sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
São Paulo, 459 anos , genuína cidade literária
um tributo pessoal e intelectual -- tanto que amo a cidade,aprendi quando lá morei e vivi.
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“Há uma
história da literatura que se projeta na cidade de São Paulo; e há uma história
da cidade de São Paulo que se projeta na literatura”
Antonio Candido
A cidade de
São Paulo sempre foi pólo fundamental da literatura brasileira.
E a aura do pioneirismo sempre a acompanhou, desde
seus primórdios. Não surpreende pois que
em São Paulo tenha nascido e se manifestado um dos momentos fundamentais da história
cultural brasileira , o Modernismo.A cidade , já natural e sequencialmente
pioneira em diversas manifestações
literárias — desde os jesuítas, fundadores da Vila São Paulo de Piratininga, a
25 de janeiro de 1554 (não se pode
esquecer que o Diálogo sobre a
conversão do gentio, de Manuel da Nóbrega, é o primeirissimo documento
literário do Brasil, e o Auto da Pregação
Universal, de José de Anchieta, a primeira peça encenatória) — o foi também
, por exemplo, na precursora expressão poética do ‘indianismo’ no poema “Nênia”
de Firmino Rodrigues Silva ; nela se deram ainda as realizações literárias
iniciais de autores não paulistanos como José de Alencar, com seu “Como e por
que me tornei romancista”, Castro Alves e seu “Navio negreiro”, Raimundo Corrêa
com “Primavera”; nela ocorreu o primeiro movimento literário de vulto não
apenas em relação à cidade mas ao próprio País ,em torno da Revista da Sociedade Filomática,em 1830,constituída na então recém-criada Faculdade de Direito — a primeira manifestação
de brasilidade literária por sua consciência de fins e coesão de esforços
renovadores.
A cidade pioneira e
precursora
O retrato da História exibe a
importância capital da Faculdade de Direito, a partir de 1827, na congregação
de homens e idéias por meio da convivência acadêmica que propiciou a formação
de agrupamentos de estudantes, com idéias estéticas, manifestações literárias e
expressões próprias — deflagrando um processo vigoroso de efervescência intelectual que passou a agitar intensamente
a pequena cidade de então. Ainda que se reconheça as limitações quantitativa e qualitativa da produção desses
estudantes, não há como negar que estabeleceram a literatura como atividade
presente na comunidade paulistana.
Deu-se por ela a primeira manifestação de uma vertente poética considerada “o início
da escola brasileira” : o indianismo, desenvolvido na obra de Gonçalves Dias,
mas praticado pioneiramente no poema “Nênia”, de Firmino Rodrigues Silva,
composto entre as arcádias da Faculdade
de Direito. E exercido ainda de forma pioneira em 1844, três anos antes do Primeiros cantos , de Gonçalves Dias, em
“Cântico do tupi”, “Imprecação do índio” e “Prisioneiro índio”, do Barão de
Paranapiacaba. Evidencia-se pois que quando Dias dominou o meio literário
brasileiro, a poesia indianista -- base da obra do maranhense -- já existia e
era praticada em São
Paulo.Em 1845, com a fundação da Sociedade
Epicuréia, consolida-se um processo de produção literária estudantil, embora de
qualidade reduzida mas que viria a receber um influxo importante com a estadia
de Castro Alves, em 1868 — foi em evento da Faculdade de Direito que declamou
pela primeira vez o antológico poema
“Navio negreiro” -- quem incutiu um teor
social ao tipo de obra, sobretudo
poética, que se fazia
Por essa época, o ‘corpo acadêmico’ já
constitui um grupo social diferenciado da comunidade paulistana, a boemia e a
literatura como manifestações mais características de um segmento com
consciência grupal própria.Artistas criadores e ao mesmo tempo críticos,
nas revistas e jornais , são os
estudantes, entre os naturais da cidade e os migrantes e radicados, autores de
denúncias e protestos contra a corrupção, a hipocrisia, as injustiças da
sociedade . Na década de 1880 São Paulo acolhe também um grupo de jovens
inflamados pelo verbo eloqüente de José Bonifácio o moço , uma geração
empenhada numa luta em prol das idéias liberalistas e republicanas : Joaquim
Nabuco, Rui Barbosa, Afonso Pena, Rodrigues Alves .
