quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

modernismo, 90 anos – III

-- o Modernismo começou bem antes de 1922 e a verdadeira ‘revolução’ se  deu depois –

Revolução’ ,mesmo, somente  em 1924.

O nacionalismo, a mais marcante característica do Modernismo, iria separar ideologicamente os adeptos do movimento, opondo os grupos “Pau-Brasil”,e depois “Antropofágico”(que incorporava o comunismo, o freudianismo e o matriarcalismo), de  Oswald de Andrade , Raul Bopp e Tarsila do Amaral , e  o “Verde-Amarelismo , de Menotti del Picchia, Plínio Salgado e Cassiano Ricardo. Estudiosos sustentam que a verdadeira ‘revolução’ modernista se deu mesmo em 1924 – há exatos 80 anos ,portanto – ano do rompimento de Graça Aranha  com a Academia Brasileira de Letras, ano do “Manifesto Pau-Brasil”, de Oswald de Andrade, anos de dois textos fundamentais de Mario de Andrade : A escrava que não é Isaura — a ‘teoria’ do modernismo compendiada — e seu  livro mais ousado, em termos formais, Losango caqui.

Há de se enfatizar o interesse dos intelectuais, escritores e artistas do Modernismo pela psicanálise e pelas teorias então insurgentes de Freud : ao longo da década de 1920 os modernistas exploram as teses freudianas nos principais textos e revistas do movimento, e em muitos de seus textos de ficção (além de Mana Maria,por exemplo,o romance Salomé, de  Menotti del Piccha , é nitidamente inspirado de Estudos sobre a histeria,de Bleuer e Freud ;  os conceitos de pulsão, consciente e subconsciente, e sexualidade aparecem  em Paulicéia desvairada, em  Amar, verbo intransitivo  e em  Macunaíma , de Mário de Andrade; de Oswald de Andrade —leitor “compulsivo”, segundo ele, de Totem e tabu e de Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, de Freud —encontram-se referências à doutrina freudiana não só na Revista de Antropofagia mas também nos manifestos "Pau Brasil" e "Antropófago",e em Um homem sem profissão e em Memórias sentimentais de João Miramar; e a primeira tradução brasileira de um texto de Freud. "Cinco lições de Psicanalise", feita pelo psiquiatra mineiro chamado Hilario Pimentel, apareceu em A Revista, editada por Carlos Drummond de Andrade no final da década de 1930).
Segundo os estudiosos, nada mais coerente pois os modernistas “estavam todos voltados para as vanguardas européias", e a  Semana de 22 vingou rapidamente porque “da mesma maneira que as idéias de Freud , era libertadora e correspondeu a um espírito daquele período". No começo da década de 1920, observa Nicolau Sevcenko , “os intelectuais paulistas parecem divididos entre o desejo de modernidade e a crença no progresso e no futuro de um lado e, o medo, a angustia e a incerteza de outro, daí a enorme curiosidade sobre as teorias de Freud e sobre temas como sexualidade, agressividade, misticismo, feminismo , tratados  à luz da psicologia social e da psicanálise” .

Escusados os elementos de cunho claramente ideológicos,  o confronto entre as duas correntes se dá no plano estético-artístico em torno de concepções como “cosmopolitismo x regionalismo”, entre outros aspectos.Contrapõem-se , por exemplo, o esforço de Mário de Andrade para superar a concepção geográfica do espaço em Macunaína(1928)  à “geografização da realidade” presente em Martim Cererê(1926), de Cassiano Ricardo , em que “a epopéia bandeirante realiza a ‘paulistanização’ do Brasil”. Para os verde-amarelos, São Paulo se apresenta como o cerne da nacionalidade brasileira, justamente pela sua configuração geográfica, foi São Paulo que deu início ao processo nacionalizador, “cabe a São Paulo, portanto, coordenar todas as vozes regionais, assegurando a comunhão brasileira”. São Paulo corporificaria a própria idéia de nação.

