quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Machado de Assis, a crônica, a política, o Rio de Janeiro-- II


a propósito do pleito municipal  em todo o país, convém conhecer o que Machado de Assis -- que tratou muito de política em suas crônicas -- comentou 
(com ironia crítica e lúcida observação) sobre eleições na cidade do Rio de Janeiro e sobre a Câmara Municipal. 
 -- veiculo aqui algumas das 53 crônicas que compõem a totalidade do conjunto -- 

crônica 4
19 de setembro de 1864
Diário do rio de janeiro– Ao Acaso
eleições para a Câmara Municipal
Crise! Crise! Crise!
Tal foi o grito angustioso que se ouviu, durante a semana passada, de todos os peitos da população e de todos os ângulos da cidade.
A fisionomia da população exprimiu sucessivamente o espanto, o terror, o desespero --conforme cresciam as dificuldades e demorava-se o remédio.
Era triste o espetáculo : a praça em apatia, as ruas atulhadas de povo, - polícia pedestre a fazer sentinela, polícia eqüestre a fazer correrias - vales a entrarem, dinheiro a sair, vinte boatos por dia, vinte desmentidos por noite - ilusões de manhã, decepções à tarde - enfim uma situação tão impossível de descrever como difícil de suportar - tal foi o espetáculo que apresentou o Rio de Janeiro durante a semana passada.
Mas, se uns davam à crise esta feição e esta gravidade, outros - no desejo de aliar o zelo da lei e a salvação pública, viam na crise um alcance menor, e conseguintemente não aconselhavam o emprego de remédios heróicos.
Os remédios heróicos, que uns aconselharam e outros combatiam, eram medidas aplicadas pelo Governo, conforme o extraordinário da situação. Tais remédios, dizia-se, terão a virtude de atalhar o mal e acalmar os espíritos.
Os que pediam isto fundavam-se no princípio de que não se cura um cancro com água de malvas.
E fundavam-se igualmente na moral idade da seguinte anedota :
Um homem achava-se encerrado em uma sala. Cai uma vela e comunica o fogo a uma cortina. Ele procura extinguir o fogo, mas não pode; as chamas devoraram em poucos segundos a cortina, começavam a tisnar uma porta, e já lambiam o teto. Vendo a gravidade do perigo, o homem corre à porta da saída, mas desgraçadamente estava fechada; procura a chave sobre as mesas e cadeiras, nos bolsos, na secretária, e nada !
Entretanto, o fogo lavrava com intensidade.
Aturdido, e não querendo gastar mais tempo em procurar a chave, o infeliz chega à janela e grita por socorro.
A tempo o fez, porque exatamente passava nessa ocasião um homem que ouviu o grito e subiu.
Quando o infeliz sentiu que o salvador estava do outro lado da porta, gritou:
 - Fogo! Fogo!
- Espere um pouco, respondeu o outro.
- Arrombe a porta!
- Não; é preciso ver uma chave. Com chave é que se abre uma porta. Tenho algumas comigo, vou ver uma por uma - vejamos esta: é muito grande. Outra: nada! Bem. Outra : não entra!
- Cresce o fogo, arrombe a porta por favor!
- Não arrombo! - mais uma chave: esta há de servir. Mau ! não dá volta. Ah! Aqui vai a última : não serve.
- Por favor, arrombe a porta!
- Mas depois?
- Depois, fica arrombada até que se extinga o fogo; não faz mal; posso daí em diante fechá-la com uma tranca de pau, até que cheguem os ferreiros para consertar a fechadura. Depressa ! depressa ! o fogo está a alguns palmos de mim!
- Meu caro, está salvo.
- Ah!
- Está salvo, fazendo ato de contrição e encomendando a alma a Deus. Eu não abro as portas senão com chaves; quando não tenho chaves não arrombo as portas.
Ora, o homem morreu, e a casa ficou reduzida a um montão de cinzas.
Era o caso da crise comercial. É sempre conveniente abrir uma porta com chave, mas nos casos de incêndio, em não havendo chave, duvido muito que se possa recorrer a outro meio que não seja o arrombamento.
Felizmente, o Governo, auxiliado pelas vozes generosas da imprensa e pelo voto esclarecido do Conselho de Estado, compreendeu a magnitude da situação e aplicou o meio extraordinário do arrombamento, certo de que os ferreiros consertarão depois a fechadura.