A cidade modernizada e mutante
O desenrolar e desdobrar de
percursos literários que culminariam com o Modernismo foi coincidente e conseqüente de um vigoroso processo de
evolução econômica, social e urbana da cidade, e há de obrigatoriamente levar
em conta determinados ‘símbolos’ da época : o modus literário que passou a ser atuante deve necessariamente
ser visto e analisado a partir do
desenho dos cenários e ambientes em que veio a se desenrolar , que são representações significativas da própria literatura brasileira na passagem
do século XIX para o século XX.
O declínio do Império coincidiu
com a ascensão das classes médias urbanas por força do processo da
gradativa metamorfose de uma sociedade
rural para urbana.Em sua luta pela aquisição de status, segmentos da classe média passaram a prestigiar valores
essencialmente burgueses, como o saber e agilidade intelectual -- até porque já
era uma tradição,no mundo,a valorização de virtudes intelectuais, o escritor
passando a ser objeto de grande consideração social e atividade cobiçada por
muitos filhos da classe média. A valorização da inteligência -- a par de possibilitar uma
“profissionalização da literatura” --com a ascensão social por via da literatura, fez com que o escritor absorvesse
valores aristocráticos, desprovidos de visão crítica do real -- com raríssimas
exceções— e veio a comprometer, na imensa maioria dos autores , a vitalidade do
estilo, em troca do emprego de
linguagem, digamos, ‘ornamental’.
No caso particular de São Paulo — então com cerca de
240 mil habitantes na passagem do século XIX para XX, em radical mudança de
perfil demográfico, com a maciça chegada de imigrantes, já um importante centro
ferroviário, comercial, político, a indústria se implementando — o
extraordinário desenvolvimento da cidade acentua uma significativa
diferenciação social e evidencia um novo perfil de estrutura sócio-cultural, em
que a produção literária antes deflagrada pelos estudantes, passa a ser
executada por outro estamento —tornando-se manifestação de uma classe : a nova
burguesia, mais urbana e ‘industrializante’, da mesma forma que em outras
partes do País incorporando costumes segundo o modelo europeu, eivada de
academicismo art-nouveau.
Expressa-se sobretudo um certo aristocratismo intelectual,
que agrada em cheio àquela burguesia
ascendente : cristaliza-se pois um padrão estético-literário-cultural definido
pela elite social, retirados do contingente inicial dos estudantes os valores e parâmetros da produção literária.
Constitui-se, numa sociedade de classes, uma literatura ‘classista’, elitista,
convencional, integrada aos padrões de refinamento da classe dominante. Acentuam-se
então os teores de sentimentalismo e romantismo,privilegiando a ‘pureza’ da
língua, a escrita correta, o ‘apuro’, a limpidez, a sonoridade, a ‘riqueza do
vocabulário’. A literatura como meio e degrau de ascensão social
incorpora-se à sociedade paulistana por
meio dos padrões de suas classes dominantes.
Contrária a essa vertente — personificada pelos
“corifeus da bela escrita”, precipuamente, no Rio de Janeiro, Coelho Neto, Olavo Bilac, os membros da
chamada “geração boêmia” ; em São
Paulo , Francisca
Julia, Vicente de Carvalho ,Julio Ribeiro, Silvio de Almeida — poucas
vozes (ou melhor escritas ) se colocaram : notadamente Lima Barreto ,no Rio de
Janeiro, e Alcântara Machado, em São
Paulo (há de se
considerar também Amadeu Amaral, Sylvio
Floreal, em
especial Juó Bananére , e anos depois João
Antonio) — que adotaram e assumiram temática, ambientação,
personagens, trama, linguagem e estilo eminentemente populares e
‘anti-aristocráticas’.
Vale ainda considerar a tese do
historiador e ensaísta José Murilo de Carvalho a distinguir cidades
ortogenéticas -- caso do Rio do Janeiro, por exemplo -- e cidades
heterogenéticas -- São Paulo como o maior exemplo, e que veio a marcar o tipo
de intelectual e modo de produção cultural gerados pelas duas cidades .A
ortogenética é caracterizada pela função política e administrativa, com grande
peso do governo e do poder público, cidade de consumidores e não de produtores
, baseada no comércio e na escravidão .Carvalho sustenta que a
proclamação da República teria reforçado
ainda mais essa função política do Rio de Janeiro, com mais intensa ainda
presença do poder público, fazendo com que grande parte da intelectualidade se
vinculasse de alguma forma à burocracia pública, em geral como funcionários do
governo federal : e se tal fato não “introduzia necessariamente uma perspectiva
governista na obra desses autores”, frisa ele, “certamente constituía limitação
à sua liberdade de criação”. De outro lado, a quase obrigação que se impunha ao
Rio de passar a imagem civilizada do
país fazia com que seus intelectuais tivessem grande dificuldade em compreender
perfeitamente a realidade do País e da cidade — daí as contradições e bloqueios
que se interpunham no caminho da criatividade dos intelectuais, a cidade não
conseguindo produzir uma cultura moderna/modernista. Diferente de São Paulo.
