segunda-feira, 29 de outubro de 2012
Lima Barreto, 90 anos -- II
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Lima Barreto e Educação
Lima Barreto, nunca alheio às
questões de seu tempo, ser pensante e
militante como era, tratou da Educação
-- questão histórica nacional , a atravessar os séculos sem lograr satisfazer, a níveis razoáveis (para não
dizer desejáveis, ou obrigatórios) – e os
problemas,carências,insuficiências a ela inerentes,com as lucidez e discernimento
críticos que lhe eram peculiares,
registrado, comentado, denunciado tanto na nãoficção quanto na ficção,
em crônicas,artigos,textos,contos,novelas e romances.
A se ressaltar o pioneirismo, talvez exclusividade,
de Lima nesse campo : foi ele o primeiro,e a meu juízo o único, dos literatos –
refiro-me a escritores,entre romancistas,contistas,poetas, etc , não a
ensaístas e especialistas e teóricos do assunto – a debruçar,
discorrer,refletir, sobre a educação brasileira de seu tempo. Tudo
evidentemente, e coerentemente como não poderia ser de outro modo, sob o viés e
as lentes de sua conhecida, vigorosa, ‘aguerrida’ visão política que imprimiu à
sua vida e à sua obra.
As críticas e reflexões que
aparecem nos escritos de Lima Barreto revelam aspectos relevantes – muitos
deles presentes,e não-resolvidos, até hoje – do cenário educacional do Brasil
nas primeiras décadas do século XX, época em que o debate em torno da
universalização da escola estava posto, e que até procurava-se formular um projeto de educação
popular. Os teóricos e educadores profissionais brasileiros se constituíram
como tal somente a partir das décadas de 1920 e de 1930 -- até então, o
pensamento educacional expressava-se por meio de reflexões sociopolíticas,
realizadas por publicistas veiculadas particularmente pela imprensa.
Daí a importância das
precursoras apreciação e reflexão de
Lima Barreto – por meio de
artigos,crônicas, referências e menções em contos e romances -- sobre a educação no País, (inclusive no
inerente à mulher) , nas primeiras décadas do século XX , formulando uma
crítica , ainda que de forma
assistemática, à organização da educação
escolar, à qualidade do ensino e deficiências dos currículos escolares, às
formação e desempenho de professores, ao “bacharelismo”, à incompetência ,em
suma à política educacional brasileira
então em vigor.[1]
Lima Barreto oferece uma crítica clara à inadequação do ensino à
realidade brasileira, pela falta de um programa que propiciasse uma efetiva
formação técnica, ou pela importação de modelos que não respondiam às necessidades
nacionais. No seu olhar para a educação brasileira à época, Lima -- atento aos
mecanismos educacionais imbuídos nos processos sociais -- sobretudo incorpora e
propõe-se a exprimir a própria concepção política de Educação, em que esta teria como finalidade tanto o crescimento do
homem em si quanto concomitantemente contribuir para a transformação da
sociedade.
Todo arsenal crítico de Lima
Barreto à educação escolar condensa-se – até mais do que ao caráter elitista do
sistema escolar brasileiro -- na questão da sua má qualidade, da sua
fragilidade e superficialidade. As consistência, veemência, acuidade e
discernimento de seu enfoque o colocam, indiscutivelmente, na vanguarda da
crítica social produzida em sua época e o diagnóstico que elabora da formação
escolar de sua época antecipa as questões básicas que especialistas e teóricos
da educação iriam acentuadamente,e formalmente, apontar, em 1932, no “Manifesto
dos Pioneiros da educação Nova: ao povo e ao governo”.
Lima
Barreto e educação da mulher
Importante observar, na
apreciação barretiana sobre educação em geral, o olhar que dedicava à mulher, à
sua formação escolar e o processo educativo a elas estabelecido. Foi acerbado
crítico da carência de oportunidades educacionais às mulheres, e veemente
defensor da obrigatoriedade de serem a elas conferidas melhores possibilidades
de educação – o que, de resto, apenas confirmava a posição analítico-reflexiva
que dispensava à mulher em sua ficção e nãoficção (cf. ROSSO, 2010).
