sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014
três cariocas [2 da gema \ 1 muito especial] e o Carnaval
"é carnaval...
deixa o barco correr... seja vc. quem for,seja o que deus quiser"
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machado de assis e o carnaval
Bons Dias !
Ei-lo que chega... Carnaval à
porta!... Diabo! aí vão palavras que dão idéia de um começo de recitativo ao piano;
mas outras posteriores mostram claramente que estou falando em prosa; e se
prosa quer dizer falta de dinheiro (em cartaginês, está claro) então é que
falei como um Cícero.
Carnaval à porta. Já lhe ouço os
guizos e tambores. Aí vêm os carros das idéias... Felizes idéias, que durante três
dias andais de Carro! No resto do ano ides a pé, ao sol e à chuva, ou ficais no
tinteiro, que é ainda o melhor dos abrigos. Mas lá chegam os três dias, quero
dizer os dois, porque o de meio não
conta; lá vêm, e agora e a vez de alugar a berlinda, sair e passear.
Nem isso, ai de mim, amigas, nem
esse gozo particular, único cronológico, marcado, combinado e acertado, me é
dado saborear este ano. Não falo por causa da febre amarela; essa vai baixando.
As outras febres são apenas companheiras. . . Não; não é essa a causa.
Talvez não saibam que eu tinha
uma idéia e um plano. A idéia era uma cabeça de Boulanger[1],
metade coroada de louros, metade forrada de lama. O plano era metê-la em um
carro, e andar. E vede bem, vós que sois idéias, vede se o plano desta idéia
era mau. Os que esperam do general alguma coisa, deviam aplaudir; os que não
esperam nada, deviam patear; mas o provável é que aplaudissem todos, unicamente
por este fato: porque era uma idéia.
Mas a falta de dinheiro (prosa,
em língua púnica) não me permite pôr esta idéia na rua. Sem dinheiro, sem ânimo
de o pedir a alguém, e, com certeza, sem
ânimo de o pagar, estou reduzido ao papel de espectador.
Vou para a turbamulta das ruas e
das janelas; perco-me no mar dos incógnitos.
Já alguém me aconselhou que fosse
vestido de tabelião. Redargüi que tabelião não traz idéia; e depois, não há
diferença sensível entre o tabelião e o resto do universo. Disseram-me que,
tanto há diferença, que chega a havê-la entre um tabelião e outro tabelião.
- Não leu o caso do tabelião que
foi agora assassinado, não sei em que vila do interior? Foi assassinado diante
de cinqüenta pessoas, de dia e na rua, sem perturbação da ordem pública. Veja
se há de nunca acontecer coisa igual ao Cantanheda...
-Mas que é que fez o tabelião
assassinado?
-É o que a notícia não diz, nem
importa saber. Fez ou não fez aquela escritura. Casou com a sobrinha de um dissidente
político. Chamou nariz de César à alta de nariz de alguma influência local. É a
diferença dos tabeliães da roça e da cidade. Você passa pela rua do Rosário, e
contempla a gravidade de todos os notários daqui. Cada um à sua mesa, alguns de
óculos, as pessoas entrando as cadeiras rolando, as escrituras começando. ..
Não falam de política; não sabem nunca da queda dos ministérios, senão à tarde,
nos bondes e ouvem os partidários como os outorgantes, sem paixão, nem por um,
nem por outro. Não é assim na roça.Vista-se você de tabelião da roça, com um
tiro de garrucha varando-lhe as costelas.
-Mas como hei de significar o
tiro?
-Isto agora é que é idéia;
procure uma idéia. Há de haver uma idéia qualquer que significa um tiro. Leve à
orelha uma pena, na mão uma escritura para mostrar que é tabelião; mas como é
tabelião político, tem de exprimir a sua opinião política. E outra idéia
Procure duas idéias, a da opinião e a do tiro.Fiquei alvoroçado, o plano era
melhor que o outro, mas esbarrava sempre na falta de dinheiro para a berlinda,
e agora no tempo. para arranjar as idéias. Estava nisto, quando o meu
interlocutor me disse que ainda havia idéia melhor.
