terça-feira, 3 de julho de 2012

Brasil X Argentina, segundo Arthur Azevedo

a propósito da eterna rivalidade Brasil-Argentina [e desse Corinthians X Boca Juniors, pela decisão da Libertadores da América,em 04.07], e pelos também duelos na ficção literária : um delicioso conto criado por Arthur Azevedo em 1897 (e que encontra-se em meu livro,ora publicado -- junho 2012, ImãEditorial,impresso e e-book-- Arthur Azevedo: cenas da comédia humana - contos em claves temáticas(o conto está sob a  rubrica "política e esperteza")

 As pílulas
Há muitos anos havia no Rio de Janeiro um boticário, em cujo estabelecimento se reuniam todas as noites - das sete às dez - uns indivíduos que não faziam outra coisa senão discutir sobre política.
Uma noite apareceu na roda, levado por um dos mais velhos frequentadores da botica, certo oficial argentino, revolucionário, que fora deportado da sua terra, e andava comendo o  negro pão do exílio ...no Frères Provençaux
Desde o instante em que esse elemento exótico apareceu na botica, cessou completamente a cordura que havia naquelas confabulações tranquilas e burguesas.
O argentino a propósito de tudo deprimia os homens e as coisas do país que  o agasalhava, poupando, nas suas impertinências invectivas, apenas a nossa natureza.
A roda era pacata; nenhum dos presentes tomava a peito, com o indispensável ardor, a defesa, aliás facílima, da nossa terra; e quando um deles se atreveu a dirigir-se em voz mais alta ao argentino, este de tal sorte gritou, gesticulou e regougou , e tantas vezes bateu com a bengala no chão  e na grade que separava o  boticário dos seus fregueses, que houve ajuntamento de transeuntes à porta da botica. .
O dono da casa, homem de bom natural, que raro se envolvia nas conversas, aviando pachorrentamente lá dentro as receitas enquanto cá fora se discutia com mais ou menos calor, o dono da casa dessa vez saiu do sério e do almofariz, e veio dizer ao revolucionário que não gritasse tanto.
É  bem de ver que o homenzinho, habituado a revoltar-se contra os governos de seu país, não suportaria que um simples boticário lhe viesse dizer que não gritasse.
Gritou mais e mais, e tais coisas disse, que o dono da casa acabou por gritar também.
- Ponha-se no olho da rua, seu patife ! bradou-lhe num tom que não admitia réplicas.
E, segurando o argentino pela cintura, obrigou.o, com um empurrão, a dar um pulo até o  meio da rua.
*
No dia seguinte o boticário foi desafiado para um duelo. Entraram-lhe em casa dois sujeitos mandados pelo argentino, que lhe pediram indicasse dois amigos com quem eles se entendessem para regular as condições do encontro.
O boticário, sem levantar os olhos do alambique, disse-lhes que sim, que as suas testemunhas lá iriam ter ;  mas desde logo preveniu aos dois sujeitos que, sendo ele o desafiado, cabia-lhe a escolha das armas.
-- O nosso comitente aceita qualquer arma, pois todas maneja com igual perícia. Já teve quinze duelos no Rio da Prata; matou sete adversários e feriu oito !
-- Pois olhem, meus senhores, respondeu o boticário sempre às voltas com o alambique -- a mim não me há de ele matar nem mesmo ferir.
Nesse mesmo dia reuniram-se as quatro testemunhas e acordaram que o duelo se realizaria na manhã seguinte, no Jardim Botânico. O boticário forneceria as armas.
                                                                 *
À hora convencionada achavam-se a postos os adversários, os padrinhos e um médico levado pelo argentino.
- Então? as armas? ... perguntou este, olhando em volta de si.
- As armas cá estão, disse o boticário aproximando-se e tirando uma caixinha da algibeira do colete. Escolhi estas.
E, abrindo a caixinha, mostrou duas pílulas .
 - Pílulas ! exclamaram todos.
- Pílulas, sim. Este senhor é um militar, um duelista que se gaba de ter matado sete homens, e que maneja perfeitamente a espada, o sabre e a pistola ; eu sou um pobre boticário, que não tem feito outra coisa em sua vida senão remédios. Se algum dia matei alguém, fi-lo sem ter consciência disso... Cabia-me a escolha das armas : escolhi as minhas ...
- Mas isso não é sério ! exclamou o revolucionário.
-- É mais sério do que usted supõe ; uma destas pílulas tem dentro ácido prússico ;  a outra é inofensiva. Tiremo- las à sorte, engulamo- las, e o que tiver escolhido a envenenada em poucos segundos deixará de pertencer ao número dos vivos.
E, apresentando a caixinha ao adversário :
- Sirva-se.
- Nunca ! não me presto a um duelo ridículo !
- Ridículo? ora essa ! trata-se de um duelo de morte, e eu não os compreendo senão assim. Quando aqui vim foi disposto a morrer ou a matar.-- Vamos, faça  favor de escolher uma das pílulas !
O argentino estava lívido.
- Se  usted não quer escolher, escolho eu ; mas se não é um covarde, tem que tomar a outra imediatamente, porque os efeitos do ácido prússico são prontos !
E, tirando uma das pílulas, engoliu-a serenamente.
-Bom; já engoli uma ; vá ! a outra ! depressa !...
O  revolucionário não se podia ter nas pernas.
 - Ah! não quer engolir a outra? Pois engulo-a eu, porque são ambas de miolo de pão, e usted é um  maricas !
E engoliu a outra pílula.
                                                              *
Nesse mesmo dia o argentino deixou o Rio de Janeiro. Foi comer noutra parte o negro pão do exílio.




Um comentário:

Jorge Ramiro disse...

Eu creio que nao deve haver rivalidades entre os povos da América do Sul. Porque todos nós somos irmãos. Além disso, com uma economia regional, como a Europa, os países podem crescer. Você também pode ter uma própria moeda. Mas tome cuidado com isso. Eu não sei muito sobre economia, eu trabalho em uma otica brasil. Mas eu acho que os países do América do Sul tem que crescer juntos. Países irmãos não devem ser inimigos.