Sustentava que somente por meio
de uma instrução mais aprimorada a mulher, como ‘alicerce da família’, poderia
abrir seus horizontes e dispor da competência necessária para educar os filhos
com discernimento. Para ele, a instrução feminina contribuía de forma decisiva
para a do homem e seu engrandecimento enquanto cidadão: da educação dada aos
filhos dependia o destino das gerações e conseqüentemente da sociedade.
Na obra ficcional, Lima
Barreto aborda a questão da educação e
das relações de gênero : suas personagens femininas , assim como a maioria das
mulheres do início do século, viam a educação simplesmente como um meio para
se fazerem mais agradáveis a seus companheiros ; não buscavam por uma
emancipação intelectual – o que justamente levava Lima a propugnar por melhores oportunidades educacionais para
o sexo feminino[2].
Apesar de a maioria de suas personagens principais serem mulheres inteligentes,
com certo grau de erudição, mantinham-se
circunscritas à esfera do lar, refletindo os padrões culturais da
época: predominava o conceito de ser a mulher mais sentimental e
amorosa do que intelectiva e filosófica. Segundo Lima, era essa essencialmente
a causa de infelicidade existencial e
conjugal da mulher.[3]
Apesar disso, à exceção de Clara dos Anjos todas as personagens femininas de Lima Barreto estudaram – ainda que ,em sua
maioria, em colégios religiosos, o que era acentuadamente criticado por ele,
também nas crônicas e artigos, sugerindo para as mulheres uma educação mais
aberta, mais completa, mais eficiente do que a educação religiosa.
[1] Um dos traços característicos do século XIX, no
Brasil, era a importância atribuída à atividade intelectual como mola
propulsora de mudanças sociais: uma das soluções preconizadas para os males do
país residia na ilustração, resultando na supervalorização da figura do doutor.
Ao homem das idéias era oferecido todo o poder de intervenção na sociedade
daquele tempo. A literatura do período, de certo modo, absorveu essa ideologia
ilustrada, principalmente no romance realista, com sua linguagem cientificista e conversão dos
textos em uma espécie de caso clínico
seguido de receita.
Lima Barreto,porém, opta pela contramão desse discurso e adota a linha satírica ao fustigar os doutores ,e em especial os “falsos
doutores da Bruzundanga”, no conjunto de sua obra, ora com a ridicularização,
ora condenando-os à loucura.Basicamente, execrava a intelectualidade da época,o
doutor visto como privilegiado,para ele a figura que aglutina os mecanismos
regulatórios do exercício do poder no Brasil,primando pela empáfia,pela
superficialidade,pela alienação.
[2] Se por vezes, e em alguns textos, retrata a mulher
‘fútil’,vazia de cultura e de idéias,dada a “prendas domésticas e ofícios de
costureira, apenas a artes e música.”, na verdade põe em cheque e denuncia
justamente a ‘não educação’ oferecida as mulheres.
[3] A rigor ,e na essência, Lima culpava a educação
feminina por ser uma das responsáveis por casamentos errôneos, fracassadas,
frustrados, dissolvidos : sem ter outro objetivo em sua vida, pela carência e
insuficiência de educação, a mulher era despreparada para a vida conjugal
(...) Em geral, na nossa sociedade burguesa, todo o casamento é uma decepção.
É, sobretudo, uma decepção para a mulher. A sua educação estreitamente familiar
e viciada pelas bobagens da instrução das Dorotéias (jesuítas de saia) e outras
religiosas; a estreiteza e monotonia de suas relações, numa única classe de
pessoas, às vezes mesmo de uma só profissão, não dão às moças, que, comumente,
se casam em verdes anos, critério seguro para julgar os seus noivos, senão os
exteriores da fortuna, títulos, riqueza e um nome mais assim.(...)
crônica “Os uxoricidas e
a sociedade brasileira” (Revista Contemporânea 08.03.1919 )
O pior é que a tendência do romance naturalista brasileiro
de então era condenar as mulheres de casamento frustrado à loucura (cf. Flora
Süssekind, in Tal Brasil, qual romance?,
Rio de Janeiro: Achiamé, 1987, p. 53-62).
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