domingo, 13 de janeiro de 2013
Machado,cronista modelo
nestes dias de homenagens natalícias a cronistas contemporâneos -- casos de Rubem Brafa e Sergio Porto -- vale reportar a Machado de Assis, verdadeiro criador da crônica brasileira, nos moldes praticados ao longo do tempo,até os dias de hoje e que se anuncia eterno.
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A crônica em Machado de Assis
Inovador na ficção, como contista e romancista – está na história da
literatura brasileira a magistral inflexão estilística, temática e de linguagem
por ele executada no final da década de 1870 -- Machado de Assis foi soberbo
cronista que fez da crônica muito mais do que um registro pontual do cotidiano,
transformando-a em um verdadeiro gênero literário, a servir de modelo, molde e
paradigma a tudo e todos que o
sucederam, inclusive os de hoje. .
Ao longo de 41 anos, Machado criou
crônicas, nos mais diversos veículos, séries, formatos e assinaturas (ou
disfarces), desde 1859, em O Parahyba (de
Petrópolis), seguindo-se colaborações para o Correio Mercantil (1859-1864), para O Espelho (1859-60); para o Diário
do Rio de Janeiro (1860-63: série “Comentários da Semana”; 1864-67: série
“Ao Acaso”), O Futuro (1862-63), Imprensa Acadêmica, de São Paulo (1864 ;
1868 :série “Correspondência da Imprensa Acadêmica”) A Semana Ilustrada (1865-75: séries “Crônicas do Dr. Semana”,
“Correio da Semana”, “Novidades da Semana” , “Pontos e Vírgulas”, “Badaladas”), Ilustração
Brasileira (1876-78: séries “Histórias de 15 dias”, “Histórias de 30
dias”), O Cruzeiro (1878: série
“Notas Semanais”), Revista Brasileira (1879), Gazeta de Notícias (1881-1900: séries
“Balas de Estalo”, “A + B”, “Gazeta de Holanda”— constituídas em versos,os ‘versiprosa’ (termo cunhado por ele e que
antecipa em muitos anos a mesma expressão usada por Carlos Drummond de Andrade
--“Bons Dias!” e “A Semana”).
Nessas quatro décadas -- com uma produção de 738 artigos -- o País teve oportunidade de conhecer um magnífico repositório da arte
machadiana de criação de muitas das
melhores crônicas da literatura brasileira – um número nada desprezível delas
consideradas verdadeiras obras-primas..
.Machado fez da crônica mais do que simples jornalismo, superior ao
comum do gênero – haja vista o que Artur Azevedo sentenciou em artigo em O Álbum ,janeiro 1893 : "(...) Atualmente escreve Machado de Assis, todos
os domingos, na Gazeta de Notícias, uns artigos intitulados A Semana que noutro
país mais literário que o nosso teriam produzido grande sensação artística",
a atestar o quanto dotou a crônica dos elementos de verdadeira literatura.
A crônica de Machado de Assis,
com suas primordiais características de leveza de tom e teor, fluência textual
e estilística muito próxima da oralidade, ironia satírica e pilhéria, metáfora
e paródia, ostenta também a presença incisiva (como ocorre em sua obra
ficcional) dos conhecidos e admiráveis elementos machadianos do disfarce, da
dissimulação, do subterfúgio, da sutileza, dos significados ocultos postos como
desafios ao leitor, por meio de outras de suas peculiaridades, o uso do
anonimato e do pseudônimo, de que ele foi um dos mais profícuos usuários, e em
especial a “arte das transições”-- levada a extremos no unir tópicos
aparentemente distintos, um parecendo não ter nada a ver com outro, mas que
justapostos oferecem um resultado
surpreendente,cujo trajeto é ‘amenizado’ para o leitor , primeiro desviando-o
do tema principal, depois retornando e reintegrando-o,numa espiral de
circularidade muitas vezes nem percebida de todo. Mestre do subterfúgio, da
dissimulação, da sutileza, do disfarce e do enigma, Machado esconde ou disfarça
uma parte da verdade e desafia o leitor a descobri-la e fazê-la emergir,
utilizando armadilhas retóricas típicas de sua narrativa na ficção, executadas
também na crônica, sobretudo pelo absoluto
domínio da relação cronista-leitor, e a preponderância do conhecido
narrador machadiano, o ‘narrador volúvel’ da ficção aparecendo também na crônica :a rigor, nos
comentários e ilações desse narrador é que a crônica passa a se fazer e sentir.
Nesse particular, é possível a
construção de uma equação especulativa/ interpretativa sobre a correspondência
do estilo e enfoque machadianos postos na crônica com estilos, formas e temas
postos por ele na ficção e no conjunto de sua obra -- em especial o momento da
inflexão, por volta do final da década de 1870, cujas causas e motivos tanto
intrigam os analistas e estudiosos de
Machado. Em essência e matéria, a mesmíssima ‘reformulação’ de enfoque, forma e
estilo imprimida por Machado de Assis em sua criação ficcional –-- transpondo o
romantismo dos primeiros três romances (Ressurreição,
A mão e a luva, Helena) e a ‘ideologia’ presente nos contos iniciais (abrigados nas
coletâneas Contos fluminenses e Histórias da meia-noite), incorrente no
processo de transição no final da década de 1870 (representado por Iaiá Garcia e anunciador da inovação/
‘revolução’ sintetizada no ‘shandiano’ Memórias
póstumas de Brás Cubas) para um
aprofundamento e sedimentação do realismo, mas ‘subvertendo’ e renovando
esse realismo (em Papéis avulsos ,
consolidado em Quincas Borba , em Dom
Casmurro , depois em Esaú
e Jacó e no definitivo Memorial de
Aires ) . Esse processo de
reformulação, dizíamos , deu-se da mesma forma, sob o mesmo diapasão, com a
mesma ‘latitude’ literária , na mesma época, também na produção das crônicas publicadas na imprensa.
Relevante e absolutamente
indispensável realçar, nesse sentido, o quanto Machado, ao contrário do que
equivocadamente interpretado e difundido, tratou de política em seus escritos –
também nos contos e romances, sobretudo nas crônicas -- a desmistificar a pecha
de “alheio a questões de seu tempo”, “alienado”, etc. Foi ele um lúcido
‘relator’ da história brasileira e um crítico atento e severo da sociedade e
das instituições do País : dedicou-se intensamente, para quem não sabe, a
registrar, comentar, refletir e especialmente criticar assuntos da esfera política., exposto em nada menos do que 385 crônicas
,vale dizer cerca de 52% de sua produção total de 738 artigos – o mesmo se dando com relação à economia,
referenciada e reportada em 77 crônicas..
Ficção e realidade, ficção e história, ficção
e sociedade brasileira constituem fulcros sempre presentes na obra machadiana.
Em boa parte de sua ficção e da
não-ficção Machado oferece ao leitor uma interpretação satírica, por vezes
alegórica, desnundando mitos e certezas,
aparências e disfarces, dilemas e mentiras -- sob o mesmo clamor crítico-satírico de seu olhar ,por vezes direto e
transparente,por vezes machadianamente oblíquo e dissimulado, feito testemunho incomparável sobre a vida
brasileira do século XIX.
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