Deflagrada a efervescência de 1922, pode-se afirmar que a verdadeira ‘revolução’ modernista se deu mesmo em 1924 – há exatos 80 anos ,portanto – ano do rompimento de Graça Aranha  com a Academia Brasileira de Letras, ano do “Manifesto Pau-Brasil”, de Oswald de Andrade, anos de dois textos fundamentais de Mario de Andrade : A escrava que não é Isaura — a ‘teoria’ do modernismo compendiada — e seu  livro mais ousado, em termos formais, Losango caqui.

Adiante, o ano de 1928 representou uma ‘encruzilhada’ decisiva : revelou-se uma certa impotência da corrente antropofágica para promover a grande transformação implícita em seus princípios  no que se propunha a fazer, enquanto o “Verde-amarelismo” prenunciou e ativou as divisões políticas que viriam na década de 1930. Foi em 1928 que se deu a publicação de Macunaíma,  máxima obra literária do movimento, excepcional romance-retrato do Brasil de grande miscigenação cultural — as tradições culturais indígenas dos primórdios ao lado da modernidade europeizada dos centros urbanos brasileiros da época — e a publicação de Retrato do Brasil, de Paulo Prado, inaugurando o ensaio de cunho ao mesmo tempo histórico e sociológico que abriria caminho para o grande ciclo de “interpretações do Brasil”..À renovação estética modernista,na década de 1920, alia-se na década  seguinte  o ensaio de interpretação e crítica social, que tenta recontar o processo de formação histórica do país: a procura da identidade social passa igualmente pela busca premente de uma ponte entre uma completa renovação cultural e a reforma da sociedade, uma ponte entre a modernidade e a modernização do país .

O ano de 1930 é a época de instauração do Estado Novo, que se ‘apropria’ ideológica e retoricamente  do Modernismo — Getulio Vargas declarava  em seu  discurso de posse: “As forças coletivas que provocaram o movimento revolucionário do Modernismo na literatura brasileira  foram as mesmas que precipitaram no campo social e político a Revolução de 1930 (seguindo uma sugestão formulada por Cassiano Ricardo) — mas inicia um período de intensa fermentação política, social  e cultural. É na primeira metade dessa década  que nascem as primeiras tentativas de interpretação de conjunto da história, da economia e da sociedade brasileira.Sobretudo a  prosa literária se desenvolve, ficcionalmente no romance e no conto, que retratam decadência da aristocracia rural, a formação do proletariado urbano, a luta do trabalhador, o êxodo rural, as cidades em rápida transformação — os cenários para a expansão e proliferação dos ensaios de interpretação do País, de Gilberto Freyre , Paulo Prado (Retrato do Brasil),  Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) ,Caio Prado Júnior (Formação do Brasil contemporâneo), todos lastreados pela ‘índole’ modernista em busca da síntese explicativa dos múltiplos aspectos da vida social brasileira e de seu desenvolvimento histórico.

Acima de tudo um processo de mudança cultural , em direção a uma nova reconstrução sócio-política da identidade nacional, o Modernismo “difunde-se no tempo, balizando grande parte dos sequentes debates intelectuais, espalha-se no espaço, o poderoso ímã da literatura interferindo com a tendência sociológica, dando origem àquele gênero misto de ensaio, construído na confluência da história com a economia, a filosofia ou a arte, que é uma forma bem brasileira de investigação e descoberta do Brasil”, sentencia Antonio Candido.Irradiante , difuso e difusor, o Modernismo modelou substancialmente a literatura brasileira no século e desdobrou-se pelas décadas seguintes em  irreversível processo de  amadurecimento : uma terceira fase  do movimento,na busca de uma nova linguagem, que expressasse os anseios de renovação do pós-guerra, veio na denominada “geração de 1945”, depois, na Poesia Concreta, da mesma forma na Poesia-Práxis , na atual narrativa em prosa —   caracterizada esta por novas formas de  linguagem , ora intensa e ágil, ‘cinematográfica’ , ora densa e introspectiva, ‘filosófica’,e pela preponderante ambiência urbana retratando “a vivência vertiginosa nas grandes cidades”, confluiu no último decênio do século XX e no despontar deste Terceiro Milênio para o irreversível despontar  de uma nova geração de escritores, que abre espaço na literatura brasileira..






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