quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
réquiem a Niemeyer : AS CIDADES - IV
Petrópolis, também cidade
literária
Petrópolis não é apenas cidade de
cunho histórico, político, institucional,
verdadeiras ‘capital social’ do
Brasil no século XIX,tendo sido de fato a capital administrativa do Império –
cenáculo não apenas de residência ou hospedagem de figuras proeminentes do
governo e administração pública,homens de Estado ( em Petrópolis, o então
presidente Hermes da Fonseca casou-se
com Nair de Tefé, em 1910; o presidente Nilo Peçanha mantinha
casa de veraneio ,assim como o presidente Washington Luís -- tradição,
seguido por presidentes como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Fernando
Henrique Cardoso), inclusive estrangeiros (em 1861, Maximiliano da Áustria, que viria a ser imperador
do México, visitou o Palácio Imperial, e ao longo da história da cidade, outras
autoridades estrangeiras marcariam
presença: Balduíno da Bélgica,em 1920 ; Carol I, da Romênia,em 1944; Olavo V,
da Noruega, em 1967 ; os reis da Suécia,
Gustavo e Sílvia,em 1984; em 1913 o então ex-presidente norte-americano
Theodore Roosevelt, tal como os
presidentes da Bolívia, Henrique Peñarada e o do Paraguai, Higino Moringo,ambos
em 1943; representantes dos Estados americanos se reuniram na cidade em
setembro de 1947, na Conferência Interamericana de Manutenção da Paz, no Hotel
Quitandinha -- encontro que contou, entre outros, com as presenças de Harry
Truman, presidente dos EUA, e de Evita Perón, que chefiou a delegação
argentina)., diplomatas, até mesmo cientistas (os físicos Albert Einstein e Guglielmo
Marconi, respectivamente em 1925 e em
1935; o
cientista Peter Medawar, prêmio Nobel de Física em 1954, de ascendência
britânica, nasceu em Petrópolis em 1929 e morou na cidade até os 14 anos de
idade),e da própria ocorrência de fatos
e eventos que marcaram a História brasileira tanto do século XIX como do século
XX (Petrópolis passou a ser a capital fluminense em 1893 – ano da Revolta da Armada, quando a cidade do Rio de Janeiro ,então
capital da República, foi bombardeada e declarada a fragilidade
da então capital do Estado do
Rio, Niterói -- até 1903).
Histórica, política,
institucional – mas Petrópolis é também autêntica ‘cidade literária’ – no
acolhimento, permanente ou temporário, corrente ou circunstancial, de uma
plêiade significativa de escritores, literatos,intelectuais, a ela ligados de
uma forma ou de outra, que aqui residiram\residem, aqui estiveram, aqui
mantiveram residência, etc.,e nela,ou inspirados nela,ou nela ambientadas,ou a
ela referenciadas, conceberam,
idealizaram,criaram e produziram obras ficcionais e não-ficcionais, textos em
prosa e em verso, contos e novelas, crônicas e peças teatrais,ensaios e
registros memorialísticos, discursos e
conferências.
O papel da cidade na criação
literária de escritores é tão incontestável, tamanha sua conotação, ou ‘força’
literária emanadas, que um dos maiores da Literatura Brasileira, Machado de
Assis, que aqui nunca esteve ‘de corpo presente’ foi justo um dos que mais
escreveram sobre ela,mais citou-a tanto
em contos,romances e crônicas – além de nela ambientar sua primeiríssima peça
teatral,”Desencantos”, de 1861, e de publicar alguns de seus primeiros poemas
em 1858 e em 1859 no jornal petropolitano O Parahyba, aliás periódico
importantíssimo na história da imprensa brasileira,ainda não devidamente
estudado (preparo um livro especial sobre o tema). José de Alencar, freqüentador assíduo,
escolheu a cidade como ambientação de
passagem de sua primeira obra ficcional, a novela Cinco minutos, de 1856;
Joaquim Manuel de Macedo,ainda que visitante raro da cidade, escreveu alentado
conjunto de crônicas,em forma de cartas – sob o título geral de “Viagem a
Petrópolis por?” - no jornal A Nação,em
abril-junho 1853; Joaquim França Junior,
que muito aqui esteve, ambientou a cidade em duas de suas peças, uma delas “De
Petrópolis a Paris” infelizmente perdida;
Olavo Bilac, “príncipe dos poetas brasileiros”, expressou numa crônica
todo seu encantamento com a cidade, enaltecida sua beleza e ‘pureza’ para
contrapor-se à hipótese de vir a ser capital do estado do Rio de Janeiro, como
cogitado à época.
