sexta-feira, 11 de dezembro de 2009


a propósito da conferência da ONU sobre as mudanças climáticas ,em Copenhague ,convém saber que uclides da Cunha -- sim, ele -- foi dos primeiros pensadores brasisleiros a se preocupar com a ecologia : pode mesmo ser considerado o primeiro ecologista do País.


a ecopolítica em Euclides
De olhar voltado prioritariamente para o interior do país , Euclides da Cunha foi rigorosamente o primeiro intelectual brasileiro a cultivar e externar preocupações com o meio ambiente, inclusive fazendo da ecologia um tema político, de propostas de ação política. Como não poderia mesmo deixar de ser , face à sua formação consolidada, é sob o prisma e lentes do positivismo que registra,observa e critica os embates entre uma civilização, sempre improvisada, com a natureza do país : críticas essencialmente liberais, que essencialmente lançavam as bases, inéditas no país , avançadas ao extremo em seu tempo e antecipadoras dos conceito e elementos do desenvolvimento sustentável , na permanente preocupação euclidiana no conciliar progresso com a preservação ambiental.
Ainda com 18 anos,lavrava um protesto em seu primeiro trabalho no jornal O Democrata de 4 abril 1884 –pequeno jornal dos alunos do colégio Aquino,onde estudava desde 1883, no qual inclusive foi aluno de Benjamin Constant,professor de matemática,que iria em 1886 reencontrar na Escola Militar e nele insuflar os ardores republicanos ; no artigo, externando o interesse e apreço pela natureza que estaria presente em toda sua obra,ao lado de descrever em viagem de bonde para o colégio as maravilhas do cenário natural que descortinava,as matas e florestas da cidade do Rio de Janeiro, criticava o progresso representado pela estrada de ferro que degradava a natureza
“(...)Ah ! Tachem-me muito embora de antiprogressista e anticivilizador, mas clamarei sempre e sempre: - o progresso envelhece a natureza, cada linha do trem de ferro é uma ruga e longe não vem o tempo em que ela, sem seiva, minada, morrerá! E a humanidade, não será dos céus que há de partir o grande "Basta" (botem b grande) que ponha fim a essa comédia lacrimosa(...)Tudo isto me revolta ,me revolta vendo a cidade dominar a floresta,a sarjeta dominar a flor!”
Escritor avançado para o Brasil dos 1890\ 1900, fortalecido pelo espírito científico,enriquecido pela cultura sociológica,esmerado pela especialização geográfica e geológica, Euclides viu os sertões com um olhar mais amplo,abrangente e profundo que o de um geógrafo puro, mais do que de um simples geólogo, muito mais que de qualquer antropólogo.Desenha,disseca e ‘interpreta’ – pioneiramente –o cenário dos sertões, descrevendo com rigorosa exatidão as formação, estrutura e nuances geológicas e climáticas da região– a “terra ignota” ; a partir daí, compõe sua reflexão sobre a seca , a incapacidade geral do país em resolver o problema – evocando exemplos bem-sucedidos de soluções corretoras dos efeitos das secas adotada por povos(“a exploração científica da terra,coisa vulgaríssima hoje em todos os países, é uma preliminar obrigatória do nosso progresso”) e em diversos escritos propõe soluções técnicas, como a irrigação, para a questão no Brasil : se é capaz de criar desertos, o homem poderia também extingui-los – e a utilização política da seca que tem servido para “a retórica de congressos e conferências,para projetos mirabolantes,para justificar uma burocracia voraz, perfeitamente digna de salvar o Nordeste nas esquinas da Avenida [assim] O Brasil não resolve seu grande problema,que não é apenas administrativo porque é igualmente moral,social e político”.
Depois, nos textos “Fazedores de Desertos”, publicado originalmente em 1901,em O Estado de S. Paulo , e “Entre as Ruínas”, em O Paiz,1904 -- cuja primeira versão, sob o título “Viajando” , é de 1903, em O Estado de S. Paulo – suas críticas não se dirigem particularmente a ninguém , muito menos a um governo,e sim ‘credita’ ao próprio avanço humano o efeito maléfico na vegetação, nos recursos hídricos, nos solos, no clima e por extensão,segundo ele,na própria civilização , provocado pelas queimadas provocadas por uma agricultura ainda com métodos herdados do período colonial (clamor que Monteiro Lobato também expressaria anos mais tarde,quase que com as mesmas palavras e discurso). Como na maioria de seus textos sobre o tema, Euclides confronta riquezas passadas e farturas naturais com uma realidade arruinada -- “temos sido um agente geológico nefasto e um elemento de antagonismo terrivelmente bárbaro da própria natureza que nos rodeia” – explica,algo didaticamente, o processo de agricultura itinerante que ia tornando a terra cada vez mais desabrigada e pobre,e evoca a história ao atribuir a devastação florestal,como um ciclo desde os primórdios, ao indígena brasileiro , continuada pelo colonizador,feito um “terrível fazedor de desertos”, fosse o garimpeiro, “atacando a terra nas explorações mineiras a céu aberto, esterilizando-a com o lastro das grupiaras,retalhando-a a pontaços de aluvião” ou lavrador,“eliminando, a partir do mau ensinamento aborígene [a queimada] as grandes extensões de matas e florestas e aviltando o clima”, tornados ambos herdeiros de um modelo nefasto de uso da terra, agravando-o a ponto de esterilizar sua fertilidade e tornar a paisagem uma ruína só, de natureza e de pessoas,inclusive desencadeando fenômenos climáticos e geológicos na formação de desertos e do regime das secas – as quais dissecaria como ninguém ao dedicar-se ao sertão..
