segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Lima Barreto, 90 anos -- II


no dia 1 novembro de 1922 -- portanto há 90 anos -- morria Lima Barreto. qual um réquiem, apresentam-se aqui,a cada dia desta semana, claves temáticas às quais ele dedicou muito de suas reflexões,suas críticas,seus escritos.

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Lima Barreto e Educação

Lima Barreto, nunca alheio às questões de  seu tempo, ser pensante e militante como era,  tratou da Educação -- questão histórica nacional , a atravessar os séculos sem lograr  satisfazer, a níveis razoáveis (para não dizer desejáveis, ou obrigatórios) – e os  problemas,carências,insuficiências a ela inerentes,com as lucidez e discernimento críticos que lhe eram peculiares,  registrado, comentado, denunciado tanto na nãoficção quanto na ficção, em crônicas,artigos,textos,contos,novelas e romances.
A se  ressaltar o pioneirismo, talvez exclusividade, de Lima nesse campo : foi ele o primeiro,e a meu juízo o único, dos literatos – refiro-me a escritores,entre romancistas,contistas,poetas, etc , não a ensaístas e especialistas e teóricos do assunto – a debruçar, discorrer,refletir, sobre a educação brasileira de seu tempo. Tudo evidentemente, e coerentemente como não poderia ser de outro modo, sob o viés e as lentes de sua conhecida, vigorosa, ‘aguerrida’ visão política que imprimiu à sua vida e à sua obra.
                                                                                                                                       
As críticas e reflexões que aparecem nos escritos de Lima Barreto revelam aspectos relevantes – muitos deles presentes,e não-resolvidos, até hoje – do cenário educacional do Brasil nas primeiras décadas do século XX, época em que o debate em torno da universalização da escola estava posto, e que até  procurava-se formular um projeto de educação popular. Os teóricos e educadores profissionais brasileiros se constituíram como tal somente a partir das décadas de 1920 e de 1930 -- até então, o pensamento educacional expressava-se por meio de reflexões sociopolíticas, realizadas por publicistas veiculadas particularmente pela imprensa.
Daí a importância das precursoras  apreciação e reflexão de Lima Barreto –  por meio de artigos,crônicas, referências e menções em contos e romances  -- sobre a educação no País, (inclusive no inerente à mulher) , nas primeiras décadas do século XX , formulando  uma  crítica , ainda que  de forma assistemática,  à organização da educação escolar, à  qualidade do ensino e  deficiências dos currículos escolares, às formação e desempenho de professores, ao “bacharelismo”, à incompetência ,em suma  à política educacional brasileira então em vigor.[1]

Lima Barreto oferece  uma crítica clara à inadequação do ensino à realidade brasileira, pela falta de um programa que propiciasse uma efetiva formação técnica, ou pela importação de modelos que não respondiam às necessidades nacionais. No seu olhar para a educação brasileira à época, Lima -- atento aos mecanismos educacionais imbuídos nos processos sociais -- sobretudo incorpora e propõe-se a exprimir a própria concepção política de Educação, em que esta  teria como finalidade tanto o crescimento do homem em si quanto concomitantemente contribuir para a transformação da sociedade.
Todo arsenal crítico de Lima Barreto à educação escolar condensa-se – até mais do que ao caráter elitista do sistema escolar brasileiro -- na questão da sua má qualidade, da sua fragilidade e superficialidade. As consistência, veemência, acuidade e discernimento de seu enfoque o colocam, indiscutivelmente, na vanguarda da crítica social produzida em sua época e o diagnóstico que elabora da formação escolar de sua época antecipa as questões básicas que especialistas e teóricos da educação iriam acentuadamente,e formalmente, apontar, em 1932, no “Manifesto dos Pioneiros da educação Nova: ao povo e ao governo”.
                                                                        
                                                                              Lima Barreto e educação da mulher

Importante observar, na apreciação barretiana sobre educação em geral, o olhar que dedicava à mulher, à sua formação escolar e o processo educativo a elas estabelecido. Foi acerbado crítico da carência de oportunidades educacionais às mulheres, e veemente defensor da obrigatoriedade de serem a elas conferidas melhores possibilidades de educação – o que, de resto, apenas confirmava a posição analítico-reflexiva que dispensava à mulher em sua ficção e nãoficção (cf. ROSSO, 2010).