Uma crise como esta não dá lugar a nenhum outro acontecimento. Tudo passou desapercebido. A crise era o último pensamento da noite, e o primeiro pensamento da manhã. Era o assunto obrigado das conversações nas ruas, nos cafés, nos jornais.
Aqui, esquecendo a gravidade das circunstâncias, devo mencionar um fato que prova em favor de um rifão popular : - em tempo de guerra, mentira como terra.
Correram mais mentiras em uma semana de crise, do que costuma correr em um ano de circunstâncias normais.
Era algum espirituoso que as inventava?
Era a interpretação exagerada que se dava a  alguns boatos fundados? Não sei, talvez uma e outra coisa; mas o certo é que, de meia em meia hora, todas as bocas repetiam, com a maior sinceridade e convicção, os boatos mais incongruentes e as mais inconsistentes asseverações.
Mas, no meio de tantas asseverações e conjeturas, foi agradável de ver que nada se articulou contra a casa, cuja falência produziu a crise. De ordinário, as coisas passam-se de outro modo: também as ovações do infortúnio têm os seus apedrejadores. Doença humana  - vocação de apedrejar.
A crise trouxe o fechamento dos teatros.Não se repetiu por isso, na quinta-feira, “A mulher que deita cartas”, com Emília das Neves.
Ainda não tive ocasião de falar aos meus leitores acerca de Emília das Neves no papel de Geméia, naquele drama.
O drama, como se sabe, foi um drama de ocasião e feito por encomenda imperial. Tira o assunto do fato do pequeno Mortara. Segundo se disse então, Napoleão III encomendara a composição de uma peça em que aquele episódio servisse de base. Disse-se mais que, além do autor confesso, outro havia da própria casa do Imperador. A presença deste no espetáculo confirmou os boatos.
Isto basta para predispor contra a peça a crítica sensata. Naquelas condições não se faz drama, faz-se panfleto. Encomenda não é arte.
Todavia, se no caso atual a gente não ouve uma peça literária, também não ouve o que conta ouvir: argumento em vez de diálogo, silogismo em vez de lance dramático. Ganha-se sempre alguma coisa.
A moral idade da “Mulher que deita cartas” é a tolerância religiosa; a peça acaba quando a mãe cristã e a mãe judia confundem as suas lágrimas sobre a cabeça da filha comum.
Este desenlace, que eu esperava ver ontem combatido na Cruz, se a Cruz não tivesse suprimido o número de ontem, tranqüiliza e alivia o espírito das fortes comoções que recebe durante a peça.
O interesse consiste na perseverança com que a mãe judia procura a filha adotada pela mãe cristã, e, uma vez encontrada a filha, na luta entre as duas mães, no conflito doloroso entre o amor da educação e o amor da natureza.
Apesar da importância relativa dos outros papéis, Geméia é a personagem que nos atrai mais a atenção.
Li a peça a fio, e creio poder julgá-la em breves palavras.
Geméia devia ser a um tempo a mulher judia e a mulher humana. Tenho visto muitas judias em cena; o erro capital dos autores está em reunir nas suas heroínas todos os distintivos do caráter judeu, sem cuidar em lhes dar um coração humano.
Ora, Geméia poucas vezes é mulher, mas é sempre judia. De princípio a fim, procura com amor, com perseverança, com desespero, a filha de suas entranhas, mas em tudo isso está longe de ser a Raquel das Escrituras ou a Hécuba de Eurípides.
O enunciado basta para reunir muitos votos à minha opinião. Não descerei a minuciosidades. Vê-se em geral que o autor da peça tem presente o contrato da encomenda, e busca fugir ao movimento natural para ceder à necessidade de produzir tal efeito, ou chegar a tal conclusão.
Em prova disto citarei apenas a cena capital do drama, aquela em que as duas mães levam a filha à situação de escolher uma ou outra. É uma cena absurda e fora da natureza. Não negarei que há aí lugares tocantes e expressões pungentes; mas isso não legitima a totalidade da cena, nem justifica a existência do lance.
Feitos estes reparos ao drama, confessarei que alguns pontos foram aplaudidos com justiça.
Emília das Neves desempenhou o papel de Geméia.
Tendo já conhecimento do drama, direi que, apesar do imenso talento da artista, receei que nem sempre pudesse triunfar das escabrosidades do papel.
Mas então esquecia-me de que muitas vezes os artistas realçam as obras, dando relevo às belezas secundárias, ou criando novas belezas nos lugares em que elas são inteiramente nulas.