Euclides contestava um modelo “peculiar e oportunista” de desenvolvimento,então incipiente com a implementação da República, que “povoa despovoando”, “não multiplica as energias nacionais, desloca-as”, fazendo “ avançamentos que não são um progresso” , indo “ao acaso, nesse seguir o sulco das derribadas, deixando atrás um espantalho de civilização tacanha nas cidades decaídas circundadas de fazendas velhas”. Sob todos os aspectos e ângulos, o engenheiro social transformava-se e assume o engenheiro ecológico
À “exploração científica da terra(...)preliminar obrigatória do nosso progresso”, Euclides preconizava acoplar uma ação técnica de engenharia para o saneamento geológico de terras,extinção de desertos, reordenação de grandes áreas e conformações geográficas, prospecção e inventário de recursos e riquezas naturais. E mais : sustentava a urgência de implementação de um grande projeto de integração viária , substituindo as vias naturais,caminhos rústicos,picadas, estradas estéreis , e em decorrência de povoamento e ocupação , entre as regiões norte,sul e a Amazônia – sobre a qual lançou um olhar pioneiro e absolutamente atual, diga-se de passagem.aliás, a Amazônia tornada rota e destino de fuga dos sertanejos assolados pela seca.
Ninguém antes de Euclides dedicou-se com tanta ênfase, profundidade e esforço – inclusive vivenciando graves vicissitudes – e em especial pioneirismo,à Amazônia.Foi o primeiro dos literatos brasileiros a expressar o efetivo intento de conhecê-la in loco e entre todos a,de um lado, retratar e revelar,dramaticamente, aquele “paraíso perdido” (um livro intitulado “Amazônia,um paraíso perdido” era um dos projetos mais acalentados por Euclides,que não chegou a realizá-lo ),de outro despertar,em textos ‘reivindicantes, vingadores’, o conhecimento e a discussão dos gritantes problemas que afligiam(afligem) a região – segundo ele um outro Brasil,aliás um novo Brasil . Suas conclusões de ordem sociológica e antropológica são consideradas revolucionárias para a época,e absolutamente atuais com relação à Amazônia – sob a indestrutível consciência euclidiana , de malefícios justamente provocados pelo homem na ocupação desordenada,ambiciosa e destruidora da região.
Sob o escopo de seu projeto de integração nacional, a Amazônia com a exuberância de seus espaços e riquezas naturais ainda inexplorada, seria o destino inevitável dos contingentes saídos de outras regiões por adversidades climáticas,geológicas,geográficas e especialmente sociais e econômicas,constituindo-se na “ mais dilatada diretriz de expansão de nosso território”, para seus olhos embevecidos o “deslumbrante palco onde mais cedo ou mais tarde se há de concentrar a civilização do globo” – daí vindo a ser um dia objeto de cobiça estrangeira, vítima do expansionismo e ambições territoriais das potências mundiais(“a expansão imperialista das grandes potências é um fato de crescimento... e a conquista dos povos é uma simples variante da conquista de mercados”), o que exigia, sustentava Euclides, imediata e eficaz ação por parte das autoridades e do Poder Público para completas defesa e integração da Amazônia .Em suma, atestado da atualidade de muitas de suas reflexões, prevendo o debate que iria surgir no mundo mais tarde, pleiteava uma civilização brasileira que confrontasse os interesse globais, pois temia que “a Amazônia, mais cedo ou mais tarde se destacará do Brasil, como se destaca um mundo de uma nebulosa”.
Na Amazônia, por Euclides, a ecopolítica recebe novas lentes : o olhar euclidiano sobre a região e seu ‘destino no Brasil e no mundo’ envereda e lança as primeiras luzes para a geopolítica,rigorosamente nos moldes,diga-se, dos mais atuais e importantes debates .

[excerto de meu livro Escritos de Euclides da Cunha : política,ecopolítica,etnopolítica – edPUC-Rio\Loyola]


Um comentário:

Edney Martins disse...

Mauro, essa informação é um deleite e um resgate importantíssimo da figura de Euclides da Cunha. Fico aqui no aguardo do lançamento do livro para seguir viajando com ele (e contigo) por esse Brasil. Abraço. Edney