-Melhor?
-Vai ver: comemorar a tomada da
Bastilha, antes de 14 de julho.
-Trivial.
-Vai ver se é trivial. Não se
trata de reproduzir a Bastilha, o povo parisiense e o resto, não senhor.
Trata-se de copiar São Fidélis.
- Copiar São Fidélis?
- O povo de São Fidélis tomou
agora a cadeia, destruiu-a, sem ficar porta, nem janela, nem preso, e declarou que
não recebe o subdelegado que para lá mandaram. Compreende bem, que esta
reprodução de 1789, em ponto pequeno, cá pelo bairro é uma boa idéia.
-Sim, senhor, é idéia... Mas
então tenho de escolher entre a morte pública do tabelião e a tomada da cadeia!
Se eu empregasse as duas?
-Eram duas idéias.
- Com umas brochadas de anarquia
social, mental, moral, não sei mais qual?
- Isso então é que era um cacho
de idéias... Falta-lhe só a berlinda.
-Falta-me prosa, que é como os
soldados de Aníbal chamavam ao dinheiro. Uba
sacá prosa nanupacatu. Em português: "Falta dinheiro aos heróis de
Cartago para acabar com os romanos." Ao que respondia Aníbal:
Tunga loló. Em português: Boas noites!.
[ crônica , 27.02.1889,Gazeta de Notícias]
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arthur azevedo e o carnaval
O palhaço(história triste para um dia alegre (
Como se explica que o
Saraiva, um homem que tomava a sério as coisas mais cômicas da vida, e, segundo
afirmavam as pessoas que o conheciam mais de perto, nunca ninguém viu rir, como
se explica que o Saraiva, na terça-feira gorda de 1885, saísse de casa depois
de jantar e, sem dizer nada à senhora, comprasse uma vestimenta de palhaço, uma
cabeleira e uma máscara, e com tais objetos se metesse no seu escritório na rua
do Hospício, de onde saiu disfarçado? Ninguém diria que escondido naquela roupa
alegre, muito branca e semeada de rodinhas vermelhas, e por baixo daquela
cabeleira azul, encimada por um chapeuzinho minúsculo e pontiagudo, e por trás
daquela carranca jocosa, que ria de um rir comunicativo, estivesse o grave
comerciante, que parecia haver nascido para vida monástica.
A esposa desse urso, d.
Balbina, era, quando se casou, uma rapariga expansiva e risonha; teve, porém,
que se submeter ao feitio dele: tornou-se tão séria e tão sensaborona como o
Saraiva, e, sozinha em casa, sem filhos, sem amigas, porque o marido não queria
visitas, aborrecia-se muito.
Aborrecia-se tanto que
procurou uma distração, e encontrou-a num belo rapaz, seu vizinho, que de vez
em quando pulava o muro do quintal para fazer-lhe companhia, e consolá-la
daquele silêncio e daquela solidão.
Infelizmente para ela,
outro vizinho, por inveja ou simplesmente por maldade, escreveu uma carta
anônima ao Saraiva, de que ele tinha um sócio de cuja existência não suspeitava
- e ora ai está como se explica que naquela terça-feira gorda, depois de dizer
a d. Balbina que ia para o escritório, onde se demoraria até tarde da noite,
fechando uma correspondência que devia partir no dia seguinte, o austero e
sisudo negociante foi se vestir de palhaço para apanhar a esposa em flagrante
delito.
- Eu saio, os criados
saem, pensou ele; se ela tem realmente um amante, é de supor que aproveite a
ocasião para metê-lo em casa...
Bem pensado, porque um
quarto de hora depois de sair de casa o marido, o amante saltava o muro, e
naquela terça-feira gorda, apesar de ter ficado em casa, d. Balbina divertiu-se
mais que muitos foliões, nas patuscadas dos préstitos e dos bailes.