Ouvi a peça até o fim, e, se me devesse guiar pelos aplausos, outro seria o meu juízo. Os aplausos não pagaram o merecimento. Emília das Neves confirmou plenamente a apreciação feita neste mesmo lugar por ocasião de “Joana doida”.
Uma arte consumada dá-lhe os meios de tudo criar e colorir tudo. Ou exprima um sentimento, ou acentue uma palavra, ou faça um gesto, vê-se que ela sabe realizar a difícil e rara aliança da arte e da natureza.
O papel de Geméia tem, como disse, defeitos capitais. O talento da artista pode disfarçar esses defeitos, e dar-lhe, não o interesse da curiosidade, mas o interesse da humanidade.
Em mais de uma cena subiu ao patético; teve gritos de leoa para as agonias supremas, teve lágrimas tocantes para as dores do coração; soube ser mãe e mulher.
Familiar aos grandes efeitos da cena, Emília das Neves emprega-os com a discrição necessária para não cair das alturas da natureza e da arte. Sombria ou radiante, irada ou terna, amorosa ou odienta, ela sabe que, em cada uma dessas fases do sentimento, a arte exige um toque ideal.
As duas peças representadas bastam para julgá-la. Dizem que as duas peças que ainda falta representar são de gênero diverso, de modo a mostrar ao público as diferentes faces do talento da artista. Cita-se as “Proezas de Richelieu”, em primeiro lugar, e depois a “Dama das camélias” ou a “Judite”. Eu preferia a “Judite”, não por supor que o seu talento, tão variado como é, não possa reproduzir a paixão de Margarida Gauthier; mas pelo desejo de vê-la calçar o coturno trágico e brandir o punhal de Melpómene.
A representação da “Mulher que deita cartas” teve lugar antes da crise. Como disse, durante a semana passada, o teatro esteve fechado por ordem superior.
É que realmente aquele acontecimento absorvia todos os outros. Até a própria eleição concluiu-se no meio da indiferença geral.
A apuração de todos os sufrágios do município está feita. Acha-se, portanto, composta a nova Câmara Municipal; acha-se composta de novos homens, uns conservadores, outros liberais - estes em maioria.
Já tive ocasião de manifestar os meus desejos de que a nova câmara realize os desejos de todos os munícipes.
Esses desejos limitam-se a que trate do município seriamente, acudindo às suas necessidades mais urgentes, empregando utilmente as suas rendas, melhorando o pessoal do seu serviço, corrigindo ainda, se for preciso, os regulamentos a que está sujeito esse pessoal, de maneira que o clamor público venha a calar-se, e a cidade e os seus subúrbios possam viver contentes e felizes.
Por exemplo, não haverá um melhor sistema de limpeza da cidade, em virtude do qual não ande a gente condenada, - em tempo de chuva, à lama, - em tempo de sol, à poeira?
Não haverá um meio de vigilância que venha garantir as árvores plantadas em vários pontos da cidade, do vandalismo que as torna hécticas e mofinas? E na transplantação dessas árvores não convirá consultar os meios que a ciência fornece para que das cicatrizes produzidas rio ato da transplantação não lhes resulte a morte certa?
Tais são alguns dos inumeráveis pontos para que se espera que a nova Câmara Municipal atenda, a fim de produzir todos os bens que promete e que se lhe devem exigir.
Aqui devia eu acabar se não houvesse de dar uma notícia grata para as letras.
Um jovem acadêmico de S. Paulo acaba de publicar um livro de versos. Chama-se o livro Vozes da América, e o poeta  Fagundes Varela.
Varela é uma vocação poética das mais robustas que conheço; seus versos são inspirados e originais. Goza na Academia de S. Paulo, e já fora dela, de uma reputação merecida ; as esperanças que inspira, ele as vai realizando cada dia, sempre com aplauso geral e singular admiração.
Ainda não vi as Vozes da América. Mas por cartas e jornais de S. Paulo sei que é um livro, não só digno irmão dos que Varela publicou anteriormente, mas ainda um notável progresso e uma brilhante promessa de outras obras de subido valor.
Apenas receber o volume, hei de lê-lo, e direi com franqueza e lealdade aos leitores o que pensar dele. Estou certo de bater palmas.
                                                                                                                             M.A.
