher que deita cartas” teve
lugar antes da crise. Como disse, durante a semana passada, o teatro esteve
fechado por ordem superior.
É que realmente aquele acontecimento absorvia todos os
outros. Até a própria eleição concluiu-se no meio da indiferença geral.
A apuração de todos os sufrágios do município está
feita. Acha-se, portanto, composta a nova Câmara Municipal; acha-se composta de
novos homens, uns conservadores, outros liberais - estes em maioria.
Já tive ocasião de manifestar os meus desejos de que a
nova câmara realize os desejos de todos os munícipes.
Esses desejos limitam-se a que trate do município
seriamente, acudindo às suas necessidades mais urgentes, empregando utilmente
as suas rendas, melhorando o pessoal do seu serviço, corrigindo ainda, se for
preciso, os regulamentos a que está sujeito esse pessoal, de maneira que o
clamor público venha a calar-se, e a cidade e os seus subúrbios possam viver
contentes e felizes.
Por exemplo, não haverá um melhor sistema de limpeza
da cidade, em virtude do qual não ande a gente condenada, - em tempo de chuva,
à lama, - em tempo de sol, à poeira?
Não haverá um meio de vigilância que venha garantir as
árvores plantadas em vários pontos da cidade, do vandalismo que as torna
hécticas e mofinas? E na transplantação dessas árvores não convirá consultar os
meios que a ciência fornece para que das cicatrizes produzidas rio ato da
transplantação não lhes resulte a morte certa?
Tais são alguns dos inumeráveis pontos para que se
espera que a nova Câmara Municipal atenda, a fim de produzir todos os bens que
promete e que se lhe devem exigir.
Aqui devia eu acabar se não houvesse de dar uma
notícia grata para as letras.
Um jovem acadêmico de S. Paulo acaba de publicar um
livro de versos. Chama-se o livro Vozes
da América, e o poeta Fagundes
Varela.
Varela é uma vocação poética das mais robustas que
conheço; seus versos são inspirados e originais. Goza na Academia de S. Paulo,
e já fora dela, de uma reputação merecida ; as esperanças que inspira, ele as
vai realizando cada dia, sempre com aplauso geral e singular admiração.
Ainda não vi as Vozes
da América. Mas por cartas e jornais de S. Paulo sei que é um livro, não só
digno irmão dos que Varela publicou anteriormente, mas ainda um notável
progresso e uma brilhante promessa de outras obras de subido valor.
Apenas receber o volume, hei de lê-lo, e direi com
franqueza e lealdade aos leitores o que pensar dele. Estou certo de bater
palmas.
M.A.
_________________________
crônica 5
25
de setembro de 1864
Imprensa acadêmica
- Correspondência da Imprensa Acadêmica
conclusão da eleição
na cidade do Rio de Janeiro ;
formação da
nova Câmara Municipal
Corte, 21 de
setembro de 1864
Na minha passada “Correspondência” dei notícia do
começo da crise comercial.
O abalo público acha-se felizmente desfeito graças às
medidas tomadas pelo Governo, a instâncias de alguns jornais, do Conselho de
Estado e do comércio.
Mas antes que isto se alcançasse, andamos durante uma
semana atordoados e apavorados.
Como disse, a suspensão de pagamentos por parte da
Casa Souto & Cia. deu lugar à crise. As outras casas bancárias foram logo
atacadas por todos os portadores de vales que retiravam os seus capitais. Foi
preciso intervir a polícia, a cavalo e a pé. As ruas Direita, da Alfândega e
Sabão, estavam atalhadas de povo, desde a manhã até a noite. A praça não fazia
uma operação que fosse. A alfândega tinha um rendimento ridículo e em um dos
dias foi obrigada a fechar-se. Tal foi o estado da capital durante uma semana.
A desconfiança crescia porque, além da falta de
medidas adequadas, cada dia marcava, não uma, mas seis e oito quebras.
Quebraram as principais casas. E não parava aqui,
quebravam os banqueiros. Hoje os banqueiros Souto, Gomes, Montenegro e Oliveira
Belo vão entrar em liquidação.
Entretanto a imprensa e o Diário do Rio à frente, pediam urgentes medidas. O Correio Mercantil e o Constitucional divergiam da opinião dos
outros jornais, dizendo que o Governo não podia nem devia tomar medidas, porque
elas seriam ilegais.
O Governo começou por expedir dois decretos, um
alargando a emissão do Banco do Brasil, e outro dando curso forçado às suas
notas.
Mas estas medidas não eram suficientes. A imprensa e a
comércio continuavam a insistir. Finalmente, o Banco do Brasil, o Banco
Hipotecário, o Banco Português, o Banco Inglês e os banqueiros ainda não
quebrados reuniram-se e representaram instando com o Governo para que salvasse
a praga e o povo , indicando-lhe algumas medidas.
O Governo fez reunir-se duas vezes o Conselho de Estado, às 7 horas da manhã, e às
9 horas da noite, do dia 16. O Conselho de Estado foi unânime no voto de que o
Governo devia adotar as medidas indicadas pela representação.
Assim, no dia 17 apareceu o seguinte decreto ,
assinado por todos os ministros e secretários de Estado :
"Atendendo a suma gravidade
da crise comercial, que domina atualmente a praça do Rio de Janeiro, perturba
as transações, paralisa todas as indústrias do país, e pode abalar profundamente
a ordem pública, e a necessidade que há de prover de medidas prontas e
eficazes, que não se encontraram na legislação em vigor os perniciosos
resultados que se temem de tão funestas ocorrências. Hei por bem,
conformando-me com o parecer unânime do Conselho de Estado decretar :
Art. 1.° Ficam suspensos e
prorrogados por 60 dias, contados do dia
9 do corrente mês, os vencimentos das letras, notas promissórias e quaisquer
outros títulos comerciais pagáveis na Corte e província do Rio de Janeiro ; e
também suspensos e prorrogados pelo mesmo tempo os protestos, recursos em
garantia e prescrições dos referidos títulos.