Havia já duas horas que
o vizinho fazia companhia à solitária vizinha, quando a campainha do portão do
jardim foi violentamente agitada. D. Balbina chegou à janela e avistou um
tilburi, cujo cocheiro, mal que a viu, gritou:
- Mande cá uma pessoa,
minha senhora!
Não havia um criado em casa. D. Balbina
teve que ir pessoalmente abrir o portão.
- Que é? - perguntou
ela.
- Minha senhora, este
palhaço tomou o meu tilburi, e mandou tocar para esta casa; mas em caminho
parece que teve uma apoplexia e morreu!
Efetivamente, o
Saraiva, homem sangüíneo, que não pensou nas conseqüências de pôr aquela
cabeleira e aquela máscara depois de jantar, tinha morrido no tílburi.
Deixo ao leitor o
cuidado de pensar no espanto e na confusão que isso causou, e na tragicômica
anomalia daquele negociante austero, estendido morto num canapé, e amortalhado
em vestes de palhaço.
Só direi que d.
Balbina, passado o período do luto, esposou o solicito vizinho que a consolava
naquele silêncio e naquela solidão.
E até hoje, e lá se vão
mais de vinte anos, ela não atinou com o motivo que levou o seu primeiro marido
a vestir-se de palhaço... para morrer.
Arthur Azevedo
[da coletânea Contos
ligeiros,org. Raymundo Magalhães Junior. Rio de Janeiro: Bloch Editores,
1974]
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lima barreto e o carnaval
O morcego
O carnaval é a expressão da
nossa alegria. O ruído, o barulho, o tantã espancam a tristeza que há nas
nossas almas, atordoam-nos e nos enchem de prazer.
Todos nós vivemos para o carnaval. Criadas, patroas, doutores,
soldados, todos pensamos o ano inteiro na folia carnavalesca.
O zabumba é que nos tira do espírito as graves preocupações da
nossa árdua vida.
O pensamento do sol inclemente só é afastado pelo regougar de um
qualquer “Iaiá me deixe".
Há para esse culto do carnaval sacerdotes abnegados.
O mais espontâneo, o mais desinteressado, o mais lídimo é
certamente o “Morcego".
Durante o ano todo, Morcego é um grave oficial da Diretoria dos
Correios, mas, ao aproximar-se o carnaval, Morcego sai de sua gravidade
burocrática, atira a máscara fora e sai para a rua.
A fantasia é exuberante e vária, e manifesta-se na modinha, no
vestuário, nas bengalas, nos sapatos e nos cintos.
E então ele esquece tudo: a Pátria, a família, a humanidade.
Delicioso esquecimento!... Esquece e vende, dá, prodigaliza alegria durante
dias seguidos.
Nas festas da passagem do ano, o herói foi o Morcego.
Passou dois dias dizendo pilhérias aqui; pagando ali; cantando
acolá, sempre inédito, sempre novo, sem que as suas dependências com o Estado
se manifestassem de qualquer forma.
Ele então não era mais a disciplina, a correção, a lei, o
regulamento; era o coribante [2]inebriado pela alegria de
viver. Evoé, Bacelar!
Essa nossa triste vida, em país tão triste, precisa desses
videntes de satisfação e de prazer; e a irreverência da sua alegria, a energia
e atividade que põem em realizá-la, fazem vibrar as massas panurgianas[3] dos respeitadores dos
preconceitos.
Morcego é uma figura e uma instituição que protesta contra o
formalismo, a convenção e as atitudes graves.
Eu o bendisse, amei-o, lembrando-me das sentenças falsamente
proféticas do sanguinário positivismo do Senhor Teixeira Mendes[4].
A vida não se acabará na caserna positivista enquanto os “morcegos"
tiverem alegria...
[ crônica 30.01.1915 Correio
da Noite ]
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