domingo, 22 de junho de 2014
MACHADO DE ASSIS, 175 anos - II
[se 18 abril é dado como o "Dia Nacional do Livro", por ser o dia de nascimento de Monteiro Lobato, 21 de junho há de ser definitivamente o "Dia Nacional da Literatura" ]
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Os primeiros de Machado
textos abrigando as primeiras produções literárias de Machado,
seguindo sua respectiva ordem cronológica.
a
primeiríssima peça de criação machadiana foi um poema intitulado “Sonetos” ,
dedicado a uma misteriosa "Ilma.
Sra. D.P.J.A.", publicado em 1854 -- atentem : ele com 15 anos !!...-- com a assinatura J. M. M. Assis, no Periódico dos Pobres – poema esse de que
se tem notícia mas nenhuma cópia
conhecida (perdeu-se no tempo,na então incipiência autoral de Machado e na
insignificância da qualidade literária.do texto...).
devidamente
registradas, como peças debutantes, são os
poemas “A palmeira”,estampado na edição de 6 janeiro 1855 no jornal A
Marmota Fluminense (a partir de 1857 passou a intitular-se apenas A Marmota) de
Paula Brito (o tipógrafo,livreiro e editor de enorme e crucial influência na
vida de Machado), seguido do poema
"Ela", publicado nesse mesmo jornal em 12 janeiro.
Manuel
Bandeira escreveu que “Machado de Assis poeta tornou-se vítima de Machado de
Assis prosador”, evidenciando o quanto de diferença existe entre a obra do
contista,do romancista e do cronista e a produção do poeta.
o
Machado poeta,quando se inicia,
prende-se aos padrões do romantismo da época, de autores românticos e
até mesmo de alguns árcades—como não poderia deixar de ser : são poemas
com grande preocupação formal, sempre com linguagem bem cuidada, de
temática amorosa ou lírica.
para o poeta e crítico Alexei Bueno “(...)requintada, harmoniosa, equilibrada, a poesia de Machado de Assis ocupa
uma posição singular em nossa literatura ; desde sua estréia,
em pleno período romântico, ele distinguiu-se dos seus pares pela
expressão e o espírito : em versos de técnica apurada, com um certo sabor
clássico, o jovem poeta falava de amor, mas sem a ingenuidade, o atropelo e o
calor da escola romântica, de suas preocupações com problemas sociais e com a
missão do poeta em meio ao desconcerto do mundo(...)"
A palmeira
a Francisco Gonçalves Braga
Como é linda e verdejante
Esta palmeira gigante
Que se eleva sobre o monte!
Como seus galhos frondosos
S'elevam tão majestosos
Quase a tocar no horizonte!
Ó palmeira, eu te saúdo,
Ó tronco valente e mudo,
Da natureza expressão!
Aqui te venho ofertar
Triste canto, que soltar
Vai meu triste coração.
Sim, bem triste, que pendida
Tenho a fronte amortecida,
Do pesar acabrunhada!
Sofro os rigores da sorte,
Das desgraças a mais forte
Nesta vida amargurada!
Como tu amas a terra
Que tua raiz encerra,
Com profunda discrição;
Também amei da donzela
Sua imagem meiga e bela,
Que alentava o coração.
Como ao brilho purpurino
Do crepúsculo matutino
Da manhã o doce albor;
Também amei com loucura
Ess'alma toda ternura
Dei-lhe todo o meu amor!
Amei!. .. mas negra traição
Perverteu o coração
Dessa imagem da candura!
Sofri então dor cruel,
Sorvi da desgraça o fel,
Sorvi tragos d'amargura!
........................
Adeus, palmeira! ao cantor
Guarda o segredo de amor;
Sim, cala os segredos meus!
Não reveles o meu canto,
Esconde em ti o meu pranto
Adeus, ó palmeira!. .. adeus!
________
in A Marmota Fluminense,6 janeiro 1855
Ela
Nunca vi, - não sei se existe
Uma deidade tão bela,
Que tenha uns olhos
brilhantes
Como são os olhos dela!
F. G. Braga
Seus olhos que· brilham tanto,
Que prendem tão doce encanto,
Que prendem um casto amor
Onde com rara beleza,
Se esmerou a natureza
Com meiguice e com primor.
Suas faces purpurinas
De rubras cores divinas
De mago brilho e condão;
Meigas faces que harmonia
Inspira em doce poesia
Ao meu terno coração!
Sua boca meiga e breve,
Onde um sorriso de leve
Com doçura se desliza,
Ornando purpúrea cor,
Celestes lábios de amor
Que com neve se harmoniza.
Com sua boca mimosa
Solta voz harmoniosa
Que inspira ardente paixão,
Dos lábios de Querubim
Eu quisera ouvir um - sim _
Pr'a alívio do coração!
Vem, ó anjo de candura,
Fazer a dita, a ventura
De minh'alma, sem vigor;
Donzela, vem dar-lhe alento,
Faz-lhe gozar teu portento,
"Dá-lhe um suspiro de amor!"
_____________
in A Marmota Fluminense,12 janeiro 1855
como
‘curiosidade’, vale ainda expor outro poema, muito peculiar, dessa fase -- no
qual Machado evoca o 'byronismo' que influenciara e impregnara a poética de
Álvares de Azevedo,para citar o exemplo mais manifesto e enfático, por extensão
muito da poesia que se fazia mormente em São Paulo no início da década de 1850. o poema
machadiano em questão é "Cognac".