Art. 2.° São aplicáveis aos
negociantes não matriculados as disposições do art. 898 do Código Comercial,
relativa às moratórias ; as quais bem como as concordatas, poderão ser
amigavelmente concedidas pelos credores que representem dois terços no valor de
todos os créditos.
Art. 3.° As falências dos
banqueiros e casas bancárias, ocorridas no prazo de que trata o art. 1.°, serão
reguladas por um decreto que o Governo expedirá.
Art. 4.° Estas disposições serão
aplicadas a outras praças do Império por deliberação dos presidentes de
Província.
Art. 5.° Ficam revogados
provisoriamente as disposições em contráario.
Os meus Ministros e Secretários de
Estados dos negócios das diversas repartições, assim o tenham entendido e façam
executar.
Palácio do Rio de Janeiro, em 17
de setembro do ano de 1864, 43º. da Independência e do Império -- Com a rubrica
de Sua Majestade o Imperador. - Francisco José Furtado - José Liberato Barroso
- Carlos Carneiro de Campos - Henrique de Beaurepaire Rohan - Francisco Xavier
Pinto Lima - Jesuino Marcondes de Oliveira e Sá."
Este decreto serenou os ânimos ; começa a
restabelecer-se a confiança, e o único banqueiro que era ainda anteontem
perseguido, o sr. Bahia, já ontem não teve muitos vales a pagar.
Em todo este negócio o deputado Saldanha Marinho,
tanto na imprensa, como pelos conselhos parciais, tomou grande parte e mereceu
por isso as simpatias do público e da praça.
Mas, golpe sobre golpe ; resolvida a crise, cá ficamos
com a questão do Rio da Prata.
Chegou de Montevidéu na fragata “Amazonas” os srs.
Saraiva e Tavares Bastos.
O Governo Oriental tinha mandado os passaportes ao sr.
Loureiro, nosso ministro residente, e aos cônsules e vice-cônsules brasileiros.
Pela nossa parte, já o Governo mandou fazer o mesmo
aos cônsules orientais.
O Exército brasileiro, segundo parece, vai entrar no
território da República.
O caso que motivou a cólera do governo de Montevidéu,
foi a perseguição feita por um dos nossos vasos nas águas do Uruguai contra um
dos seus vapores.
Está concluída a eleição municipal. A nova Câmara
acha-se composta do seguinte modo :
1. dr. Batista dos Santos
..............................................5061
2.dr. Bezerra de Meneses
..............................................881
3. dr. Dias da Cruz
........................................................612
4. dr. José Pereira Rego
................................................172
5. tenente-coronel Frias
.............................................. 4149
6 . Tavares Guerra
.........................................................056
7. dr. Claudino José Viegas
......................................... 3791
8. dr. Fontes
..................................................................3777
9. dr. Monteiro dos Santos
.........................................3667
10. Bento Barroso Pereira............................................3471
11. Leite Junior
............................................................3442
12. Santos Peixoto
...................................................... 3366
13.dr. Costa Lima
...................................................... 3130
14.dr. Queiroz
............................................................2535
15.Bitencourt da
Silva.................................................2443
16.José Bernardo da Cunha
.......................................2372
17.M. Dias da Cruz
.....................................................2046
18.Fragoso
...................................................................1968
Estão oficialmente pedidas as nossas princesas. Casa
S.A. Imperial D. Isabel com o conde d'Eu, e S.A. D. Leopoldina, com o duque de
Saxe. O casamento efetua-se a 15 ou 18 de outubro.
Os dois príncipes têm visitado tudo ; são
infatigáveis, o que vai perfeitamente com o espírito ativo de Sua Majestade o
Imperador.
O conde d'Eu, sobretudo, tem merecido as simpatias
gerais. Supõe-se que D. Fernando vira até cá.
É por ora o que há de mais importante. Se ocorrer
alguma coisa antes de partir o vapor ,
aqui lhe direi.
Sileno
__________________________
[1]
Sob este título, Machado publicou, no Diário do Rio de Janeiro ,uma série
de 42
crônicas ,com intervalos de uma semana, de 5 de junho 1864 a 16 de maio 1865, sempre com a assinatura M.A.
[2] Zacarias de Góis e Vasconcelos ,político ,foi
presidente das províncias do Piauí, Sergipe e Paraná, deputado provincial
,presidente da Câmara dos Deputados, deputado geral, senador,ministro da
Marinha, da Justiça, da Fazenda ,presidente do Conselho de Ministros por três
vezes(maio 1862; jan.-ago 1864; ago 1866- jul. 1868).
[3] Na Imprensa
Acadêmica, jornal “comercial, agrícola, noticioso e literário”, dos
estudantes de São Paulo,que circulou de 1864 a 1871, Machado colaborou com crônicas e artigos sob as
rubricas “Correspondência”, “Correspondência da Corte” e “Correspondência da
Imprensa Acadêmica” – e em 1868 – sob a rubrica
“Correspondência da Imprensa Acadêmica”– todas com pseudônimo Sileno ,exceto a de 20.08.1868
com pseudônimo Glaucus.
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