quinta-feira, 1 de novembro de 2012
LIMA BARRETO, 90 anos -- IV
no dia 1. novembro de 1922 -- portanto há 90 anos -- morria Lima Barreto. qual um réquiem, apresentam-se aqui,a cada dia desta semana, claves temáticas às quais ele dedicou muito de suas reflexões,suas críticas
Vale
notar, ainda, que Isaias Caminha e Gonzaga de Sá estão, por sua vez e cada
um deles, ‘ligados’ a “Clara dos Anjos”,obra que aparece na obra ficcional de Lima Barreto,
sob o mesmo título, em três versões, defasadas no tempo, e distintas entre
si,nem tanto pelo enredo em si,este
mantido essencialmente o mesmo mas pelos focos e enfoques temáticos que
Lima imprimiu ao longo do tempo : a primeira versão é de 1904, um romance
inacabado, com apenas quatro capítulos, inserido em Diário íntimo; a segunda, um conto publicado em 1919 e incluído na
coletânea Histórias e sonhos ; a
terceira, um romance ‘acabado’,veiculado postumamente em 1923-34, em folhetins
na Revista Souza Cruz.e publicado em
livro somente em 1947. Tanto Clara...,
em suas três versões, como Isaias Caminha
e Gonzaga de Sá expressam crucial desvio de uma intenção
inicial de enfoque temático nas questões de negritude e situação do negro no país
– a concepção inicial da novela (de obra sobre preconceito racial a obra
psicológica,existencial, denunciadora de discriminação social-racial) e o
projeto historicista de elaboração de uma “História da escravidão no Brasil” --
para o romanesco (a de 1907 e a de 1919,ambas obras crítico-satíricas ao mundo
jornalístico e literário),mas de cunho político,com foco no cenário
institucional e na sociedade brasileiros (assim foi nos romances que vieram
depois e nos contos), assumindo a observação crítica, demolidora, da vida política e institucional inerentes à
República.Na construção ficcional tanto de “Clara dos Anjos”, em suas três
versões, como de Isaias Caminha- e de Gonzaga
de Sá,- Lima ‘descobriu’ o caminho a seguir em sua ficção.
,seus escritos.
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Lima Barreto e o Modernismo
De imediato, convém
realçar: o Modernismo começou exatos 18
anos antes. Em 1904. Com Lima Barreto, na confecção dos romances Recordações do escrivão Isaias Caminha e
Vida e morte de M.J.Gonzaga de Sá,
escritos simultaneamente a partir desse ano (ele preferiu - por razões que ora
eu estudo- publicar aquele primeiro, em 1907; este, somente em 1919) ao
expressar, ainda incipientes, os primeiros elementos-indícios depois
assimilados pelos modernistas, manifestos tanto
na concepção ‘filosófico-literária’ quanto na linguagem das duas obras,
ambas carregados de muitas intertextualidades temáticas, ambas representando, emblematizando e sintetizando
decisiva guinada de concepção ficcional
e a
própria evolução literária barretiana.
As
três obras, mais do que a evolução literária, sintetizam a própria evolução
filosófico-ideológica de Lima Barreto -- e,
no desvio do foco étnico em favor
do mundo romanesco,sem no entanto valer-se da superficialidade ou da “palavra
oca,inócua”, deve-se apor a esse processo a
conotação tolstoiana (de Tolstoi,e seu célebre ensaio O que é a Arte ?, e “percepção religiosa da arte”), de resto
autor da maior,e crucial, influência absorvida por Lima do começo ao
fim de sua obra,em especial no que tange
à transformação de ideais literários e o imprimir de um novo
rumo à sua temática ficcional, e a seus conceito e pregação da “literatura como
missão”.
Guinada,
para reflexão e discussão do país e da sociedade, da concepção de literatura e
também – e significativamente – da escrita e da linguagem literária,de resto
elementos que se revelariam,desdobrariam e influiriam no Modernismo.