_________________________
crônica  5
25 de setembro  de 1864
Imprensa acadêmica - Correspondência da Imprensa Acadêmica
conclusão da eleição na cidade do Rio de Janeiro ;
 formação da  nova Câmara Municipal
Corte, 21 de setembro de 1864
Na minha passada “Correspondência” dei notícia do começo da crise comercial.
O abalo público acha-se felizmente desfeito graças às medidas tomadas pelo Governo, a instâncias de alguns jornais, do Conselho de Estado e do comércio.
Mas antes que isto se alcançasse, andamos durante uma semana atordoados e apavorados.
Como disse, a suspensão de pagamentos por parte da Casa Souto & Cia. deu lugar à crise. As outras casas bancárias foram logo atacadas por todos os portadores de vales que retiravam os seus capitais. Foi preciso intervir a polícia, a cavalo e a pé. As ruas Direita, da Alfândega e Sabão, estavam atalhadas de povo, desde a manhã até a noite. A praça não fazia uma operação que fosse. A alfândega tinha um rendimento ridículo e em um dos dias foi obrigada a fechar-se. Tal foi o estado da capital durante uma semana.
A desconfiança crescia porque, além da falta de medidas adequadas, cada dia marcava, não uma, mas seis e oito quebras.
Quebraram as principais casas. E não parava aqui, quebravam os banqueiros. Hoje os banqueiros Souto, Gomes, Montenegro e Oliveira Belo vão entrar em liquidação.
Entretanto a imprensa e o Diário do Rio à frente, pediam urgentes medidas. O Correio Mercantil e o Constitucional divergiam da opinião dos outros jornais, dizendo que o Governo não podia nem devia tomar medidas, porque elas seriam ilegais.
O Governo começou por expedir dois decretos, um alargando a emissão do Banco do Brasil, e outro dando curso forçado às suas notas.
Mas estas medidas não eram suficientes. A imprensa e a comércio continuavam a insistir. Finalmente, o Banco do Brasil, o Banco Hipotecário, o Banco Português, o Banco Inglês e os banqueiros ainda não quebrados reuniram-se e representaram instando com o Governo para que salvasse a praga e o povo , indicando-lhe algumas medidas.
O Governo fez reunir-se duas vezes o  Conselho de Estado, às 7 horas da manhã, e às 9 horas da noite, do dia 16. O Conselho de Estado foi unânime no voto de que o Governo devia adotar as medidas indicadas pela representação.
Assim, no dia 17 apareceu o seguinte decreto , assinado por todos os ministros e secretários de Estado :
           "Atendendo a suma gravidade da crise comercial, que domina atualmente a praça do Rio de Janeiro, perturba as transações, paralisa todas as indústrias do país, e pode abalar profundamente a ordem pública, e a necessidade que há de prover de medidas prontas e eficazes, que não se encontraram na legislação em vigor os perniciosos resultados que se temem de tão funestas ocorrências. Hei por bem, conformando-me com o parecer unânime do Conselho de Estado decretar :
            Art. 1.° Ficam suspensos e prorrogados por  60 dias, contados do dia 9 do corrente mês, os vencimentos das letras, notas promissórias e quaisquer outros títulos comerciais pagáveis na Corte e província do Rio de Janeiro ; e também suspensos e prorrogados pelo mesmo tempo os protestos, recursos em garantia e prescrições dos referidos títulos.
             Art. 2.° São aplicáveis aos negociantes não matriculados as disposições do art. 898 do Código Comercial, relativa às moratórias ; as quais bem como as concordatas, poderão ser amigavelmente concedidas pelos credores que representem dois terços no valor de todos os créditos.
              Art. 3.° As falências dos banqueiros e casas bancárias, ocorridas no prazo de que trata o art. 1.°, serão reguladas por um decreto que o Governo expedirá.
             Art. 4.° Estas disposições serão aplicadas a outras praças do Império por deliberação dos presidentes de Província.
             Art. 5.° Ficam revogados provisoriamente as disposições em contráario. 
             Os meus Ministros e Secretários de Estados dos negócios das diversas repartições, assim o tenham entendido e façam executar.
              Palácio do Rio de Janeiro, em 17 de setembro do ano de 1864, 43º. da Independência e do Império -- Com a rubrica de Sua Majestade o Imperador. - Francisco José Furtado - José Liberato Barroso - Carlos Carneiro de Campos - Henrique de Beaurepaire Rohan - Francisco Xavier Pinto Lima - Jesuino Marcondes de Oliveira e Sá."