Cognac!...
Vem,
meu cognac, meu licor d'amores! ...
É
longo o sono teu dentro do frasco;
Do
teu ardor a inspiração brotando
O cérebro incendeia! ...
Da
vida a insipidez gostoso adoças;
Mais
vai um trago teu que mil grandezas;
Suave
distração - da vida esmalte,
Quem há que te não ame?
Tomado com o café em fresca tarde
Derramas
tanto ardor pelas entranhas,
Que
o já provecto renascer-lhe sente
Da mocidade o fogo!
Cognac!
- inspirador de ledos sonhos,
Excitante
licor - de amor ardente!
Uma
tua garrafa e o Dom Quixote,
É passatempo amável!
Que
poeta que sou com teu auxílio!
Somente
um trago teu m'inspira um verso;
O
copo cheio o mais sonoro canto;
Todo o frasco um poema!
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in
A Marmota Fluminense,12 abril 1856
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a 1ª. tradução de Machado
.....
......................
[Machado foi um excepcional,
extraordinário tradutor. Mário de Alencar sustenta ter sido ele dos melhores de
toda a literatura brasileira.
A tradução ocupa um período bastante longo
na carreira de Machado . O ensaísta francês e (grande) estudioso machadiano Jean-Michel
Massa relaciona entre os textos traduzidos por Machado entre 1856 e 1894 : 24 poemas, 19
peças de teatro, 3 ensaios, 2 romances, 1 conto , 1 fábula e até 1 canção — sendo 39 textos oriundos do
francês,4 do inglês, 3 do alemão, 1 texto cada do italiano e do espanhol — de
autores como Lamartine, Dante Alighieri, Alexandre Dumas Filho, Chateaubriand,
Racine, La Fontaine ,
Alfred de Musset, Molière, Victor Hugo, Beaumarchais, Shakespeare, Charles
Dickens, Edgar Allan Poe, Schiller e Heine (ambos a partir de versões francesas)..
Machado, em sua ação tradutória não compartilhava com seus
contemporâneos “o entendimento de cor local, no sentido dado pelo Romantismo”,
colocando-se em discordância com o momento cultural do País no século XIX. E ia
além, criando e praticando um conceito da tradução – na verdade, um processo
criador -- que, entre outros aspectos, incorporava em maior ou menor grau sua célebre “teoria do
molho” , segundo a qual "pode ir
buscar a especiaria alheia, mas há de ser para temperá-la com o molho de sua
fábrica" : vale dizer, embora bebesse nas fontes européias utilizadas como
‘comida para seus pensamentos’, ruminava
os diversos ‘alimentos’ e os transformava em pratos tipicamente machadianos,
pois tirava de cada coisa uma parte e fazia o seu ideal de arte, praticado, reaplicado e reutilizado numa
perspectiva de comparatismo e de
tradução que consubstanciava no termo “transcriação”, -- em muitos aspectos
antecipadora da vertente atual dos estudos de Literatura Comparada.
Como tradutor e crítico-teórico do traduzir, desde o início de sua
carreira literária percebeu como nenhum de seus contemporâneos a importância do
papel da tradução como geradora e incentivadora do ‘diálogo’ entre textos, ou
‘diálogo entre literaturas’,como propiciadora da hoje extremamente citada e
difundida intertextualidade — na qual, como em muitos outros campos e searas, foi ele também um precursor.
Uma
citação do próprio Machado de Assis
serve para demonstrar o quanto seus
pressupostos teóricos para o exercício da tradução, formulados na
época,aproximam-se de muitos dos conceitos atuais de Teoria Literária — não fosse ele “criador avançado em seu
tempo”, “o escritor mais moderno do
Oitocentos” :
A literatura, como Proteu, troca de formas, e nisso está a condição
de sua vitalidade.]
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Minha mãe
(imitação de Cowper *)
Quanto eu, pobre de mim! quanto eu quisera
Viver feliz com minha mãe tambéml
C.A.de SÁ
Quem foi que o berço me embalou
da infância
Entre as doçuras que do empíreo
vêm?
E nos beijos de célica fragrância
Velou meu puro sono? Minha mãe!
Se devo ter no peito uma
lembrança
É dela que os meus sonhos de
criança
Dourou: - é minha mãe!
Quem foi que no entoar canções
mimosas
Cheia de um terno amor - anjo do
bem
Minha fronte infantil - encheu de
rosas
De mimosos sorrisos? - Minha mãe!
Se dentro do meu peito macilento
O fogo da saudade me arde lento
É
dela: minha mãe.
Qual anjo que as mãos me uniu
outrora
E as rezas me ensinou que da alma
vêm?
E a imagem me mostrou que o mundo
adora,
E ensinou a adorá-Ia? - Minha
mãe!
Não devemos nós crer num puro
riso
Desse anjo gentil do paraíso
Que chama-se uma mãe?
Por ela rezarei eternamente
Que ela reza por mim no céu
também;
Nas santas rezas do meu peito
ardente
Repetirei um nome: - minha mãe!
Se devem louros ter meus cantos
d'alma
Oh! do porvir eu trocaria a palma
Para ter minha mãe!
in A Marmota Fluminense,2 setembro 1856
* William Cowper(1731-1800),
poeta inglês
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