A cidade heterogenética, que São Paulo exemplifica,
estava fora do centro do poder político, caracterizada como cidade de
produtores, com maior liberdade de criação, maior iniciativa cultural, com
predomínio da atividade econômica e comercial e não política e administrativa —
somado ao fato de que nunca teve grande presença escrava Em contrapartida, a
intelectualidade paulista era muito menos vinculada ao Estado, e era na verdade
patrocinada pela própria oligarquia local -- muitos dos intelectuais eram aliás
eles mesmos membros da oligarquia. A independência em relação ao Estado lhes
dava maior liberdade de criação Além disso, havia maior homogeneidade social
entre a intelectualidade paulista, e isso propiciou a São Paulo maior
possibilidade do que o Rio de Janeiro de
desenvolver um projeto cultural ,mais consistente e ‘autônomo’ : na Paulicéia,
houve “melhor condição de um trabalho intelectual em cima da realidade social
concreta”.
O Modernismo de 1922
expressou um esforço para retirar à literatura o caráter de classe -- dado pela
elite social e cultural pós -1890 -- transformando-a em bem comum a todos. Como
o Romantismo, o Modernismo é de todas as correntes literárias brasileiras a que
adquiriu tonalidades especificamente paulistanas. Antonio Candido sentencia que
“se em São Paulo não tivesse havido
os escritores do período clássico, do Naturalismo, do Parnasianismo, do
Simbolismo, a literatura brasileira teria perdido um ou outro bom autor, mas
nada de irremediável. Se tal acontecesse no Romantismo e no Modernismo, o
Brasil ficaria mutilado de algumas de suas mais altas realizações artísticas,
de obras culminantes como Macário e Macunaíma, por exemplo. Dois momentos paulistanos, dois momentos em
que a cidade se projeta sobre o País”.
Modernismo ,
destruidor”e criador
Nos primeiros anos do século XX, quando novas correntes
artísticas começaram a circular pela Europa, a maior parte do mundo ocidental
encontrava-se em meio a transformações sociais, políticas, econômicas,
tecnológicas e culturais que alteraram radicalmente a forma de viver e de
sentir o mundo. Invenções revolucionárias como o rádio, o telefone, o automóvel
e o cinema passaram a fazer parte do cotidiano das grandes cidades, cada vez
mais urbanizadas. A industrialização modificara a economia das potências, e os
lucros acumulados pela produção em larga escala de artigos manufaturados
garantiam tamanha sensação de conforto,
segurança e otimismo em relação ao futuro, que o período ficou conhecido como belle
époque — uma época de efervescência artística sem precedentes. Mas no
extremo oposto,para as classes trabalhadoras o tempo era de lutas por melhores
condições de vida e, no plano internacional um conjunto de fatores econômicos e
políticos levaram à eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914. O Brasil vivia
então período de grandes mudanças, com a urbanização e a adoção de novas
tecnologias que transformavam o ritmo de vida e o cenário das grandes cidades,
e que pareciam alterar a percepção do mundo. O intenso crescimento urbano e
industrial, acelerado desde o começo do século, e a chegada em massa de imigrantes,
principalmente italianos, muitos dos quais haviam vivido a experiência da luta
de classes em seus países, propiciando inclusive a difusão de idéias
anarquistas e socialistas, fizeram com que o proletariado crescesse e se
organizasse : nas primeiras décadas do século XX ocorreram várias greves
em São Paulo ,
a maior delas em 1917 - mesmo ano da Revolução Russa. Nos primeiros anos
do século XX vieram radicais transformações políticas, com acontecimentos
decisivos para a vida nacional, como as revoltas deflagradas pelo movimento
tenentista ( julho de 1922 no Rio de Janeiro; julho de 1924 em
São Paulo ),a Coluna Prestes, a fundação do Partido Comunista, a derrocada da
República Velha, das oligarquias rurais e da "política
café-com-leite", o início da Era Vargas.