Este decreto serenou os ânimos ; começa a restabelecer-se a confiança, e o único banqueiro que era ainda anteontem perseguido, o sr. Bahia, já ontem não teve muitos vales a pagar.
Em todo este negócio o deputado Saldanha Marinho, tanto na imprensa, como pelos conselhos parciais, tomou grande parte e mereceu por isso as simpatias do público e da praça.
Mas, golpe sobre golpe ; resolvida a crise, cá ficamos com a questão do Rio da Prata.
Chegou de Montevidéu na fragata “Amazonas” os srs. Saraiva e Tavares Bastos.
O Governo Oriental tinha mandado os passaportes ao sr. Loureiro, nosso ministro residente, e aos cônsules e vice-cônsules brasileiros.
Pela nossa parte, já o Governo mandou fazer o mesmo aos cônsules orientais.
O Exército brasileiro, segundo parece, vai entrar no território da República.
O caso que motivou a cólera do governo de Montevidéu, foi a perseguição feita por um dos nossos vasos nas águas do Uruguai contra um dos seus vapores.
Está concluída a eleição municipal. A nova Câmara acha-se composta do seguinte modo :
1. dr. Batista dos Santos  ..............................................5061
2.dr. Bezerra de Meneses ..............................................881
3. dr. Dias da Cruz ........................................................612
4. dr. José Pereira Rego ................................................172
5. tenente-coronel Frias .............................................. 4149
6 . Tavares Guerra .........................................................056
7. dr. Claudino José Viegas ......................................... 3791
8. dr. Fontes ..................................................................3777
9. dr. Monteiro dos Santos .........................................3667
10. Bento Barroso Pereira............................................3471
11. Leite Junior ............................................................3442
12. Santos Peixoto ...................................................... 3366
13.dr. Costa Lima ...................................................... 3130
14.dr. Queiroz ............................................................2535
15.Bitencourt da Silva.................................................2443
16.José Bernardo da Cunha .......................................2372
17.M. Dias da Cruz .....................................................2046
18.Fragoso ...................................................................1968
Estão oficialmente pedidas as nossas princesas. Casa S.A. Imperial D. Isabel com o conde d'Eu, e S.A. D. Leopoldina, com o duque de Saxe. O casamento efetua-se a 15 ou 18 de outubro.
Os dois príncipes têm visitado tudo ; são infatigáveis, o que vai perfeitamente com o espírito ativo de Sua Majestade o Imperador.
O conde d'Eu, sobretudo, tem merecido as simpatias gerais. Supõe-se que D. Fernando vira até cá.
É por ora o que há de mais importante. Se ocorrer alguma coisa antes de partir o vapor ,  aqui lhe direi.
                                                                                                                             Sileno
__________________________
crônica 6 
10 de outubro de 1864
DIÁRIO DO RIO DE JANEIROAo Acaso
                                                                             falta de política,e de acontecimentos, no Rio de Janeiro...;
                                            a Câmara Municipal e seus deveres,ante os problemas da cidade
Dai-me boas semanas e eu vos darei bons folhetins.
Mas, que se pode fazer no fim de sete dias chochos, passados a ver chover, sem acontecimento de natureza alguma, ao menos destes que tenham para o folhetim direito de cidade?
Gastou-se  os primeiros dias da semana a esperar o paquete - e o paquete, como para punir tão legítima curiosidade, nada trouxe que estivesse na medida do desejo e da ansiedade. Veio apenas a notícia de um casamento real no norte da Europa, que muita gente olha como um prenúncio da formação do reino escandinavo, mas que eu não sei se dará em resultado exatamente o contrário disso, isto é, a supressão de uma monarquia constitucional em favor de uma monarquia autocrática.
Aí vou eu entrando pelo terreno da política torva e sanhuda. Ponto final ao acidente.
Mas -- como dizia eu - que se pode fazer depois de uma semana tão vazia como a cabeça do rival de André Roswein?
Diz Alphonse Karr que depois de encerradas as câmaras e posta a política em férias, os jornais franceses começam a descobrir as virtudes e os milagres; aparecem os atos de coragem e abnegação, e as crianças de duas cabeças e quatro pés. A observação é verdadeira, talvez, mas para lá; o Rio de Janeiro, em falta de política, nem mesmo se socorre da virtude e dos fenômenos da natureza. Tudo volta a um silêncio desolador; rareiam os acontecimentos, acalma-se a curiosidade pública.
