quinta-feira, 14 de março de 2013
Os jesuítas e Literatura Brasileira
a propósito da
escolha do novo papa – um jesuíta (pela primeira vez no pontificado) -- considerações sobre os
jesuítas e a própria formação e
constituição da Literatura Brasileira (e especificamente a fundação da cidade
de São Paulo).
o texto a seguir integra minha obra São Paulo, cidade literária [ 1ª. edição publicada em 2004; nova
edição – atualizada,aperfeiçoada – ainda sem editor].
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A par da própria fundação da Vila
São Paulo de Piratininga, a existência
literária da cidade teve na instalação da Companhia de Jesus e no
movimento de catequese seu impulso original , por meio de obras de caráter
‘semiliterário’, destinadas precipuamente a desígnios pedagógicos e
ecumênicos. O conjunto dos primeiros
textos escritos no Brasil, produzidos no período imediatamente posterior à
chegada dos portugueses, em 1500, até o ano de 1601, é conhecido como
"literatura de informação", "textos de informação" ou
"primeiras manifestações literárias" __ termo escolhido para se
referir a essa produção do período formativo, anterior à constituição de uma
literatura brasileira. São obras de reconhecimento e valorização da terra
escritas por jesuítas, viajantes estrangeiros e colonizadores portugueses encarregados de enviar relatos sobre a
nova terra ao rei de Portugal. Se hoje existe uma visão crítica do que
significou o ‘descobrimento’ do Brasil e o decorrente processo civilizatório,
não se pode negar que os textos produzidos naquela época são o melhor
testemunho não apenas dos eventos que deram origem ao que se tornaria o Estado
brasileiro, mas que principalmente revelam o pensamento político e religioso
que estava na base de todo o colonialismo.
Nessa fase em que a literatura colabora para a
consolidação da conquista do território e do domínio português, o mesmo
interesse "desbravador" une leigos e religiosos nos primeiros
registros escritos sobre a nova terra, chamada Terra de Vera Cruz, Santa Cruz,
dos Canibais, do Pau-Brasil, entre vários outros nomes.Ao lado de cronistas e
viajantes --Pero Vaz de Caminha, Pero de Magalhães de Gandavo , Gabriel Soares
de Sousa,Ambrósio Fernandes Brandão, além das narrativas de viajantes franceses
e alemães, como de Jean de Léry e Hans Staden -- os jesuítas foram os autores
mais assíduos da época. Chegados ao Brasil em 1549, chefiados pelo padre Manuel
da Nóbrega, imbuídos da missão de catequizar o indígena, desempenharam papel
crucial no início da organização da vida administrativa, econômica, política,
militar, espiritual e social durante os primeiros anos da colonização.
“Os documentos jesuíticos não
são apenas história do Brasil: são essenciais à ética brasileira.” (Afrânio Peixoto,in “Introdução” a Cartas do Brasil, de Manuel da Nóbrega)
A maior significação da obra dos jesuítas no Brasil reside na heróica
tentativa, nos séculos XVI e XVII, de contestar o tipo de sociedade em vias de
formar-se, substituindo-a por um modelo teocrático de civilização, sem
escravos, nativos ou importados. Os jesuítas -- em sua dupla atividade na
Colônia: de magistério e de catequese(o índio como a matéria-prima de uma nova
sociedade) -- tinham um projeto para
o Brasil -- i.e. sem o objetivo de fazer da colônia uma simples máquina de
alimentação de necessidades exteriores a ela.O insucesso do projeto jesuítico
no Brasil Colônia explica por que a primeira manifestação literária brasileira --
a literatura dos catequistas, a primeira literatura feita para o Brasil --
ficou sem sucessão histórica e perdeu a consistência de registro historiográfico perene.