É nesse contexto de crises e incertezas que surgiram as
correntes de vanguarda (do francês avant-garde, "o que marcha à
frente"), entre elas o Futurismo, o
Cubismo, o Dadaísmo, o Expressionismo, o Surrealismo, recebidas com entusiasmo
por escritores que procuravam renovar as formas de expressão artística. Muito antes de 1922 os artistas participantes
da Semana já produziam obras influenciadas pelas novas correntes européias,
como a publicação, em 1917, de diversos livros de poemas em que jovens autores
buscavam uma nova linguagem, ainda não bem realizada., em Nós, de Guilherme de Almeida; Juca
Mulato, de Menotti del Picchia; Há
uma gota de sangue em cada poema, de Mário de Andrade — e a célebre
exposição de Anita Malfatti, em 1917, duramente criticada por Monteiro Lobato
no famoso artigo “Paranóia ou mistificação ?”
A Semana de Arte Moderna de
1922 foi o fato concreto que definitivamente integrava o Brasil no contexto
filosófico-estético-cultural do século XX
e levava-o a inserir-se nas coordenadas culturais, políticas e
socioeconômicas dos novos tempos —o mundo da técnica, o mundo mecânico e
mecanizado. A partir dela caminha o movimento modernista em busca de padrões
autônomos e formas autênticas para a criação estética nacional -- e não somente
no âmbito artístico : da mesma forma no campo do pensamento social, os
intelectuais procuravam estabelecer novos modos de se tratar e compreender a
cultura e a história do Brasil, estabelecendo novas interpretações e valores
para a identidade nacional e dando início à consolidação institucional do
pensamento sociológico brasileiro. Gerou sobretudo um estado permanente, latente , criativo,
estimulante, instigante, de inquietação intelectual, e iniciou um processo de
unificação cultural sem precedentes no Brasil.
Fica
para a História o depoimento de Mário de Andrade:
"A Semana de Arte
Moderna dava um primeiro golpe na pureza do nosso aristocracismo espiritual.
Consagrado o movimento pela aristocracia paulista, si ainda sofreríamos algum
tempo ataques por vezes cruéis, a nobreza regional nos dava mão forte e... nos
dissolvia nos favores da vida. Está
claro que não agia de caso pensado, e si nos dissolvia era pela própria
natureza e o seu estado de decadência. Numa fase em que ela não tinha mais
nenhuma realidade vital, como certos reis de agora, a nobreza rural paulista só
podia nos transmitir a sua gratuidade. Principiou-se o movimento dos salões. E
vivemos uns oito anos até perto de 1930, na maior orgia intelectual que a
história do país registra. (...) se alastrou pelo Brasil o espírito destruidor
do movimento modernista. Isto é, o seu sentido verdadeiramente específico.
Porque, embora lançando inúmeros processos e idéias novas, o movimento
modernista foi essencialmente destruidor.".
A "destruição" tinha como objetivo, em um
primeiro momento, o rompimento com estéticas passadas, especialmente a
parnasiana — em oposição ao rigor gramatical e ao preciosismo lingüístico
parnasianos, os poetas modernistas valorizavam a incorporação de gírias e de
sintaxe irregular, e a aproximação da linguagem oral de vários segmentos da
sociedade brasileira— e mais: a preparação de um terreno onde se pudesse
reconstruir a a cultura brasileira, sobre bases nacionais, a realização de uma
revisão crítica da história e das tradições culturais do país. Os autores do
Modernismo procuraram no índio e no negro
os elementos primordiais da cultura brasileira que proporcionariam a
reconstrução da realidade nacional, e procuraram retratar a mistura de culturas
e raças existente no país.
Porém, o nacionalismo, a mais marcante característica do
Modernismo, iria separar ideologicamente os adeptos do movimento, opondo os
grupos “Pau-Brasil”,e depois “Antropofágico”(que incorporva o comunismo, o
freudianismo e o matriarcalismo), de
Oswald de Andrade , Raul Bopp e Tarsila do Amaral , e o “Verde-Amarelismo , de Menotti del Picchia,
Plínio Salgado e Cassiano Ricardo. Estudiosos
sustentam que a verdadeira ‘revolução’ modernista se deu mesmo em 1924, ano do rompimento de Graça Aranha com a Academia Brasileira de Letras, ano do
“Manifesto Pau-Brasil”, de Oswald de Andrade, anos de dois textos fundamentais
de Mario de Andrade : A escrava que não é Isaura — a ‘teoria’ do
modernismo compendiada - e seu livro
mais ousado, em termos formais, Losango caqui.
