sábado, 21 de junho de 2014
MACHADO DE ASSIS, 175 anos - I
neste 21 junho, em 1839, nascia o maior escritor brasileiro
de todos os tempos e um dos maiores da literatura universal
[se 18 abril é dado como o "Dia Nacional do
Livro", por ser o dia de nascimento de Monteiro Lobato, 21 de junho há de ser definitivamente o
"Dia Nacional da Literatura" ]
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Machado de Assis , o Livramento , a Região portuária
Não fossem em geral com a cidade
do Rio de Janeiro como um todo – por certo, alguns locais e bairros mais do que
outros : sua obra literária o mostra sobejamente – Machado de Assis guarda estreitas, ‘íntimas’ relações, em
diversas ordens e escalas, com a região portuária, ampla área urbana
delimitada geográfica-geologicamente pelos morros de São Bento, do Livramento e
da Conceição – este, marco da ocupação inicial da cidade do Rio de Janeiro
pelos portugueses, constituía com os morros do Castelo, de Santo Antônio e
de São Bento um quadrilátero onde a cidade cresceu por três séculos,a partir da
sua fundação em 1565.
Relações – diga-se melhor:
interações – machadianas com essa área da cidade criadas e delineadas ainda em
sua origem natal : nasceu (a 21 junho 1839), batizado de Joaquim Maria, e cresceu no morro do Livramento, então vasta
área bucólica e agrícola, calmo e tranqüilo, com plantações, animais,
carros-de-boi (importante frisar, a dirimir os equívocos interpretativos no
sentido de conferir ao local características menos nobres...), na chácara (estendida por toda a área da colina,
a oeste até o atual Ministério do Exército, na Central, quase tocando o Campo
da Aclimação – hoje Campo de Santana, a leste se prolongando até a baía, por
pouco chegando à praia do Valongo, ponto de desembarque dos navios negreiros),
de propriedade de Maria José de Souza e Silva, feita sua madrinha (o Maria do
nome de escritor vem dela), onde viviam como agregados (então estado e condição
corrente, nada demérita ou pejorativa, entre cidadãos), seus pais Francisco
José de Assis e Maria Leopoldina Machado, casados 11 meses antes do nascimento
do filho.
Passando e transmutando a outras órbita e esfera – a literária,
Machado tornado escritor desde 1855 (ele com 16 anos) – a região
portuária carioca ambientou, por via da
Gamboa, Saúde, Santo Cristo, Prainha, praia Formosa, diversos de seus
contos -- como, p. ex., “O caso da
vara”, “Anedota pecuniária”, “A cartomante”, “A igreja do diabo”, “Noite de
almirante”, “Conto de escola”, “O cônego ou a metafísica de estilo”, “Missa do
galo” , “O lapso”, “Pai contra mãe” ( nesses dois aparece também o Valongo) , “Suje-se, gordo
!” (em que a ladeira da Conceição é quase personagem...) – e os romances “A mão e a luva”, “Memórias
póstumas de Brás Cubas”, “Quincas Borba”.
Particularmente, os portugueses
assumem papel crucial na sinergia de Machado com a região: primeiro, pela
própria condição dos lusitanos como “formadores’ da região, originários
habitantes do morro da Conceição no século XV, seus descendentes e novos grupos
etários como moradores,também no morro de São Bento, no séculos subseqüentes,
trabalhando como empregados ou empregadores (considerável, até hoje, o número de negociantes e
empresários lusos agrupados na atual rua do Acre e suas adjacências) nos
estabelecimentos comerciais circundantes ; em especial, em outra órbita, pela
integração machadiana nas esferas literária, intelectual e pessoal com
escritores e literatos lusos no Rio de Janeiro das décadas de 1850 a 1880.
Em 1855 encontravam-se na cidade
carioca cerca de 30 mil portugueses, a
maioria dedicada ao comércio,varejista e atacadista, mas que mantinham
e praticavam a ‘flama da literatura’,
exercendo durante o dia a função de empregado ou de caixeiro e ao fim da tarde
e à noite entregando-se a uma “liberdade poética” e atividades literárias : nos
anos 1850, reunidos no Grêmio Literário Português -- que em 1858 publicou
luxuoso álbum, com poemas e escritos por caixeiros, acerca do centenário do
poeta português Bocage -- em 1862 no dissidente Retiro Literário Português,
ambas sociedades abrigando tanto comerciantes e empregados no comércio quanto
escritores e literatos, entre eles Machado.
Estritamente nos prismas cultural
e intelectual, decisiva foi a participação e a atuação dos portugueses, vale
dizer dos literatos aqui estabelecidos, nas formação, constituição, vida e obra
literárias de Machado.
Os estudiosos (e estudantes) de Machado de
Assis e os estudiosos (e estudantes) de Literatura Comparada, também os
leitores e ledores de modo geral, não desconhecem o quanto as formação e
constituição literárias machadianas, de resto, válido para todos os escritores
brasileiros, se fizeram por meio e via das influências e orientações recebidas
de textos, obras e autores , entre clássicos ou não, entre contemporâneos,
quer nacionais quer estrangeiros : entre
estes, os franceses (preponderantes), os ingleses, alemães, gregos, latinos,
italianos, espanhóis – e os portugueses. Não obstante a preponderância dos
franceses nesse cenário de influências estrangeiras, nenhum contingente marcou
tanto Machado como os portugueses – não apenas na seara propriamente dita da
literatura mas também no embasamento político-ideológico-filosófico. Nenhum
escritor ou literato brasileiro, à época, aproximou-se e identificou-se de tal
forma, e essência, junto aos portugueses, como ele.
