quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Lima Barreto, feminismo, voto feminino
pelos 80 anos do voto feminino no
Brasil
mas convém expor,examinar e elucidar
razões,fatores e motivações que levavam um dos maiores escritores brasileiros,
ativo pensador e ardoroso defensor das mulheres a tais posturas.
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Articulista, escritor, pensador,
nunca silencioso sobre seu tempo, Lima Barreto
não poderia pois ficar alheio à situação da mulher na realidade social
brasileira do início do século XX, época de tantas e profundas transformações
na sociedade. Retratou e a fez personagem em contos e romances e escreveu sobre
a mulher em artigos e crônicas, publicadas em jornais e revistas — sob um caráter de ambigüidade,ora a criticando, por
vezes atacando, ora a defendendo, muitas vezes enaltecendo : diz-se
“antifeminista”, põe-se abertamente contra os movimentos feministas, mas
defende a necessidade de instrução para a mulher ; repele o ingresso da mulher
no serviço público , mas defende o divórcio ; imbuído da moral do seu tempo
retrata a mulher pela ótica comum, mas denuncia sua “absurda” situação de
dependência aos homens .
Longe, muito longe da falsa,
equivocadissima acusação de misoginia,
posicionava-se na realidade contra o
movimento feminista brasileiro , que ele denominava “feminismo bastardo,
burocrata”,não contra as mulheres,e sim como ojeriza aos signos do progresso
republicano -- era, antes de tudo,
crítico da mulher burguesa, esnobe, e ao contrário simpático à mulher
proletária, suburbana. Lima Barreto
sempre deu à mulher espaço significativo em sua obra ficcional e não-ficcional:
comenta a situação da mulher perante o casamento; a viuvez; as oportunidades
educacionais e profissionais; a moral que lhe é imposta pelo duplo valor; a
desigualdade de julgamento do adultério masculino e do feminino; o mundo da
prostituição e o início do movimento feminista no Brasil.
Se, de um lado, no conjunto de
textos sobre feminismo, movimento feminino, voto feminino, direitos femininos,
literatura feminina, e também sobre mundanismo, moda, comportamento, hábitos
femininos, Lima destila permanente ironia crítica sobre a mulher, de outro no
retrato das mulheres elaborado em seus romances, novelas e contos, em que
mostra-as sempre com atitude e comportamento progressistas , elas são
superiores aos maridos (exemplos de Olga e Edgarda em Triste fim de
Policarpo Quaresma; Clara e Castorina em Clara dos Anjos; Efigênia
em O cemitério dos vivos; Cecília de Diário íntimo , Cló, Adélia,
Lívia em Histórias e sonhos; muitas outras em contos, etc).Além domais,
esse suposto ‘antifeminismo’ barretiano teve sua contrapartida significativa:
em alguns escritos, a propósito de julgamentos de crimes ditos passionais,Lima
Barreto defendia veementemente a mulher
e atacava os homens, os advogados e juízes que “se atribuem direitos sobre a
vida das mulheres, direitos reconhecidos por júris que os absolvem, numa série de artigos e crônicas denunciando crimes de uxoricídio, nos quais
homens matavam “mulheres infiéis”— e pior eram absolvidos nos julgamentos por
“legítima defesa da honra”— em que ele ataca os homens “que se atribuem
direitos sobre a vida das mulheres” e defende intransigentemente a mulher “que
são “como todos nós, sujeitas, às influências várias que fazem flutuar as suas
inclinações, as suas amizades, os seus gostos, os seus amores".
o anti-feminismo barretiano
O movimento feminista brasileiro,
iniciado no fim da década de dez séculos, antes de surgir como um bloco coeso,
dividiu-se já em suas origens em algumas ramificações cada uma delas com
líderes próprios e com algumas reivindicações idênticas e outras particulares,
verdadeiras bandeiras das facções ou, como dizia Lima Barreto, das “igrejas” ou “seitas”. Eram
quatro: a de Mme Chrysanthème que “quer, para a mulher, a plena liberdade do
seu coração, dos seus afetos, enfim dos seus sentimentos” (crônica “No ajuste
de contas”); a liderada por Deolinda Daltro, denominada “Partido Republicano
Feminino”, propugnando pelo direito da mulher; a de Bertha Lutz, sob o nome
de “Liga pela Emancipação Intelectual da
Mulher Brasileira” que tinha como bandeira a luta pelo ingresso da mulher na
burocracia; e a facção conhecida por “Legião da Mulher Brasileira” que nomeara
como presidente de honra a esposa do Presidente da República, d. Mary Saião
Pessoa, contando também com o apoio da Igreja Católica. Lima Barreto reduzia as
facções a duas: o feminismo sufragista e o feminismo burocrático; o primeiro de
“propriedade” de Deolinda Daltro (que aparece como Deolinda nas crônicas; e na
novela Numa e a ninfa, como a
personagem Florinda Seixas) e o segundo de Bertha Lutz ; à entidade de
Mme Chrysanthème não dava muita importância e quanto à “Legião da Mulher
Brasileira” se restringia a ironizar o caráter oficial da entidade.