É
consensual, aliás, que as manifestações literárias, ou de tipo literário, se
deram no Brasil até a segunda metade do
século XVIII sob “o signo da religião e da transfiguração”-- a religião como a
grande diretriz ideológica, justificativa da conquista, da catequese, da defesa
contra o (outro) estrangeiro, da própria
cultura nacional que se pretendia implementar : nela se abriga toda a obra de
José de Anchieta e muito dos escritos epistolares de Manuel da Nóbrega [ pela
transfiguração, o “espírito culto exprimindo uma visão da alma e do mundo, em
caprichoso vigor expressivo, manto rutilante a interpretar a realidade” ,
vieram a poética de Alexandre de Gusmão,
o romanesco de Teresa Margarida Orta, as elucubrações ensaísticas de Matias
Aires, já no século XVIII].
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Ainda
que modestos, quanto a méritos
artísticos, estéticos e literários, os textos compostos pelos jesuítas -- com
as obras de Manuel da Nóbrega e José de Anchieta __ inauguram, no terreno
propriamente literário, e não apenas documental, ‘de informação’, a história
das letras no Brasil: a mais antiga página literária brasileira é o Diálogo sobre a conversão do gentio, escrito por Nóbrega em 1557 ou
58. Os escritos de Manoel da Nóbrega, por exemplo, formam um marco literário
genuinamente produzido no Brasil : com a carta que noticia sua chegada ao
território brasileiro, inaugura, em 1549, a literatura informativa dos jesuítas. Em
suas cartas encontra-se o início da
história do povo brasileiro, evidentemente sob o ponto de vista do
catequizador.
Foi com José de Anchieta que a produção dos
jesuítas atingiu seu ponto máximo. Ele se destaca como o único autor do período
cuja produção extrapola o caráter meramente histórico. Anchieta chegou ao país
em 1553, no séquito do segundo governador-geral de colônia, Duarte da Costa ;
escreveu em latim, português, espanhol e tupi, foi poeta lírico, dramaturgo,
professor, epistológrafo e filólogo. É autor de poemas líricos, épicos, autos,
cartas, sermões e da primeira gramática da língua tupi.
Não são poucos os historiadores da literatura que
atribuem a José de Anchieta o papel de fundador da literatura luso-brasileira.
Anchieta foi a primeira grande figura de
literato (não o primeiro grande escritor) do Brasil Colônia. Utilizando o
português, o espanhol, o latim e o tupi --_de que fez a primeira gramática
conhecida --_ compôs uma obra que percorreu vários gêneros literários: o
sermão, a carta, o teatro, a poesia.A poesia,de cunho místico, embora fiel aos
padrões e “medidas” dos cancioneiros medievais , expõe a fé católica ambientada
no Novo Mundo -- destacando-se os poemas “Do Santíssimo Sacramento” e “A Santa
Inês” , e o célebre “Poema da
Bem-Aventurada Virgem Mãe de Deus Maria (De Beata Virgine Dei Matre Maria)”,
com 5786 versos, escrito na areia da praia de Ubatuba, quando prisioneiro dos índios tamoios.
Dedicado igualmente à arte epistolar,Anchieta reflete em suas Cartas Jesuíticas -- importantes documentos
informativos --o domínio da escrita e do
ofício de escrever.Sobretudo para o teatro -- impregnando seus autos de conceitos morais e pedagógicos --_Anchieta
produziu duas manifestações dramáticas fundamentais : Na Festa de São Lourenço(1583), peça trilingue(português, espanhol
e tupi) em quatro atos, com dança cantada; e Auto da Pregação Universal, representado em Piratininga em 1567 --
a primeira encenação teatral realizada na
cidade e no estado de São Paulo, e
no Brasil.
Anchieta
criou autos religiosos em que convivem diabos e santos, anjos e personificações
alegóricas, Cristo e a Virgem, soldados e mercadores, índios e padres jesuítas.
Os diabos têm nomes tupis (Saraiúva, Aimbirê, Guaixará) e surgem em cena pintados
de vermelho, emplumados e tatuados, falam tupi, fumam e se embriagam,
declaram-se antropófagos e assassinos, adúlteros e luteranos. Era dessa forma
que o padre transformava seu teatro em instrumento de convicção, persuasão e
catequese.
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