sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A eternidade de “Mestre Graça”


há 120 anos  nascia mais do que um dos maiores escritores da literatura brasileira  um grande pensador : Graciliano Ramos. Salve  “Mestre  Graça” e a eternidade de sua obra.
e extremamente relevante e oportuno rever – e refletir – sua atuação como prefeito de Palmeira dos Índios, Alagoas, em 1928  : constitui um modelo impecável para a classe política brasileira de hoje e para os executivos municipais ora eleitos.

Certamente não era pela qualidade dos produtos oferecidos que os habitantes do município de Palmeira dos Índios, no agreste alagoano, viviam na loja de tecidos Sincera. Nada contra as mercadorias. Mas a alma do negócio era o próprio dono, um intelectual que largava o balcão, punha cadeiras na calçada em frente ao comércio e, entre doses de café e cachaça, discorria horas sobre a Revolução Francesa. A gente pobre se deliciava. Resolvia comprar. E sensibilizado com o aperto financeiro dos conhecidos, Graciliano Ramos vendia fiado.
O comércio não mexia com a imaginação de Graciliano. Aos 22 anos (nasceu a 27 de outubro de 1892, em Quebrângulo, Alagoas) foi tentar a sorte no Rio de Janeiro. Já trabalhava como revisor e escrevia crônicas quando um telegrama interrompeu o sonho de ser um escritor. Chegava a notícia da morte de três irmãos, num só dia, e do péssimo estado da mãe, todos vítimas da peste bubônica. Atarantado,  voltou ao sertão, e lá ganhou notoriedade.
Em 1926, o prefeito de Palmeira dos Índios apareceu fuzilado. De tanto recusar o convite dos amigos para sair candidato, espalhou-se o boato de que Graciliano estava com medo de fracassar. "Apareça quem disse que eu não sabia montar em burro bravo!", desafiou. Ninguém apareceu e ele venceu as eleições sem fazer campanha. Logo que assumiu o cargo, em 1928, decretou o recolhimento dos bois, cavalos e porcos que andavam soltos nos passeios públicos. Os donos eram severamente multados. Sobrou até para o pai do escritor. Certo dia, o fiscal encontrou algumas vacas do velho em liberdade. Sebastião Ramos protestou, mas o filho não teve dúvida: "Lavre a multa; prefeito não tem pai."
O homem que lia Marx em francês na adolescência deu asas às suas inspirações e enviou a prestação de contas ao governador em linguagem literária. Não se sabe como, mas o texto brilhante foi parar nas mãos do editor carioca Augusto Frederico Schmidt. Ele supôs que quem escrevia relatórios como aqueles  deveria ter algum romance escondido na gaveta. Schmidt acertou e mandou publicar Caetés, lançado quando Graciliano já contava 41 anos. A austeridade do administrador resultou no convite para dirigir a Imprensa Oficial do Estado, equivalente a uma Secretaria de Educação.
Detido sob a falsa acusação de participar da Levante Comunista de 1935, Graciliano passou dez árduos meses preso no Rio de Janeiro. O inferno foi retratado em Memórias do cárcere. Deixou a cadeia em janeiro de 1936 e nunca mais voltou para Alagoas. Ao contrário, trouxe a mulher, Heloísa, e duas filhas para uma pensão no Catete, no Rio. "Parecia ser um sujeito ríspido, mas no fundo isso não passa de estereótipo", lembra o jornalista Moacir Werneck de Castro, então vizinho de Graciliano. O extraordinário crítico Otto Maria Carpeaux escreveu : “A mestria singular de Graciliano Ramos reside no seu estilo. Para salvar esta frase da apreciação ‘lugar-comum’ é apenas preciso definir o que é estilo: escolha de palavras, escolha de construções, escolha de ritmos dos fatos, escolha dos próprios fatos para conseguir uma composição perfeita, perfeitamente pessoal: pessoal, no caso, ‘à maneira de Graciliano Ramos’. Estilo é escolha entre o que deve perecer e o que deve sobreviver. É muito meticuloso. Quer eliminar tudo o que não é essencial: as descrições pitorescas, o lugar-comum das frases feitas, a eloqüência tendenciosa. Seria capaz de eliminar ainda páginas inteiras, eliminar os seus romances inteiros, eliminar o próprio mundo. Para guardar apenas o que é essencial, isto é, conforme o conceito de Benedetto Croce, o ‘lírico’. O lirismo de Graciliano Ramos é amusical, adinâmico, estático, sóbrio, clássico, classicista, traindo, às vezes, um oculto passado parnasiano do escritor. Não quer agitar o mundo agitado; quer fixá-lo, estabilizá-lo. Elimina implacavelmente tudo o que não se presta a tal obra de escultor.Os romances de Graciliano Ramos são experimentos para acabar com o sonho de angústia que é a nossa vida.”.
As dificuldades financeiras acompanharam Graciliano até o fim da vida. Sua produção literária era lenta e mal-remunerada. Acumulava as funções de inspetor de ensino e revisor do Correio da Manhã. A filiação ao Partido Comunista aconteceu em 1945, quando o PCB saiu da ilegalidade do Estado Novo. Foi um membro ativo, mas nunca se submeteu ao patrulhamento ideológico dos companheiros, que insistiam para que sua obra se voltasse para um realismo socialista. Preferia denunciar a miséria brasileira por meio de personagens ásperos e uma linguagem sem rebuscamento..
Sua franqueza cortante foi espionada até o último dia. Graciliano Ramos não resistiu ao câncer no pulmão causado pelos três maços diários de cigarros Selma. Na manhã do dia 20 de março de 1953, o telefone tocou na Casa de Saúde São Victor. "Pode me informar se Graciliano Ramos faleceu?" "Sim, senhor", responderam. "Meus pêsames. É do Departamento de Ordem Política e Social. Desejávamos saber se podíamos inutilizar a ficha dele." Como se as idéias morressem com o corpo.