Deolinda Daltro e Bertha Lutz eram os maiores objetos das críticas –
contundentes, irreversíveis – de Lima. Com tais ‘lideranças’, dizia Lima, as
reivindicações feministas de sua entidade não estavam a propugnar por uma
elevação da mulher, mas voltadas unicamente para elas, preocupadas apenas
em pleitear o direito de voto para que uma faixa da elite pudesse usufruir
das vantagens que estavam limitadas à cúpula política masculina. Até porque
Lima não via no voto um elemento por meio do qual pudesse ser reformada a
situação na Republica Velha – portanto o que as feministas pleiteavam pouco
significava, era mera acomodação ao
sistema montado, ao qual ele nunca deixou de se opor. A denúncia de Lima contra
o movimento feminista centrava-se em sua conivência com as práticas políticas
de então, em termos de corrupção,
favorecimento, clientelismo, oportunismo.
Além do mais,e isso para Lima
constituía questão crucial, o feminismo, como então praticado, esquecia-se
totalmente da mulher pobre e da mulher negra – ambas, aliás, observava ele,
tendo já conquistado lugar de operária, sem movimentos feminista, nas fábricas
de tecidos e nas livrarias como empacotadoras de livros.(“Pergunto: esta mulher [uma velha negra] precisou do feminismo burocrata
para trabalhar, e não trabalha ainda, apesar de sua adiantada velhice?”-
crônica “Voto feminino”).
Neste particular, vale realçar
que Lima não só acatava a
profissionalização da mulher -- mas causava-lhe
aversão ser ela realizada com intuitos interesseiros, circunscrita a
benefícios para poucos e no proteger os já privilegiados; acusava “a maneira irregular e ilegal que tem
presidido o provimento desses cargos,por moças e senhoras” (crônica “Voto
feminino”) -- não lhe negando capacidade e condições de exercer um cargo
público, por exemplo; como também propunha o aumento do número de Escolas
Normais para que as mulheres tenham melhor educação e com isso pudessem desempenhar papel importante na formação da
criança, quer na escola, quer em casa (cf. crônicas do grupo “Educação
feminina” e em “A poliantéia das burocratas”)..
Desse modo, segundo ele, as
proposições profissionalizantes e eleitoreiras dos movimentos feministas apenas
tinham em vista dar possibilidades de realização aos atributos menos
importantes da mulher e como bandeira a
aspiração do menos elevado, fazendo a mulher simplesmente obter igualdade aos
medíocres que compunham o sistema.Para Lima,
e sua concepção tão elevada da mulher, ela atuando junto ao homem, as
exigências do feminismo só podiam ser encaradas como rebaixamento da condição
feminina, portanto, censuráveis.
Em outro viés, enfatizando a
deterioração do casamento como motivo do aviltamento da mulher, só reconheceria
grandeza no movimento feminista da época se atacasse esse problema central: não
o fazia, ignorava-o. – “(...) contra tão desgraçada situação de nossa
mulher, edificada com a estupidez burguesa e a superstição religiosa, não se
insurgem os borra-botas feministas que há por aí (...).-crônica “Voto
feminino”).
Lima Barreto não via no movimento feminista nada de
grandioso, de heróico, de superior, mas sim uma articulação feminina burguesa
para meramente conseguir, por meios não legais, cargos públicos, onde a mulher,
em lugar de realizar a sua natureza mais nobre, iria ter a possibilidade de
exercitar o seu lado, segundo ele, mais vulgar. Via o movimento como
eminentemente elitista, que nada mais buscava além de estender às mulheres os privilégios
de que gozavam os medíocres que compunham o sistema. Sem o mínimo pendor
social, limitava-se tão somente a reivindicar
direito a voto e a cargos públicos, constituía-se em aglutinação para
tentar obter a extensão às mulheres das regalias de que gozavam os membros
masculinos dos grupos dominantes.
De notável e inquestionável
consciência social, avesso a qualquer forma de autoritarismo,
intransigente denunciante do drama das
minorias no Brasil do final do século XIX --
negros e mestiços excluídos do mercado de trabalho no período
pós-abolição, a exploração dos operários – Lima Barreto tratou com vigor a
opressão contra as mulheres, não as que ele chamava “burguesa republicana
alienada”,mas principalmente as humildes, pobres, algumas delas mulatas,
submetidas a uma sociedade machista e injusta, submissas a pais ou padrastos ou
irmãos, ou maridos ou noivos ou namorados dominadores e agressivos, a patrões e
senhores exploradores,e em especial carentes de oportunidades de educação e
limitadas a formação educacional e cultural insuficiente, alijadas de círculos
sociais.
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