domingo, 22 de julho de 2012
um inédito de Santos Dumont
excertos do texto de sua
inédita autobiografia"O que eu vi, O que nós veremos",escrito no ano
de 1918 em sua casa em Petrópolis (hoje atração turística-cultural da cidade) –
a que ele mesmo deu a denominação de “A Encantada”.
Publicarei a obra em edição
especial aqui em Petrópolis
_____________
O que eu vi, O que nós veremos.
Estas notas são dedicadas aos meus patrícios que desejarem ver o nosso céu povoado
pelos Pássaros do Progresso
Nova York, 15 de maio de 1918
Santos Dumont,
Inventor
A princípio tinha-se que lutar
não só contra os elementos, mas também contra os preconceitos: a direção dos
balões e, mais tarde, o vôo mecânico eram problemas "insolúveis".
Eu também tive a honra de
trabalhar um pouco, ao lado destes bravos, porém o Todo Poderoso não quis que o
meu nome figurasse junto aos deles.
As primeiras lições que recebi de
aeronáutica foram-me dadas pelo nosso grande visionário: Júlio Verne. De 1888,
mais ou menos, a 1891, quando parti pela primeira vez para a Europa, li, com
grande interesse, todos os livros desse grande vidente da locomoção aérea e
submarina. Algumas vezes, no verdor dos meus anos, acreditei na possibilidade
de realização do que contava o fértil e genial romancista; momentos após,
porém, despertava-se, em mim, o espírito prático, que via o peso absurdo do
motor a vapor, o mais poderoso e leve que eu tinha visto. Naquele tempo, só
conhecia o existente em nossa fazenda, que era de um aspecto e peso
fantásticos; assim o eram, também, os tratores que meu pai mandara vir da
Inglaterra: puxavam duas carroças de café, mas pesavam muitas toneladas...
Senti um bafejo de esperança quando meu pai me anunciou que ia construir um
caminho de ferro para ligar a fazenda à estação da Companhia Mogiana; pensei
que nestas locomotivas, que deviam ser pequenas, iria encontrar base para a
minha máquina com que
realizar as ficções de Júlio
Verne. Tal não se deu; elas eram de aspecto ainda mais pesado. Fiquei,
então,certo de que Júlio Verne era um grande romancista.
*
(...)
No dia 13 de julho de 1901, às 6
horas e 41 minutos, em presença da Comissão Científica do Aero Club,parti para
a Torre Eifel. Em poucos minutos, estava ao lado da torre; viro e sigo, sem
novidade, até o Bois de Boulogne. O sol, mostra-se neste momento e uma brisa
começa a soprar, leve, é verdade, porém, bastante,nessa época, para quase parar
a marcha da aeronave. Durante muitos minutos, o meu motor luta contra a aragem,
que se ia já transformando em
vento. Vejo que vou sair do bosque e talvez cair dentro da
cidade.
Precipito a descida e o aparelho
vem repousar sobre as árvores do lindo parque do Barão de Rotschild. Era
necessário desmontar tudo, com grande cuidado, afim de que não se danificasse,
pois pretendia reparar minha embarcação para concorrer de novo ao prêmio
Deutsch.
*
(...)
Reposto o balão e estado de
funcionar, revistas e consertadas todas as suas peças, cheio de novo, fiz
experiências preliminares. Convocada novamente a Comissão do Aero Club, parti
para a Torre Eiffel que circunaveguei de novo; mas, ao voltar,
desarranjou-se-me a máquina nas alturas do Trocadero. Manobro para escolher um
bom lugar para descer. Supunha ter sido feliz em minhas manobras e esperava
descer em uma rua, quando ouço um grande estrondo, grande como o de um tiro de
canhão; era a ponta do balão que, na descida, que foi rápida, tocara o telhado
de uma casa.
Um saco de papel cheio de ar,
batido de encontro a uma parede, arrebenta-se, produzindo um grande ruído; pois
bem, o meu balão, saco que não era pequeno, fez um barulho assim, mas... em
ponto grande.
Ficou completamente destruído.Não
se encontrava pedaço maior do que um guardanapo!
Salvei-me por verdadeiro milagre,
pois fiquei dependurado por algumas cordas, que faziam parte do balão, em
posição incomoda e perigosa, de que me vieram tirar os bombeiros de Paris.
Os amigos e jornalistas me
aconselharam a ficar nisso e não continuar em minhas ascensões, da última das
quais me salvara por verdadeiro milagre. O conselho era bom, mas eu não pude
resistir à tentação de continuar; não sabia contrariar o meu temperamento de
sportsman.
Convoquei-os para nova
experiência daí a três semanas. Eu sabia dos elementos com que podia contar; já
conhecia, em Paris, umas vinte casas especialistas, cada qual, de um trabalho,
e já tinha conquistado a simpatia dos contramestres e operários de quem podia
esperar a maior dedicação e serviço rápido.
*
(...)
Eu, para quem já passou o tempo
de voar, quisera, entretanto, que a aviação fosse para os meus jovens patrícios
um verdadeiro sport.
Meu mais intenso desejo é ver
verdadeiras escolas de aviação no Brasil. Ver o aeroplano – hoje poderosa arma
de guerra, amanhã meio ótimo de transporte - percorrendo as nossas imensas
regiões, povoando o nosso céu, para onde, primeiro, levantou os olhos o Padre
Bartolomeu Lourenço de Gusmão.
Santos Dumont
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