Lima
Barreto impôs na ficção e na nãoficção —
com seu estilo simples, direto e objetivo, baseada na oralidade, contrária ao rebuscamento estéril que
caracterizava a época, que feria o
convencionalismo literário da época, impregnado de falsas concepções estéticas,
floreios , etc -- os prenúncios do Modernismo logo a seguir rompante na cultura brasileira, cujos
primeiros elementos e formas apareceram justamente pela linguagem típica da
escrita barretiana. Não à toa despertou
interesse e respeito por parte de Mario de Andrade, do alto de sua ‘autoridade’
de contista e teórico da construção ficcional, e levou p. ex. Sergio Milliet a escrever “(...) Lembro-me da grande admiração que
tinha por Lima Barreto o grupo paulista de 22. Alguns entre nós, como Alcântara
Machado, andavam obcecados .O que mais nos espantava então era o estilo direto,
a precisão descritiva da frase, a atitude antiliterária, a limpeza de sua
prosa, objetivos que os modernistas também visavam. Mas admirávamos por outro
lado sua irreverência fria, a quase crueldade científica com que analisava uma
personagem, a ironia mordaz, a agudeza que revelava na marcação dos caracteres”
(artigo “Noticiário’, in O Estado de S. Paulo, São Paulo, 11.11.1948); concomitantemente, nas páginas
da então incipiente revista Klaxon (1921), os modernistas paulistas se
propunham também a “descoelhonetizar”(ref. a Coelho Neto) a literatura
brasileira, rompendo com os cânones acadêmicos., objetivos bastante semelhantes
da revista Floreal, que Lima
criara em 1907 e só durou quatro números
Importante
lembrar que a época era dominada por duas vogas literárias, de um lado o
parnasianismo, inócuo, oco e ressonante, de outro, a linguagem empolada, o
‘clássico’ calcado em expressões cediças e de figuras de efeito, cheia de
arabescos estilísticos — ambas, uma literatura
impregnada de vocábulos garimpados, do virtuosismo lingüístico e
verborrágico,expressão da frivolidade dominante.No Rio de Janeiro, os
intelectuais e literatos,de certa forma alheios às contradições, logo se
integraram ao processo de construção e aceitação dos novos ideais republicanos
— no que, delinearam o movimento literário da chamada Belle Èpoque carioca, definida por “uma produção narcisista,
descompromissada, escapista, aristocraticamente (pseudo-)refinada, de temática
elitista,de muito epigonismo, exercícios academicistas, vocabulário rebuscado e
sintaxe preciosa, ornamentações lingüísticas , a estética do brilho\luxo na
atitude de épater le bourgeois”,
tendo como escritores típicos, entre outros, Olavo Bilac, Coelho Neto, João do Rio, Afrânio Peixoto, Elisio
de Carvalho,Figueiredo Pimentel (é dele a conhecida frase “o Rio de Janeiro
civiliza-se!”), Medeiros e Albuquerque. Praticava-se um estilo mundano, meio
jornalístico, pretensamente sofisticado,como apregoado por
Afrânio Peixoto e sua ‘yese’ de a literatura como “sorriso da sociedade”.
No
pólo oposto ao aristocratismo da escrita de então e aos nefelibatas da
linguagem, tinha-se em Lima Barreto um
registro da língua ‘brasileira’ do início do século XX e um ritmo genuinamente
nacional que prenunciava a linguagem modernista”. Como realça Nicolau Sevcenko,
“chama muito à atenção quando se lê a obra
do Lima Barreto, a atualidade dessa obra não só em termos de linguagem — uma
linguagem bastante acessível, bastante próxima até da oralidade — pela qual foi
muito criticado pelos seus pares e intelectuais da época. Mas não só por essa
linguagem mas também pelos temas de que ele trata e pelo modo como os trata .
Pode-se ir além porque muitos problemas
de Brasil que ele pensa naquela época, que ele critica, e que ele, enfim,
desenvolve como reflexão, permanecem absolutamente atuais”.
Convictamente
decidido a romper com o figurino estilístico e literário vigente, sua escrita
simples, direta e objetiva nada tinha a ver com a pompa, o floreio da retórica
de então, Lima Barreto era o
anti-acadêmico por excelência. Contrariamente à maioria de seus contemporâneos,
praticantes dessa escrita floreada e vazia, aristocrática e fútil, conferia à
sua obra ficcional o sentido militante de uma “missão social, de contribuir
para a felicidade de um povo,de uma nação, da humanidade” Em sua concepção, a
literatura tinha de ser “militante”, com objetivo concreto e definido : as
idéias contidas no artigo “Amplius!”( publicado originalmente no primeiro
número da Floreal , em 25.10.1907 , depois em A Época, em
18.02.1916, e incorporado como abertura
da coletânea de contos Histórias e sonhos ), expressam suas
concepções sobre a arte literária.
E a propósito do Prémodrnismo : Lima, como sua figura
literária maior e seu epígono,só confirma a condição,taxativa, de ser este um
ciclo efetivo da historiografia literária brasileira,com características e
elementos peculiares próprios, ao contrário do que sustentam alguns
estudiosos,que o dizem ‘apenas uma extensão[sic] do Realismo”; e contraria a
interpretação de Sergio Micceli, que diz ter sido a denominação “inventada”
pelos modernistas,com um sentido de ‘diminuir’ e para,isto sim,valorizar e
enfatizar o Modernismo,classificando o que o antecedeu de ‘preliminar’. Mas,em
outro viés, Lima Barreto, prenunciador,anunciador e antecipador do Modernismo,
por via dos elementos precursores aqui apontados, corrobora justamente o quanto
o Prémodernismo,,com suas manifestações específicas e marcantes, foi um
verdadeiro ciclo e,mais : verdadeiramente ‘preparador do Modernismo – este,
iniciando-se portanto nele,bem antes de 1922.[ vale lembrar : 2012, 90 anos do
Modernismo]
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