                                                aos prefeitos recém-eleitos – e aqueles a ora se elegerem   

   Muitos escritores imprimiram a suas obras literárias conotações políticas. Graciliano Ramos fez o caminho inverso: transformou a mais árida política em literatura. Quando prefeito de Palmeira dos Índios, de 1928 a 1930, redigiu os mais bem-escritos relatórios -- dirigidos ao governador do estado -- de que se tem notícia. Saiu-se na política quase tão bem quanto na literatura. A atenção que deu à educação quando prefeito rendeu-lhe o convite para assumir a direção da Instrução Pública de Alagoas. No cargo, revolucionou os métodos de ensino utilizados no estado.
   Hoje, em plena vigência – e cobramos o  perfeito cumprimento, por parte de todos -- da benvinda  Lei de Responsabilidade Fiscal, vale lembrar que os princípios  da “gestão fiscal responsável” já eram inerentes à atuação de Graciliano à frente da Prefeitura de Palmeira dos Indios. As medidas administrativas do então prefeito ficaram famosas em virtude da divulgação dos “Relatórios de Prestação de Contas” enviados ao governador de Alagoas -- como este de 16 junho 1929:

        Relatório ao sr. governador Álvaro Paes

Receita – 96:924$985
   No orçamento do ano passado houve supressão de várias taxas que existiam em 1928. A receita, entretanto, calculada em 68:850$000, atingiu 96:924$985.
  E não empreguei rigores excessivos. Fiz apenas isto: extingui favores largamente concedidos a pessoas que não precisavam deles e pus termo às extorsões que afligiam os matutos de pequeno valor, ordinariamente raspados, escorchados, esbrugados pelos exatores. (...)
Administração – 22:667$748
 Figuram 7:034$558 despendidos com a cobrança das rendas, 3:518$000 com a fiscalização e 2:400$000 pagos a um funcionário aposentado. Tenho seis cobradores, dois fiscais e um secretário.
Todos são mal remunerados. (...)
Cemitério – 243$000
  Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável. Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não reclamam.
Iluminação – 7:800$000
  A prefeitura foi intrujada quando, em 1920, aqui se firmou um contrato para o fornecimento de luz. Apesar de ser o negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo às escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá. (...)
Instrução – 2:886$180
  Instituíram-se escolas em três aldeias: Serra da Mandioca, Anum e Canafístula. (...) Presumo que esses estabelecimentos são de eficiência contestável. As aspirantes a professoras revelaram, com admirável unanimidade, uma lastimosa ignorância. Escolhidas algumas delas, as escolas entraram a funcionar regularmente, como as outras. Não creio que os alunos aprendam ali grande coisa. (...)
Miudezas
   Não pretendo levar ao público a idéia de que os meus empreendimentos tenham vulto. Sei perfeitamente que são miuçalhas. Mas afinal existem. E, comparados a outros ainda menores, demonstram que aqui pelo interior podem tentar-se coisas um pouco diferentes dessas invisíveis sem grande esforço de imaginação ou microscópio.
  Quando iniciei a rodovia de Sant’Ana, a opinião de alguns munícipes era de que ela não prestava porque estava boa demais. Como se eles não a merecessem. E argumentavam. Se aquilo não era péssimo, com certeza sairia caro, não poderia ser executado pelo município. (...)
Projetos
  Tenho vários, de execução duvidosa. Poderei concorrer para o aumento da produção e, conseqüentemente, da arrecadação. (...) Iniciarei, se houver recursos, trabalhos urbanos. (...)
  Empedrarei, se puder, algumas ruas.
  Tenho também a idéia de iniciar a construção de açudes na zona sertaneja.
  Mas para que semear promessas que não sei se darão frutos? Relatarei com pormenores os planos a que me referia quando eles estiverem executados, se isto acontecer.
  Ficarei, porém, satisfeito se levar ao fim as obras que encetei. É uma pretensão moderada, realizável. Se não realizar, o prejuízo não será grande.
  O município, que esperou dois anos, espera mais um. Mete na prefeitura um sujeito hábil e vinga-se dizendo de mim cobras e lagartos.
Procuro  sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só há curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis.
 Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas anônimas, e adoeça, e se morda por não ver a infalível maroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ainda para os que dela se servem como assunto invariável: há quem não compreenda que um ato administrativo seja isento de lucro.
                  Graciliano Ramos

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