Em seguida, 1928 marca a publicação de Macunaíma,
de Mario de Andrade, máxima obra literária do movimento, excepcional
romance-retrato do Brasil de grande miscigenação cultural — as tradições
culturais indígenas dos primórdios ao lado da modernidade europeizada dos
centros urbanos brasileiros da época — e
de Retrato do Brasil, de Paulo Prado, inaugurando o ensaio de
cunho ao mesmo tempo histórico e sociológico que abriria caminho para o grande
ciclo de “interpretações do Brasil”.À renovação estética modernista,na década
de 1920, alia-se no decênio seguinte o
ensaio de interpretação e crítica social, que tenta recontar o processo de
formação histórica do país: a procura da identidade social passa igualmente
pela busca premente de uma ponte entre uma completa renovação cultural e a
reforma da sociedade, uma ponte entre a modernidade e a modernização do país .
O ano de 1930 é a época de instauração do Estado
Novo, que se ‘apropria’ ideológica e retoricamente do Modernismo — Getulio Vargas declarava em seu
discurso de posse: “As forças
coletivas que provocaram o movimento revolucionário do Modernismo na literatura
brasileira foram as mesmas que
precipitaram no campo social e político a Revolução de 1930”
(seguindo uma sugestão formulada por Cassiano Ricardo) — mas inicia um período
de intensa fermentação política, social
e cultural. É na primeira metade dessa década que nascem as primeiras tentativas de
interpretação de conjunto da história, da economia e da sociedade brasileira.Sobretudo
a prosa literária se desenvolve,
ficcionalmente no romance e no conto, que retratam decadência da aristocracia
rural, a formação do proletariado urbano, a luta do trabalhador, o êxodo rural,
as cidades em rápida transformação — os cenários para a expansão e proliferação
dos ensaios de interpretação do País, de Gilberto Freyre , Paulo Prado (Retrato
do Brasil), Sérgio Buarque de
Holanda (Raízes do Brasil) ,Caio Prado Júnior (Formação do Brasil
contemporâneo), todos lastreados pela ‘índole’ modernista em busca da
síntese explicativa dos múltiplos aspectos da vida social brasileira e de seu
desenvolvimento histórico.
Acima de tudo um processo de mudança cultural geral,
em direção a uma nova reconstrução sócio-política da identidade nacional, o Modernismo
“difunde-se no tempo, balizando grande parte dos sequentes debates
intelectuais, espalha-se no espaço, o poderoso ímã da literatura interferindo
com a tendência sociológica, dando origem àquele gênero misto de ensaio,
construído na confluência da história com a economia, a filosofia ou a arte,
que é uma forma bem brasileira de investigação e descoberta do Brasil”, sentencia Antonio
Candido. Irradiante
, difuso e difusor, o Modernismo modelou substancialmente a literatura
brasileira no século XX e desdobrou-se pelas décadas seguintes em irreversível processo de amadurecimento : uma terceira fase do movimento,na busca de uma nova linguagem,
que expressasse os anseios de renovação do pós-guerra, veio na denominada
“geração de 1945” , depois, na Poesia Concreta, da
mesma forma na Poesia-Práxis , na atual narrativa em prosa — caracterizada esta por novas formas de linguagem , ora intensa e ágil,
‘cinematográfica’ , ora densa e introspectiva, ‘filosófica’,e pela
preponderante ambiência urbana retratando “a vivência vertiginosa nas grandes
cidades”, confluiu no último decênio do século XX e no despontar deste Terceiro
Milênio para o irreversível despontar de
uma nova geração de escritores, que abre espaço na literatura brasileira com
uma marcante característica vetorial : o
deslocamento maciço do eixo principal da
nova criação literária para São Paulo.
Na cidade, os novos e novíssimos ficcionistas
exercem sua prosa “de estrutura desconstrutivista , subversiva da linearidade,
de narrativa fragmentada, quebradiça, de temática citadina, com os elementos da
urbanidade pós-moderna , as tensões sociais e os conflitos individuais, o
envolvimento pela violência urbana , os impasses existenciais — fomentando uma produção literária como não é
feita em nenhuma outra cidade do País.
A São Paulo heterogenética continua abrigando
escritores, naturais ou imigrantes, paulistas ou radicados, que produzem uma
literatura ímpar, diferenciada, atualizada com os elementos da realidade,
afinada com a modernidade, determinante — hoje como ontem, e desde sempre — da
própria cultura brasileira.
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