Petrópolis, se não berço de
nascença, caso de Raul de Leoni, foi a cidade eleita para vivência – longas
temporadas, veraneio e férias, residência final – por poetas de diferentes
épocas e gerações, de Raimundo Correa a Manuel Bandeira, de Vinicius de Moraes
a Dante Milano e Fernando Py. E viu
nascer em 1932, e aqui viver por muito tempo, a escritora Sylvia Orthof,
premiada nacional e internacionalmente por suas extraordinárias obras infanto-juvenis.
Alguns dos mais influentes
pensadores brasileiros encontraram aqui o cenário ideal para produzir páginas
importantes do ensaísmo histórico, político ou cultural – caso de Ruy Barbosa,
um dos maiores intelectuais e figura política proeminente da história
brasileira,que inclusive morreu em 1923 em sua casa petropolitana na avenida
Ipiranga(chamada carinhosamente por ele de “Sweet Home”), e aqui escreveu por
exemplo a maior parte das conferências que pronunciou em sua segunda memorável
campanha presidencial(de 1909), em 1917 fez seu célebre discurso incentivando o
alinhamento do Brasil com os aliados no Teatro de Petrópolis, concluiu a famosa
“Oração aos moços”,de 1920, e também a introdução do primeiro volume da obra
Queda do Império,de 1889; Joaquim Nabuco, em cuja casa na avenida Piabanha escreveu alguns de
seus Pensamentos soltos, que veio a ser publicado em Paris em 1901; o barão do
Rio Branco (José da Silva Paranhos)
elaborou em sua residência de
verão, localizada na rua que hoje leva
seu nome, e na cidade foi assinado em 1908 o Tratado de Petrópolis, que
demarcou as fronteiras com a Guiana
Holandesa e a Bolívia e incorporou ao
Brasil, o território do Acre; Alceu
Amoroso Lima,nascido no Rio de Janeiro
em 1893, radicado em Petrópolis – sua residência, na rua Mosela, hoje é o
Centro Cultural Alceu Amoroso Lima e
seu pseudônimo Tristão de Atayde denomina o centro cultural
da Prefeitura , localizado na praça Visconde de Mauá -- e aqui falecido em 1983
, tornou-se por várias décadas o mais influente pensador católico em atuação no
país.
A cidade ofereceu as condições e
circunstâncias para que Jorge Amado concluísse,
em seu apartamento no antigo hotel Quitandinha, o romance Gabriela,
cravo e canela.,e escrevesse partes de outras obras; para Alberto Santos Dumont
elaborar aqui seu segundo livro, o autobiográfico O que eu vi.O que nós
veremos, em sua bela residência denominada “A Encantada”, hoje ponto de atração
turístico-cultural -- também na casa teria sido escrito, por volta de 1902, um
manuscrito de 312 páginas ,recentemente descoberto por familiares,no qual
destacam-se trechos sobre o sonho de virar aeronauta e o encontro com Thomas
Edison.Abrigou o escritor austríaco Stephan Zweig durante os anos 1940, vindo
da Alemanha sob o jugo hitlerista, para
aqui escrever sua autobiografia O mundo que eu vi, a novela O jogador de xadrez, e sobretudo
criar e publicar sua famosa obra Brasil, país do futuro,em 1941. Acolheu a
poetisa chilena Gabriela Mistral, então consulesa do Chile (ao longo da Iª
República, de 1889 a 1930, cerca de 30 países mantiveram consulados
em Petrópolis, entre eles Inglaterra,
França, Itália, Alemanha,
Rússia , Estados Unidos, Portugal,
Uruguai,Chile, Noruega, Santa Sé.),durante a década de 1940, quando foi
agraciada com o Prêmio Nobel de Literatura -- única mulher na América Latina a
ser contemplada..E recebeu, por diversas vezes, na Samambaia, a escritora
inglesa Elizabeth Bishop, amiga da arquiteta, paisagista e artista Maria Carlota
Costallat de Macedo Soares(Lota).
Não há como deixar de se realçar a
importância cultural de Petrópolis, mostrando contribuições e manifestações
literárias e artísticas talvez pouco conhecidas ou mesmo desconhecidas por
muitos, a proporcionar o pleno conhecimento desse aspecto marcante da cidade,
expresso por escritores naturais ou não,
residentes ou não, hóspedes ou visitantes,privilegiados pela tradição
petropolitana de acolhida e reconhecimento, que com ela interagiram,e
interagem, literariamente, num significativo painel de autores de extrema
qualidade que contribuíram, e contribuem,por meio da Cidade Imperial, para a
própria história literário-artística do Brasil.
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