A solidez e a característica
genuína dos vínculos machadianos com os portugueses são nitidamente expressas
por elementos que se estendem de sua
própria origem familiar aos fortes e intensos laços de amizade com lusitanos
então residentes no Rio de Janeiro, de seu casamento às leituras que lhe acompanharam por toda a vida
,fosse nos acervos públicos por ele regularmente freqüentados fosse nos livros
em sua biblioteca pessoal, de sua formação literária e cultural às inúmeras (e
significativas) citações,alusões, referências e recorrências a autores e obras
lusitanos em sua ficção e não-ficção.
Extenso, como extremamente
significativo, é o elenco de fraternas amizades cultivadas, desde sua
juventude, com escritores portugueses recém transferidos para o Rio de Janeiro
desde 1837, afastando-se do levante do
Porto e atraídos pelo ambiente acolhedor e boas condições de atividade cultural..
Pelos anos 1850 já se encontravam
radicados no Rio de Janeiro literatos como Francisco Gonçalves Braga, Augusto
Emílio Zaluar, Carlos Augusto de Sá, Faustino Xavier de Novais, Francisco Ramos
Paz, Ernesto Cybrão, Reinaldo Carlos Montoro, Manuel de Melo, José Feliciano de
Castilho, Antônio Feliciano de Castilho : todos de alguma influência nas rodas
literárias e nos ambientes letrados da capital brasileira.
Relacionamentos, convivências e
atividades intelectuais em comum exercidos e praticados em torno, primeiramente
da Sociedade Petalógica (criada e incentivada por Paula Brito),em 1854-55, na qual estavam Braga,Zaluar e
Garção; em seguida no escritório de Caetano Filgueiras, onde constituiu-se o
denominado “Grupo dos Cinco”, composto de Filgueiras,Braga,.os brasileiros
Casimiro de Abreu,Cândido Macedo Junior,e Machado, em 1857; depois, um novo grupo,unidos por traços
ideológicos comuns de elementos democráticos e liberais, a fornecerem o
fermento para uma nova postura política de Machado (que a sustentaria daí por diante, ao longo do
tempo), no qual estreitou seu relacionamento
com Augusto Emilio Zaluar, Reinaldo Carlos Montoro,Francisco Ramos Paz, Remigio
de Sena Pereira. Também exercidos, os relacionamentos e convivências, nos
saraus literários; nas reuniões no Grêmio Literário Português, no Retiro
Literário Português , na Arcádia Fluminense ; e
ao ensejo de dois eventos bastante significativos : o centenário (aliás,
mais comemorado no Brasil que em Portugal) de nascimento de Bocage, em 1865, e o tricentenário de
nascimento de Camões, 1880, iniciativa do Gabinete Português de Leitura.
Como os portugueses marcaram
literariamente o Machado escritor ? Primeiramente, por meio dos autores e obras
clássicos, quer antigos e canônicos quer contemporâneos a ele, dos quais foi
Machado um persistente leitor, entre aqueles
armazenados em sua biblioteca e aqueles consultados, uns regularmente
outros especifica e episodicamente, nos acervos públicos e privados que
freqüentava.
O papel e influências de poetas portugueses na formação de Machado de Assis,
inserido de resto na própria tradição poética luso-brasileira da época,
têm exemplos cristalinos em Camões,Garret e Castilho, que marcaram forte e intensamente a poética
machadiana, bem como Francisco Gonçalves
Braga , a quem Machado designou como “meu primeiro mestre”; a se destacar
também as influências significativas de Alexandre Herculano – ao lado de
Garret, considerado por Machado como modelo na prosa -- e João de Barros na
constituição de seu conhecimento histórico.
Almeida Garret, mister enfatizar,
a par da acentuada influência temática e estilística na poética machadiana,
teve seu “Bosquejo da História da Poesia e Língua Portuguesa”, de 1827 ( estudo
fundamental para a história da literatura no Brasil, a apontar caminhos da
emancipação literária – o que viria a se constituir na égide do movimento
deflagrado na década de 1830 por Gonçalves de Magalhães e José de Alencar, em
prol de um “nacionalismo literário brasileiro”)como forte inspiração para as reflexões de Machado
acerca da literatura brasileira, expressas nos ensaios “O passado, o presente e
o futuro da literatura brasileira”(1858), “Instinto de nacionalidade”(1873) e
“A nova geração”(1879), e sua obra Viagens da minha terra como uma das peças
que moldaram,no teor da sátira menipéica-luciânica (ao lado das obras de
Sterne,Diderot e Xavier de Maistre), a
célebre inflexão machadiana no início da década de 1880.
A se arrolar ainda Camilo Castelo
Branco, que inspirou Machado em certos recursos narrativos, como as digressões
metaliterárias, as interferências do narrador em diálogo com o leitor, o uso da
ironia (já foram apontados elementos da novela
Coração ,cabeça e estômago: uma estética da ambiguidade, de Camilo, em
Memórias póstumas de Brás Cubas).
Machado e os portugueses, Machado
e a região portuária; o morro da
Conceição – ‘berço’ da colônia lusitana no Rio – o ‘irmanado’ geologicamente morro do Livramento –
nascedouro de um escritor brasileiro de estatura universal -- feitos epicentros
de uma corrente histórico-geografico- literário- cultural da cidade do Rio de
Janeiro e do País, desde sempre e para sempre.
“(...) Portugal não teve apenas
influência, ele está presente [no Brasil]. Os portugueses suscitam
desdobramentos delicados (...) ;são eles próprios engrenagens vivas e
sensíveis. Trata-se de recolher os elementos que permitirão escrever a história
interatlântica do mundo lusofalante no século XIX.. As duas literaturas vivem
em simbiose.”( J.M-Massa)
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