Assim que, foi com profundo desgosto que eu fiz hoje subir à minha varanda a musa gentil e face ira do folhetim.
Casta filha do céu, que vês tu na planície? perguntei-lhe como no poema de Ossian.
A infeliz desceu com ar desconsolado e disse-me que nada vira, nem a sombra de um acontecimento, nem o reflexo de uma virtude.
Perdão, viu uma virtude.
Não sei em que lugarejo da Bahia reuniu-se o júri no prazo marcado e teve de dissolver-se logo, porque o promotor de justiça não apresentou um só processo.
Ó Éden baiano! dar-se-á caso que no intervalo que mediou entre a última sessão do júri e esta, nem um só crime fosse cometido dentro dos vossos muros? Nem um furto, nem um roubo, nem uma morte, nem um adultério, nem um ferimento, nem uma falsificação? O pecado sacudiu as sandálias às vossas portas e jurou não voltar aos vossos lares?
O caso não é novo; lembra-me ter visto mais de uma vez notícias de fenômenos semelhantes.
O Éden, antes do pecado de Eva, não era mais feliz do que essas vilas brasileiras onde o código vai-se tornando letra morta, e os juízes verdadeiras inutilidades.
Onde está o segredo de tanta moral idade?
Como é que se provê tão eficazmente à higiene da alma? Há nisto matéria para as averiguações dos sábios.
Mas - juste retour des choses d’ici-bas -- talvez que na próxima sessão do júri, a vila que desta vez subiu tanto aos olhos da moralidade, apresente um quadro desconsolador de crimes e delitos, de modo a desvanecer a impressão deixada pelo estado anterior.
Tudo é possível neste mundo.
Em falta de acontecimentos há sempre um acontecimento que pode entrar em todos os folhetins, e ao qual já me tenho referido muitas vezes - até com risco de monotonia.
É um dever de que não me liberto abrir os olhos à Câmara Municipal a respeito de uma coisa que não é favor, mas dever de tão alta instituição.
Se a Câmara Municipal não tem por obrigação cuidar do município, tomo a liberdade de perguntar para que serve então - e se é para continuar a viver do mesmo modo que os cidadãos de quatro em quatro anos vão deitar uma cédula à urna eleitoral.
Longe de mim negar o que a Câmara tem feito, mas também longe de mim a idéia de ficar mudo diante do abandono em que certas necessidades municipais estão.
O caminho do Catete, que um homem de espírito chama  caminho apoplético  é por assim dizer o resumo do estado geral da cidade. As folhas reclamam todos os dias contra o descuido da Câmara e dos seus agentes, mas é como se pregasse no deserto.
Todos os sentidos de que aprouve à natureza dotar-nos andam perseguidos e em guerra aberta com a poeira, a imundície, os boqueirões, etc.
Ah ! a imundície ! - Como Lucrécia Bórgia aos convivas de Gennaro, a Câmara Municipal tomou ,a peito dizer aos fluminenses, depois que lhes alcança os votos:
- Messeigneurs, vous êtes tous empoisonnés.
E fala verdade.
Quando se anunciou a chegada dos augustos noivos de Suas Altezas disse eu que a Câmara tratasse de fazer com que vestíssemos roupa lavada, de algodão embora, mas coisa mais limpa do que os mulambos que nós temos a honra de receber das suas ilustríssimas mãos.
Sobreveio o período eleitoral, e manifestou-se a grande febre no município. Então perderam-se as esperanças. A soberania popular - frase que os tipógrafos de todos os países já estão cansados de compor, e os leitores de todos os livros e jornais cansados de ler - a soberania popular abafou o grito da necessidade pública, e ninguém achou mau o caminho que ia de casa à paróquia.
A Câmara, porém, mostrou-se compenetrada do alto papel que se lhe destinou, e lembrou-se de convidar os munícipes para solenizar o casamento de Sua Alteza Imperial que, como os leitores sabem, terá lugar no sábado.
Constroem-se arcos e coretos em vários pontos da cidade, desde o Aterrado até o largo do Paço, mas essas construções deviam ter sido precedidas de alguns melhoramentos, a fim de não ter lugar a aplicação daquela cantiga popular :
                        Por cima muita farofa, etc.
Demorar-me neste assunto seria aborrecer os leitores. A primeira condição de quem escreve é não aborrecer.
