sábado, 17 de abril de 2010

Lima Barreto e a mulher - VI


mulher brasileira

Concurso para a cozinha

Na escola Rivadávia Correia realizou-se na semana passada, sendo examinadas as cinco candidatas da primeira turma e muitas outras, um concurso para contramestra de cozinha.
Aprovo o alvitre, tanto mais que verifico que são muitas as candidatas.
Na notícia que li, há cerca de dez nomes.
Com prazer verifiquei que a vocação da mulher para a cozinha ainda não foi morta pela de auxiliar de escrita da estrada de ferro.
O número das que se inclinam para o forno ainda não é menor do que aquelas que se sentem atraídas pela máquina de escrever do doutor Assis Ribeiro.
Prefiro as últimas às primeiras. Não há como um bom pitéu bem- temperado. Um tutu de feijão com um bom molho de tomates, cebolas e vinagre, seguido de uma carne-seca picadinha, vale mais do que qualquer ofício limpo, redigidinho naquela pobretona literatura oficial, sem calor nem gosto.
Não há quem possa negar isto; e muita gente tem escrito sobre as excelências da cozinha. Brillat-Savarin escreveu um tratado que ainda é lido, mais do que muitas obras solenes e científicas que ficaram às traças.
O destino das nações, diz ele, depende da maneira que elas se nutrem; e só os homens de espírito sabem comer.
Pois se é assim, agora que todos nós, inclusive o chefe do executivo, pretendemos criar de novo uma nação forte, cheia de inteligências, não há nada mais precioso que os poderes públicos se preocupem com a cozinha, formando mestras dela sábias e proficientes.
Semelhante iniciativa deve provir da firme disposição em que está o público brasileiro de fazer disto aqui um novo Estados Unidos da América do Norte.
Já começamos pela cozinha e havemos de chegar à sala de visitas, graças a Deus, thanks giving day!
Tomo, porém, licença de notar que não podemos ficar no feijão, na carne-seca ... Esta está pela hora da morte! Conto uma história:
Certo dia fui jantar com um amigo rico e ele me deu este caro menu:
Sopa de legumes;
Carne-seca frita e pirão;
Bacalhoada à portuguesa, com quiabos e maxixes.
Antes de nada, ele me disse:
-- Não repares! Só estes quiabos custaram-me um vintém cada um.
Comi muito e, lembrando-me do fato de agora, da mestra de cozinha, tenho medo que, aperfeiçoando-se muito a cozinha, nós não podemos mais comer ... Enfim!
Careta 22.11.1919

Amazonas do Assírio

No "restaurant" ou bar Assírio, diversas freqüentadoras daquelas paragens, segundo os jornais e por motivos que não vem a pêlo reproduzir aqui, se engalfinharam num pugilato, a altas horas da noite.
Em matéria de combates entre mulheres nós pouco sabemos de positivo.
A história não guarda memória de nenhuma delas, ao que eu saiba; e a única tribo guerreira de damas - assim mesmo não é da história, é da lenda, - de que se tem notícia, é das amazonas.
Essas, porém, não se batiam entre si, mas contra os homens unicamente.
As damas do elegante porão do Municipal, porém, não procedem assim. Deixam de parte os marmanjos e se engalfinham entre elas.
Não posso deixar de aprovar-lhes o procedimento, porque vai nisso um verdadeiro progresso. Se elas ficassem no papel de amazonas da mitologia, que seria delas, do champagne e das sedas?
Ia tudo por água abaixo e a indústria vinhateira ou semelhante de vários países muito sofreria, assim como a do bicho-da-seda.
Procedendo, como procederam, naturalmente quebraram-se algumas garrafas do precioso vinho espumante, estragaram-se muitos vestidos de seda. Daí vem um lucro para os mercadores de vinho e para os comerciantes de fazendas.
Dirão: se fosse à moda das Amazonas, acontecia o mesmo. Não há tal.
Aquelas respeitáveis senhoras combatiam com armaduras, capacetes e outras peças de uniforme inenarrável. O que não acontece com as combatentes atuais, que vão para a liça em traje de passeio.
Dou parabéns àquela dependência do Municipal, por ter podido presenciar mais esse progresso moderno nos costumes femininos.
Não foi à toa que ele, o teatro que devia regenerar a nossa literatura
dramática, custou tão caro ...
Careta 22.05.1920

Vestidos modernos

Nunca foi da minha vocação ser cronista elegante; entretanto, às vezes, me dá na telha olhar os vestidos e atavios das senhoras e moças, quando venho à Avenida. Isto acontece principalmente nos dias em que estou sujo e barbado.
A razão é simples. É que sinto uma grande volúpia em comparar os requintes de aperfeiçoamentos na indumentária, tanto cuidado de tecidos caros que mal encobrem o corpo das "nossas castas esposas e inocentes donzelas", como diz não sei que clássico que o Costa Rego citou outro dia, com o meu absoluto relaxamento.
Há dias, saindo de meu subúrbio, vim à Avenida e à rua do Ouvidor e pus-me a olhar os trajes das damas.
Olhei, notei e concluí: estamos em pleno carnaval.
Uma dama passava com um casaco preto, muito preto, e mangas vermelhas; outra, tinha uma espécie de capote que parecia asas de morcego; ainda outra vestia uma saia patriótica verde e amarelo; enfim, era um dia verdadeiramente dedicado a Momo.
Nunca fui ao Clube dos Democráticos, nem ao dos Fenianos, nem ao dos Tenentes; mas estou disposto a apostar que em dias de bailes entusiásticos nesses templos de folia, os seus salões não se apresentam tão carnavalescos como a Avenida e adjacências nas horas que correm.
Careta 22.07.1922

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