Sustentava que somente por meio de uma instrução mais aprimorada a mulher, como ‘alicerce da família’, poderia abrir seus horizontes  e dispor da   competência necessária para educar os filhos com discernimento. Para ele, a instrução feminina contribuía de forma decisiva para a do homem e seu engrandecimento enquanto ci­dadão: da educação dada aos filhos dependia o destino das gerações e conseqüentemente da sociedade.

Na obra ficcional, Lima Barreto  aborda a questão da educação e das relações de gênero : suas personagens femininas , assim como a maioria das mulheres do início do sécu­lo, viam a educação simplesmente como um meio para se faze­rem mais agradáveis a seus companheiros ; não buscavam por uma emancipação intelectual – o que justamente levava  Lima a propugnar  por melhores oportunidades educacionais para o sexo feminino[2]. Apesar de a maioria de suas personagens principais serem mulheres inteligentes, com certo grau de erudição, mantinham-se  circunscritas à es­fera do lar, refletindo os padrões culturais da época:  predominava  o conceito de ser a mulher mais sentimental e amorosa do que intelectiva e filosófica. Segundo Lima, era essa essencialmente a causa de  infelicidade existencial e conjugal da mulher.[3] Apesar disso, à exceção de Clara dos Anjos todas as personagens  femininas de Lima  Barreto estudaram – ainda que ,em sua maioria, em colégios religiosos, o que era acentuadamente criticado por ele, também nas crônicas e artigos, sugerindo para as mulheres uma educação mais aberta, mais completa, mais eficiente do que a educação religiosa.


[1] Um dos traços característicos do século XIX, no Brasil, era a importância atribuída à atividade intelectual como mola propulsora de mudanças sociais: uma das soluções preconizadas para os males do país residia na ilustração, resultando na supervalorização da figura do doutor. Ao homem das idéias era oferecido todo o poder de intervenção na sociedade daquele tempo. A literatura do período, de certo modo, absorveu essa ideologia ilustrada, principalmente no romance realista, com sua  linguagem cientificista e conversão dos textos  em uma espécie de caso clínico seguido de receita.
   Lima Barreto,porém,  opta pela contramão desse discurso e  adota a linha satírica ao fustigar  os doutores ,e em especial os “falsos doutores da Bruzundanga”, no conjunto de sua obra, ora com a ridicularização, ora condenando-os à loucura.Basicamente, execrava a intelectualidade da época,o doutor visto como privilegiado,para ele a figura que aglutina os mecanismos regulatórios do exercício do poder no Brasil,primando pela empáfia,pela superficialidade,pela alienação.

[2] Se por vezes, e em alguns textos, retrata a mulher ‘fútil’,vazia de cultura e de idéias,dada a “prendas domésticas e ofícios de costureira, apenas a artes e música.”, na verdade põe em cheque e denuncia justamente a ‘não educação’ oferecida as mulheres.
[3] A rigor ,e na essência, Lima culpava a educação feminina por ser uma das responsáveis por casamentos errôneos, fracassadas, frustrados, dissolvidos : sem ter outro objetivo em sua vida, pela carência e insuficiência de educação,  a  mulher era despreparada para a vida conjugal
             (...) Em geral, na nossa sociedade burguesa, todo o casamento é uma decepção. É, sobretudo, uma decepção para a mulher. A sua educação estreitamente familiar e viciada pelas bobagens da instrução das Dorotéias (jesuítas de saia) e outras religiosas; a estreiteza e monotonia de suas relações, numa única classe de pessoas, às vezes mesmo de uma só profissão, não dão às moças, que, comumente, se casam em verdes anos, critério seguro para julgar os seus noivos, senão os exteriores da fortuna, títulos, riqueza e um nome mais assim.(...)
                       crônica “Os uxoricidas e a sociedade brasileira” (Revista Contemporânea   08.03.1919 )
     O  pior é que a tendência do romance naturalista brasileiro de então era condenar as mulheres de casamento frustrado à loucura (cf. Flora Süssekind, in Tal Brasil, qual romance?, Rio de Janeiro: Achiamé, 1987, p. 53-62).





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