Tous les genres sont bons, hors le genre ennuyeux.
E só agora vejo, na minha carteira da semana, o apontamento de uma notícia que eu estou certo de que há de alegrar os leitores, sejam escritores ou não.
Segundo me disseram, Sua Majestade o Imperador trata de mandar fazer uma edição das obras completas de Odorico Mendes. Os leitores conhecem, decerto, o nome e as obras do ilustre poeta, cuja morte em Londres as folhas noticiaram não há muitos dias. O ato imperial honra a memória do ilustre poeta; essa memória e esse ato são duas honras para o nome brasileiro.
Uma folha hebdomadária que se publica nesta Corte, denominada Portugal , deu ontem aos seus leitores uma notícia que os enche de júbilo, como a todos os que prezam as letras e a língua que falamos.
De há muito que o autor do Eurico , recolhido à vida privada, assiste silencioso ao movi· mento de todas as coisas, políticas ou literárias. :
Esse silêncio e esse isolamento, por mais legítimas que sejam as suas causas, são alta· mente prejudiciais à literatura portuguesa.
Mas, o culto das musas é, além de um dever, uma necessidade. O espírito que uma vez se votou a ele, dele vive e por ele morre. É uma lei eterna. No meio dos labores pacíficos a que se votou, A.. Herculano não pôde escapar ao impulso íntimo. O historiador e poeta pode fazer-se agricultor, mas um dia lá se lhe converte o arado em pena, e as musas voltam a ocupar o lugar que se lhes deve. As musas são a fortuna de César; acompanham o poeta através de tudo, na bonança, como na tempestade.
O que se anuncia agora, na correspondência de Lisboa do Portugal, é a publicação próxima de dois livros do mestre : Contos do Vale de Lobos, é o primeiro; o segundo é uma tradução do poema de Ariosto. Quando se trata de um escritor como Alexandre Herculano, não se encarece a obra anunciada; espera-se e aplaude-se.
Ler as obras dos poetas e dos escritores é hoje um dos poucos prazeres que se nos deixa ao espírito, em um tempo em que a prosa estéril e tediosa vai substituindo toda a poesia da alma e do coração.
Quando os tempos nem dão para um folhetim, não sei que se possa fazer outra coisa melhor.
Eu por mim já fiz até aqui o que era humanamente possível; pouca diferença vai deste folhetim ao milagre dos pães, e essa mesma é mais nos efeitos do fato que no próprio fato. Quando os leitores chegarem ao fim achar-se-ão vazios como no princípio, sentindo uma fome igual à que sentiam quando começaram a ler.
Só haverá uma satisfação: é a do preenchimento destas páginas inferiores que está a cuidado do mais indigno servo dos leitores preencher todas as semanas.
Vejam se não é assim.
E não cuidem que as seguintes linhas, transcritas do Despertador, de Santa Catarina, entram aqui por enchimento. É uma remessa que julgo de meu dever fazer ao Cruzeiro do Brasil. Leia o colega e admire :
               A estréia do jesuíta Razzini como pregador, no domingo último, é aquela que se podia esperar de quem, ignorando o mais trivial de uma língua, se afoita a ir nela pregar para não ser entendido de quem quer que seja !               Pergunte-se à maior parte dos que lá foram se entenderam - pitada - apesar dos calafrios e suores que deviam custar ao pobre do Revmo., que raras eram as palavras que não fossem muito ruminadas?
              É a estas coisas que jamais poderemos ser indiferentes: um padre que não conhece absolutamente nada da nossa língua, para que vai pregar nela? .. Para fazer rir da mímica que emprega quem se acha nesses apertos?! ...
               Porém ainda isso não é tudo, é naquela crisálida que está o futuro da ilustração da nossa esperançosa mocidade ! Há de ser esse um dos que vêm fazer parte do professorado no ensino de línguas em o novo estabelecimento; o mesmo que tem por obrigação fazer compreender aos seus discípulos comparativamente as belezas de uma língua com as da outra, que tem de descer aos seus modos mais particulares (idiotismos) para dar em equivalentes, se não iguais, ao menos os mais aproximados possíveis. Como serão preenchidas condições tão essenciais, e indispensáveis ao ensino? Veja o público que a maior parte do que importamos em todas as espécies são objetos de carregação, como os chama o vulgo; dos mestres, por esta amostra, já podemos fazer juízo seguro.
                                                                                                                                                      M.A.

Nenhum comentário: