Em 1854, aos 22 anos, Machado de Assis já rabiscara os primeiros versos e lia avidamente os poemas e romances-folhetins nos poucos jornais existentes na época.; e sonhava em enviar suas produções.Até que a 6 de janeiro de 1855 teve publicado em A Marmota Fluminense, de Paula Brito seu poema “A palmeira” , e seis dias depois o poema “Ela”; e na livraria, ponto de encontro dos jovens escritores da época, Machado foi também acolhido, por iniciativa do próprio Paula Brito. Figura extraordinária, esse impressor, editor,jornalista,autor e o maior incentivador da literatura brasileira naquela época. Até 1864 Machado colaborou com a revista de Paula Brito, publicando poesias no mais arrebatado estilo romântico de então, mas também trabalhos em prosa: “O passado,o presente e o futuro da literatura”, que marca sua estréia no ensaio crítico , em 1858, o conto “Bagatela” – que abriga dúvidas, quanto a tratar-se de uma tradução ou criação machadiana [vide meu livro Contos de Machado de Assis:relicários e raisonnés,2008] --- em 1859,nos folhetins de10 e 13 de maio,3 e 14 de junho,26 e 30 de agosto.Por esse tempo, teve ainda a amizade e acolhida de Manuel Antonio de Almeida, diretor da Imprensa Nacional onde Machado consegue o lugar de tipógrafo de 1856 a 1858., ano em que incorpora-se de vez ao grupo de A Marmota (o jornal passou a ter esta denominação a partir de 1857) e da Sociedade Petalógica, “sociedade lítero-humorística” fundada por Paula Brito – cuja loja era um verdadeiro cenáculo, um “ponto de encontro neutro,onde os conflitos partidários rendiam-se em favor das letras e das artes” frequentada pelas figuras de maior relevo daquele tempo, reunindo todo o movimento romântico de 1840-60, dos poetas Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Araújo Porto-Alegre e Laurindo Rabelo a romancistas como Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antonio de Almeida , Teixeira e Souza, dos compositores Francisco Manuel da Silva ao ator João Caetano, além da presença de personalidades como os ministros José da Silva Paranhos (barão do Rio Branco), Eusébio de Queiroz, o senador Francisco Otaviano, líderes da sociedade como Antonio Maciel Monteiro, os jornalistas Joaquim de Saldanha Marinho e Firmino Rodrigues. Até que em 1861, já escrevendo no Diário do Rio de Janeiro (de 1860 a 1867 publica em A Marmota, em abril-maio "Queda que as mulheres têm para os tolos" -- este,como se sabe, exemplo bem-acabado,malgrado as constatações de Jean-Michel Massa, dos 'mistérios' machadianos ,ao abrigar elementos de reflexão quanto a tratar-se de uma tradução ou criação machadiana [vide meu ensaio,2006] ; e no ano seguinte tem editado em livro,por Paula Brito, duas de suas primeiras peças teatrais “O caminho da porta” e “O protocolo”, encenadas em 1862 no Ateneu Dramático.
O fato de Paula Brito ter se tornado o livreiro preferido pela elite intelectual do Rio de Janeiro, bem como o principal editor da época -- sucedendo o ‘lendário’ impressor francês, estabelecido no Rio de Janeiro desde 1824, Pierre René Plancher -- exemplifica suas capacidade,energia,determinação e habilidade reconhecidas e incentivadas até a década de 1840 por Pedro I ,consolidada na admiração de Pedro II por seu empenho em estimular os escritores brasileiros. O próprio imperador foi o principal acionista da nova Imperial Typographia Dous de Dezembro, inaugurada neste dia de 1850, data do aniversário do imperador e de Paula Brito – e onde Machado foi trabalhar a partir de 1858 como revisor de provas e caixeiro. As publicações de Paula Brito, ao contrário do comum na época, que eram concentradas em administração, política e informações práticas para os homens de negócios, dirigiam- se muito mais para o “leitor comum” , fruto das marcantes mudanças ocorridas no Brasil entre a Independência e a maioridade de Pedro II, notoriamente os progressos sociais, no que tange à publicação de livros, advindos da valorização da condição da mulher , criando um público leitor feminino, ávido por literatura romanesca, influenciada pelos franceses,suficientemente numeroso para alterar as características do mercado.
O volume de publicações de Paula Brito dirigidas às mulheres, iniciado ainda em 1832 com a pioneira revista feminina A Mulher do Simplício, ou A Fluminense Exaltada ---- não se estranhe o título do jornal, pois era comum na época : em 1834 publicava-se O Tupinambá Pregoeiro e A Mutuca Picante ,como em 1822.,p. ex., existira O Periquito da Serra dos Órgãos e Malagute-- ,sucedida de 1849 a 1864 por A Marmota Fluminense,evidencia o quanto o editor era consciente da existência – e força --desse novo público leitor feminino. Paula Brito lançou ao todo 372 publicações , das quais 214 foram edições literárias ficcionais, 100 delas “dramas”, 43 libretos de ópera, 47 de traduções do italiano e do francês, e 24 edições de originais brasileiros. A literatura brasileira então era bastante incipiente, praticamente não existia (pelo menos como “sistema literário orgânico”, conforme a conceituação de Antonio Candido) — apesar das produções de Gonçalves Magalhães, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Teixeira e Souza, Gonçalves Dias, Araújo Porto-Alegre, Casimiro de Abreu : Paula Brito foi o primeiro editor a incentivá-la, o primeiro a publicar trabalhos de literatos brasileiros como ‘empreendimento de risco’ e não mediante pagamento por parte do autor, como se praticava na época. Pela primeira vez, um romancista ou um poeta brasileiro era publicado em livro e pago por isso. É de Paula Brito por exemplo a publicação do primeiríssimo romance brasileiro, O filho do pescador, de Teixeira e Souza, em 1843 ( um ano antes do equivocadamente considerado pioneiro A Moreninha, de Macedo); os Últimos cantos, de Gonçalves Dias,em 1851, a primeira peça essencialmente brasileira, “Antonio José,ou o poeta e a Inquisição” e A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães em 1857, além de comédias de Martins Pena e poemas de Casimiro e Abreu.
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