terça-feira, 2 de julho de 2013
sobre plebiscito -- pelo momento brasileiro
Plebiscito
A cena passa-se em
1890.
A família está toda
reunida na sala de jantar.
O senhor Rodrigues
palita os dentes, repimpado numa cadeira de balanço. Acabou de comer como um
abade.
Dona Bernardina, sua
esposa, está muito entretida a limpar a gaiola de um canário belga.
Os pequenos são dois,
um menino e uma menina. Ela distrai-se a olhar para o canário. Ele, encostado à
mesa, os pés cruzados, lê com muita atenção uma das nossas folhas diárias.
Silêncio.
De repente, o menino
levanta a cabeça e pergunta:
- Papai, que é
plebiscito?
O senhor Rodrigues
fecha os olhos imediatamente para fingir que dorme.
O pequeno insiste:
- Papai?
Pausa:
- Papai?
Dona Bernardina
intervém:
- Ó seu Rodrigues,
Manduca está lhe chamando. Não durma depois do jantar que lhe faz mal.
O senhor Rodrigues não
tem remédio senão abrir os olhos.
- Que é? Que desejam
vocês?
- Eu queria que papai
me dissesse o que é plebiscito.
- Ora essa, rapaz!
Então tu vais fazer doze anos e não sabes ainda o que é plebiscito?
- Se soubesse não
perguntava.
O senhor Rodrigues
volta-se para dona Bernardina, que continua muito ocupada com a gaiola:
- Ó senhora, o pequeno
não sabe o que é plebiscito!
- Não admira que ele
não saiba, porque eu também não sei.
- Que me diz?! Pois a
senhora não sabe o que é plebiscito?
- Nem eu, nem você;
aqui em casa ninguém sabe o que e plebiscito.
- Ninguém, alto lá!
Creio que tenho dado provas de não ser nenhum ignorante!
- A sua cara não me
engana. Você é muito prosa. Vamos: se sabe, diga o que é plebiscito! Então? A
gente está esperando! Diga!...
- A senhora o que quer
é enfezar-me !
- Mas, homem de Deus,
para que você não há de confessar que não sabe? Não é nenhuma vergonha ignorar
qualquer palavra. Já outro dia foi a mesma coisa quando Manduca lhe perguntou o
que era proletário. Você falou, e o menino ficou sem saber !
- Proletário, acudiu o
senhor Rodrigues, é o cidadão pobre que vive do trabalho mal remunerado.
- Sim, agora sabe
porque foi ao dicionário; mas dou-lhe um doce, se me disser o que é plebiscito
sem se arredar dessa cadeira !
- Que gostinho tem a
senhora em tornar-me ridículo na presença destas crianças !
- Oh! ridículo é você
mesmo quem se faz. Seria tão simples dizer: - Não sei, Manduca, não sei o que é
plebiscito; vai buscar o dicionário, meu filho.
O senhor Rodrigues
ergue-se de um ímpeto e brada:
- Mas se eu sei !
- Pois se sabe, diga!
- Não digo para me não
humilhar diante de meus filhos! Não dou o braço a torcer! Quero conservar a
força moral que devo ter nesta casa! Vá para o diabo!
E o senhor Rodrigues,
exasperadíssimo, nervoso, deixa a sala de jantar e vai para o seu quarto,
batendo violentamente a porta.
No quarto havia o que
ele mais precisava naquela ocasião: algumas gotas de água de flor de laranja e
um dicionário...
A menina toma a palavra
:
- Coitado de papai!
Zangou-se logo depois do jantar! Dizem que é tão perigoso !
- Não fosse tolo,
observa dona Bernardina, e confessasse francamente que não sabia o que é
plebiscito !
- Pois sim, acode
Manduca, muito pesaroso por ter sido o causador involuntário de toda aquela
discussão; pois sim, mamãe; chame papai e façam as pazes.
- Sim! sim! façam as
pazes! diz a menina em tom meigo e suplicante. Que tolice! duas pessoas que se
estimam tanto zangarem-se por causa do plebiscito !
Dona Bernardina dá um
beijo na filha, e vai bater à porta do quarto:
- Seu Rodrigues, venha
sentar-se; não vale a pena zangar-se por tão pouco.
O negociante esperava a
deixa. A porta abre-se imediatamente. Ele entra, atravessa a casa, e vai
sentar-se na cadeira de balanço.
- É boa! brada o senhor
Rodrigues depois de largo silêncio; é muito boa! Eu ! eu ignorar a significação
da palavra plebiscito! Eu !...
A mulher e os filhos
aproximam-se dele.
O homem continua num
tom profundamente dogmático:
- Plebiscito.
E olha para todos os
lados a ver se há por ali mais alguém que possa aproveitar a lição.
- Plebiscito é uma lei
decretada pelo povo romano, estabelecido em comícios.
- Ah! suspiram todos,
aliviados.
- Uma lei romana,
percebem? E querem introduzi-la no Brasil! É mais um estrangeirismo!...
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