sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Aos que vão ao ENEM (III)

Arthur Azevedo, conista;cronista                                           
                   
                                                      O conto em Arthur Azevedo

No conto,  foi  um inovador. Inventou um gênero ficcional : o conto-comédia, expressão cunhada por ele presente em boa parte de sua contística , unindo de forma e modo inéditos,e como ninguém, o teatro – do qual era autor profícuo e consagrado – e a prosa narrativa ,explorando ao máximo as identificação e intimidade de linguagem existente entre eles. À teatralidade, aliada à oralidade e ao coloquialismo, condimentados pelo anedótico  deve-se um (a par de outros fatores) porquê ter conquistado tantos leitores da época.
 Com sua narrativa -- explorando intensamente  a ironia crítica, a sátira, o sarcasmo, o anedótico, a paródia, e certa malícia, incorporando o mais autenticamente possível o linguajar do homem comum, valendo-se de verve ao mesmo tempo crítica e moralizadora. Azevedo forneceu a matriz para uma espécie de contística carioca , pois a caracterização dos personagens é sempre de forma a construir o perfil do habitante e da cidade : os contos são considerados os introdutores das classes médias na literatura nacional,  a oralidade com  papel preponderante nas narrativas -- todos seus escritos, a rigor, se aproximando da representação de uma comédia, muitos  sendo piadas transcritas (“Sou um contador de histórias e tenho que inventar um conto por semana”). Tudo o que se passava nas ruas ou nas casas lhe forneceu assunto para as histórias.
 Nesse sentido, o contista Azevedo interagiu – para usar um termo de hoje – seus protagonistas e personagens com os leitores, estes integrados à perfeição com aqueles. Pouquíssimos escritores ficcionais criaram e mantiveram por toda sua produção tamanha  intimidade com o leitor, como um rito ‘sem-cerimônia’ de identificação e confraternização solidária – outro dos porquês da notável popularidade conquistada por seus contos. Converteu o leitor num aliado, mercê da familiaridade  plena com os personagens, estes traçados e desenhados à imagem do homem comum habitante da cidade do  Rio de Janeiro na época, retratado nas histórias  sem disfarces,nuances, sutilezas ou retoques (e retoque, muito menos artifícios narrativos,estilísticos,temáticos, de trama, de escrita ou de linguagem ,como sabemos, foi um expediente ou ‘técnica’ de que Arthur Azevedo jamais se valeu...).
 Arthur Azevedo escreveu 238 contos, a grande maioria originalmente publicada  nos inúmeros periódicos nos quais trabalhou ou colaborou, ou dirigiu,  além daqueles que fundou ou ajudou a fundar (vide o capítulo “Biográfico- bibliográfico de Arthur Azevedo”,neste livro). Embora criando narrativas curtas  desde 1871, só em 1889 animou-se a reunir 24 delas no inaugural Contos possíveis, dedicado a Machado de Assis ( então um de seus maiores amigos e  companheiro no Ministério da Viação,Indústria e Obras Públicas), sucedendo-se então as coletâneas Contos fora da moda (1894) e Contos efêmeros (1897); e postumamente Contos em verso (1909), Contos cariocas (1928); Vida alheia (1929); Histórias brejeiras (1962) , Contos ligeiros (1974).  No entanto, do total da produção contística de Azevedo, muitos deles permanecem absolutamente inéditos em coletâneas ou seletas, ou volumes isolados – ou conjuntos e conteúdos digitais --  até aqui organizados, editados e veiculados.
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                                                                           A crônica em Arthur Azevedo

De um modo geral, a linguagem da crônica, per se caracterizada pela fluência, simplicidade e leveza, dirigia-se a um destinatário que não procurava o rebuscamento e a fineza da língua culta: o público-leitor dos jornais buscava, nas crônicas, comentários leves e divertidos, facilmente entendidos , e simplicidade não significava descuido por parte do escritor, o coloquialismo funcionando como meio e modo de  diálogo entre o cronista e o leitor.Da pena de Arthur Azevedo foram geradas centenas de  crônicas dispersas em mais de 41 periódicos – desde 1857 , ele ainda em São Luiz ; estabelecido no Rio de Janeiro a partir de 1873, iniciou colaboração (primeiramente como revisor) no jornal A Reforma, em 1874, daí  sequencialmente – incluindo séries específicas sobre teatro -- em diversos periódicos,  somente deixando de publicá-las por sua morte, em 1908. Nesses 41 anos de produção cronística dotou o leitor das três últimas décadas do século XIX e dos primeiros anos do século XX de  informações e comentários sobre a  vida social, política e cultural do Rio de Janeiro da época – sob olhar e lentes  de um grande observador do cotidiano da cidade e dos costumes e comportamentos humanos. Mais ainda que nos contos, chega a número considerável as crônicas azevedianas ainda por serem recolhidas  de suas publicações originais e dadas a público em livros.
Paralelamente, além de sua obra dramatúrgica, Artur Azevedo atuou  regularmente como cronista teatral por mais de duas décadas  – conjuntos  textuais que   documentam e comentam as vida e atividade teatral no Rio de Janeiro da virada do século XIX e se constituem importante retrato do panorama cultural brasileiro do período.
 As crônicas, em suas diversas séries publicadas ao  longo do tempo, eram utilizadas por Arthur Azevedo para comentar – e criticar -- em tom leve, acessível a todos os leitores, os problemas da cidade, a  falta de meios de transporte, das chuvas, a jogatina excessiva, a modernização urbana, a política, os fatos e ocorrências importantes, a defesa da arte; quase sempre com a  mistura de diferentes assuntos em um mesmo texto -- caleidoscópica,  uma  “manta de retalhos”, segundo o  próprio Arthur Azevedo --  outras, em textos inteiros dedicados a apenas um assunto. Sempre incorporando ao conteúdo textual a atualidade do Rio de Janeiro e do Brasil e do mundo, sob a diversidade de  temas e enfoques.
 Por suas diversas formas, focos, estilos, séries, períodos e veículos,  constituem as crônicas azevedianas preciosas fontes de retrato e registro – não apenas da cidade do Rio de Janeiro, da sociedade fluminense – sobremodo do processo de transição institucional e política do país no final dos Oitocentos, por extensão da  própria história brasileira da passagem de um século a outro.


                                                                                                                                                M.R.

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